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Construção psicopedagógica
versión impresa ISSN 1415-6954
Constr. psicopedag. vol.25 no.26 São Paulo 2017
ARTIGOS
A relação do saber com o desejo de aprender: uma visão psicopedagógica
The relationship of knowledge with the desire to learn: a sight psychopedagogical
Melina Blanco Amarins1
Unicid
RESUMO
É observada em muitas situações no processo de aprendizagem do sujeito, uma ausência do desejo, diante de conteúdos relacionados a uma dificuldade de aprender. Em uma visão psicopedagógica, pode-se dizer que seu movimento desejante apresenta-se aprisionado impedindo que ele aprenda e se constitua como sujeito pensante. O objetivo deste artigo é de compreender a relação entre conhecimento, saber, desejo e suas vicissitudes a partir de uma visão psicopedagógica, na qual o sujeito é visto em sua singularidade. Esse artigo sustenta-se em Piaget para a compreensão do processo cognoscente do sujeito em sua aprendizagem; em Freud, psicanálise, na compreensão do movimento desejante do sujeito; e por fim em Sara Pain e Alicia Fernandez, a fim de discutir sobre o processo de aprendizagem em uma visão psicopedagógica.
Palavras-chave: Psicopedagogia, Desejo, Aprendizagem, Conhecimento
ABSTRACT
It is observed in many situations in the learning process of the subject, an absence of desire, in front of contents related to a difficulty to learn. In a psychopedagogical view, one can say that his desiring movement presents himself imprisoned, preventing him from learning and becoming a thinking subject. The purpose of this article is to understand the relationship between knowledge and desire to learn from a psychopedagogical view, in which the subject is seen in its singularity. this article is based on Piaget's understanding of the cognitive process of the subject in his / her learning; in Freud, psychoanalysis, in the understanding of the desire movement of the subject; and finally, in Sara Pain and Alicia Fernandez, to discuss the learning process in a psychopedagogical view. In this way, one can affirm that the desire to know becomes the driving force for learning.
Keywords: Psychopedagogy, Desire, Learning, Knowledge
Introdução
A Psicopedagogia é uma área de estudo e de atuação que se ocupa dos processos de aprendizagem humana em seus padrões normais e patológicos, levando em consideração a influência do meio familiar, escolar e social em seu desenvolvimento. É observada em muitas situações no processo de aprendizagem do sujeito, uma ausência do desejo, diante de conteúdos relacionados a uma dificuldade de aprender. Em uma visão psicopedagógica, pode-se dizer que seu movimento desejante apresenta-se aprisionado impedindo que ele aprenda e se constitua como sujeito pensante.
O objetivo deste artigo é de compreender a relação entre conhecimento, saber, desejo e suas vicissitudes a partir de uma visão psicopedagógica, na qual o sujeito é visto em sua singularidade. Levanta-se como hipótese que o movimento desejante é a mola propulsora da construção do conhecimento. É a partir da sua própria constituição como sujeito desejante que o mesmo entra em contato com o conhecimento e se permite ser um sujeito autor podendo construir seu próprio saber.
Segundo Passos (2006) o objeto de estudo do psicopedagogo é o processo de ensino/aprendizagem do sujeito aprendente-ensinante que se constitui na inter-relação entre o sujeito do conhecimento, o ser cognoscente de Piaget e o sujeito desejante da Psicanálise. Assim, para discutir esta temática da relação do saber com o desejo de aprender do sujeito, este artigo sustenta-se em Piaget para a compreensão do processo cognoscente do sujeito em sua aprendizagem; em Freud, psicanálise, na compreensão do movimento desejante do sujeito; e por fim em Sara Pain e Alicia Fernandez, a fim de discutir sobre o processo de aprendizagem em uma visão psicopedagógica.
A contribuição deste trabalho é possibilitar uma maior compreensão para os profissionais da educação e para a família sobre a importância do desejo de aprender e a relação do aluno com o saber no processo de aprendizagem do mesmo.
A constituição do sujeito epistêmico e do desejo
Jean Piaget nasceu em Neuchâtel na Suíça em 1896. Aos 21 anos, se formou em Biologia. Seus estudos foram voltados para a adaptação dos moluscos. E a partir deste trabalho pode perceber que os atos biológicos são atos de adaptação ao meio físico e que ajudam a organizar o ambiente, ou seja, mente e corpo não funcionam independentemente um do outro. Desta forma, foi postulado a teoria do desenvolvimento, na qual se percebeu que os atos intelectuais são entendidos como atos de organização e de adaptação ao meio, os princípios básicos do desenvolvimento cognitivo são os mesmos do desenvolvimento biológico.
