Apresentação
Esse texto se refere a uma pesquisa de pós atendimento realizada com famílias de crianças que frequentaram o Programa de Intervenção com oficinas de jogos oferecido no Laboratório de Estudos sobre Desenvolvimento e Aprendizagem (LEDA), do Instituto de Psicologia da USP nos anos de 2016 a 2019. As informações foram coletadas entre maio/2023 e maio/ 2024 pela secretária do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade (PSA)1, ao qual o referido laboratório pertence, por meio de telefonemas e mensagens de WhatsApp.
Por que perguntar para as famílias sobre o atendimento? O programa de intervenção com jogos é oferecido há mais de 30 anos e nunca antes essa consulta com as famílias ocorreu de modo formalizado, parecendo, portanto, oportuno buscar saber o que tinham a dizer quanto às consequências para quem foi atendido. Além disso, a importância dessa investigação deve-se a mais dois fatores: ampliar o conhecimento sobre o impacto das intervenções para a vida escolar das crianças, assim como as consequências posteriores, acadêmicas e não acadêmicas, de certos aspectos relativos aos principais objetivos do atendimento, dentre eles, o processo de tomada de consciência e as mudanças atitudinais dos participantes. O outro fator, igualmente relevante, é verificar se há uma articulação entre o que pesquisas já realizadas informam sobre os efeitos do programa de intervenção e a avaliação/percepção das famílias sobre este trabalho (DE SOUZA et al, 2024; KUNSCH, SOUZA e PETTY, 2021). Este alinhamento, bem como as informações obtidas, permitirá ajustar os procedimentos das intervenções para novos grupos, assim como reiterar os parâmetros e critérios da estrutura do programa para garantir os efeitos duradouros identificados pelas famílias.
O programa de intervenção do LEDA tem como objetivo atuar em prol do desenvolvimento e da aprendizagem de crianças com dificuldades escolares, que frequentam instituições educacionais públicas, com idades entre 9 e 11 anos. Por meio da proposição de atividades com jogos e desafios lógicos, enfrentando situações-problema relacionadas aos jogos em um contexto interativo e grupal, os participantes das oficinas são desafiados a superar suas dificuldades e ampliar a capacidade de convivência (GARBARINO et al, 2023; MACEDO, PETTY e PASSOS, 2005; PETTY, DE SOUZA e MONTEIRO, 2019). O modo como são organizadas as propostas interfere para mobilizarem recursos cognitivos e socioemocionais, visando resultar em melhoras no ambiente escolar (PETTY e DE SOUZA, 2021).
Fundamentação teórica
A fundamentação teórica principal do programa de intervenção do LEDA é a epistemologia genética de Jean Piaget, no que se refere especialmente à tomada de consciência das ações visando uma equilibração das estruturas cognitivas envolvidas no enfrentamento de situações-problema apresentadas em diferentes jogos. Sabemos que o mecanismo da tomada de consciência se refere a reconstruir num nível superior (representacional) o que já foi construído num nível anterior (das ações práticas). Esta reconstrução permite que o sujeito reveja suas ações, seus resultados e vislumbre novas possibilidades de solução. Por este motivo, este mecanismo se relaciona com o conceito de equilibração majorante (para melhor), o qual explica a passagem de um nível de estruturação a outro, sendo um fator importante do desenvolvimento cognitivo (PIAGET, 1974 e 1977). Este autor insiste que a tomada de consciência não é abrupta e não se refere a uma iluminação súbita de uma resposta que estaria escondida, mas, ao contrário, se trata de um processo gradativo de reconstrução das ações, a partir da avaliação de resultados do que foi feito e do planejamento de novas ações possíveis para enfrentar o desafio. Este processo cognitivo é interno e pode dar a impressão, se visto de fora, de que a mudança foi rápida e imediata. A explicação do autor para a tomada de consciência está relacionada a um dos princípios básicos desta perspectiva teórica: o de que o desenvolvimento é gradativo e se dá de modo integrado, ou seja, o nível posterior de compreensão integra o nível anterior, o qual permanece como subestrutura da nova estrutura de conjunto. É importante lembrar ainda que esta abordagem é interacionista, o que significa dizer que somente a partir das interações entre o sujeito e os objetos é que as construções de conhecimento se dão, bem como o desenvolvimento do pensamento. Esta perspectiva aborda, então, fundamentalmente, a forma como os conhecimentos são construídos nos diferentes momentos do desenvolvimento cognitivo.
