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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. v.16 n.13 São Paulo dez. 2008

 

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PESQUISAS

 

A meia idade e a alta modernidade

 

 

Maria Elisa de Mattos Pires Ferreira*

Centro Universitário FIEO, Osasco, SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este texto objetiva desvelar o viver das pessoas de “meia-idade” hoje. Trata-se de uma investigação exploratória fenomenológico-existencial. Aborda as características do mundo contemporâneo e a fenomenologia. Dirige-se a quem vive a meia-idade e a quem com ela trabalha ou convive.

Palavras-chave: Meia-idade, Educação de adultos, Fenomenologia.


ABSTRACT

The objective of this text is to show the life of the “middle-age" people. It refers to a phenomenological and existential exploratory inquiry. It approaches the characteristics of the contemporary world and of the phenomenology. It’s directed to who lives the middle age and to the persons that work with them or that they live with them.

Keywords: Middle age, Adults education, Phenomenology


 

 

Introdução

Escrevo este trabalho às vésperas de completar quarenta anos de profissão. Embora já haja exercido as mais diversas funções na área da Educação, foi como docente que vivi a maior parte desse tempo. Foi principalmente na sala de aula, portanto, que me constitui educadora e construí a visão que hoje possuo a respeito da profissão que exerço. Mesmo não sendo desprezível a experiência que acumulei ao ocupar diferentes cargos do sistema nacional de educação, vivendo a dinâmica dos três níveis de ensino e as suas articulações, foi especialmente na cotidianidade e no diálogo com os estudantes que me fiz aprendiz da vida. Nessa caminhada, aprendi incontáveis coisas, entre elas que num mundo em constante transformação, e com a expansão contínua de nossas consciências, nenhuma resposta pode ser considerada definitiva. Mesmo para as velhas e desgastadas perguntas, pode haver novas respostas, sempre... Foi nessa convicção que me decidi por investigar como é estar vivendo a “meia-idade” hoje?

Essa questão despontou em meu espírito depois de anos voltados à infância e à adolescência. Ela surgiu quando diversifiquei meu exercício de professora passando a lecionar para a “meia-idade”. Embora ninguém saiba muito bem definir o que seja "meia idade", costumamos chamar dessa forma as pessoas na faixa dos 50 anos.

Em razão da dupla experiência (o espaço de trabalho e a vida pessoal), cresceu em mim o interesse por essa fase da vida. Tal interesse começou a se sobrepor aos muitos outros que possuo. Para satisfazê-lo, debrucei-me sobre as obras de estudiosos do tema e envolvi-me em diálogos com meus alunos e alunas dessa idade, indagando-lhes como é vivê-la na alta modernidade. Fiz, o que se pode dizer, uma pesquisa exploratória, sem maiores intenções do que esclarecer o que sentem, o que pensam, como vivem. Segui as orientações de uma pesquisa fenomenológica existencial (Cf. GOMES, 1997). É o que descobri que proponho partilhar com o leitor.

Quando digo “alta modernidade”, refiro-me ao tempo atual, época em que nossa cultura passa por uma grande e profunda crise, cuja presença se percebe em todas as esferas de nossa sociedade. Defendo que colhemos, hoje, as conseqüências da modernidade, a qual pode ser entendida como um estilo, costume de vida ou organização social que surgiu na Europa a partir do século XVII e que posteriormente, em maior ou menor grau, se tornou mundial em sua influência e vêm se radicalizando e universalizando como nunca (GIDDENS, 1991).

Nossa época é marcada pela desorientação, pela impressão de que não nos é possível compreender os acontecimentos mundiais e pela sensação de estarmos perdendo o controle sobre aquilo que nós próprios construímos (GIDDENS, 2002).

Contudo, levar em conta apenas as dificuldades da atualidade não é razoável, porque juntamente com os obstáculos surgem oportunidades novas e interessantes. Alguns estudiosos, como Lyotard (1989), entendem que já estaríamos numa nova época, ou seja, a modernidade teria sido superada. Entretanto, Giddens (1991) discorda dessa posição; para ele, em vez da civilização ocidental já haver entrado num novo período, o que vivemos é um tempo em que as conseqüências da modernidade estão se radicalizando e se universalizando de modo nunca antes visto. Hoje, diz ele, até podemos perceber os contornos de uma ordem nova e diferente, mas que ainda não seria um período de “pós-modernidade”.

