A subjetividade manifesta-se, revela-se, converte-se, materializa-se e objetiva-se no sujeito. Ela é processo que não se cristaliza, não se torna condição nem estado estático e nem existe como algo em si, abstrato e imutável. É permanentemente constituinte e constituída. Está na interface do psicológico e das relações sociais. (MOLON, 2003, p 68).
Temos afirmado que a revista “Construção Psicopedagógica” busca contemplar os leitores com um conteúdo atual e sob diferentes olhares. Este volume traz como tônica aspectos do desenvolvimento humano em relação à família, escola, cultura e constituição do sujeito, aspectos ligados a intervenção psicopedagógica através de várias possibilidades. Nesse sentido, a subjetividade está presente em vários textos, abrindo a possibilidade de discussão e diálogo com os leitores.
Traz também uma importante discussão sobre as metologias utilizadas nas pesquisas, bem como a intervenção psicopedagógica em diferentes aspectos e como ela se entrelaça com essas pesquisas.
A pesquisa narrativa proposta nesses artigos deve ser entendida como uma forma de compreender a experiência humana. Trata-se de um estudo de histórias vividas e contadas, pois “uma verdadeira pesquisa narrativa é um processo dinâmico de viver e contar histórias, e reviver e recontar histórias, não somente aquelas que os participantes contam, mas aquelas também dos pesquisadores” (CLANDININ e CONNELLY, 2011, p.18). Assim, o texto de pesquisa é uma composição que tem como centro pessoas, lugares e coisas, que estão em constante processo de transformação, portanto não são estáticos. Sendo assim, o pesquisador necessita compreendê-los a partir dessa dinamicidade, que envolve vidas e histórias narradas a partir dos espaços tridimensionais em que se encontram.
Os temas se relacionam destacando os diferentes aspectos da constituição do sujeito e de possibilidades de intervenção em contextos institucionais e clínicos, permitido uma análise para a formação de cidadãos abertos ao mundo, flexíveis em seus valores, mais tolerantes e democráticos. Uma narrativa criando espaço para outra, na construção de um texto dialógico.
Abrimos o presente número com um excelente artigo, escrito por muitas mãos, mostrando como uma pesquisa ligada à primeira infância se tornou uma política pública educacional no município de Recife: DA PESQUISA À PRÁTICA: A IMPLEMENTAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA EDUCACIONAL PARA APOIAR O DESENVOLVIMENTO INFANTIL A PARTIR DO FORTALECIMENTO DAS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA, escrito por Ana Luiza Raggio Colagrossi, do instituto Sedes Sapientiae e do espaço Àra e Barbara Barros Barbosa, também do espaço Àra, Ana Coelho Vieira Selva, da Secretaria da Educação do Recife e da Universidade Federal de Pernambuco, Ana Cristina Avellar, Adriana Oliveira de Toledo, Ana Flávia Vieira Rolin, Maria Jakelane Darck Finelon Barros, Sayonara Souto Rosa da Costa, Luciana Lopes de Vasconcelos Lima, Mariana Mickaela Oliveira Alves de Souza, da Secretaria de Educação do Recife e Magna do Carmo Silva, da Universidade Federal de Pernambuco, nos trazem o texto que detalha as etapas da pesquisa voltada para o fortalecimento das relações entre família e escola na educação infantil, e que foi posteriormente transformado em uma política pública na cidade do Recife. Inicialmente implementado de forma piloto em 36 escolas, o programa foi expandido para 148 unidades educacionais.
Reconhecendo a importância das relações família e escola para promover o desenvolvimento infantil, a Rede Municipal de Educação do Recife identificou a necessidade de uma metodologia eficaz para trabalhar a parentalidade, visando estreitar as relações entre família e escola como fator essencial para o desenvolvimento infantil.
Em resposta a essa demanda, o programa Família+ ... foi criado com o objetivo de apoiar os pais ou responsáveis a promover interações de qualidade com suas crianças e a fortalecer os laços entre família e escola, promovendo o desenvolvimento infantil a partir do envolvimento familiar. Utilizando de princípios da ciência comportamental, o programa busca estabelecer uma comunicação eficaz entre as famílias e os professores.
O texto enfatiza o papel essencial dos atores envolvidos, as adaptações metodológicas realizadas para atender às necessidades da rede municipal e as lições aprendidas das fases iniciais da implementação. Traz também as conquistas do projeto para a Primeira Infância, para as famílias e para os educadores.