Quanto aos jogos, a base teórica se refere às categorias: o exercício, o símbolo e a regra. Na primeira a ênfase está nas ações práticas que se repetem e que constituem exercícios de habilidades e funções novas para a criança no período entre zero e dois anos de idade, em média. Já os jogos simbólicos estão centrados nas representações das ações e do mundo, ou seja, expressam como as crianças pequenas (entre dois e seis anos, em média) assimilam o mundo à sua maneira, criando enredos, personagens, os quais não se baseiam na realidade concreta, mas nas representações e significados construídos. Finalmente, os jogos de regras revelam como as crianças mais velhas (a partir dos 7/8 anos, em média) se relacionam com as regras quanto aos seus princípios e valores, aderindo ou não às mesmas com uma tonalidade lógica que permeia o respeito, não só às normas, mas também aos oponentes (PIAGET, 1945). Considerando essa referência, o foco está no jogador - o que permite conhecer suas formas de jogar e estrutura de seu pensamento - e não no conteúdo dos jogos - o que leva a um dos princípios do trabalho com as oficinas: “qualquer jogo, mas não de qualquer jeito”. O uso de jogos e situações-problema permite que ocorram mudanças não somente no momento em que estão jogando, mas no modo como os jogadores utilizam novos procedimentos na vida escolar, com protagonismo e autonomia. As intervenções tornam-se, assim, mediadoras ao desencadearem atitudes que permitem a superação de dificuldades, estimulando a construção de novas atitudes, mais favoráveis ao desenvolvimento e à aprendizagem.
O trabalho em grupo nas oficinas de jogos desempenha um papel regulador importante, tanto em termos cognitivos, como também socioemocionais, uma vez que as interações com outros participantes do grupo promovem novas possibilidades de solução e enfrentamento. Assim, este trabalho permite colocar a atenção nas relações com o outro e com as regras dos jogos, bem como lidar com frustrações num contexto de cooperação e respeito mútuo, no qual predominam as trocas de pontos de vista. Portanto, as intervenções por meio de jogos e de situações-problema, proporcionam autoconhecimento e conhecimento sobre os procedimentos para jogar.
O programa de intervenção se baseia também nos conceitos de funções executivas, abordados na Psicologia Cognitiva. As habilidades cognitivas de controle inibitório, flexibilidade cognitiva, atenção e memória operacional ou de trabalho são importantes para o planejamento e a tomada de decisões em relação à escolha de procedimentos para jogar. Crianças com dificuldades escolares apresentam problemas de concentração, dominar sua impulsividade, ter flexibilidade mental e “guardar” na memória estratégias usadas para utilizá-las novamente e fazer boas jogadas. Segundo DIAMOND (2013), atividades com jogos e outras atividades lúdicas podem favorecer o uso e aprimoramento de funções executivas, já que demandam focos de atenção, controle de impulsos, tomadas de decisão e planejamento de ações.
Ao ter como objetivo desencadear atitudes mais favoráveis para a aprendizagem e o desenvolvimento, as intervenções com jogos permitem lidar com ideias, hipóteses, emoções, autoconceito e autopercepção, presentes diante de desafios nos jogos e também na vida escolar. Jogar e resolver situações-problema são importantes para regular ações e tomar consciência dos acertos e dos erros, bem como contribuem para estimular funções executivas que fazem parte do processo de planejamento das ações, construção de estratégias e avaliação dos resultados.
Objetivo
O objetivo da pesquisa foi analisar a repercussão do programa de intervenção com oficinas de jogos do LEDA nas atitudes das crianças que participaram das atividades, por pelo menos um semestre, segundo a visão de seus familiares.
Método
Procedimentos para a coleta de dados
Foi feita uma entrevista por telefone e mensagens de WhatsApp com os responsáveis, abordando os seguintes pontos: nome da criança, data de nascimento, período de participação nas oficinas de jogos (ano ou com qual idade), tempo de permanência no programa de intervenção e benefícios (ou não) observados, nome do responsável, telefone e data da comunicação.