Partilhando da posição de Giddens é que busco compreender como é viver a meia-idade nestes conturbados tempos. Essa busca se justifica porque temos aqui uma sobreposição de crises: a conhecida e comentada “crise da meia-idade” associada à “crise da modernidade”. Como fica o educador diante dessa situação? Por outro lado, se ele estiver também na meia-idade e enfrentando a “crise da educação”, não é justo e importante que possua uma melhor compreensão de tantas e tumultuadas transições?

Espero que este texto possa contribuir tanto para os que lidam com seres humanos dessa faixa etária quanto para os que por ela passam, esclarecendo ao menos em parte, o que é próprio dessa época da vida, quais são suas possibilidades e limitações.

 

Sobre o método da investigação

Frente à minha indagação, compreendi que o método fenomenológico existencial (GOMES, 1997) seria o que melhor me permitiria chegar à tão esperada resposta. Afinal, a fenomenologia, em virtude de seu caráter de inconclusão, de permanente devir, partilhando da dinamicidade e da provisoriedade dos momentos da existência, poderia me dar os meios necessários para captar as dimensões e possibilidades do viver na meia-idade nos dias atuais.

Etimologicamente, o significado do termo “fenomenologia” aponta para o estudo dos fenômenos, percebendo-os como se apresentam a nós. A proposta fenomenológica consiste em interrogar o que se manifesta diante de nossos olhos, para compreendê-lo em suas variadas dimensões.

Quando me refiro à compreensão, trago nela embutida a intenção de des-velar o fenômeno, ou seja, de retirar os véus que o encobrem e impedem-me de vê-lo em sua essência. A caminhada não é fácil, pois é preciso um grande esforço para que consigamos manter à distância nossos pré-conceitos, o que sabemos ou pensamos saber a respeito de “o que é a coisa”, deixando que “a coisa” (o que desejamos saber/conhecer) nos surpreenda trazendo informações até então por nós insuspeitadas. Afinal, como tudo o que há é inesgotável em sua perspectividade, sempre é possível se lançar um novo olhar sobre os mesmos objetos e deles se obter novas e fascinantes descobertas.

Na minha busca, a opção pela trajetória metodológica justificou-se na própria razão de ser das ciências humanas, que procuram todo o tempo entender o que se passa com a nossa espécie, conosco e com os nossos semelhantes (DARTIGUES, 1996).

A fenomenologia mostrou-se-me, assim, a epistemologia mais adequada para compreender meu fenômeno, pois ela consegue lidar com um mundo cuja configuração é extremamente complexa, por vezes caótica, em permanente movimento e transformação. Na perspectiva fenomenológica, pesquisar é ir ao encontro do que se quer compreender e criar condições para que ele se revele. Os instrumentos empregados nesse processo são menos importantes do que o olhar do investigador, isto é, do modo como ele se chega ao fenômeno para que o mesmo se ilumine.

Para a fenomenologia, a meia-idade, nosso objeto de estudo, jamais se mostrará como está sendo hoje se não passarmos pelo como ela está sendo hoje para as pessoas que a vivem, pois o “ser das coisas” somente se apresenta no mundo e na vivência dos seres humanos. Dessa forma, a meia-idade certamente se mostrará de modo diverso para cada um dos que nela estão, pois é o ser humano em sua facticidade, debatendo-se com suas circunstâncias pessoais, quem percebe o fenômeno.

Na visão fenomenológica, a essência do ser não se encontra “na coisa”, mas na rede de significados que vai se constituindo à medida que os homens se articulam uns com os outros, partilhando os significados que cada qual atribuiu a ela (CRITELLI, 2006). Então, se as coisas não são em si mesmas, elas podem se apresentar de um modo novo para cada novo olhar, para cada novo tempo. Se a época atual diverge das que anteriormente conhecíamos, se o que presencio em meus alunos e o que vivo em minha própria existência não se assemelha aos tempos de minha mãe e de minhas avós, então “como é viver a meia-idade hoje?”

Sem me estender mais em considerações sobre o método de investigação, relato a seguir os passos que dei para conseguir o desvelamento do fenômeno que me desafiava em sua ocultação.

