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Construção psicopedagógica
Print version ISSN 1415-6954
Constr. psicopedag. vol.19 no.18 São Paulo 2011
Retratos da realidade escolar: aspectos imediatos e mediados
School reality portraits: immediate and mediated aspects
Cesar Augusto da SilveiraI; Vannúzia Leal Andrade PeresII
IGraduando do Curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás - UCG, cursando a Disciplina Estágio Básico Supervisionado I, da qual o trabalho foi derivado. Goiânia, Goiás, Brasil
IIDoutora em Psicologia pela Universidade de Brasília; Pós-doutoranda do Programa de Educação (PPGE) da Universidade de Brasília e Professora Supervisora da disciplina Estágio Básico em Psicologia Escolar/Educacional da Pontifícia Universidade Católica de Goiás
RESUMO
Este artigo objetiva retratar aspectos imediatos e mediados da realidade escolar, com seus significados e sentidos para educadores e alunos. O contexto da pesquisa foi uma Escola Estadual da cidade de Goiânia-GO, na qual se buscou conhecer por meio de observações interativas, redação e desenho tematizado. Os sujeitos participantes foram a diretora, a coordenadora, quatro professores e cinco alunos do ensino fundamental. A análise e interpretação qualitativa das informações, enfatizando-se o entrelaçamento dos aspectos objetivos e subjetivos, propiciou uma reflexão sobre a realidade concreta do cenário escolar e a indicação de aspectos que vão além dos imediatos e que transitam pela singularidade e pela organização social da Escola. Por exemplo: a dificuldade de envolvimento afetivo dos professores com o projeto educacional, bem como dos alunos como sujeitos do processo, embora ambos expressem uma necessidade de ampliar o cenário educacional.
Palavras-chave: Subjetividade, Complexidade, Psicologia Escolar/Educacional.
ABSTRACT
This article aims to portray aspects of immediate and mediated school reality, with their meanings and directions for educators and students. The research context was a state school in Goiânia-GO, which sought to know through making interactive observations, themed compositions and drawings. The participant subjects were the management, the coordination, four teacher and five elementary school students. The analysis and qualitative interpretation of information, emphasizing the interrelationship between the objective and subjective aspects, provided a reflection on the concrete reality of school scenario and an indication of aspects that go beyond the immediate and moving across the singularity and the social organization of the school. For example, the difficulty of emotional involvement of teachers with the educational project as well as from students as subjects of the process, although both parties express a need to expand the educational scenario.
Key words: Subjectivity, Complexity, Educational School Psychology.
Introdução
A importância do fazer do psicólogo tem sido cada vez mais reconhecida por diversos setores e distintas classes profissionais. Nesse sentido, o psicólogo vem ganhando espaço de trabalho e a demanda para sua ação profissional tem sido uma constante nos mais diferentes contextos. O mesmo acontece com o contexto escolar. Nesse, o psicólogo vem ganhando visibilidade, haja vista que a Psicologia é uma das ciências que confere sustentabilidade às teorias pedagógicas e permite a produção de conhecimento sobre os sentidos subjetivos que integram as complexas configurações1 da Escola.
Vale ressaltar que a Escola, como locus privilegiado do saber, pode ser compreendida também como um espaço de relações, especialmente no que tange a relação ensino-aprendizagem. Nisso, pode-se dizer que na perspectiva proposta neste estudo, a aprendizagem se manifesta por meio dos sentidos subjetivos gerados pelo sujeito em seu processo de configuração psíquica e do desenvolvimento de sua personalidade. Mas, frente ao modelo escolar vigente, salvo em alguns casos, percebe-se que a aprendizagem se restringe às funções cognitivas e intelectuais e distancia-se da reflexão e da produção do conhecimento (González Rey, 2006).
Com isso, Morin (1998) diria que na escola ainda se encontra enraizado um paradigma redutor, aquele que possivelmente dificulta criar espaços de significação das diversidades e das contradições do sujeito no processo ensino-aprendizagem e, ao mesmo tempo, criar práticas educativas promotoras de saúde.
