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Boletim - Academia Paulista de Psicologia
versão impressa ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. v.29 n.1 São Paulo jun. 2009
RESENHAS
Eliana Cristina Gallo-Penna1
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
SPERB, T. & MALUF, M. R. (orgs.) (2008) Desenvolvimento sociocognitivo: estudos brasileiros sobre "teoria da mente". São Paulo: Vetor Editora Psico-Pedagógica.
O presente livro consta de uma coletânea de trabalhos brasileiros sobre o tema, cujos autores, em sua maioria, pertencem ao Grupo de Trabalho: Desenvolvimento sociocognitivo e da linguagem na criança da ANPEPP (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação).
É organizado por Tânia Sperb e Maria Regina Maluf, ambas com relevante conhecimento e experiências em pesquisas sobre a matéria, cujas raízes remontam os cursos de pós-graduação por elas realizados tanto no Brasil quanto na Inglaterra e Bélgica, respectivamente.
Os trabalhos constituem-se de valiosas reflexões e pesquisas descritas em forma clara, objetiva e didática, o que permite a compreensão dos principais fatores relacionados ao estudo da teoria da mente no contexto previsto. Em forma reflexiva e estimulante na apresentação, as autoras, após fazerem uma apreciação do tema, destacam alguns questionamentos sobre a origem filogenética desse assunto, os aspectos socioculturais que permeiam as práticas de socialização da linguagem e, por último, as influências das relações sociais no desenvolvimento da teoria da mente.
Na sequência, as autoras apresentam um breve panorama dos oito capítulos que compõem essa obra; salientam que o estudo da teoria da mente envolve profissionais de diferentes áreas compromissados com o entendimento da cognição social.
Compreendendo estados mentais: como procedimentos de pesquisa a partir da tarefa original de crença falsa, Domingues e Maluf apresentam um breve histórico das investigações que originaram os conhecimentos sobre teoria da mente, o delineamento experimental da primeira tarefa de crença falsa, considerada clássica e apresentada em diversas pesquisas. Com base na literatura da área, são apresentados os estudos que usaram as tarefas de crença falsa e discutidas as variações realizadas nessas tarefas.
A partir dos estudos até então realizados, as autoras concluem que é necessário considerar as variações nas tarefas de forma cautelosa, visto que algumas alterações podem determinar importantes influências nos resultados. Há forte tendência entre a habilidade de atribuição de estados mentais de crença e o desenvolvimento da linguagem. A elaboração de uma escala, proposta por Wellman e Liu, sugere maiores investigações, face às evidências de que a compreensão social das crianças parece desenvolver-se de forma progressiva ao longo dos primeiros anos de vida.
De onde e para onde? As interfaces entre linguagem, teoria da mente e desenvolvimento social são comentadas no capítulo que tem como objetivo oferecer revisão da literatura sobre essas relações. Para tal, Souza discute as lacunas existentes referentes à etiologia do processo de desenvolvimento da teoria da mente; a relação entre essa teoria e a linguagem; a frequência de estudos sobre a teoria da mente concentrados na compreensão da crença falsa; por último, um menor número de estudos que retratam as relações entre a aquisição da teoria da mente e as contribuições em outras habilidades sociais.
Nesse capítulo, em especial, destacam-se as diferentes possibilidades de estudos na área, que visam um olhar meticuloso sobre a variação das relações entre teoria da mente e outras habilidades sociais. Aponta a importância de se realizarem projetos direcionados a crianças em situação de risco social e aquelas com desenvolvimento atípico, visto que esses estudos são promissores no sentido de que há expectativas do impacto do atraso sobre o seu desenvolvimento social. Ao concluir, a autora ressalta que, embora o interesse crescente pela temática no Brasil, os dados relevantes sobre as relações entre teoria da mente e linguagem em crianças brasileiras ainda são incipientes, diante da grande proporção de estudos de crianças falantes em inglês.
No texto Emergência da teoria da mente em relações sociais, Villachan- Lyra, Roazzi e Garvey abordam a relação entre as interações sociais e a aquisição da teoria da mente. Argumentam que esta teoria se constitui como uma ferramenta social, pela qual as relações sociais são favorecidas, também como uma habilidade desenvolvida a partir das interações sociais. O objetivo proposto consiste em explorar a importância do processo da interação social e da teoria da mente.
Como pressupostos teóricos, os autores deste capítulo, atribuem papel fundamental ao contexto social, no qual a criança está inserida. Entendem a teoria da mente como habilidade cognitiva que além de ser facilitada por meio das relações sociais, também mantém essas relações, sendo essa aquisição um processo complexo de um organismo em desenvolvimento, inserido no contexto social.
O quarto capítulo redigido por Deleau, Maluf e Panciera, O papel da linguagem no desenvolvimento de uma teoria da mente: como e quando as crianças se tornam capazes de representações de estados mentais, apresentam a psicogênese da representação dos estados mentais, o como surge a capacidade da criança de atribuição de estados mentais, de crenças, desejo, emoções e intenções ao outro.