Seu foco voltou-se ao sujeito epistêmico, sujeito em seu processo de construção do conhecimento, nomeando seu trabalho por epistemologia genética. A mesma pretende investigar a maneira como são elaboradas as "ideias" (conceitos), como o ser humano desenvolve sua cognição.
Para Piaget a criança é concebida como um ser dinâmico, que a todo o momento interage com a realidade, operando ativamente com objetos e pessoas. Essa interação com o ambiente, através de ações faz com que construa estruturas mentais e adquira maneiras de fazê-las funcionar. O eixo central, portanto, é a interação organismo-meio e essa interação acontece através de dois processos simultâneos: a organização interna e a adaptação ao meio, funções exercidas pelo organismo ao longo da vida.
Piaget (2009:13) afirma que "o desenvolvimento é uma equilibração progressiva, uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior." A ação humana acontece a partir de uma necessidade do sujeito em se adaptar, ocasionando em um desequilíbrio, um rompimento de algo da rotina. Desta forma, o sujeito procura novas formas de se relacionar com o mundo, novas indagações para obter novamente o equilíbrio. Porém este equilíbrio apresenta-se com uma nova qualidade, um aperfeiçoamento da ação, que atinge níveis mais complexos de organização das experiências.
Para execução deste processo Piaget desenvolveu dois conceitos de mecanismos funcionais: a assimilação e acomodação. A assimilação é o processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra um novo dado perceptual, motor ou conceitual nos esquemas ou padrões de comportamentos já existentes, ou seja, colocar novos conceitos em esquemas que existem. E a acomodação é a mudança de configuração de um ou mais esquemas, ou seja, é a criação de novos esquemas ou a modificação de esquemas antigos. Ocorrida a acomodação, a criança pode tentar assimilar o estímulo, novamente. Uma vez modificada a estrutura cognitiva, o estímulo é prontamente assimilado.
Desta forma, para Piaget a construção da inteligência pode ser representada por uma espiral crescente voltada para a equilibração. As ações realizadas não se desenvolvem em um mesmo plano, mas se diferenciam e se transformam. Piaget distingue três períodos principais que ocorre o desenvolvimento cognitivo e de pensamento: Período Sensório-Motor, Pré-Operatório (Simbólico e Intuitivo), Operatório Concreto e Operatório Formal.
Período sensório-motor (aproximadamente de 0 a 2 anos)
Piaget inicia sua análise do desenvolvimento da inteligência, através das mudanças que ocorrem no conhecimento do bebê sobre o mundo que o cerca durante seus primeiros dois anos de vida. Neste momento o bebê não tem consciência do eu e o não eu. O mundo é sem espaço, sem tempo e sem objeto. A forma como ele interage e constrói o conhecimento á através da ação. Inicialmente apresenta reflexos tais como sugar, agarrar entre outros. Gradualmente, apresenta uma organização desses reflexos, uma formação de hábitos através de experiências vividas com as ações. Depois de muitas repetições, o bebê descobre um novo objeto, sendo um passo inicial para a inteligência.
Por volta dos oito meses, o bebê adquire uma inteligência sensório-motora propriamente dita. Diante de um novo objeto a criança tenta usar os esquemas adquiridos, coordenando-os através da ação, como chupar, sacudir, esfregar, bater.
O bebê começa a ser ativo com seu ambiente e não apenas consigo mesmo, dissocia objetos das suas ações que executa com eles e, nessa medida, o mundo que o cerca está adquirindo permanência e separação dele. Desta forma, o modelo interno de suas ações permite-lhe executar experiências mentais com os objetos que está manipulando fisicamente. O resultado da execução de ações com esse modelo interno é o pensamento sensório-motor, isto é, ação internalizada.
Pode-se ressaltar que as conquistas realizadas pelo bebê neste período referem-se a uma construção de uma inteligência através dos reflexos; libertação do egocentrismo através da ação, tendo a percepção do objeto e a permanência deste objeto através de uma representação mental do mesmo.