Desse ponto de vista, a escola não estaria sendo conduzida a buscar, para suas questões, explicações e soluções externas aos processos educativos? Não poderia estar aí o núcleo da concepção de valor da "medicalização da educação" e da profusão de rótulos que a assombram?
Na concepção de Morin (1998, p. 271), o paradigma se absolutiza ao excluir toda possibilidade de concepção complexa ou de associação de duas proposições contrárias. Nesse aspecto viria contribuir para a análise pretendida os elementos contraditórios que envolvem a construção da realidade escolar ou dos retratos envolvidos com o papel da escola.
Neste estudo, no tocante a palavra retrato, nota-se que essa possui raiz italiana ritratto, séc. XV, que significa: "a representação da imagem de uma pessoa real, pelo desenho, pintura, gravura, etc., ou pela fotografia" (Cunha, 2001, p. 682). Assim, pois, o termo retrato presente neste trabalho implica a visão expressa na instituição de ensino a ser analisada, a fim de refletir o contexto social e o sentido subjetivo que permeia a conjuntura desse espaço. Cabe mencionar que a palavra "refletir" recebe nesta apreciação um duplo sentido: a de refletir a imagem de um local específico como meio indicativo de análise, assim como a representação subjetiva que contemple o caráter simbólico desse lugar e a de refletir sobre ele em uma dimensão crítica da diversidade de fenômenos existentes. Flusser (1998) compreende o retrato como um espelho, pois "o espelho é por definição, um instrumento que reflete, que especula (de speculum = espelho)". Nesta perspectiva, Morin (1986, p. 250) declara:
Refletir quer dizer, ao mesmo tempo: a) pesar, repesar, deixar descansar, imaginar sob diversos aspectos o problema, a idéia; b) olhar o seu próprio olhar olhando, refletir-se a si mesmo na reflexão. É preciso alimentar o conhecimento com a reflexão; é preciso alimentar a reflexão com o conhecimento.
Para esta investigação o termo retrato significa ainda um sentido ambivalente que se constrói daquilo que está sendo observado, pela constatação empírica e por aspectos encobertos a que se denominaram subjetivos. Ao se referir aqui à subjetividade, convém salientar que é abordada nesta análise na perspectiva histórico-cultural, definida por González Rey (1999, p. 108) como:
... a organização dos processos de sentido e de significação que aparecem e se organizam de diferentes formas e em diferentes níveis no sujeito e na personalidade, assim como nos diferentes espaços sociais em que o sujeito atua.
A análise da subjetividade nessa ótica tem sua gênese na teoria de Vygotsky, que se dedicou ao estudo do sujeito individual, social e historicamente constituído, buscando uma nova visão da complexa psique humana.
Uma autora que tem explicitado a visão de subjetividade de González Rey na educação é Albertina Mitjáns Martinez (2008). Vale ressaltar que a concepção de subjetividade representada por essa teoria, de acordo com ela, é utilizada pelo senso comum sem nenhum juízo crítico, referindo-se a esse conceito como sinônimo de algo interno e intrínseco à pessoa. Para a autora, o termo também difere das expressões da subjetividade para a psicanálise, haja vista que o enfoque histórico-cultural considera de maneira salutar o reconhecimento ontológico e a dimensão social que caracteriza a subjetividade.
Martinez (2008) explicita que a concepção de subjetividade elaborada por González Rey constitui uma teoria aberta, em permanente construção, reconstrução e que busca apreender, por meio de um profundo processo de análise e exame minucioso, as complexas formas de funcionamento da psique humana. Ademais, outra questão a ser destacada é a forma que a subjetividade se articula com o individual e o social. Nisso, a autora enfatiza que ambos os aspectos se coadunam em um processo recursivo e contraditório no psiquismo humano, caracterizando os diferentes espaços sociais que os indivíduos constituem (família, escola, grupo de amigos, etc.) e tendem a romper com as dicotomias entre o individual-social, interno-externo, intrasubjetivo-intersubjetivo, articulando de forma dialética esses pólos.
