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Construção psicopedagógica
Print version ISSN 1415-6954On-line version ISSN 2175-3474
Constr. psicopedag. vol.17 no.14 São Paulo June 2009
ARTIGOS ORIGINAIS
Subsídio à práxis psicopedagógica na instituição de ensino
Francisca Francineide Cândido*
RESUMO
A proposta deste artigo é considerar as reflexões e análise de pesquisa, tendo em vista a avaliação e intervenção psicopedagógica institucional, a partir de uma pesquisa e projeto desenvolvido para a realização da monografia que construí no curso de Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional, da Universidade Vale do Acaraú - UVA/CE (2003), resultado do trabalho que desenvolvi no estágio institucional em 2002, no LCDS (ONG), instituição que trabalha com reforço escolar, formação religiosa e cidadã das crianças carentes, do bairro Vila União, em Fortaleza/CE, e que são oriundas de escolas públicas regulares. Com a intervenção psicopedagógica, as professoras passaram a compreender a construção do processo ensino-aprendizagem e a perceber que as dificuldades relativas ao crescimento do aprendiz resultam da interferência de fatores biológicos, psicológicos, pedagógicos, psicopedagógicos e socioculturais, muitas vezes originados no seio da família, sendo, às vezes, mantidos e reproduzidos pela instituição escolar. Passaram a olhar as crianças com um NOVO OLHAR, sem rótulos e sem preconceitos, valorizando suas diferenças, seu nível de letramento, sua história de vida, sua modalidade de aprendizagem e a forma de se expressar, resultando na melhoria da aprendizagem escolar no curto prazo. Espera-se, com este artigo, poder contribuir com a práxis psicopedagógica no contexto escolar, tanto na avaliação diagnóstica, quanto na fase de intervenção.
Palavras-chave: Avaliação diagnóstica, Intervenção, Práxis, Formação de professors.
ABSTRACT
The proposal of this article is to consider the reflections and research analysis, in view of psychopedagogic evaluation and institutional intervention, from a research and project developed for the monograph accomplishment constructed through the course of Specialization in Clinical and Institutional Psychopedagogy, at the Universidade Vale do Acaraú - UVA/CE (2003), result of a work developed in the institutional period of training, in 2002, at LCDS (NGO), an institution which works with school reinforcement pertaining, religious formation and citizenship to the devoid children from the quarter of Vila União, in Fortaleza/CE, and which are derived of regular public schools. Through psychopedagogic intervention, the teachers had started to understand the construction of teach-learning process and perceived that the relative difficulties to apprentice growth result from the interference of biologic, psychologic, pedagogic, psychopedagogic and sociocultural factors, many times originated within ones family, being, at times, kept and reproduced by the school institution. They got seeing the children with a NEW LOOK, without labels and preconceptions, valuing their differences, letramento level, life history, learning modality and form of self-expressing, turning out to improvement of school learning at short term. One hopes, through this article, being able to contribute with the psychopedagogical praxis in the school context, both in the diagnostic evaluation and in the intervention phase.
Keywords: Diagnostic evaluation, Intervention, Práxis, Formation of teacher.
Avaliação psicopedagógica da instituição de ensino x aprendizagem escolar
O processo de avaliação psicopedagógica teve início com o diagnóstico, levando em conta objetivos e procedimentos de uma pesquisa integrada a uma proposta de projeto psicopedagógico institucional. A pesquisa participação, com análise qualitativa dos dados coletados foi realizada no LCDS (ONG). Esta instituição trabalha com reforço escolar, formação religiosa e cidadã das crianças carentes, do bairro Vila União, em Fortaleza/CE, e que são oriundas de escolas públicas regulares. Foram feitas entrevistas e desenvolvido orientações com profissionais (diretor, coordenador, professores), pais e crianças do sexo masculino e feminino, com idades de 10 a 14 anos.
A pesquisa e análises dos dados fundamentam-se numa abordagem sistêmica que considera o processo ensino-aprendizagem como dinâmico, abrangendo interações interpessoais, inter-grupais, presentes nos sistemas institucionais. As análises consideram a complexa rede de fatores que se interagem para a constituição das diferentes identidades e funções das pessoas que aprendem e ensinam. Estas reflexões e práticas valorizam a complexidade do conhecimento e do homem, frente às diferentes formas de aprender e de pensar (MORIN, 1977).