O programa Família + Recife não apenas fortaleceu a atuação dos educadores, mas também contribuiu significativamente para as aprendizagens e o desenvolvimento integral das crianças. A Implementação do Família+ em Recife abre caminho para sua replicação em outras redes municipais, como uma estratégia potente que fortalece o envolvimento parental e promove o desenvolvimento socioemocional e cognitivo das crianças.
O segundo artigo, nos traz uma experiencia bem sucedida de uma ação socioeducativa, que nasceu de oficinas oferecidas no contraturno para depois de mais de 20 anos de intervenção na comunidade em torno do Ceagesp, se tornar uma escola que abrisse espaço para atender crianças e adolescentes que tinham dificuldades de adaptação numa escola regular. Para tanto, decidiram romper com a lógica binária segundo a qual ateliê e sala de aula são espaços opostos, surgindo assim o atelieescola acaia. O artigo FAZER, PENSAR, APRENDER: A BUSCA DO EQUILÍBRIO ENTRE OFICINAS E SALAS DE AULA NO ATELIESCOLA ACAIA traz o relato dessa experiencia, trazido por Elisa Bracher, Ana Cristina Cintra, Fabrício Lopez e Ynaiá Barros
O ateliescola acaia é uma escola gratuita de Educação Infantil e Ensino Fundamental que atende crianças moradoras de duas favelas e um conjunto habitacional popular nas cercanias da Ceagesp, em São Paulo. Criada em 2017, a escola é o desdobramento de um trabalho de 25 anos com esse público, e que até então consistia na oferta de oficinas de fazeres diversos (marcenaria, arte, culinária, capoeira) e atendimento psicológico (oficina dos sentimentos) no contraturno escolar.
Na experiencia realizada foram atendendo esses alunos que traziam uma história de fracasso escolar, afirmando não conseguir ler, nem escrever, considerando-se burros e apresentando uma série de sentimentos deste tipo em relação à escola. Para algumas delas, a relação professor-aluno era uma questão fundante e tratar disso com muito cuidado, era uma meta, tendo em vista que já que estas crianças estavam pedindo para ser atendidas, cuidadas, olhadas.
Assim, a busca de equilíbrio, cruzamento e complementaridade entre situações de sala de aula e de oficinas atravessa toda a prática pedagógica da escola. Essa busca contempla o fato de que os conhecimentos e as habilidades desenvolvidas em cada um dos dois espaços são de natureza diferente. Também contempla a marca que diferencia os dois contextos de aprendizagem: a intencionalidade de ensinar. As crianças se aproximam do conhecimento formal a partir de uma sequência de conteúdos, com objetivos determinados e em um ritmo pré-estabelecido pelo outro (o professor). No ateliê, o que existem são propostas, e não um lugar determinado a ser alcançado.
O trabalho realizado abre espaço com a convivência e a construção da cidadania, quando crianças e jovens têm a possibilidade de se aproximar do conhecimento de maneiras diferentes, por caminhos diversos: Ateliês e sala de aula se completam na função de ajudá-los a criar a coragem e os instrumentos necessários para aprender, avançar e se comunicar em qualquer ambiente.
A regra é clara: no ateliescola acaia cabem todas as crianças, com todos os tipos de comportamento. Acreditamos que todas, sem exceção, podem aprender. É nosso papel criar estratégias e espaços para que nenhuma criança se sinta incapaz de avançar.
O próximo texto, escrito por Carolina Gemas (Instituto Sedes Sapientiae) e Eloisa Quadros Fagali,( Instituto Sedes Sapientiae e PUC - SP), NARRATIVAS NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE E NO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM: DIALÓGICA COMPARTILHADA, MÚLTIPLAS VOZES, DIFERENTES “ESTILOS COGNITIVOS-SOCIOAFETIVOS”, traz recortes de experiências psicopedagógicas, sobre as narrativas de quem expressa e de quem escuta, ressaltando o valor da pesquisa cientifica com base na narrativa compartilhada. As narrações se desenvolvem durante e após as experiências do diagnóstico e intervenção psicopedagógica de uma criança, e propostas de continuidade das orientações com integrantes familiares, professores e outros educadores.
O método das narrativas compartilhadas valorizam a escuta e as expressões das experiências dos sujeitos envolvidos e necessita da escuta e respeito às diferenças dos estilos e singularidades de cada um que expressa suas experiências numa “dialógica dinâmica” aberta e contínua, em que se “entrelaçam” múltiplas vozes do mundo interno e externo dos interlocutores (Bakhtin,1992).