Período pré-operatório simbólico (aproximadamente de 2 a 4 anos)
Neste período o desenvolvimento ocorre a partir da representação sensório-motora, através de uma imitação adiada (imagem). Em função desta representação simbólica é que a criança tenta representar alguma coisa por outra, onde se dá o aparecimento da imitação representativa, do jogo simbólico, da representação com imagem e o pensamento verbal.
A linguagem possibilita à criança representar um objeto por outro através da utilização de signos realizados fazendo o jogo simbólico. Com a linguagem a criança inicia um contato com o mundo através da comunicação falada, porém inicialmente apresenta um monólogo acompanhado da ação, tendo dificuldade em perceber o ponto de vista do outro, somente focaliza em seu ponto de vista.
De acordo com Andreozzi (2008) as crianças estão envoltas em suas representações mentais pelo egocentrismo, impedindo a formação de conceitos. Caracteriza-se a inteligência pelos pré-conceitos, os quais estão entre o esquema sensório-motor e o conceito da inteligência operatória. O jogo simbólico tem função importante nesta fase, pois a ajuda a manter seu equilíbrio afetivo-intelectual.
O raciocínio neste período não tem lógica, apresentam-se analogias imediatas, chamadas de transdução. A justaposição e o sincretismo são as formas que a criança explica o comportamento das coisas (causa e efeito), na maneira pela qual expressa verbalmente seus pensamentos (estrutura de sentença) e como retrata seu conhecimento (desenhos).
Período pré-operatório intuitivo (aproximadamente de 4 a 7 anos)
Nesta fase aparece uma coordenação das relações representativas, uma contextualização crescente. Os esquemas de representação dos objetos se baseiam nas suas percepções (aparências) do objeto, tendo a criança como egocêntrica e pré-lógica em seu raciocínio, dando margem a criação de pré-conceitos. O pensamento intuitivo tem como característica ser sucessivo, ou seja, não é capaz de coordenar aquilo que é percebido a cada momento, focando somente nas partes e não no todo.
A socialização se inicia neste período, na qual exige da criança uma comunicação que tenta expressar seus pensamentos e fazer sentido neles e nas outras pessoas. A linguagem se desenvolve e aparecem confrontos de diferentes pontos de vista, comparação sem uma articulação.
Assim sendo, as conquistas realizadas neste período pela criança são o aparecimento e o enriquecimento da linguagem; o inicio da função simbólica e da socialização e a constituição do pensamento pré-lógico.
Período operatório concreto (aproximadamente de 7 a 11 anos)
O desenvolvimento cognitivo ocorre a partir do pensamento pré-lógico para as soluções lógicas de problemas concretos. As operações são consideradas nesta fase como ações interiorizadas reversíveis. As ações mentais, derivadas em primeiro lugar de ações físicas, se tornam internas para a mente. O contato com o ambiente é mantido durante as ações mentais, porque as invertendo, é sempre possível um retorno à forma percebida. Neste sentido destaca-se a reversibilidade, onde operações concretas são reversíveis de duas maneiras: pela inversão de combinações (classes) ou pela reciprocidade de diferenças (relações).
As operações realizadas neste período são operações ligadas a ações concretas. Elas se estruturam logicamente, mas em nada implicam a possibilidade de elaborar um discurso lógico independente da ação. Como por exemplo, noções de seriação, classificação e conservação. Piaget (2009:52) afirma que "a passagem da intuição à lógica, ou às operações matemáticas, se efetua no decorrer da segunda infância pela construção de agrupamentos e grupos".
Na interação social, há a descentração, o pensamento não está mais focado no ponto de vista do sujeito, mas sim, nas ideias dos outros. Há uma comparação entre essas ideias e a criança já consegue se colocar no lugar do outro. De acordo com Piaget (2009:48) "as discussões tornam-se possíveis porque comportam compreensão a respeito dos pontos de vista do adversário e procura de justificações ou provas para a afirmação própria".
Período operatório formal (aproximadamente de 11 anos em diante)
O desenvolvimento ocorre a partir das soluções lógicas de problemas concretos para as soluções lógicas de todas as classes de problemas. Há uma sistematização do pensamento, uma formulação de hipóteses a serem ou não confirmadas, raciocínio hipotético-dedutivo. O pensamento formal consiste em refletir sobre as operações do segundo grau. Piaget (2009:59) afirma que "as conclusões são válidas, mesmo independentemente da realidade de fato, sendo por isto que esta forma de pensamento envolve uma dificuldade e um trabalho mental maiores que o pensamento concreto".