As avaliações das respostas dos sujeitos da pesquisa e as orientações dos projetos desenvolveram-se segundo as seguintes indagações sobre aprendizagem:
- Quais as percepções sobre dificuldades de aprendizagem escolar dos alunos?
- Quais os valores sobre o aprender e os pedidos de ajuda para melhorar as condições de aprendizagem?
- Quais as queixas, percepções e pedidos de suportes da instituição, tendo como porta voz profissionais aprendizes, educadores e famílias?
As respostas a estas perguntas foram obtidos dos sujeitos profissionais e crianças aprendizes. As estratégias constituíram-se de entrevistas, sensibilizações e dinâmicas de grupos com professores, e jogos com os alunos. Houve necessidade de visitas à Instituição para a observação da rotina, das práticas pedagógicas e atuações dos profissionais, focalizando a atenção nas relações vinculares aluno/professor, em diferentes situações de aprendizagem: nos horários de acolhimento e recreio, em sala de aula e nas reuniões com os pais.
As análises das respostas demonstraram que diferentes fatores interferem negativamente no processo de aprendizagem, com especial destaque as limitações sócio-econômicas e culturais, associadas ao estado de pobreza e miséria que os familiares estavam submetidos. Outro fator destacado pelos professores diz respeito à falta de consciência dos pais sobre as condições saudáveis para educar seus filhos, apresentando pouca responsabilidade em relação às suas funções educativas. Estas falas eram muito presentes nos relatos dos professores: os problemas se agravam porque os pais ou responsáveis não se comprometem com o processo de aprendizagem dos filhos. Concorrente às dificuldades de aprendizagem das crianças, além de suas próprias dificuldades pedagógicas, as professoras apontavam outros fatores que geravam problemas de aprendizagem: 1) o elevado número de crianças por sala (30 a 35); 2) questões psicopedagógicas que se acumularam e não foram trabalhadas na aprendizagem anterior, no contexto da escola e da família; 3) o baixo nível de letramento das crianças; 4) as diferenças acentuadas dos níveis cognitivos das crianças que se agrupam numa mesma sala de aula; 5) a não consciência dos pais que resultava na pouca responsabilidade educativa em relação aos seus filhos; 6) a falta de profissionais especializados em problemas específicos de aprendizagem e problemas comportamentais.
As análises das repostas espontâneas dos alunos demonstravam que parte de suas dificuldades estavam associadas ao processo de ensinar. Nas suas falas expressavam suas dificuldades em relação ao processo de ensinar do professor:
os professores ensinam rápido... usam linguagem difícil e complicada... ensinam pouco... não escutam e alguns são agressivos e grosseiros....
Por meio de uma dinâmica com os alunos (roda de conversa) para a escuta das queixas sem a preocupação no aprofundamento temático, foram copiladas respostas avaliativas destes alunos categorizadas com as seguintes freqüências: 45,4% maiores dificuldades da aprendizagem da matemática, 18% maiores dificuldades em história, 13,6% maiores dificuldades em português.
Por meio dos jogos, brincadeiras e dinâmicas psicopedagógicas, as avaliações revelaram que algumas dessas crianças que apresentavam problemas de aprendizagem eram mais introvertidas (introspectivas, silenciosas, com sintomas de timidez e passividade) e hipotônicas (baixa tonicidade muscular). Outros aprendizes com queixas de dificuldades de aprendizagem evidenciavam carências afetivas, apresentando hipertonicidade, isto é, alto nível de tensões, excitações em excesso. A hiperatividade muitas vezes gerava comportamentos de indisciplina ou agressividade nas relações com os colegas e professores. Foi suposto nas avaliações que estas reações polarizadoras de baixa tonicidade(passividade extrema) e alta tonicidade (excesso de excitação) geravam dificuldades na assimilação do conhecimento e grande parte destes problemas eram percebidos como frutos de experiências vividas anteriormente, em outros contextos, e em especial na dinâmica familiar. Entre os alunos pesquisados, diferenciaram-se as características típicas das modalidades de aprendizagem assimilatória e acomodatória, segundo as referências teóricas de Alicia Fernandes (1990). Houve predominância da modalidade assimilatória que se associa a uma aprendizagem que se desenvolve sempre em função dos próprios desejos e que possibilita situações prazerosas, relaxantes e repetitivas, não se adaptando às novas exigências do meio, à acomodação que requer tensões, muitas vezes necessárias no processo do aprender. Percebeu-se a existência de desvios de padrões de aprendizagem relacionados ao que Alicia Fernandes (1990), fundamentada na teoria psicanalítica, diferencia como tendências hipoassimilatórias e hiperassimilatórias. Segundo a referida autora, as diferentes modalidades de aprendizagem, com seus desvios, se apresentam como esquemas próprios de cada aprendiz no processo de construção do conhecimento nas diferentes situações de aprendizagem. As modalidades de aprender com seus desvios se constroem ao longo da história de vida da criança, desde que nasce, com acentuada influência nas primeiras relações vinculares paternas prosseguindo na dinâmica escolar.