 

A investigação

Havendo me decidido pela pesquisa qualitativa fenomenológica, optei por entrevistar alunos na faixa de 45 a 60 anos de Instituições de Ensino Superior onde tenho fácil acesso. Contatei trinta e duas pessoas que se encaixavam nesse perfil e as convidei para participar da investigação, explicando-lhes meus motivos. Por diversas razões, apenas nove se dispuseram a colaborar: seis do sexo feminino e três do masculino.

Escolhi a entrevista para coletar os dados porque ela é adequada para o estudo de experiências conscientes (GOMES, 1997). Decidi-me por elaborar um pequeno roteiro, flexível e aberto o suficiente para dar liberdade ao entrevistado de se expressar sem se sentir coagido e sem perder sua espontaneidade. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. Segui os passos da fenomenologia existencial de Merleau-Ponty (GOMES, 1997).

Entrevistei-os separadamente em horário e local tranqüilos, evitando possíveis perturbações. Iniciei os diálogos com a pergunta: “Como está sendo para você viver a meia-idade?”. Após a consigna, deixei-os falar à vontade, procurando não interferir em seu discurso, apenas solicitando quando necessário que me esclarecessem algum ponto obscuro.

Transcritas as gravações, continuei seguindo os passos indicados pela metodologia fenomenológica existencial de Merleau-Ponty (GOMES, 1997), como relato a seguir.

O primeiro passo consistiu na obtenção dos depoimentos dos sujeitos (que Merleau-Ponty denomina “descrição fenomenológica”). De posse das descrições, realizei a redução fenomenológica e, a seguir, a interpretação fenomenológica (segundo e terceiros passos). Toda a investigação depende das descrições fornecidas pelos entrevistados:

A tarefa de descrever desvenda progressivamente a postura de um sujeito em relação ao mundo em que vive, revelando um modo de existir. O resultado é a definição de um sentido, de uma perspectiva, enfim, de uma intencionalidade. (GOMES, 1997, s.p.)

A fase de trabalhar os depoimentos obtidos (passos dois e três), serviu para que eu, enquanto pesquisadora, pudesse captar em seus discursos as unidades de significado que buscava, pois quando o sujeito se expressa, não está realizando uma descrição passiva das situações por ele vividas, mas ele se envolve totalmente nelas, todo o seu ser está ali presente: suas expressões corporais, a tonalidade e modulações da voz, seus sentimentos, por exemplo.

 

O que as obras lidas me desvelaram

Pelas leituras que fiz, não foi difícil constatar que há algum tempo os cientistas estão investigando os processos de desenvolvimento humano após a fase de crescimento propriamente dita. O que eles têm percebido é que à medida que o crescimento mensurável cessa, os padrões de mudança se tornam mais variáveis e complexos, aumentando a influência da sociedade e da cultura (FISKE, 1981).

Inúmeras mudanças acontecem na fase adulta, até as características pessoais, que se costumava ter como estabelecidas no final da adolescência sofrem consideráveis alterações (VAILLANT, 1977). Essas constatações têm trazido dúvidas sobre teorias anteriores que aceitavam que privações e fatos ocorridos na infância poderiam impedir a pessoa de mudar futuramente na vida.

Jung (2003) notou existirem tendências entre homens e mulheres para uma troca de valores e papéis na segunda metade da vida: os primeiros tornam-se mais interessados em pessoas e mais emotivos; as segundas, tornam-se mais assertivas e decididas. Estudos mais recentes deram apoio à teoria de Jung (GUTMANN, 1977; NEUGARTEN, 1968).

A verdade é que é na meia-idade muitas pessoas conseguem atingir o máximo em suas realizações. É uma época de tensão, com novos desafios no trabalho e novas responsabilidades, a partida dos filhos do lar, novos compromissos emocionais.

Quando os estudiosos começaram a se interessar pelas mudanças na idade adulta, surgiram vários trabalhos sobre homens de meia-idade, focando principalmente a diminuição do desempenho sexual e a perda de poder. Nessa época, poucos estudos tratavam da problemática feminina (FISKE, 1981). Hoje, entretanto, há inúmeros trabalhos sobre a mulher. O que se descobriu é que existe uma grande diferença entre os processos de desenvolvimento de cada um dos sexos: em quase todas as áreas da vida, uma mulher jovem é muito mais parecida com uma mulher mais velha do que com um homem de sua própria idade, e o mesmo ocorre com o grupo masculino.