O sujeito opera através de hipóteses e objetos abstratos, tendo a capacidade de pensar logicamente e de forma abstrata, construção de teorias, e não mais somente com a presença de objetos ou objetos conhecidos pelo sujeito como no estágio anterior.
Estas ações interiorizadas reversíveis dentro de um pensamento formal se manterão até a idade adulta, em constantes evoluções e transformações, permanecendo os processos de assimilação e acomodação. Diante de situações novas há momentos de desequilíbrio, dando-se novamente a reconstrução dos esquemas mentais.
Além do estudo realizado sobre o desenvolvimento cognitivo apresentado, Piaget também discorre sobre o desenvolvimento afetivo e social. À medida que o sujeito constrói sua inteligência, em paralelo, se constrói como sujeito social e afetivo. Segundo Piaget (2009:22) a "afetividade e inteligência são, assim, indissociáveis e constituem os dois aspectos complementares de toda conduta humana".
Piaget em seus estudos se interessou primordialmente pelo processo de desenvolvimento do conhecimento, suas estruturas e vicissitudes. Porém também pode considerar aspectos afetivos e inconscientes que pudessem contribuir parcialmente neste processo. Como se pode ressaltar em seu relato sobre o funcionamento do desenvolvimento mental e intelectual da criança em seus primeiros meses de vida:
"A consciência começa por um egocentrismo inconsciente e integral, até que os progressos da inteligência senso-motora levem à construção de um universo objetivo, onde o próprio corpo aparece como um elemento entre os outros, e ao qual se opõe a vida interior, localizada neste corpo". (2009:20)
Neste contexto, ressaltam-se os postulados psicanalíticos, os quais estudam mais profundamente os aspectos inconscientes significativos para a constituição do sujeito em seus primeiros anos de vida. Antes mesmo de o sujeito nascer, ele é objeto do Outro, do discurso, do desejo e das fantasias de seus pais. Todas as expectativas conscientes e inconscientes são depositadas nesta criança.
Segundo Garcia-Roza (2008) a imagem do ideal de eu da criança é construída na quase totalidade pelos pais, projetando nos filhos o narcisismo que eles mesmos tiveram que abandonar por exigência da realidade. Acontece um discurso apaixonado que abandona qualquer forma de consciência critica para produzir uma imagem idealizada.
Ao nascer esse sujeito apresenta necessidades de alimento que devem ser satisfeitas pela mãe ou um cuidador que possa desempenhar este papel. No instante em que o bebê apresenta essa necessidade orgânica, se manifesta através do choro e a mãe automaticamente o acolhe oferecendo conforto e alimento, e com isso o bebê tem a necessidade plenamente satisfeita. Segundo Lajonquière (2007:155) "a criança passa de um estado de inanição à satisfação completa."
Ao sentir novamente a necessidade orgânica, o bebê irá querer que se repita novamente a satisfação plena. Porém, a mãe ao oferecer-lhe o alimento não será exatamente da mesma forma que foi na primeira, exemplo: demora, exagera, oferece menos, entre outros. Assim, entre uma e outra oferta surge uma diferença que deixa para sempre o bebê com uma falta. A este fato de estar em falta chama-se desejo, pois se deseja algo quando se tem a falta deste algo. O sujeito vai sempre desejar a repetição de satisfação incondicional para toda a vida.
Neste sentido, o que impulsiona o sujeito para a realização dos desejos é a pulsão, a qual se caracteriza, segundo Zimerman (1999:117) por ser "uma fonte de excitação que estimula o organismo a partir de necessidades vitais interiores e o impele a executar a descarga desta excitação para um determinado alvo". Essa pulsão tem por finalidade um objeto para a realização de uma satisfação, o qual irá mudando conforme seu desenvolvimento psíquico
Inicialmente os objetos que são investidos pela pulsão são as próprias partes do corpo do bebê, ou seja, procura-se satisfação no próprio corpo através do autoerotismo, em geral o dedo polegar. Segundo Garcia-Roza (2008) o eu é o objeto de investimento libidinal, a ponto de se constituir como um "reservatório da libido", caracterizando o narcisismo primário de Freud. Ressalta-se também o investimento libidinal dos pais, os mesmos projetam sonhos que tiveram que renunciar. Nasio (1997:49) afirma que "o narcisismo primário representa uma espécie de onipotência que se cria no encontro entre o narcisismo nascente do bebê e o narcisismo renascente dos pais".