Fagali (2001, nas suas pesquisas psicopedagógicas, avaliou algumas tendências do aprendiz que apresentam traços da modalidade hipoassimilatória, diferenciando suas capacidades em funções dos seguintes indicadores: baixa capacidade de assimilação de conceitos, déficit lúdico, expressões verbais infantilizadas com pouca fluência verbal, baixa capacidade de antecipação e imaginação criativa, expressões verbais fragmentadas ao escutar e recontar oralmente uma história, dificuldades em diferenciar objetos, inseguranças e paralisações no processo de escolha, tendência a passividade, expressando dependência dos modelos externos e reações regressivas infantilizadas, na procura constante e excessiva da aceitação do outro. Estes traços apresentados nos aprendizes levam a supor a existência de problemas vinculares passados, associados à falta da função materna suficiente (o acolhimento e confiança) necessária para o desenvolvimento integral e saudável da criança. Há outras respostas das crianças com problemas de aprendizagem relacionadas ao que Fernandes diferencia como modalidade hiperassimilatória por demonstrarem dificuldades de adaptação criativa do aprendiz, frente às exigências e à frustração. Supõe-se a ocorrência, nas relações vinculares passadas, dos excessos de dependência das atenções maternas, impossibilitando a aprendizagem, frente às exigências do meio, às frustrações, regras e limites que se associam às relações vinculares associadas à função paterna. Muitos desses aprendizes se revelam onipotentes, frente aos seus desejos, não respondendo a nenhuma condição de aprendizagem que requer limites, regras e realizações criativas nas situações de tensões, condições às vezes necessárias para a aprendizagem.
Referindo-se aos fundamentos analíticos de Carl Jung, Fagali (2001) aprofunda-se nas análises psicopedagógicas, frente aos desafios e dificuldades de aprendizagem, levando em conta as dinâmicas culturais da família e da escola que favorecem relações mobilizadas pelas funções paternas (exigências e desafios) ou maternas (acolhimento, sustentação, confiança). Portanto, os fatores não se referem apenas à reação individual da criança, na relação com os pais e os educadores, mas a valores e dinâmicas culturais em que o aprendiz se encontra imerso, desde o início de seu desenvolvimento. Há necessidade, portanto, de se criar condições de ensinoaprendizagem que possibilitem a complementação entre as duas dinâmicas e valores que muitas vezes parecem se opor: forças associadas ao prazer, ao acolhimento e sustentação afetiva, complementando-se com forças associadas às frustrações e limites que geram desprazer, campo tenso, frente aos desafios para a acomodação do aprendiz, em busca das adaptações criativas. Desta forma, aprendizes, ensinantes, educadores, orientandos, pais podem abrir espaços de aprendizagem, orientação e ensino para o desenvolvimento mais saudável e mais integrado do ser humano, indo para além das exclusões, divisões e estereótipos.
A partir da análise das respostas e comportamentos observados dos aprendizes e dos que ensinam, durante o desenvolvimento das atividades de linguagem (leitura e escrita) e de matemática, observou-se as limitações dos professores ao trabalhar com as dificuldades de aprendizagem das crianças e adolescentes. Os educadores desta Instituição pesquisada, apesar de demonstrar esforço, interesse e de exercer múltiplas funções como docentes em sala de aula e professora de outras atividades (música, dança, dramaturgia, pintura, judô, formação religiosa), reconheciam a necessidade de aprofundar no assunto, comprometendo se a aprender e aplicar os projetos como integrantes ativos e compromissados com a proposta de aprendizagem psicopedagógica que se iniciava. O grupo de professores demonstrava coeso, maduro, operativo, durante o diagnóstico e as atividades de orientação. Cada integrante desempenhava seus papéis e construções coletivas, sem perder a identidade individual. Para estes educadores, a instituição, neste momento, era representada com as seguintes associações de palavras: família, amor, espaços de compreensão, solidariedade, lazer, acolhimento. Essas palavras expressavam os sentidos da aprendizagem relacionada à função e dinâmica materna coletiva, segundo estudos de Carl Jung. Uma condição de aprendizagem que possibilita a continência e afetividade, apoio e construção de cooperação grupal (Fagali, 2001) respeitando e acolhendo as diferenças.