O objetivo do trabalho realizado foi abrir espaço para a compreensão mais ampliada e contemporânea sobre a dinâmica dialógica mediadas pelas narrativas entre “eu-outros”, escutando e compartilhando as vozes “eu – nós”, que se confrontam devido as diferenças, mas que podem ser aceitas e complementadas por meio da dinâmica das “narrativas dialógicas”, na busca de maior compreensão de como se dá a constituição do sujeito.
O diagnóstico e dinâmica psicopedagógica mediada pelas trocas das narrativas mobilizavam as conexões entre passado, presente e futuro, sem se deter nas repetições e reproduções mecânicas, mobilizando a ampliação dos sujeitos e personagens das narrativas.
Beatriz Vasques, da PUC-SP, com o artigo A RELAÇÃO ENTRE A AFETIVIDADE E A APRENDIZAGEM, nos presenteia com um texto tecido na relação entre afetividade e dificuldades de aprendizagem, adotando uma perspectiva fenomenológica pós-junguiana sobre as diferenças e potenciais dos “estilos cognitivos socioafetivos” e o pensamento de Wallon sobre o vínculo afetivo, usando tambem concepções do método de pesquisa narrativa, em que o relato de experiência contribui para que a revisão teórica alicerce a pesquisa, como um tipo de conversa entre a teoria e a vida (Clandinin e Connelly,2015) em sua narrativa.
Assim, suas reflexões e análises das práticas basearam-se em eixos teóricos essenciais da psicologia do desenvolvimento e conhecimentos psicopedagógicos: o pensamento de Wallon sobre o valor do afeto e Winnicott sobre a importância do vínculo afetivo, e os conhecimentos analíticos fenomenológicos pós-Junguianos, identificando e valorizando diferentes potenciais das crianças que revelam sua singularidade e traços diferenciados de um “estilo cognitivo-socioafetivo.
Por meio da perspectiva teórica de Wallon, compreendemos que a cognição e o afeto estão intrinsecamente entrelaçados, estabelecendo uma dinâmica em espiral na qual um campo depende do outro para se desenvolver.
Winnicott acrescenta a ideia de que o indivíduo maduro vivencia uma dimensão psíquica interna e outra externa, com uma região intermediária situada entre ambas, onde residem os afetos.
A partir das teorias de desenvolvimento apresentadas, a autora observa que ambas reconhecem que o acontecer humano é intrinsecamente ligado à afetividade. A teoria de Jung acrescenta que cada um de nós carrega, tanto no nível consciente quanto no inconsciente, as quatro capacidades do Ego, as quais foram categorizadas como funções: a sensorial, a intuição, o pensamento e o sentimento. A partir desses pressupostos foram feitos os atendimentos e utilizando-se os estilos cognitivos, socio-afetivos, foi possível constatar inúmeros avanços no processo de equilíbrio para favorecer o desenvolvimento psíquico e cognitivo de Pedro, a criança acompanhada, através da mobilização dos aspectos afetivos e da tomada de consciência de sua função subjetiva e intuitiva, com um crescimento gradual, porém progressivo, em sua autoestima, permitindo uma flexibilidade maior em seu ego e em suas defesas.
No artigo INTERVENÇÕES COM JOGOS: A VISÃO DAS FAMÍLIAS, as autoras Maria Thereza Costa Coelho de Souza e Ana Lúcia Pétty, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo se refere a uma pesquisa de pós atendimento realizada com famílias de crianças que frequentaram o Programa de Intervenção com oficinas de jogos oferecido no Laboratório de Estudos sobre Desenvolvimento e Aprendizagem (LEDA), do Instituto de Psicologia da USP nos anos de 2016 a 2019.
O programa de intervenção do LEDA tem como objetivo atuar em prol do desenvolvimento e da aprendizagem de crianças com dificuldades escolares, que frequentam instituições educacionais públicas, com idades entre 9 e 11 anos. Por meio da proposição de atividades com jogos e desafios lógicos, enfrentando situações-problema relacionadas aos jogos em um contexto interativo e grupal, os participantes das oficinas são desafiados a superar suas dificuldades e ampliar a capacidade de convivência
Na pesquisa realizada junto às famílias foram coletadas informações entre maio/2023 e maio/ 2024 pela secretária do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade (PSA), ao qual o referido laboratório pertence, por meio de telefonemas e mensagens de WhatsApp.