Posteriormente em um momento em que o bebê consegue diferenciar seu corpo do mundo externo e identifica suas necessidades e quem as satisfaz investe a libido em um objeto externo, geralmente a mãe ou seu seio e depois esta libido volta ao seu eu. Segundo Nasio (1997:51) "o narcisismo secundário caracteriza-se como narcisismo do eu; é necessário que se produza um retorno do investimento dos objetos, transformando em investimento do eu".
O bebê está iniciando sua constituição do eu, tendo a percepção das partes de seu corpo e através do outro se constitui como ser desejante. Encontra-se vinculado a 'célula narcísica' com a mãe, na qual percebe a mãe como provedora de suas necessidades, uma extensão da mesma havendo uma completude, porém ao ter a percepção de que ele não é o único desejo da mãe, o bebê passa a querer agradá-la.
A criança permanece então vinculada ao narcisismo até a passagem pelo Complexo de Édipo na fase fálica de Freud, na qual desperta interesse pelos genitais. Esta transição é necessária para que a criança possa sair de seu egocentrismo e assim ter um pensamento mais objetivo capaz de se sociabilizar e ser um sujeito autônomo.
O complexo de Édipo é um processo inconsciente que ocorre nos meninos e nas meninas de forma diferente. Segundo Zimerman (1999) normalmente a menina entra na crise edipiana quando ela, devido ao complexo de castração, afasta-se da mãe e se aproxima do pai (para obter dele o pênis que lhe falta, ou um bebê, como um substituto fálico) enquanto o menino sai desta crise, acuado pela angústia de castração, renuncia à posse da mãe e se reaproxima do pai.
A passagem edipiana é uma representação que se dá na ordem do simbólico. O falo é representado pelo pênis, o qual é simbolicamente instaurado como aquilo que falta para haver a completude, na menina através da falta e no menino pelo medo de castração. Ao final do Complexo, se dá o aparecimento de um sujeito desejante, que canalizará esse desejo para a cultura. Lajonquière (2007:214) afirma que "... ao construir a castração, uma operação de corte que recai sobre um vínculo incestuoso, acaba fazendo daquilo que até esse momento era um objeto do desejo do Outro (materno) um sujeito do desejo".
Segundo Pain (2009) se a mãe não permitir a entrada de um terceiro na relação simbiótica entre ela e o bebe, o mesmo pode desenvolver uma psicose, pois o sujeito é impedido de ir a busca de um objeto externo, se tornando exclusivo na relação entre ele e a mãe. Neste sentido ressalta-se a importância do Complexo de Édipo no processo de aprender, pois o surgimento do desejo de conhecer se da através da constituição do sujeito. Este desejo é impulsionado por uma falta, na qual o sujeito vai a busca de um objeto de conhecimento.
A psicopedagogia tem a função de entender a construção do conhecimento e suas vicissitudes, integrando os aspectos cognitivos, afetivos e sociais. O processo de aprendizagem do sujeito se caracteriza como sendo epistêmico, a partir da assimilação e acomodação do conhecimento e do desejo, a partir de sua constituição como sujeito e representações inconscientes.
Natel (2006) relata que quando os aspectos subjetivos e objetivos do sujeito se mesclam, o que é da ordem do universal passa a ser da ordem do singular, assim o sujeito da aprendizagem atribui significações subjetivas e passa a operar com uma lógica própria. Andreozzi corrobora com esta ideia e relata que o pensamento operatório se constitui a partir da angustia de castração, pois posiciona a criança pertencente a uma filiação, desenvolvendo assim a noção de inclusão de classes e posteriormente a noção de numeral.
Segundo Pain (2009:36), a cognição e o desejo devem atuar juntos, mas sem que um interfira no outro, pois "se um órgão que tem de servir para escrever está erotizado metaforicamente, não servirá para escrever, porque está metaforizado e fica inibido para fazer o que tem de fazer". Para a concretização da escrita, por exemplo, o sujeito deve inscrever-se, ou seja, ele deve ter sido inscrito pelo outro, inicialmente em seu ambiente familiar e posteriormente em suas relações sociais.