Nas avaliações, foi detectada também a fragilidade do grupo, em relação à compreensão teórica mais aprofundada sobre o desenvolvimento dos conceitos, levando em conta os fatores biológicos, pedagógicos, psicológicos, que interferem no processo do aprender. Em outras palavras, havia necessidade de maior aprofundamento dos conhecimentos psicopedagógicos, tendo em vista as dificuldades específicas de aprendizagem e as influências da dinâmica sociocultural. Nas atividades com as crianças sobre leitura, escrita e matemática, havia necessidade de se aprofundar no processo de letramento, levando em conta as condições culturais prévias em relação à construção da leitura e da escrita. As pesquisas psicopedagógicas constatam que as estratégias metodológicas e os instrumentos pedagógicos, adotados na escola, pouco valorizavam a inclusão das diferentes formas de aprender, pensar e expressar, não criando condições para a aprendizagem que contemplem variações no processo de criação. Sabemos que a aprendizagem é favorecida quando incluímos em nossas estratégias psicopedagógicas e educacionais a análise das diferentes formas de apreensão da realidade, valorizando os estilos cognitivo-afetivos dos aprendizes. Fagali (2000) aprofunda-se nesta diferenciação dos estilos cognitivo-afetivos, adotando como referência teórica os tipos psicológicos segundo os estudos analíticos de Carl Jung. A autora apresenta indicadores cognitivos e afetivos que revelam as características peculiares de cada aprendiz. Por exemplo, há pessoas que se apóiam em demasia no pensamento lógico e elabora as informações de forma mais lógica-racional, valorizando as explicações teóricas. Outros aprendizes se mobilizam mais em função das emoções e vínculos afetivos. Estes se constituem como estilos cognitivo afetivos, apresentando como função dominante o sentimento, segundo o que Carl Jung destaca nos seus estudos sobre tipos psicológicos. Estas pessoas com dominâncias das funções sentimentos tendem a elaborar informações com um cunho mais emocional e subjetivo, avaliando os fatos segundo valores morais e éticos e referências hedonistas (prazer e desprazer). Há aprendizes que apresentam outra tendência associada às funções sensações e percepções, apoiando-se mais intensamente na capacidade de observar, perceber e na utilização excessiva das sensações (visão, audição, olfato, tato e movimento corporal), ações e respostas práticas com foco no aqui e agora. Outro estilo de aprendizagem que se associa a uma outra forma de ser e de pensar é denominada de estilo cognitivo-afetivo intuitivo-imaginário. Estes aprendizes apresentam excelente capacidade imaginativa e tendem a captar os fatos, informações, e sentimentos para além do observado e do presente, apoiando-se nas possibilidades, nas criações imaginárias, com foco no futuro e na transformação. Valorizar os diferentes estilos é portanto um dos desafios para a superação das dificuldades de aprendizagem.
Ao considerar a avaliação da dinâmica de aprendizagem da instituição, por meio das observações ocorridas nas visitas, foi possível perceber que esta valoriza a disciplina, a noção de ética, cidadania, direitos e deveres. Os espaços de aprendizagem desta instituição possibilitam a socialização e cooperação de todos os integrantes (professores, funcionários, voluntários), em relação às tarefas de limpeza e organização das salas. Os ambientes são acolhedores, limpos e higienizados.