A teoria da subjetividade desenvolvida por González Rey constitui, de acordo com Martínez (2008), uma expressão do paradigma da complexidade na Psicologia, em um nítido modo de aproximação filosófico e epistemológico das múltiplas formas de apreender a condição humana. O idealizador e principal representante dessa corrente é Edgar Morin (2006, p. 38) para o qual o termo complexo, cuja origem etimológica se encontra na palavra latina complexus, significa o que foi tecido junto. Para o autor, há complexidade quando elementos distintos são inseparáveis constituintes do todo, e "há um tecido interdependente interativo e inter-retroativo entre o objeto do conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as parte entre si".
Martínez (2006, p. 107) aponta que a Psicologia no contexto escolar, deve contribuir para otimizar o processo educativo, "entendido este como complexo processo de transmissão cultural e de espaço do desenvolvimento da subjetividade" e considera como objeto de estudo da Psicologia Escolar/Educacional quaisquer elementos ou processos psicológicos que nesse cenário participem na definição dos papéis educativos ali desenvolvidos. Destaca a existência de estudos que sob esse prisma buscam uma interface entre educação e subjetividade (MEIRA & FACCI, 2007; COSTA, 2005; MARTÍNEZ, 1995, 1997, 2002, 2005; OROFINO & ZANELLO, 1999; GONZÁLEZ REY, 1991, 1999, 2001, 2003, 2006, 2007), porém, há de se mencionar que ainda são escassos os trabalhos que versam sobre esse assunto.
Dessa forma, o presente estudo visa - por meio da disciplina de Estágio Básico Supervisionado em Psicologia Escolar/Educacional, do curso de psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás) - retratar aspectos significativos de uma Escola da Rede Estadual de ensino da cidade de Goiânia-GO, locus da pesquisa em questão.
Princípios Metodológicos
Esta investigação se desenvolve por meio de uma proposta metodológica em acordo com a epistemologia qualitativa de González Rey (1997, 1999) e com o tema da subjetividade por ele discutido (González Rey, 2002). Tal proposta enfatiza a compreensão da pesquisa qualitativa como processo dialógico, dialético e complexo, que implica tanto o pesquisador, como as pessoas que são objeto da pesquisa, em sua condição de sujeito do processo.
O instrumento nesta concepção é uma ferramenta interativa, pois esse é um elemento passível de uma multiplicidade de usos dentro do processo investigativo. Sem embargo, a produção do conhecimento proposta por González Rey (2002) apresenta ainda um caráter construtivo-interpretativo, no qual elucida que esse tem de ser construído em relação ao que expressa o sujeito estudado, de forma aberta, dentro do qual o pesquisador sempre descobre, constrói e interpreta opções relevantes da pesquisa. Além disso, deve-se considerar nesta abordagem a significação da singularidade como nível legítimo de produção do conhecimento, no sentido de a singularidade se constituir como realidade diferenciada na história da constituição subjetiva do indivíduo.
A realização da pesquisa se deu no desenvolvimento do programa da disciplina Estágio Básico em Psicologia Escolar/Educacional e na perspectiva teórica e metodológica apresentada pela professora orientadora. Destaca-se que a Escola investigada, conveniada com a PUC-Goiás, contava com cinco turmas do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental no turno matutino, período em que se realizou esta pesquisa. As aulas eram ministradas de acordo com a carga horária do professor e da grade curricular oficial. As matérias ministradas eram Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências, Ensino Religioso, Educação Física, Artes e Inglês. Situada em um local semi-central da cidade de Goiânia, a Escola possui uma infraestrutura compatível com as principais necessidades pedagógicas, incluindo uma biblioteca, um laboratório de informática e uma quadra de esportes.
A rigor, participaram da investigação quatro professores, assim denominados: Professor A (do 5º ano), Professor B (do 6º ano), Professor C (do 7º ano) e Professor D (do 8º ano); cinco alunos do Ensino Fundamental, sendo eles do 5.º, do 6.º, do 7.º, do 8.º e do 9.º ano, respectivamente, bem como a Diretora e a Coordenadora da Escola. Sendo a instituição um campo de estágio conveniado com a PUC Goiás, os participantes foram escolhidos em função de sua disponibilidade e envolvimento com a atividade desenvolvida pelo estagiário/pesquisador. Os instrumentos foram aplicados com autorização expressa da Direção da Escola e dos participantes que assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido no que se refere às questões éticas da pesquisa.