Dentre 193 respostas, 54% destacaram benefícios concretos, sendo que a maior porcentagem (41%) foi relativa à observação de melhoras nas atitudes em relação ao estudar e aprender (atenção, concentração e interesse), seguida de 34% de percepções de que houve melhora no enfrentamento de desafios
Assim, analisando-se os resultados é possível dizer que os objetivos do programa de intervenção foram atingidos, o que gerou ampliação do conhecimento sobre o impacto das oficinas de jogos na vida dos participantes, assim como suas consequências posteriores. Além disso, já que houve um alinhamento entre as percepções das famílias e as evidências de pesquisas, que poderá contribuir para ajustar os procedimentos das intervenções para novos grupos.
Marcella Aguiar (S.E. de Passos (MG), Marcia Oliveira (S.E. de Congonhas (MG) e Ana Maria Franklin Gonçalves (Escola Vera Cruz (SP)realizaram uma pesquisa com professoras de Minas Gerais e São Paulo do 5º ano do Ensino Fundamental I, de escolas públicas e particulares que resultou no artigo A CONCEPÇÃO DE PROFESSORAS DO 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL I SOBRE ADAPTAÇÃO DE PROVAS ESCOLARES. As autoras cursaram a formação em Classificação Digital e Reenquadramento da Aprendizagem (Metodologia CDRA). Esta metodologia foi idealizada pela fonoaudióloga Rosana Mendes Ribeiro, a partir da sua experiência pessoal, como mãe de uma jovem com Necessidades Educacionais Especiais. Ela desenvolveu uma metodologia dirigida a professores de escolas do Ensino Fundamental e Médio, possibilitando o reconhecimento da diversidade em sala de aula, classificando seus grupos heterogêneos e disponibilizando atividades e provas escolares adaptadas que atendessem aos grupos elencados.
Nesse sentido a Metodologia CDRA pode responder a essa demanda, de maneira eficaz, primeiramente por ter uma visão diferenciada em relação às provas escolares, ao considerá-las oportunas para a recuperação de defasagem pedagógica. Outro aspecto que sublinhamos, é que a Metodologia CDRA oferece aos docentes a formação, mapeamento das classes e intervenção amparadas nas funções executivas e emoções envolvidas no contexto de cada necessidade dos estudantes.
Concluiram que os professores, cientes da importância das adaptações de provas escolares, em sua maioria, buscam alternativas para atender a heterogeneidade de estudantes em suas classes, adaptando as provas curriculares, bem como, usar estratégias que favorecem a inclusão de todos os estudantes, de forma efetiva.
Apontamos, nesta perspectiva, que a Metodologia CDRA detém fundamentos teóricos e práticos consistentes para que a escola de fato realize adaptações curriculares e de provas, promovendo a inclusão de todos os estudantes.
A resenha escrita por Paulo Sérgio de Oliveira Júnior, do Instituto Sedes Sapientiae, ENTRELINHAS DO CRIAR: PARCERIAS DIALÓGICAS NO ESPAÇO TERAPÊUTICO DA ESCRITA, nos traz um livro fundamental para todo profissional que se debruça a refletir sobre o processo de escrita. Por meio do brincar, segundo Donald Winnicott, é possível estabelecer parcerias dialógicas, tendo a palavra como objeto cultural e material: “são provisões disponíveis no meio cultural que possibilitam encontros, tanto de cada um consigo mesmo, como com outro” (Perrotta, 2023, p. 186).
Entrelinhas do criar: parcerias dialógicas no espaço terapêutico da escrita possibilita diversas camadas de leitura: contém material teórico de inspiração psicanalítica, que pode ser útil para esse especialista; contém episódios e vinhetas clínicas, essencial para psicopedagogos; oferece uma seleção de filmes e textos importantes para a reflexão e elaboração de atividades voltadas à linguagem escrita; ilustra, mediante uma cuidadosa e ética descrição dos episódios, como se constrói um vínculo terapêutico e potencial, com vistas ao cuidado genuíno com a escrita. Sem dúvidas, o livro de Claudia Perrotta cumpre sua finalidade: ser um livro suficientemente bom.
Finalizamos este número da “Revista Construção Psicopedagógica”, agradecendo aos autores que contribuíram com a presente edição, que com a riqueza de suas experiências compartilhados conosco, potencializaram a reflexão e o fazer psicopedagógico,
E a você, caro leitor, muito obrigada pela companhia na leitura dos textos e o convidamos para que nos ajude na divulgação de nossa revista. Esperamos também que você nos alegre com a sua contribuição para o próximo número. Seu artigo será muito bem-vindo! Ele é muito importante para nós!