Segundo Pereira (1994) o ensinante representa para o aprendente as instâncias psíquicas que se constituem a partir de sua inscrição na linguagem, sua filiação. Esta filiação dependerá da passagem do Complexo de Édipo. É a partir de suas relações primitivas que o sujeito irá projetar no educando as formas de aprendizagem.
O sujeito em seu processo de aprendizagem, além da inscrição, pode ou não estar autorizado a aprender. Isto ocorre a partir do desejo do outro, ou seja, o sujeito aprende a partir daquilo que é desejado pelo outro. Se este outro, mãe, professora, o autoriza inconscientemente a aprender, o mesmo poderá obter o conhecimento. Se não autorizar por aspectos constitutivos, seu desejo aprisiona-se impedindo o saber.
Andreozzi (2009) corrobora com este aspecto em que o sujeito que não aprende o conteúdo, não é autorizado pelo desejo do outro:
"sua inteligência não tem como funcionar sobre este conteúdo com seus mecanismos de assimilação e acomodação, pois ele não está sendo oferecido para que a inteligência (como processo consciente) possa atuar sobre ele... as vicissitudes da criança no aprender, são as vicissitudes do desejo de aprender do outro que a constitui, e na posição em que ela está inscrita no desejo do outro". (http://www.educacaoesubjetividade.com.br/)
O sujeito ao ser impedido inconscientemente de aprender torna-se alienado no desejo deste outro, impossibilitando-o de se constituir como sujeito de seu desejo e a construção de seu próprio saber. Segundo Linkeis (1997) a maneira de se relacionar com o conhecimento, está vinculada ao percurso da pulsão durante a vivência edípica, determinando a posição do sujeito frente ao conhecimento, assim, revelando seu desejo de querer saber ou nada querer saber. Essa ambivalência pulsional vivenciada pelo sujeito é revivida transferencialmente a cada nova relação.
O termo transferência é da ordem da psicanálise entendida como, segundo Hayes e Strattion (1994), a maneira como os sentimentos derivados de um relacionamento anterior pode ser transferidos para um novo relacionamento, sendo similar a projeção. Assim, a transferência desenvolve um importante papel nas relações, e também se faz presente nas relações entre ensinante e aprendente, no processo de ensino aprendizagem.
Kupfer relata sobre este aspecto na relação com o aprendente:
"O educador é também um sujeito marcado por seu próprio desejo inconsciente. É exatamente esse desejo que o impulsiona para a função de mestre... Só o desejo do professor justifica que ele esteja ali. Mas, estando ali, precisa renunciar a esse desejo". (Apud Linkeis,1995, p.94)
Na relação transferencial se possibilita o desenvolvimento da aprendizagem, onde o ensinante deve mostrar o conhecimento, mas não totalmente, permitindo que o aprendente possa ir à busca do conhecimento através de seu próprio desejo de saber.
Cada sujeito da aprendizagem se posiciona como aprendente e ensinante, ou seja, para o sujeito aprender ele precisa se colocar como ensinante produzindo seu próprio saber e o sujeito ensinante deve transmitir o conhecimento colocando-o a serviço da construção. Desta forma, o aprendente poderá desenvolver assim a autoria de pensamento, se reconhecendo como protagonista participante de sua produção, tendo assim uma autonomia como sujeito.
Segundo Fernandez (2001b) o adulto deveria escutar as vontades que as crianças têm de aprender, podendo favorecer as experiências prazerosas com o aprender, nas quais se tornam sujeitos autores do conhecimento. A pergunta e a dúvida é o que nutri o desejo de conhecer, pois se situa entre o que se conhece e o que se não se conhece. O sujeito pode se permitir realizar metacognição, ou seja, pensar sobre seu pensamento para a construção do saber.
O processo de construção do conhecimento, na relação entre ensinante e aprendente, possibilita a alteridade, o constituir-se com o outro. Permite ao sujeito perceber como ele enxerga o outro e como o outro o enxerga, possibilitando através de suas vivências psíquicas, a constituição de sua singularidade ao se diferenciar do outro.
Nesta diferenciação, o sujeito estabelece uma forma de se relacionar com a aprendizagem criando sua própria modalidade. A modalidade de aprendizagem marcará uma forma particular de relacionar-se, buscar e construir conhecimentos, um posicionamento do sujeito diante de si mesmo como autor de seu pensamento, um modo de descobrir, construir o novo e o modo de fazer próprio ao alheio.