Utilizaram-se como instrumentos a redação e o desenho tematizado. O processo da pesquisa se deu durante o período de setembro a novembro de 2008, totalizando dez semanas de construção de informações, sempre permeadas por observações interativas, durante todas as visitas à escola, realizadas pelo estagiário/pesquisador, uma vez por semana, às vezes duas, nos períodos de 9 horas às 11 e30.
A redação, elaborada pela diretora, a coordenadora e quatro professores teve como tema orientador "O Ofício do Educador", com o qual se buscou construir informações a respeito do aspecto profissional da educação. O desenho, produzido por cinco alunos do ensino fundamental e realizado no intervalo entre as aulas, teve como tema "A Minha Escola", para isso os alunos participantes fizeram uso de lápis e papel, bem como de canetas coloridas de várias tonalidades.
Resultados e Discussão
No processo de observação de um conjunto de episódios no espaço escolar, pôde-se interagir com os elementos objetivos de tais episódios e reconhecer que são perpassados por sentidos subjetivos que, uma vez analisados iriam formar um tecido de importante significado. Assim, as redações dos professores e os desenhos dos alunos são constituídos de uma linguagem própria que advêm da história e dos processos simbólicos nos quais estão implicados e que são expressos no cenário escolar pelo qual constituem suas ações. Nessa direção, González Rey (2005, p. 229) afirma que:
o sujeito sempre fala por meio de uma posição concreta em um contexto relacional e ideológico, mas ao mesmo tempo nos fala de forma diferenciada através de sua história, que aparece nas diferentes formas em que nos apresenta as construções de seu pensamento.
No que concerne à redação tematizada, os professores tiveram a oportunidade de refletir e expressar acerca de sua visão e atuação enquanto educadores, o que representou um momento de reflexão sobre o seu ofício.
Desta forma, tanto a Professora A quanto a Professora B expressaram suas frustrações frente ao atual sistema educacional, alegando a vontade de realizar um trabalho de qualidade, mas "se encontrarem de mãos atadas" pela "falta" e/ou ausência de subsídios que possam contemplar suas aspirações. Eis a expressão da primeira: "A profissão do educador é uma profissão de ilusão, pois nunca sabe onde vai chegar com alguns, mas quando optei para essa escolha, foi muito bom, tinha objetivos a alcançar, hoje me sinto frustrada diante do processo presente, onde tudo pode e nada é questionado. Onde falta de tudo; materiais, espaço, atenção e principalmente respeito". Já a segunda declara: "Ser um profissional da educação é uma aventura, pois tenho a vontade, mas muitas vezes não tenho os meios necessários para desenvolver um trabalho de qualidade. O sistema educacional é realmente um sistema. Não temos muita escolha".
Nessas expressões encontram-se indícios de que os professores atribuem à problemática da Educação fatores externos às configurações de suas experiências sociais, pois apenas reproduzem o status quo vigente sem "questionar" ou mesmo atuar em prol de uma transformação. Essa premissa converge no conceito de "situação social do desenvolvimento" em que González Rey (2000, p. 136) analisa a preocupação de Vygotsky de integrar "a riqueza dos processos internos, constituídos na história anterior do sujeito, com as influências que caracterizam cada um dos momentos sociais do desenvolvimento". Logo, pôde-se perceber que o sistema educacional não é um sistema estático no qual "não temos muita escolha", mas um sistema complexo, que se constitui pelo tecido individual e social em sua significação e sentido. (González Rey, 2001).