No diálogo com as crianças, na perspectiva da construção do conhecimento e do desenvolvimento social, as atividades pedagógicas complementadas às psicopedagógicas valorizavam os recursos expressivos das artes visuais, imagens, fotografias, dança, balé, mímica, desenhos e colagens de figuras. As avaliações dos objetivos e atividades que os projetos pedagógicos adotavam demonstravam o valor das concretizações de experiências sensoriais que se associam ao estilo cognitivoafetivo perceptivo sensorial, apoiado na inteligência viso-motora, cinestésica ressaltada por Gardner (Fagali, 2001), A instituição apresentava também um padrão de aprendizagem associados ao estilo cognitivo-afetivo sentimento, por valorizar atividade associados às relações vinculares, à cooperação, ao acolhimento das crianças, ao zelo, afeto e desenvolvimento de atitudes segundo princípios éticos e estéticos, em situações de aprendizagem em sala de aula e extra-classe. O desenvolvimento de posturas éticas, estéticas e de higiene não perdia de vista a necessária disciplina, quanto ao horário do lanche, do trabalho escolar, da chegada e da saída. Havia, portanto, uma tentativa de equilíbrio entre as valorizações das experiências associadas ao sensorial e as relações afetivas, sem perder de vista os limites e a disciplina. Em síntese, a dinâmica dos integrantes desta instituição possibilitava uma complementação entre os diferentes estilos cognitivo-afetivos (sentimento, pensamento sensorial) e a dinâmica materna (acolhimento) e paterna (diferenciações dos limites e regras).
Estas integrações de estilos e funções foram evidenciadas como complementares. Por exemplo, as atividades pedagógicas orientadas pelas relações hierárquicas - direção/professora/aluno, valorizando a autoridade e hierarquia, ampliava-se com o dialogo horizontal e cooperação entre os professores. O lúdico que mobilizava o prazer não negava os jogos com regras. As atividades corporais/psicomotoras complementavam-se com o reforço escolar que valorizava a escrita estruturada. No desempenho de papéis, a instituição apresentava forte tendência em se apoiar nos limites, respeito às autoridades e disciplina, associadas ao que denominamos de dinâmica apoiada na função paterna. Havia, no entanto, a presença do zelo, da sensibilidade subjetiva, das interações afetivas que possibilitavam aproximação e apoio, próprio do que denominamos de dinâmica associada à função materna. (acolhimento, colo, continência). Sob o controle e comando central da direção, a dinâmica da Instituição demonstrava uma tendência pró-ativa frente aos limites e desafios, em busca de direcionamentos, ocorrendo muitas vezes precipitações de ações. Merece, no entanto, atenção a presença da saudável competitividade que possibilitava mudanças, no aqui e agora.
Em síntese, a partir dos indicadores sobre estilos cognitivo-afetivos (Fagali, 2000) a Instituição apresentava como traços dominantes as características associadas à função sensório-perceptiva. Estas se ampliavam com as características próprias do estilo ou função cognitivo-afetivo sentimento: valores e experiências emocionais, subjetivas e cooperativas.
Não se excluem, na dinâmica desta instituição, os padrões de ações e valores relacionados ao estilo pensamento-lógico, em que se valoriza a construção lógicateórica, o respeito aos princípios e à lei.
O desafio para uma aprendizagem mais integrada nesta Instituição era desenvolver a função intuitiva, as criações que mobilizavam o imaginário, ao lidar com possibilidades e transformações. Os trabalhos presentes, com apoio na eutonia, destacavam a consciência e expressão corporal para conquistar o possível equilíbrio entre hipotonia (baixa tonicidade corporal) e hipertonia (alta tonicidade corporal) dos aprendizes. Segundo as observações, havia necessidade de se intensificar atividades criativas e imaginárias, ampliando a aprendizagem com base no estilo cognitivo-afetivo intuitivo.
Os diálogos com as famílias ocorreram informalmente, mas percebia-se a predominância de temas ainda muito restritos em relação à disciplina e resultados da avaliação de desempenho escolar dos alunos, tema predominante nas reuniões. Este fato provavelmente tem refletido na pouca participação das famílias, quando são chamadas para trabalhos voluntários, demonstrando a falta de compromisso com a aprendizagem escolar dos filhos. Há necessidade de um trabalho de parceria escola-família, com o objetivo de promover encontros para ampliar a consciência educacional, sem focalizar apenas os problemas das crianças.
A análise das dificuldades de aprendizagem das crianças e dos adolescentes, no contexto institucional, considera que parte dessas dificuldades estão associadas às práticas pedagógicas de ensino nas escolas públicas regulares e no LCDS (ONG pesquisada), em decorrência da falta de conhecimento de como lidar psicopedagogicamente com os aprendizes. É relevante considerar as modalidades de aprendizagem, os estilos cognitivos e a construção em parceria escola-família. As contribuições da psicopedagogia são fundamentais para esta consciência sobre as diferenças.