Entre homens e mulheres as preocupações e responsabilidades são diferentes. À medida que o tempo passa, as mulheres de meia-idade ficam mais preocupadas com a saúde física, mas inquietam-se mais com a saúde do marido do que com a sua própria. Os homens dessa idade também têm esse tipo de preocupação, mas admitem-na menos, provocando frustração nas esposas com a sua aparente indiferença frente às prescrições médicas.

Mais comuns a ambos os sexos são as ansiedades quanto à possibilidade de alteração radical em seus estilos de vida e, mais ainda, é a de se tornarem dependentes financeira e/ou economicamente dos filhos, parentes ou instituições.

Preocupações dessa ordem têm mais peso para as mulheres porque, historicamente, têm sido elas as responsáveis pelos cuidados com seus pais ou sogros idosos; elas têm mais consciência de que existe a possibilidade de também ficarem dependentes em todos os sentidos de seus filhos, noras, netos, ou outros parentes. Além disso, elas conhecem o desgaste físico, econômico e emocional que essa situação cria para o cuidador e para o seu casamento. Quanto aos homens, quando há um idoso na família, cabe-lhes, em geral, o ônus de arcar com a parte financeira e em fazer-lhes visitas periódicas, mas são menos assaltados por “sentimentos de culpa” frente à situação vivida. Normalmente, é a mulher que costuma se sentir culpada ao pensar que não fez tudo o que poderia ou deveria ter feito pelos idosos da sua família.

Mesmo mais suscetíveis a “remorsos”, as mulheres são mais flexíveis a mudanças e crescimento. Várias delas desenvolvem interesses e objetivos próprios quando o filho mais novo deixa o lar, tornando-se mais satisfeitas com a vida e consigo. O principal indício de adaptação é a “alegria de viver”.

Outro ponto a ser destacado é o interesse que as pessoas de meia-idade demonstram pela saúde e pela longevidade. Sempre que se reúnem, há conversas e divulgações de fatos relativos ao equilíbrio orgânico e psíquico, bem como de crendices e superstições.

Trabalhos científicos mostram que certos tipos de tensão emocional afetam adversamente a saúde de determinadas pessoas (OMS, 2001). As que são trabalhadores intensos, ambiciosos, hipertensos, têm muito maior probabilidade de sofrerem ataques cardíacos. Mas, há outra variável que interfere na qualidade da saúde das pessoas: seus recursos internos e externos. Há as que prosperam quando colocadas sob tensão, mas os pesquisadores costumam ignorar essas “idiossincrasias” porque gente desse tipo não se torna paciente. A questão da estatística tem sido alvo de discussões, pois somente aqueles que procuram auxílio médico têm seus casos registrados, os que sobrevivem à tensão ou conseguem resolver seus problemas por si mesmos não são estatisticamente conhecidos (FISKE, 1981).

Alguns momentos decisivos e algumas transições na vida associam-se a classe, a cultura e especialmente a sexo. Não são universais. Na nossa cultura, as mulheres de meia-idade, em especial as que não trabalham fora do lar, costumam passar por um período de desajuste psicológico quando os filhos saem de casa para levarem suas próprias vidas, é a chamada “crise do lar vazio”. Este problema não costuma atingir os homens. A atenção deles, nessa época da vida, está mais voltada para o trabalho, para os planos financeiros e para a aposentadoria.

Muitas mulheres de meia-idade sentem-se desajustadas, com problemas de identidade (FISKE, 1981). O futuro parece-lhes vazio, impossível de ser planejado. Apresentam mais problemas psicológicos do que qualquer outro subgrupo e até chegam às vezes a pensar em suicídio (FISKE, 1981). São pessoas que em geral têm suas vidas confinadas à família e a uma ou duas amigas. Suas realizações restringem-se aos filhos. Ao preverem a possibilidade do “lar vazio”, seu estado de ânimo torna-se o de um silencioso desespero.