É importante destacar que houve espaço livre para o registro da fala do entrevistado(a), evitando direcionamento das informações, fossem estas relativas a críticas ou elogios ao atendimento - daí a relevância de ter sido realizada por uma pessoa neutra (secretária) em relação ao programa de intervenção. Cumpre salientar também que foi bastante desafiante recuperar os contatos, uma vez que muitas famílias já não estavam com os mesmos números de telefone. Foram deixados diversos recados, houve poucos retornos, gerando diversos empecilhos. Foram mais de 200 telefonemas e mais de 30 mensagens de WhatsApp, para se conseguir um número relativamente pequeno de formulários preenchidos. No final, ao todo conseguiu-se contato com 39 famílias, resultando em 193 respostas.
Resultados e Discussão
Em uma visão geral, do ponto de vista qualitativo, ocorreu um número alto de respostas sinalizando benefícios concretamente observados pelas famílias, tanto no comportamento quanto no desempenho escolar, com influências que geraram melhora das dificuldades identificadas no início dos atendimentos. Dentre as observações sobre o comportamento e o desempenho escolar das crianças que participaram do programa, foi possível organizar as informações da seguinte forma: (1) concentração, atenção e interesse; (2) comunicação e habilidades socioemocionais; (3) enfrentamento de desafios e superação de erros.
Em relação ao primeiro aspecto, as respostas indicaram predisposição para estudar e aprender, ou seja, dentre os relatos, os familiares afirmaram que seus filhos e filhas progrediram. Vejamos alguns exemplos: “Tinha déficit de atenção e agora foca mais nos estudos; evoluiu muito na concentração; era distraído, não acompanhava a classe; hoje é uma criança focada, a escola é motivo de prazer; presta mais atenção às aulas; melhorou da água para o vinho, só apontava lápis e ficava dispersa; a professora explicava e não se interessava; tinha dificuldade de concentração e estava mal na escola; melhorou a concentração; mais atenção; não tinha foco; prazer em estudar; desenvolveu outros métodos de aprendizagem, apesar da dificuldade; mudança boa na parte escolar; desempenho e desenvolvimento melhoraram muito; é esforçada; toma atitude; tem mais opinião própria”.
Em termos de comunicação e habilidades socioemocionais, os entrevistados mencionaram avanços, tais como: “Melhorou muito a comunicação, conversa e abraça; tinha dificuldade para falar e melhorou na fala; no comportamento, ficou menos agressivo e até a escola percebeu (a professora); parou de ser agressivo para resolver as coisas; com as atividades no LEDA melhorou em tudo: compreende e desenvolveu mais a fala; melhorou interação e comunicação com as pessoas; o atendimento ajudou muito, ficou mais atenciosa e melhor ouvinte da mãe, ficou com uma visão diferente sobre os assuntos que a mãe alertava; ser atendimento em grupo ajudou bastante; ajudou muito, tinha jogos e conversas; nunca teve atendimento tão acolhedor, se sentiu mais seguro; ajudou bastante na escola, não tinha convívio com outras crianças, agora consegue dividir; melhorou a socialização; aprendeu a respirar para se acalmar (conta até 10 e faz isso ainda); superou dificuldades de interação”.
Quanto ao enfrentamento de desafios e superação de erros, notou-se que os familiares explicitaram os seguintes pontos: “Sabe se desvencilhar das dificuldades; conseguiu superar as dificuldades e melhorou; pegou aquele gosto de superar as dificuldades; melhorou muito, tinha dificuldade no aprendizado; aprendeu a ler do dia pra noite; tira atualmente 10 em matemática e era onde tinha dificuldade; nunca mais precisou de atendimento ou reforço; tem dislexia, ia repetir de ano e se recuperou, passou de ano sem ajuda da escola; está bem melhor, não troca letras; em 5 ou 6 meses melhorou muito, não tem mais dificuldades; evoluiu bastante na parte de aprendizagem; em pouco tempo de atendimento já estava começando a ler; o desenvolvimento na escola melhorou bastante; ficou muito bem no tempo em que frequentou as oficinas, desenvolveu o aprendizado; fez toda a diferença na aprendizagem, pois é disléxico; se não tivesse esse acompanhamento a dificuldade seria maior; superou as dificuldades e tem desempenho muito bom na escola, devido ao atendimento”. Em síntese, as respostas indicaram predisposição das crianças para o enfrentamento de desafios e superação de erros, maior concentração e atenção, expansão da comunicação e das habilidades socioemocionais, bem como atitudes mais favoráveis em relação ao estudar e aprender.