Por meio da análise de estudos nacionais e internacionais, os autores, neste capítulo, fazem referência às práticas linguísticas vivenciadas pelas crianças em diferentes situações, como possibilidade de representação da noção de crença. Entre os aspectos pertinentes à linguagem, é adotada a sintaxe, a semântica e a pragmática, em especial, a compreensão conversacional. Como observações finais, os autores consideram que as análises dos dados das pesquisas realizadas não permitem predizer uma relação causal entre a linguagem e a teoria da mente, embora haja forte tendência entre a experiência conversacional da criança e a confrontação de crenças.
Os autores Santana e Roazzi, do capítulo cinco - Reavaliando a emergência da teoria da mente: explorando o tipo de lógica por meio das justificativas - descrevem o estudo realizado junto ao grupo de crianças brasileiras, cujo objetivo foi o de identificar o tipo de lógica usada por crianças de 4 a 5 anos ao justificarem suas respostas em tarefas de crença falsa e emoção. A análise das justificativas segue a teoria neopiagetiana, pela qual se pretende discernir uma gradação evolutiva no processo de teoria da mente.
Nesse texto os autores evidenciam pontos importantes: o entendimento da teoria em questão como uma habilidade que evolui num continuum espaçotemporal que se entrelaça com outras habilidades cognitivas e metacognitivas que lhe conferem significado (p. 157); o desenvolvimento da habilidade de atribuição de crença falsa como processo cognitivo integrado e complexo, cuja lógica baseia-se na razão; o uso de metodologia neopiagetiana contribuiu para um refinamento da análise das justificativas; e, por conseguinte, na teoria da mente, há uma influência recíproca entre a linguagem e pensamento.
A relação entre o faz-de-conta e a teoria da mente: controvérsias teóricas e empíricas, estabelecida por Sperb e Carraro, discorridas no capítulo seis, permite ao leitor chegar a uma reflexão dos diferentes entendimentos da metarrepresentação, dos modelos teóricos apresentados nessa revisão da literatura, bem como as suas controvérsias. Visa discutir a relação entre o fazde- conta e a teoria da mente, mais especificamente se na brincadeira de faz-de-conta estão presentes habilidades relacionadas à compreensão dos estados mentais.
Para essas autoras, as discordâncias referem-se aos diferentes delineamentos de pesquisa, a idade em que o faz-de-conta passa a ser interpretado como metarrepresentacional e o papel atribuído a esta última nesse tipo de brincadeira.
Com base nos resultados obtidos em duas pesquisas realizadas, os autores Panciera, Valério, Maluf e Deleau abordam a relação entre a Pragmática da linguagem e desenvolvimento da teoria da mente: estudos com pré-escolares, no desempenho de uma tarefa de crença falsa, com o objetivo de investigar as relações entre o desenvolvimento dessa teoria e as habilidades da criança no campo da pragmática do discurso. Em ambas as pesquisas são adotados os mesmos procedimentos metodológicos, com variação no nível socioeconômico das crianças pesquisadas. O que permite inferir a influência do contexto sociocultural no desenvolvimento das habilidades investigadas. Esse texto possibilitou a compreensão do delineamento de pesquisa por meio da descrição detalhada dos estudos, o que reafirma a posição dos autores de que são necessárias pesquisas longitudinais, estudos de intervenção e observação naturalísticas para um maior aprofundamento dessa questão.
O capítulo final do livro A teoria da mente na vida diária de indivíduos autistas aborda como temática a relação entre os déficits na teoria da mente e a linguagem pragmática no autismo. Mainieri e Sperb descrevem os resultados de uma pesquisa realizada com adultos autistas, que tem como propósito investigar o uso dos termos mentais usados de forma espontânea. A descrição do estudo esclarece a análise empregada para avaliar a teoria da mente, identificação de termos mentais e a pragmática da linguagem. As autoras explicam que há indícios de um déficit metarrepresentacional que pode ser compensado por habilidades relacionadas ao contexto social, conforme descrito na literatura internacional. Ressalta-se a importância de realização de estudos com sujeitos com desenvolvimento atípico, sendo assim essa uma contribuição expressiva desse texto e fomento para outros desafios nessa área.
Em face de todas as contribuições, relatos e análises de pesquisas presentes nesse livro, a coletânea de estudos brasileiros sobre o desenvolvimento sociocognitivo e a teoria da mente é, por certo, uma obra singular, de grande importância para a Psicologia do Desenvolvimento. Pode-se dizer que a sua leitura é necessária a todo profissional que tenha interesse nessa temática, o que reafirma umas das considerações feitas pelos próprios pesquisadores, a necessidade vigente de novos empreendimentos na área.
Recebido em: 28/02/2009
Aceito em: 15/05/2009
1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação da PUC-SP e integrante do grupo de pesquisa EIDEP (Escolarização Inicial e Desenvolvimento Psicológico) Contato: Alameda Azul, 318 - Grande Horizonte, Uberaba - MG - CEP 38057-070. Tels.: (34) 3315.5692/ 9194-2989. E-mail: lia.gallo@ terra.com.br