Enquanto boa parte das mulheres se queixa de ter “problemas de comunicação” com o marido, os homens admitem que há falta de espontaneidade e franqueza com a esposa quando os filhos não estão em casa para servir de distração. Nesse momento, o grau de afeição entre as pessoas pode ser expresso por meio de um animal de estimação, o qual serve de elemento mediador. Muitos homens, sujeitos à “crise de meia-idade masculina”, têm casos com mulheres mais novas, principalmente se perdem o interesse em investir energia no trabalho.

As pessoas variam enormemente quanto às causas geradoras de tensão. Em regra geral, aqueles que experimentam pouca tensão têm perspectivas mais limitadas de si mesmos, do tempo e do resto do mundo. Se de um lado isto pode significar mais vantagens psicológicas e sociais, de outro lado esse grupo costuma contar com menos recursos internos e externos.

Fiske, frente à tensão, classifica as pessoas em quatro tipos: os esmagados, os estimulados, os autoderrotados e os felizes (FISKE, 1981).

Os esmagados são rodeados por situações carregadas de tensão, referem-se constantemente a elas e parecem revivê-las constantemente, mesmo aquelas que já ocorreram num passado remoto.

Os estimulados também são rodeados por muitas tensões, mas não estão muito preocupados com elas. Quando falam delas o fazem brevemente e passam para assuntos que consideram mais interessantes.

Os autoderrotados, embora possam viver sob pouca tensão, carregam a vida com temas de perdas e privações, parecendo reviver o tempo todo a perturbação emocional original.

Os felizes raramente discutem as tensões tidas, as perdas não fazem parte de suas histórias de vida. Muitos deles são místicos, crêem em Deus, nos astros ou no destino. Declaram sentirem-se felizes e abençoados.

A maioria das pessoas costuma ter reações previsíveis para situações consideradas tensas. Os homens de meia-idade são mais propensos a se estimularem por tensão considerável, diferentemente dos mais jovens, enquanto que estes e os velhos preferem o mínimo de tensão. Quanto às mulheres, a relação é diferente: as jovens preferem a tensão como estímulo e as de meia-idade sentem-se melhor quando o nível de tensão é baixo (FISKE, 1981). Entretanto, gostando ou não delas, “sem tensão não há vida” (SÉLYÉ, 1975).

O problema mostra-se muito sério para as mulheres de meia-idade: pesquisas feitas nos EUA mostraram que 93% delas, quando atingidas por um nível mais alto de tensão, sentem-se esmagadas (FISKE, 1981). Tudo indica que a causa dessa situação está no fato de parte das mulheres viverem protegidas dentro do lar, menos expostas que os homens aos desafios da vida, dificultando-lhes o crescimento e a instrumentalização diante de dificuldades maiores.

Quanto às que trabalham fora e têm jornada de trabalho dupla, além do serviço externo ficam com a incumbência de cuidar do lar, fazer as compras, preparar o jantar, organizar as tarefas para o dia seguinte e, muitas vezes, precisam ainda cuidar dos pais ou dos sogros idosos. Essa sobrecarga de trabalho funciona como uma tensão adicional.

Muitas pessoas, sejam elas de classe média ou média baixa, são ansiosas acerca de si mesmas ou do futuro. As estimuladas não desistem facilmente diante dos obstáculos, não culpam a sociedade nem o destino pelos insucessos ocorridos. Têm muitos interesses e acabam por desenvolver estilos de vida autônomos. Entretanto, é possível que mesmo assim apresentem alguns problemas físicos, geralmente brandos. Mas, seja qual for o caso, apresentam muito mais otimismo do que muita gente saudável. No conjunto, são muito menos sujeitas a doenças do que as “esmagadas”. Há, contudo, fatores de ordem cultural que influenciam para que pessoas estimuladas sofram um decréscimo em sua satisfação: são os preconceitos contra o envelhecimento.

Quanto à crise do “lar vazio”, muitas mulheres ao superá-la desenvolvem um modo de viver mais autônomo. Embora o esvaziamento do lar possa parecer a causa da angústia, ele freqüentemente é o evento disparador de emoções acumuladas há muito tempo, resultantes do sentimento de estarem sendo tolhidas devido ao papel social imposto a seu sexo.