Houve também respostas que enfatizaram conteúdos subjetivos, e ainda assim, indicaram benefícios. Dentre as observações subjetivas sobre a criança e o atendimento, as respostas foram agrupadas do seguinte modo: (1) consequências de participar; (2) sobre resultados; (3) outros comentários.
No que se refere às consequências de participar, houve menções, tais como: “É xerife em um curso de carreira militar (à frente da tropa); é outra criança, conseguiu bolsa para estudar, se tornou top e até a mãe se surpreendeu; depois de vir ao LEDA ficou esperto e é um rapaz que só tem elogios; depois do atendimento, desabrochou; ajudou muito, se tornou uma adolescente melhor”.
Quanto aos resultados, de uma maneira mais ampla, foram feitos comentários tais como: “Benéfico; 100% de benefício; muito bom; válido para estimular a mente; deu um clarão na mente; ótimo, não tem o que falar; experiência fantástica; foi mágico; acompanhamento maravilhoso; foi como um milagre; trabalho foi proveitoso; foi um divisor de águas; depois do LEDA não encontrou nenhum acompanhamento que se comparasse; nada foi mais eficiente como no LEDA; deu um norte; se desenvolveu muito; valeu a pena”.
Ainda quanto às observações mais subjetivas, uma vez que era possível falar livremente sobre os atendimentos, houve pessoas que aproveitaram o contato para enviar algum agradecimento ou mensagem, por exemplo: “Gostava muito de ir ao LEDA, foi muito positivo, pois na idade dele, se não fosse bom, não se interessaria; se tivesse LEDA para a idade dele, colocaria de novo; toda a família está muito feliz; atender também as famílias foi muito proveitoso; tem saudades; muitos agradecimentos; quer voltar ao atendimento; se não fosse essa psicopedagoga, estava perdido; profissional dá bastante atenção; muito profissionalismo; foi muito bem atendido”.
Foi também possível organizar algumas respostas relativas à percepção sobre os critérios e condições do atendimento, indicando aspectos que o caracterizam. Ainda que não fosse uma análise dos benefícios propriamente dita, considerou-se interessante mencioná-los, sendo agrupados de acordo com comentários relativos ao público, local, tempo de duração e/ou objetivos: (1) para quem; (2) onde e quando; (3) outros. Nestas menções, o entrevistado explicou algum motivo pelo qual o programa do LEDA não servia para seu filho ou filha. Vejamos alguns exemplos: “Até hoje ainda tem dificuldade em Matemática, mas de resto está bem; tem quadro de espectro autista e necessita de companhia; criança com autismo, não se adaptou bem ao grupo, mas o atendimento foi bom; não era bem esse atendimento que a criança precisava, manteve comportamento de mal humor, foi para terapia; a logística impediu, mas deveria ter ficado mais tempo; teve que parar por morar longe e mudar de período; frequentou pouco tempo e não deu para avaliar benefícios; seria bom ter um laudo pois se gasta tempo e dinheiro para conseguir; a família não conseguiu manter; difícil dizer, pois veio poucas vezes; queria ter ficado mais tempo; atendimento não foi concluído, então notou pouco benefício; difícil perceber resultados pontuais, pois fazia outros atendimentos”.
Em termos quantitativos, foi feita uma análise percentual das respostas em função das categorias acima comentadas. A Tabela 1 indica os resultados e o Gráfico 1 ilustra sua distribuição.
Tabela 1 Distribuição percentual das respostas em função das categorias de análise.
BENEFÍCIOS CONCRETOS | BENEFÍCIOS SUBJETIVOS | CARACTERÍSTICAS DO ATENDIMENTO | TOTAL | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Atitudes em relação ao estudar e aprender (atenção, concentração e interesse) | 43 (41%) | Consequências e implicações da participação | 08 (11,6%) | Para quem (público beneficiado) | 06 (31,6%) | 57 |
Comunicação e habilidades socioemocionais | 26 (25%) | Sobre resultados (progressos alcançados) | 40 (58%) | Onde e quanto (logística e tempo de permanência) | 09 (47,4%) | 75 |
Superação das dificuldades escolares (enfrentamento de desafios) | 36 (34%) | Sobre a qualidade do atendimento | 21 (30,4%) | Outros comentários | 04 (21,1%) | 61 |
TOTAL | 105 (54%) | 69 (35%) | 19 (11%) | 193 (100%) |
Fonte: Dados da pesquisa.