A Professora A também faz menção à desvalorização do professor, associada à inexistência de uma voz ativa e de uma autonomia dele, "pois os alunos fazem o que querem durante o ano, não participam das atividades, não conseguem conhecimento para progressão de série e você é obrigado a passar esse aluno, jogando por terra todo seu trabalho e dedicação e acima de tudo desrespeitando aqueles que fizeram jus". Tal panorama se insere na avaliação de Morin (2001, p. 101) para o qual o caráter operacional do ensino acarreta na redução do professor ao funcionário, assim como o caráter profissional do ensino leva a reduzir o professor ao especialista. Para o autor, o ensino deve ser encarado não como uma especialidade, uma profissão, mas também como uma missão.
A postura de atribuir a problemática educacional a indicadores externos à sua prática persiste na fala da Professora C que salienta: "Gosto do que eu faço. Mas não somos respeitados como formadores de opiniões, pois não temos isso. E assim o Estado e a própria comunidade não nos aceita como construtores do saber. Ficando assim: minto que dou aula, o aluno mente que aprende e o governo mente que nos respeita".
Neste caso, a Professora C confere novamente ao sistema - Estado e a comunidade - a causa de sua omissão ("mentira"). A fim de ampliar tal análise Morin (1996, citado por Novaes, 2002, p. 98) explica que os termos interação e organização são meios de tornar compreensível a problemática de qualquer sistema, pois o todo e as partes devem ser mediados pelas instituições, sendo o conjunto dessas interações que confere diretividade a própria organização dessa conjuntura, atribuindo-lhe coerência no que tange as regras, as estruturas e as interações. Portanto, mesmo atribuindo ao sistema a causa de sua inércia, a Professora C se encontra inserida nessa máquina. Em outras palavras: "obedece-se à máquina e não se sabe para onde vai a máquina". (Morin, 1982, p. 99). Por isso, para Morin (2001) qualquer ação transformadora mesmo sendo de pequena ordem tende a modificar uma "parte" desse "todo", mas ao conceber esse aparelho como algo fechado, o indivíduo se torna alheio frente às demandas do circuito escola-sociedade.
Por outro lado, há de se reconhecer que tanto a Professora D quanto a Coordenadora da Escola contribuem para uma visão mais integrada do processo educacional, que doravante a primeira profere: "Significa que faço parte de um grupo de pessoas que doam parte de suas vidas a elaborar conceitos e idéias a serem trabalhadas a longo prazo formando cidadãos". A segunda alega que "Nesse sentido, a Educação científica e a familiar se complementam preparando o cidadão para viver numa sociedade marcada pela complexidade das relações sociais, regidas por normas e leis que têm por objetivo manter a harmonia entre os indivíduos, apesar de todos os conflitos que podem ocorrer. Trabalhar na Educação é proporcionar a formação de cidadãos que se reconheçam como agentes ativos na sociedade".
A concepção de formar cidadãos, assim como a ideia de que a "Educação Científica", formal, e a familiar se integram e que os indivíduos agem de forma ativa na sociedade, corrobora com os pressupostos teóricos desta pesquisa. Em Posfácio à obra de Vygotsky "A Formação Social da Mente", Vera John-Steiner e Ellen Souberman (1991) alegam que a abordagem teórica desse autor privilegia a mudança, sendo que essa se deve em parte, à tentativa de mostrar as implicações psicológicas do fato de os homens serem participantes ativos de sua existência, considerando o vínculo entre os elementos biológicos e culturais por meio de uma unidade dialética, levando em conta os dois componentes e as leis que os governam.
Igualmente, a expressão da Professora D e da Coordenadora se refere do mesmo modo à noção de educar para a cidadania e trabalhar em prol da formação de cidadãos. Quanto a essa última, destaca-se que tal componente está aliado a outra formação: a profissional. A esse respeito, Martínez (2006, p. 119-120) em estudo em uma escola de educação infantil e de ensino fundamental de Brasília, constatou que o trabalho realizado no qual se preconiza a formação docente, evidencia-se como uma das táticas mais bem sucedidas realizadas enquanto desenvolvimento profissional do professor, visto que tal medida trabalha a motivação e o aperfeiçoamento de sua prática "e ainda, gera espaços de diálogo e de troca de experiências essenciais para a constituição de novos significados e sentidos em relação ao trabalho docente" (MARTÍNEZ, 2006) Baseando-se nesses argumentos, pode-se dizer que os Professores A, B e C carecem de tal formação, pois se encontram reificados em uma prática estanque, posicionando-se passivamente diante de uma competência que tem o objetivo de preparar mentes para lidar com as constantes incertezas que a sociedade impõe ao conhecimento humano (Morin, 2001).