Entre as pessoas de meia-idade, as que possuem padrões de vida mais autônomos podem encontrar expressão no trabalho, no lazer ou em ambas as coisas. Via de regra, até a idade de trinta ou quarenta anos, os indivíduos do sexo masculino demonstram satisfação com o que fazem. Depois dessa época, pode acontecer de viverem anos de tédio. Para o grupo dos assalariados, em meio a suas mais freqüentes preocupações estão a hipótese da perda do emprego e o enfrentamento da inevitável fase da aposentadoria — temas que se tornam insistentes em suas conversas. Embora digam que a causa desse tipo de preocupação está relacionada com o sustento material, o cerne da angústia pode ser outro: o que farão dali para frente para se manterem socialmente produtivos e eficazes?

Entre as mulheres, existem indícios de diferenças de classe. Na medida em que buscam auto-expressão no trabalho ou em outro setor, as representantes das classes médias e inferiores se preocupam menos com a esfera interpessoal. Já as profissionais, do tipo “bem-dotado”, não apresentam mudança como essa. Muitas estavam se tornando conscientes de saídas mais satisfatórias.

Se em um casal, homem e mulher tomam consciência de suas necessidades simultaneamente, a situação entre ambos pode ficar difícil. Algumas mulheres, não podendo dar expansão às suas necessidades fora do lar, tornam-se assertivas ali. Por isso, frente à ameaça da possível violação por parte do marido do seu território, ela se torna agressiva.

No entanto, os diferentes caminhos seguidos pelo homem e pela mulher na meia-idade podem se tornar expressão de competência e de criatividade, proporcionando saídas para compromissos interpessoais.

Nessa fase da existência, a maioria das pessoas sabe o que as frustra ou as desafia. O que traz prazer pode tanto estar presente na vida profissional quanto no lazer. São os sentimentos e as atitudes acerca das atividades usuais que revelam os verdadeiros interesses dos indivíduos, mostrando como a vida familiar e a profissional podem se complementar. Assim, há quem necessite de um lazer oposto ao de seu trabalho (por exemplo, quem trabalha o dia todo em um escritório procura praticar esportes mais movimentados), mas há quem prefira continuar fazendo, no lazer, algo muito parecido com o que faz no trabalho (por exemplo, trabalha na cozinha de um restaurante e sente muito prazer em convidar pessoas para almoçar em sua casa nos fins de semana).

Até recentemente, as teorias sobre o desenvolvimento humano baseavam-se geralmente na idéia de que as características formadas no início da vida e na adolescência permaneciam constantes. Mas estudos atuais demonstram ser isso uma ultra-simplificação. Por outro lado, eles revelaram correlações entre os tipos de lazer preferidos na meninice e a adaptação da pessoa na vida posterior (FISKE, 1981). Crianças que têm iniciativa têm personalidade diferente das que seguem sugestões dos pais ou de outras crianças. As primeiras têm mais probabilidade de continuar a buscar o domínio de si mesmas e de seu ambiente e de conservar a curiosidade e a imaginação durante toda a vida. Isto se aplica não só à meia-idade como à vida desde a juventude até a velhice1.

Os recursos internos constituem uma defesa contra o declínio do respeito próprio e contra a depressão. As pessoas que desde muito cedo na vida se apresentavam altamente compromissadas, tendem a manter-se do mesmo modo na fase madura. Por razões históricas, no período que estamos atravessando, há menos mulheres do que homens nessa categoria. Um número significativo de mulheres deprime-se e cresce em ansiedade à medida que envelhecem.

É das sínteses das ambigüidades que vem o crescimento. É, pois, importante que aprendamos mais a respeito das dubiedades existentes em nosso próprio interior e no mundo onde existimos, a partir do que poderemos viver melhor. A maturidade, então, seria compreendida como a capacidade para o amor e para o trabalho e a tolerância à ambigüidade (FISKE, 1981).

 

O que disseram os entrevistados

Sintetizando as falas dos entrevistados, confirmei o que os autores já haviam apontado: todos, sem exceção, preocupavam-se com o futuro. No centro da preocupação de cinco deles estava a aposentadoria, pois dois dos homens e três das mulheres já se encontravam aposentados. Os demais fizeram menção de que necessitavam começar a orientar suas vidas pela perspectiva dessa fase existencial, contudo entendiam que aposentar não seria “parar”, mas fazer algo novo de suas vidas.