Nas avaliações sobre a fantasia desta Instituição, destacou-se o seguinte: 1) Buscar resolver o problema das crianças que estão na rua, fora do horário da escola regular; 2) Constituir-se como uma instituição integrada com os pais e toda comunidade; 3) Formar cidadãos com possibilidade de qualidade de vida. Segundo a percepção da direção, a instituição existe para tirar as crianças pobres da rua, ocupá-las no horário ocioso em que não estão na escola oficial, proporcionando-lhes uma formação religiosa, cidadã e a oportunidade para descobrirem seus talentos e desenvolverem suas aptidões.
Apesar desses ideais, a instituição ainda mantém uma relação fragmentada com a comunidade, no diálogo constante entre os líderes da escola e da comunidade, embora a popularidade de sua ação seja crescente.
A proposta de um projeto de intervenção psicopedagógica focada na formação do professor
O diagnóstico institucional, desenvolvido por meio das avaliações e devolutivas junto à direção e professores, contribuiu para apresentação elaboração e aplicação de um projeto psicopedagógico, focalizando a formação dos professores. Estabeleceu-se um tempo de duração, com metas em curto prazo, tendo em vista as avaliações de resultados e selecionando estratégias que possibilitassem abrangências do que já estava sendo mobilizado no diagnóstico
Neste sentido, o projeto considerou a necessidade de re/construção de estratégias e práticas psicopedagógicas educacionais que valorizassem a formação de vínculos e o desenvolvimento e respeito aos estilos cognitivo-afetivos de cada criança, tendo em vista as modalidades de aprendizagem assimilatória e acomodatória (Alicia Fernandes, 1999), bem como os estilos cognitivo afetivos com as diferentes formas de pensar e de expressar (pensamento, sentimento, percepção e intuição) (Fagali, 2001). Considerou-se também o processo de aquisição da linguagem segundo Vygotisky (1992), as competências imprescindíveis na formação continuada dos professores (Perrenoud:2000) e a dinâmica grupal, segundo os fundamentos de Pichon Riviere (2000). A proposta reforça, portanto as práticas integrativas a partir de um novo OLHAR, uma nova visão sobre o aprendiz e sua relação no contexto escolar, familiar e comunitário.
O projeto de intervenção psicopedagógica utilizou como estratégias dinâmicas de grupo, seminários, oficinas. Jogos.
No final do projeto, realizado em dois meses, os professoras fizeram a seguinte avaliação:
A partir da compreensão dos conteúdos da maternagem e paternagem1 e da construção da leitura e da escrita, passei a chamar as crianças com mais dificuldades para junto de mim; dei mais atenção, percebi que elas melhoraram
Uma criança tinha medo, era insegura, agora com a mudança da minha prática e da minha postura, essa mesma criança acertou nove questões, em um total de dez. Essa criança entrou na dança; antes ela não participava de nada
Fiquei muito feliz, consegui que as três crianças com mais dificuldades melhorassem sua aprendizagem.
Passei a ter um novo OLHAR, um olhar diferente para com as crianças, melhorei minha prática no trabalho com as crianças e no processo de autoconhecimento. Aprendi a pensar mais; hoje sou melhor, ajo melhor.
Segundo estes depoimentos, fica claro que o processo de intervenção psicopedagógico no contexto escolar resgata a compreensão do professor sobre a construção do processo de ensino-aprendizagem, facilitando a sua percepção sobre as possíveis causas que dificultam ou impedem o crescimento do aprendiz.
Estas reflexões mostram que a prática em sala de aula é diversificada quando oportunizamos aos nossos docentes flexibilizar e enriquecer suas técnicas pedagógicas, com ações adaptativas que norteiam as individualidades dos alunos e desenvolvem a percepção de novos ângulos do conhecimento, gerando novas e criativas condições de aprendizagem. na escola.
Referindo às contribuições que o trabalho psicopedagógico trouxe à sua aprendizagem e dos alunos, uma professora enfatizou: .... teve o lado afetivo, sentimental, mais diálogo e mais amizade entre as professoras. Com relação ao aluno, um novo OLHAR, não rotulo mais meus alunos. Uma criança chega, é um presente a mais para mim. Foi muito proveitoso, uma experiência muito rica.