Com relação à expressão da gestora da Escola, percebe-se que essa reduz a complexidade da Educação à aprendizagem, desconsiderando a sua integração com o ensino e, dessa maneira, o importante papel dos sujeitos nesse processo: "Atualmente é muito difícil, pois os alunos nos chegam sem um conhecimento prévio pelo menos razoável, não tem apoio ou motivação familiar, chega branco, não demonstra interesse, sua comunicação é cheia de palavrões e gírias, gestos obscenos, indisciplinados, o começo de tudo é o limite, a disciplina, melhorar o vocabulário através da mudança de comportamento ocorre a aprendizagem a necessidade do conhecimento".
Dito isso, fica nítido o caráter de culpabilização dos alunos e de seus familiares e da omissão do educador. Para esboçar tal temática, Torezan (2002, pp. 42-43) observa haver uma dicotomia entre o aprender e o ensinar, baseando-se na premissa de que o professor transfere os problemas de aprendizagem aos alunos e não na ocorrência social-política da escola. Para o autor, o processo ensino-aprendizagem torna-se, dessa forma, reificado pelo receptor do conhecimento que passa a percebê-lo como algo pronto e acabado, transmitido ao aluno somente a título de informação e não de formação crítica.
Em momento posterior, a gestora aponta ainda que: "Ficamos muito feliz quando diagnosticamos que o nosso aluno já sabe ler e escrever, eu pessoalmente fico com a sensação de dever cumprido, quando percebo que fiz a diferença e para melhor e lógico na vida de uma criança na esperança de ser um cidadão produtivo, crítico". Com isso, pode-se inferir que a representação da realidade pela escola não se sustenta, visto que no decorrer desta pesquisa (25/09/2008) verificou-se em um jornal de grande circulação da Capital a publicação de dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgando Indicadores Sociais de 2008 da educação brasileira, sendo que o índice de estudantes em Goiás que não sabem ler nem escrever era de 48.120 mil, perfazendo o total de 8,8% da média nacional que era da ordem de 2 milhões. A pesquisa do IBGE mostrava que, do total de crianças brasileiras de 7 a 14 anos que não sabiam ler nem escrever, 87,2% frequentavam as salas de aula. De acordo com tal relatório eram 10 mil crianças que se sentavam todos os dias nos bancos das salas de aula de Goiás sem terem atingido os objetivos da educação fundamental.
Detenhamo-nos, agora, na análise dos desenhos. É possível perceber pelo seu exame representações da Escola, nas quais as crianças integram seus sentidos subjetivos que constituem suas expressões atuais e a complexa configuração em que emerge o espaço escolar (González Rey, 2001).
Assim sendo, verificou-se em um primeiro momento que os desenhos sugerem que a Escola para as crianças se organiza primordialmente em torno do espaço físico, da infraestrutura do local. Apesar de esses desenhos fazerem alusão a elementos objetivos, cada aspecto manifesta contrastes únicos do sujeito.
Em um dos desenhos, a criança esboça a sua Escola como uma extensão de sua casa. Percebe-se entre tais elementos um espaço vazio que pode representar a ausência de "algo mais", de um horizonte a ser vislumbrado. É possível notar pela configuração formal do desenho, uma necessidade de ampliação do espaço, para além da margem do papel, um indicador, talvez, da necessidade de ampliar para além dos contornos objetivos da escolarização.
Outro desenho desvela do mesmo modo uma panorâmica da escola, mas há um detalhe, a criança escreve a seguinte frase: "A escola é harmonia, é paz, é alegria!". Nesse caso, verificou-se que a criança expressou a sua concepção da Escola, ou seja, integrada com os seus ideais, expressando por meio de traços intensos a singularidade de sua percepção. Por sua vez, um terceiro desenho projeta uma imagem fidedigna que representa com exatidão a fachada da Escola.