Praticamente todos comentaram que o aumento da expectativa de vida dos brasileiros os leva a pensar nos próximos decênios, por isso terão que cuidar da saúde. Três deles, uma mulher e dois homens, comentaram o fato de estarem animados a prestar exames vestibulares e tentar uma nova profissão.

Uma das mulheres, aos 53 anos de idade, professora do nível I Ensino Fundamental, alegou estar cansada de ministrar aulas visto a falta de condições de trabalho, por isso decidiu fazer o curso de Psicopedagogia (1 ano de duração, atualmente), percebendo a possibilidade de continuar trabalhando sem se desligar completamente da área em que tem atuado há cerca de 21 anos, mas com menor desgaste físico e emocional.

Uma das alunas de curso de extensão, dentista há 28 anos, mostrou-me algumas jóias que usava dizendo ser trabalho seu, pois possuidora de boa habilidade manual, adquirida com o manejo dos instrumentos odontológicos, aprendera a fazer jóias e pretendia trocar o consultório por um ateliê. Disse ter tido essa idéia a partir de uma reportagem que havia lido.

Quatro das mulheres estavam com seus filhos já crescidos, sendo que três delas também estavam aposentadas. Por essa razão, procuraram a Universidade. Precisavam ocupar de forma prazerosa o tempo de que dispunham. Uma delas me disse que antes de voltar aos estudos tinha passado por um período de depressão (“síndrome do lar vazio”) e o médico lhe sugerira que fizesse algo que a gratificasse, por isso escolheu o retorno aos livros.

Foi comum o comentário sobre a mudança do mundo. Praticamente todos disseram que não se sentiam preparados para transformações tão rápidas e profundas como as que vivemos. Falaram das condições de trabalho que enfrentam, da falta de “empregos” e da necessidade de garantirem “um salário”. Apontaram a rotatividade de empregados que hoje existe nas empresas, muito diferente do que ocorria há três ou quatro décadas, quando se podia iniciar a vida profissional numa organização e nela se aposentar.

 

Considerações finais

Iniciei este texto alegando que mesmo para as velhas e desgastadas perguntas, pode haver novas respostas... e foi com essa convicção que me decidi por investigar como é estar vivendo a “meia-idade” hoje?

O que me foi possível des-velar após as leituras que fiz e a pesquisa que realizei junto a nove pessoas freqüentadoras de cursos em Universidades da Grande São Paulo foi que o adulto, tempos atrás considerado “ser pronto”, razoavelmente estabilizado ou submetido a lentos processos de transformação, está atualmente enfrentando enormes pressões provenientes do mundo no qual existimos, uma civilização que traz as marcas da “alta modernidade” e que exige incessantemente que as pessoas se transformem, se ajustem às condições do momento.

A ampliação da expectativa de vida também está fazendo com que as pessoas da meia-idade revejam seus valores e busquem alternativas para suas vidas futuras. Logicamente, o que apresento neste artigo é apenas uma pontinha do “iceberg”, mesmo porque o número de entrevistados foi extremamente pequeno, a classe social deles, embora variável, dizia respeito àqueles que de algum modo podiam estar presentes no ambiente universitário. Há muito que se pesquisar, muito que se fazer nesse campo. Não tenho a mínima pretensão de dizer que o que se me mostrou foi a “Verdade”, mas apenas uma pequena faceta dela. Afinal, como dizem os fenomenólogos, “basta haver um corvo branco, para poder se dizer que há corvos brancos”...

Penso que o que aqui consta poderá servir de um detonador para reflexões e debates sobre o tema, bem como para novas pesquisas. Quanto a mim, o que encontrei me respondeu, pelo menos em princípio, o que eu procurava.

 

Referências Bibliográficas

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Endereço para correspondência
Maria Elisa de Mattos Pires Ferreira
Rua Radamés Gonçalves de Freitas, 84
05353-090, São Paulo, SP, Basil
E-mail: elisamattos@terra.com.br

 

 

* Doutora em Educação pela PUC-SP; Professora do Centro Universitário FIEO (UNIFIEO) – Osasco- SP; Curso de Mestrado em Psicologia Educacional.
1 HOROWITZ, M. Adjunct study of stress response among non-treated subjects, research proposal. Human development and ageing programme. University of California, São Francisco, 1975.

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