Nesta fala, percebe-se que as experiências de troca e cooperação possuem um sentido prazeroso para os educadores culminando com a escuta do grupo escolar, por meio dos gestos, ações, falas e suas relações cotidianas que marcam o processo de crescimento de todos que compõem a escola.
Ao compartilhar seus sentimentos com relação à aprendizagem, as professoras demonstraram ter adquirido maior ampliação dos conceitos a serem desenvolvidos e domínio de instrumentos de trabalho que valorizam a participação, o lúdico e a formação de vínculos no processo de ensinar e aprender. Neste sentido, foram registradas as seguintes falas: A experiência foi muito rica... gostei muito... o que os outros cursos não trabalham, este trabalhou.... Destacaram as seguintes faltas: o tempo foi insuficiente para a aprendizagem e prática de todos os conteúdos e para aplicação dos instrumentos metodológicos trabalhados, especialmente os relacionados à aprendizagem assimilatória e acomodatória, Acrescentaram as seguintes apreciações positivas: o que aprendemos foi suficiente para percebermos que alguns alunos apresentam muitas dificuldades de aprendizagem, havendo necessidade do atendimento psicopedagógico clínico.
Conclusão
Os trabalhos de intervenção psicopedagógica com o foco na formação das professoras, demonstraram as seguintes conquistas do processo ensino-aprendizagem:
- Expansão da consciência sobre o papel de cada integrante e a complementaridade das diferenças.
- Discriminação das forças inconscientes (pessoais ou coletivas) e suas influências na aprendizagem escolar.
- A expansão da consciência dos integrantes da Instituição sobre a dinâmica inconsciente e consciente que refletiu positivamente na dinâmica institucional e na criação de condições favoráveis para a aprendizagem individual e coletiva, tendo em vista o trabalho em parceria: professor/aluno, direção/professor, escola/família;
- Ampliação da percepção e postura dos professoras que passaram a avaliar as crianças de forma diferente, com um novo OLHAR, sem rótulos e sem preconceitos, valorizando os níveis de letramento, as histórias de vida, as capacidades e talentos, segundo os estilos cognitivo-afetivos e modalidades de aprendizagem.
- Ampliação das avaliações de textos e outras produções dos alunos, que geraram um efeito positivo no desempenho escolar dos alunos.
- Melhoria na aprendizagem das crianças com mais dificuldades em português e matemática, frente a nova postura psicopedagógica e práticas pedagógicas.
- Melhoria qualitativa no relacionamento afetivo e nas trocas escolares, com desenvolvimento de uma nova postura adotada pelos professores em sala de aula, com influência positiva na formação de vínculos transferenciais, devido às práticas pedagógicas integrativas e interativas (jogos, grupos operativos, vivências e dinâmicas de sensibilização).
- Avaliou-se a necessidade de aperfeiçoar o trabalho junto às famílias e às escolas publicas para uma maior aproximação com a Instituição em que se realizou a pesquisa (Ong- LCDS), uma vez que todas estas instituições lidam com os mesmos desafios, frente às dificuldades de aprendizagem das crianças.
Em conclusão, a mediação do trabalho psicopedagógico com educadores, nas organizações educacionais formais e informais e nas instituições de ensino, contribui significativamente para a reflexão conjunta dos problemas psicoeducacionais e de aprendizagem e para as orientações aos professores, com o objetivo de transpor as barreiras que bloqueiam a aprendizagem. Aprofundar o conhecimento teóricoprático, nessas discussões coletivas, inspira o compromisso de cooperação e discussão sobre ações pedagógicas inovadoras, com vistas no avanço do processo de ensino aprendizagem. Os resultados da presente pesquisa confirmam, portanto a hipótese de que trabalhar diretamente com os professores, sobre dificuldades e facilidades de aprendizagem dos alunos, com foco no trabalho em parceria e na dinâmica individual e coletiva, resulta em um maior impacto positivo sobre a eficácia da aprendizagem escolar mediatizada.
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Endereço para correspondência
Francisca Francineide Cândido
E-mail: Francisca_francineide2@yahoo.com.br
* Psicopedadoga Clínica e Institucional, Coordenadora do Núcleo II do Projeto Lumiar / ABPp Seção CE. Email: Francisca_francineide2@yahoo.com.br
1 Maternagem, paternagem: conceitos psicanalíticos associados ao acolhimento - cooperação e ao desafio competição, regras e organização.