Em face disso, ao examinar os Desenhos supracitados percebe-se um elemento recorrente: a quadra de esportes. Aqui, tem-se um indicador de que um aspecto objetivo da escola converte-se em elemento de sentido que, segundo González Rey (2005) é compreendido como uma complexa combinação de emoções e processos simbólicos do indivíduo.
Os desenhos seguintes trazem diferentes expressões relacionadas ao espaço escolar entrelaçado ao social, como aquela em que a criança, ao descrever a sala de aula recorre à seguinte mensagem: "Aquele que habita no esconderijo do altíssimo a sombra do onipotente Descansará!!! Deus É Fiel". Isso vem de encontro ao pensamento de González Rey (2005, p. 14) sobre a integração da subjetividade individual e social em uma "cadeia de produção de emoções" num processo constante. Percebe-se, assim, que as emoções não se restringem aos aspectos biológicos ou às variáveis concretas, operacionais, como têm demonstrado alguns enfoques, mas transita também pelas ações sociais do sujeito dentro de um marco cultural, que permite que sejam construídas ao longo de seu processo (González Rey, 2003).
Da mesma forma, outra criança exprime um sentimento significativo ao desenhar a sua professora de Ensino Religioso e escrever: "Eu gosto dela porque ela não grita e é muito boa". É possível inferir dessas expressões que para a criança, a professora representa o significado de seus valores fundamentais, como "não gritar", por exemplo, exercendo um papel de mediador afetivo no seu aprendizado.
Essa relação revela um conceito elaborado por Vygotsky (1991) conhecido como Zona de Desenvolvimento Próximo, na qual se estabelece por meio do nível de desenvolvimento real da criança ou as funções mentais que estão dispostas em sua psique e pelo nível de desenvolvimento potencial, determinado pela resolução de algum problema, porém, orientado por um adulto ou alguém que possa colaborar neste intento. Não obstante, González Rey (2005, p. 214) amplia esse conceito e salienta que o "apoio instrumental do outro não é fonte de sentido para a criança em abstrato", ou seja, para que haja uma situação de desenvolvimento para ambos, faz-se necessário o envolvimento emocional na relação professor-aluno que participam desse processo. E, nesse caso, houve a confirmação de tal premissa, uma vez que a criança e a professora possuíam um vínculo composto de registros emocionais e simbólicos em que se configuram as situações escolares.
Dessa forma, a Psicologia Escolar/Educacional seria a ponte entre a cultura escolar e a dimensão subjetiva e singular do sujeito, apreendendo-o em sua complexidade, ressaltando, assim, a integração da vida psíquica com o tecido social e relacional da Escola (Tacca e González Rey, 2008). Nessa perspectiva, ganha relevância a dimensão afetiva da aprendizagem e as relações interpessoais estabelecidas no contexto escolar, a fim de superar a inobservância do sujeito dentro do processo educativo, no sentido de a Escola estar a serviço do desenvolvimento dos alunos e, em especial, de promover saúde. Nesse ponto, González Rey (1997) enfatiza a importância de conceber a saúde como uma forma mais ampla, que abarque todas as esferas da psicologia, inclusive a Psicologia Escolar/Educacional.
O autor assinala a necessidade de transpor a saúde de um ponto de vista organicista, para uma definição social, pois a promoção não se restringe apenas a criar espaços saudáveis, mas inclui também os modos de comunicação e de reorganização do contexto escolar. Por exemplo, os alunos podem agir de modo agressivo ou "anormal" porque não se sentem desafiados ou por conceberem as atividades demasiado enfadonhas e mecânicas, isto é, não geram sentido daquilo que fazem.