Fonte: Dados da pesquisa.
Gráfico 1 Distribuição percentual das respostas em função das categorias de análise.
Dentre 193 respostas, 54% destacaram benefícios concretos, sendo que a maior porcentagem (41%) foi relativa à observação de melhoras nas atitudes em relação ao estudar e aprender (atenção, concentração e interesse), seguida de 34% de percepções de que houve melhora no enfrentamento de desafios. Tais informações estão totalmente em harmonia com os objetivos das intervenções realizadas no contexto das oficinas de jogos, que colocam ênfase na construção de atitudes relativas à capacidade de manter atenção e foco de modo a ampliar a sustentação de ambos para a realização de tarefas, acionando o repertório de funções executivas de cada participante, gerando estímulo para ampliarem essas habilidades.
O aspecto “comunicação e habilidades socioemocionais”, ainda que mencionado em menor porcentagem (25%), também expressa clareza das famílias quanto a um dos objetivos do programa de intervenção, que ressalta a importância do desenvolvimento da comunicação como forma de ajudar as crianças a explicitarem suas características e expressarem suas necessidades, contribuindo para poderem saber se colocar diante dos desafios, pedir ajuda e/ou compartilhar ideias. Do mesmo modo, as habilidades socioemocionais têm sido cada vez mais valorizadas, tanto na escola quanto na vida social e familiar, exigindo interações respeitosas e que incluem as diferenças. Esses aspectos são regular e amplamente trabalhados no contexto das oficinas, uma vez que para jogar, é preciso construir e manter atitudes cooperativas e de acordo com as regras, mesmo em situações de competição.
Sobre benefícios subjetivos, obteve-se 35% de menções em relação ao total de respostas, sendo que o maior destaque (58%) foi para a percepção de que o atendimento trouxe progressos para quem frequentou o programa de intervenção. Assim sendo, quando os pais e responsáveis afirmam ocorrência de resultados positivos nas atitudes e desempenho escolar de seus filhos e filhas, fica evidente a contribuição do programa de intervenção do LEDA para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil, o que reforça sua relevância e continuidade. Além disso, as respostas também indicaram que as famílias consideraram válido o investimento (e sacrifício, muitas vezes), já que frequentar as oficinas de jogos gerou consequências positivas duradouras, uma vez que essas crianças atualmente estão finalizando a jornada escolar. As demais porcentagens tanto em relação à qualidade do atendimento, bem como consequências e implicações da participação também indicam que as famílias enalteceram aspectos positivos e denotaram terem ficado satisfeitas com o programa de intervenção.
Por fim, até mesmo as respostas (11%) que não mencionaram benefícios diretos foram analisadas e organizadas em categorias, pois permitiram identificar como as famílias entendiam algumas características dos atendimentos, principalmente relativas à logística, ou seja, o público ao qual as oficinas se destinam e que é necessário residir relativamente próximo ao local da USP, o que viabiliza a permanência e regularidade de participação, sem as quais os atendimentos ficam prejudicados. Tais respostas possibilitam direcionar os futuros interessados pelo programa de intervenção, já explicitando antecipadamente as características, o que viabilizará que as famílias mantenham as crianças por um tempo maior nas oficinas de jogos.
Em relação às informações sobre tempo de permanência no programa de intervenção e a relação com o benefício percebido, é relevante destacar que a maioria das famílias conseguiu sustentar a permanência por um período de dois semestres. Observando-se 39 respostas quanto a esse item, 87% indicam que o programa de intervenção trouxe benefícios, mesmo dentre as crianças que permaneceram pouco tempo nas oficinas, em comparação a 13% que não identificaram tantos benefícios, sendo maioria as que participaram por até seis meses, conforme mostra a Tabela 2.
Tabela 2 Distribuição do tempo de permanência nas oficinas em relação aos benefícios percebidos.
Tempo de permanência | “Beneficiou muito” | “Beneficiou pouco” | TOTAL |
---|---|---|---|
Até 6m | 7 (64%) | 4 | 11 |
De 6 a 12m | 16 (94%) | 1 | 17 |
De 12 a 18m | 11 (100%) | 0 | 11 |
TOTAL | 34 (87%) | 5 (13%) | 39 (100%) |
Fonte: Dados da pesquisa.