A partir da modalidade de aprendizagem, em cada sujeito constrói-se uma modalidade de ensino, na qual se articula simultaneamente mostrar o conteúdo em momentos certos sem medos e inseguranças. Segundo Fernandez (2001a) "uma modalidade de ensino saudável corresponde-se com uma modalidade de aprendizagem saudável".
Fernandez (2001a) também relata que o aprendente que mostra um modo de patologizar sua modalidade de aprendizagem, consequentemente observa-se uma modalidade de ensino patologizada em seus professore e/ou pais. O ensinante não permite que o sujeito entre em contato com o conhecimento de forma saudável, podendo refletir sobre o conteúdo.
Tanto o ensinante quanto o aprendente devem refletir sobre suas modalidades de aprendizagem e de ensino, realizar um trabalho metacognitivo, ou seja, observar e resignificar seus recursos da aprendizagem. Apresentar a capacidade de pensar sobre seus processos mentais, realizar relações, associações e críticas sobre o conteúdo. Segundo Portilho (2006) a "metacognição é refletir sobre determinado desempenho, pensar em estratégias para resolução de problemas da vida em geral e não somente na escola".
Desta forma este processo permite que o profissional da educação como, o psicopedagogo, reconheça e analise seus processos de aprendizagem a fim de ter um olhar e uma escuta diferenciada para identificar o funcionamento psíquico do sujeito através da emissão dos sintomas. Estes sintomas relatam sobre a história de vida singular do sujeito e suas marcas em suas vivencias relacionais.
Neste contexto, o psicopedagogo deve ter um domínio do conteúdo psicanalítico e poder reconhecer os aspectos inconscientes do sujeito e dele mesmo, identificando os processos de aprendizagem a partir de sua constituição como sujeito dentro de sua história de vida. O profissional deve resgatar o desejo aprisionado em conhecer para construir seu próprio saber através de um conhecimento dado pelo ensinante.
Considerações finais
A psicopedagogia possibilita um olhar diferenciado para o sujeito que não aprende, focando no processo e não na dificuldade. O processo de ensino aprendizagem se dá a partir de uma construção de um próprio saber do sujeito, onde o ensinante oferece o conhecimento e o aprendente o produz através de seu saber. Essa construção do saber se dá através dos processos cognitivos responsáveis por conhecer, seriar, classificar, ordenar e pelo movimento do desejo que é da ordem do subjetivo, o qual leva a individualização e a singularidade de cada sujeito.
A relação estabelecida entre o sujeito e o conhecimento está relacionada com a forma em que o mesmo vivenciou as relações em sua história de vida. A passagem pelo Narcisismo e Édipo são essenciais para que haja a produção de conhecimento, pois é a partir destes momentos que ocorre o surgimento do desejo. Este desejo deve estar presente na relação entre o aprendente e o ensinante. O ensinante deve propiciar um ambiente de construção do conhecimento, sendo um mediador, no qual o aprendente tenha espaço para o surgimento do desejo de conhecer e possa desenvolver a metacognição para a construção de uma autoria de pensamento.
Torna-se inerente à aprendizagem um sujeito ativo, podendo entrar em contato com sua subjetividade, seus desejos e criar um vínculo com o aprender a fim de encontrar prazer no mesmo e desaprisionar o conhecimento tornando-se um sujeito autor do seu saber.
A aprendizagem pode ser realizada pela vida inteira em qualquer momento e com qualquer pessoa desde que haja, antes de tudo, o desejo de aprender, e como decorrência, um outro que o autorize neste processo. Desta forma, pode-se afirmar que o desejo de conhecer torna-se a mola propulsora para a aprendizagem.
Trabalhar com o processo de aprendizagem demanda um investimento libidinal, de constituição como sujeito, de repensar sobre suas ações. Faz-se necessário um amparo teórico no qual o profissional deve estar ancorado a um conhecimento epistêmico e um trabalho de analise pessoal, já que questões pessoais e transferenciais são abordadas no campo da aprendizagem.
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1 Psicóloga e especialista em Psicopedagogia e Psicologia Hospitalar. Psicóloga e Psicopedagoga da Materno-Infantil do Hospital Israelita Albert Einstein: e-mail: me.amarins@gmail.com