Diante disso, os educadores culpabilizam os alunos e os rotulam com a marca da doença. Daí a crescente "patologização" da educação sem considerar que o professor é o agente responsável pela mediação no acesso à Zona de Desenvolvimento Próximo (ZDP) de cada aluno e pela existência de um clima de diálogo na sala de aula. Segundo Tunes, Tacca e Bartholo Júnior (2005) trabalho pedagógico e ZDP significam ação conjunta. Portanto, para os autores, as parcerias são necessárias no campo pedagógico para que possam se manifestar novas situações sociais de desenvolvimento, tendo em conta que o principal papel da educação é a de construir possibilidades relacionais.
Considerações Finais
A análise dos vários retratos da escola vislumbrados durante a pesquisa propiciou uma reflexão sobre o cenário escolar e indicou que esse se constitui de características próprias por meio dos sujeitos que o compõem, ou seja, de elementos que estão além dos aspectos imediatos desse contexto, visto que são correspondidos por aspectos subjetivos que transitam pela singularidade e pela organização social da Escola. Dessa feita, diríamos que o caráter complexo da escola se apreende pelo entrelaçamento de seus segmentos sociais que se integram na constituição dos processos individuais, formando uma teia relacional em que ambos se complementam de modo dialético e recursivo.
Frente aos desenhos realizados pelos alunos, o que salta aos olhos é a tentativa de representar por meio de uma imagem, a expressão de suas singularidades. Os retratos realizados por eles apontam para uma série de linhas, de contornos, que compõem o objeto da expressão de suas emoções, ou seja, a escola. Esse espaço é o lugar de suas relações sociais, um local em que transitam valores e noções que abrangem a experiência concreta dos alunos.
A quadra de esportes, por sinal, apresentou-se como um dos traços mais importantes desse tecido, pois ela se encontra integrada com os sentidos subjetivos gerados pelos sujeitos desse processo. Esses sentimentos não surgiram por acaso, pelo contrário, foram constituídos por eles por meio da significação e do sentido, das relações sociais vividas e de um fator emocional que permeia o estado atual de suas vidas. Sem dúvida, é notório observar que a subjetividade constituída ao longo de suas histórias desempenha papel fundamental na atividade mental e relacional desses alunos. É possível observar nessa análise que a vivência, considerada por Vygotsky (citado por González Rey, 2008) como a relação afetiva da criança com seu meio, carece de uma mediação efetiva e de uma observação cautelosa de suas reais necessidades.
Já a percepção do corpo docente e administrativo sobre o que é trabalhar na Educação, observou-se a expressão de indicadores tais como: "um grande desafio; uma aventura; uma utopia; uma grande e maravilhosa experiência; proporcionar a formação de cidadãos que se reconheçam como agentes ativos na sociedade; é muito difícil". Assim, percebe-se a heterogeneidade de posições que compõem o atual espaço escolar goianiense, o que demonstra um quadro preocupante e ao mesmo tempo desafiador, haja vista que a instituição escolar oculta e distancia os seus membros da dimensão política da educação, porém, existe a inobservância desses últimos no que compete a uma articulação conjunta que propicie um juízo crítico sobre o encadeamento entre a escola e a sociedade como um todo. (González Rey, 2005). Além da carência e/ou falta de recursos materiais, nota-se uma dificuldade dos profissionais de se envolverem cognitiva e afetivamente no processo educativo.
Eis o espaço de atuação do Psicólogo Escolar/Educacional; um espaço de contradições, cujos protagonistas se encontram desmotivados para uma atuação significativa, onde a reflexão a partir de uma prática investigativa deveria ser uma constante. Desse modo, a investigação no contexto escolar ou a articulação teoria e prática é uma ferramenta indispensável para que o psicólogo possa desempenhar uma ação efetiva e criativa (Martínez, 2006). Cabe salientar que é de fundamental importância o posicionamento e a vontade política de aperfeiçoar o trabalho educativo no campo de atuação do Psicólogo Escolar/Educacional, para assim dar maior visibilidade e crédito, bem como ampliar as possibilidades de inserção desse profissional.
Referências
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1 O conceito de configuração aqui discutido é tomado de González Rey (2003, p. 256) que a definiu "como a integração dos diferentes sentidos que se integram de forma relativamente estável na organização subjetiva de qualquer experiência".