Tais informações são relevantes, porque há uma orientação junto aos pais no momento da inscrição em que se destacam a necessidade de frequentar as oficinas semanalmente evitando faltas, bem como permanecer no programa por três semestres, visando o melhor aproveitamento do atendimento. Nesse caso, tais orientações foram confirmadas, analisando-se as respostas das famílias que informaram perceber que quanto maior o tempo de permanência no programa, maior o benefício observado, conforme apresentado no Gráfico 2.

Fonte: Dados da pesquisa.
Gráfico 2 Distribuição do tempo de permanência nas oficinas em relação aos benefícios percebidos.
Em uma visão geral, pode-se dizer que há uma unanimidade quanto ao benefício do programa quando o tempo de permanência é de pelo menos dois semestres. Os resultados permitiram concluir que o tempo de permanência nos atendimentos interfere na avaliação dos benefícios observados. O programa de intervenção é composto por três semestres, sendo que em cada um, são propostos jogos e desafios lógicos com diferentes demandas. Portanto, percorrer o total dos semestres gera ampliação dos benefícios e maior consolidação das superações das dificuldades, assim como das novas construções de ações e procedimentos, considerando-se o processo de tomada de consciência e a construção de atitudes favoráveis ao desenvolvimento e aprendizagem, aspectos amplamente valorizados no âmbito escolar. A lógica que estrutura o programa gera repercussões de diferentes tipos e em níveis também diversos. O aprofundamento e grau de assimilação das intervenções varia de acordo com o tempo de permanência no programa. Inicia-se com o conhecimento das crianças e suas dificuldades (1º semestre), passando para uma maior observação de oscilações e superações (2º semestre), até atingir um ponto em que é possível constatar maior consolidação das conquistas e superações (3º semestre).
Considerações finais e implicações
Considerando os dados coletados na presente pesquisa é possível dizer que as percepções das famílias dos participantes das oficinas de jogos foram convergentes com evidências obtidas tanto em pesquisas, como nos trabalhos de atendimento realizados pela equipe do laboratório. Os principais focos apontados pelas famílias como pontos de convergência foram: aprimoramento das funções executivas, dentre elas, melhoria da atenção, maior controle de impulsos e flexibilidade mental, bem como progressos no desenvolvimento, ampliação do interesse por aprender e mais autonomia para criar possibilidades de solução ao se depararem com desafios. Esses aspectos, como já mencionado, geraram consequências positivas e benefícios para os participantes.
A permanência por pelo menos dois semestres também foi enaltecida como fator que interferiu para que os resultados das intervenções fossem mais evidentes e permanentes, de acordo com as famílias. Isso faz muito sentido, pois a cada semestre, diferentes aspectos são abordados nas oficinas, desde o conhecimento das crianças em relação aos outros participantes, a sistemática dos atendimentos e seus modos de pensar e agir, até a busca segura pela ajuda do adulto e o reconhecimento dos conflitos e limitações a serem superados. Aqueles que permanecem até o terceiro semestre, portanto, experimentam maior estabilidade em seus comportamentos e adquirem mais clareza sobre suas capacidades e dificuldades, devido ao processo de tomada de consciência, uma vez que este interfere gradualmente para favorecer mudanças atitudinais. As mudanças mais observadas pelas famílias devido à maior permanência nas oficinas se referem sobretudo ao modo de as crianças lidarem com as dificuldades e desafios, tanto acadêmicos como sociais, emocionais e cognitivos.
Assim, considerando as justificativas da presente pesquisa é possível dizer que os objetivos do programa de intervenção foram atingidos também de acordo com a avaliação dos familiares, o que gerou ampliação do conhecimento sobre o impacto das oficinas de jogos na vida dos participantes, assim como suas consequências posteriores. Além disso, já que houve um alinhamento entre as percepções das famílias e as evidências de pesquisas, isso poderá contribuir para ajustar os procedimentos das intervenções para novos grupos, bem como reiterar os parâmetros da estrutura do programa, visando garantir os efeitos duradouros identificados.
Em síntese, por um outro e novo ângulo (visão das famílias) mais uma vez é possível afirmar que o programa de intervenção do LEDA se mostra eficaz, atuando em prol do desenvolvimento e da aprendizagem de crianças com dificuldades escolares.