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Boletim - Academia Paulista de Psicologia
Print version ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.38 no.94 São Paulo Jan./June 2018
RESENHAS DE LIVROS
DE FARIA, D.L. e WAHBA, L.L. Criatividade, Arte e Psicologia Junguiana. Editora CRV, 2017. Curitiba
Cleusa Kazue Sakamoto
A obra organizada por Durval Luiz de Faria e Liliana Liviano Wahba é composta de nove capítulos elaborados por doze autores de reconhecida expertise que se revezam em duplas na autoria dos textos, com a exceção de três capítulos que possuem apenas um autor. O eixo teórico junguiano que permeia a totalidade dos capítulos, representa destaque ao livro que concede oportunidade a um aprofundamento dentro das fronteiras do pensamento do analista Carl Jung. O primeiro capítulo intitulado "Explorando as relações entre vergonha e criatividade", o autor Alexandre Schmitt apresenta uma revisão bibliográfica sobre o sentimento de vergonha e a atividade criativa na perspectiva da visão junguiana e, posteriormente, apresenta um debate cuja ênfase se dirige às fases do processo criativo (seus mecanismos) e características de personalidade do indivíduo criador, que culminam com a conclusão de que a vergonha que estimula "entrar em contato com um Eu mais profundo e, naturalmente, dar-se vazão à atividade imaginativa" pode ser um elemento que promove a criatividade. O capítulo dois, de título "A abstração e uma nova leitura da realidade - Jung, Picasso e a Arte Moderna" proposto por Sandro J.S. Leite e Liliana Liviano Wahda, aborda o conceito de abstração relacionando-a à representação do mundo concreto e do plano simbólico e debate a produção artística de Picasso contrapondo as ideias de Jung e de outros autores contemporâneos. As conclusões convergem para a ideia de que a abstração na arte do ponto de vista psíquico, expressa uma "recusa diante dos padrões tradicionais de representação e propulsiona a introspecção e a um estado de reflexão." Afirmam os autores que as formas abstratas "são instaurações de novas realidades [...] que parecem desempenhar uma lógica própria de composição". O capítulo três - Psicologia complexa e Arte visionária - de autoria de Fernando Rocha Beserra e Liliana Liviano Wahda, versa sobre "um estilo particular de arte na qual o artista visa produzir sua obra relacionando-a diretamente a visões provenientes de sonhos ou Estados Alternativos de Consciência", cuja prática apresenta o desafio de "apreender a linguagem específica [...] simbólica e plurissignificativa, tal como acontece em relação aos sonhos." O capítulo quatro, intitulado "A saga Harry Potter: impactos do imaginário" de Fernanda Gonçalves Moreira e Liliana Liviano Wahda, analisa o enredo da história atribuindo "à fantasia a criação de realidade psíquica" em que o herói "elabora seus dilemas, conflitos e traumas" ante "o penoso confronto com a morte a vivência de luto", por intermédio da "força do imaginário". O capítulo ressalta que existem na saga, inúmeros "guias no processo de individuação" que "servem de alimento espiritual" a toda uma geração de admiradores que necessita "restabelecer a confiança em um mundo mais sustentável e amigável". O capítulo cinco de autoria de Luiz Paulo Grinberg, denominado "Nijinski, o Deus da dança" trata da biografia do bailarino russo que "inaugurou a dança moderna" e que sofreu de transtorno psicótico em um período em que ainda não haviam avanços científicos na área medicamentosa. O autor descreve a história familiar, a trajetória profissional e interpreta aspectos de sua personalidade e genialidade. O capítulo seis elaborado por Giselli Renata Gonçalves e Durval Luiz de Faria, retrata "Uma compreensão junguiana da arte literária: o feminino arquetípico em Cecília Meireles" a partir da análise do poema Mar Absoluto. Na obra da poetisa, "O mar é um dos símbolos axiais de sua lírica.", "uma imagem arquetípica", o "Mar-Mãe" cuja relação com ele passa a representar "um paradigma de vida". O capítulo sete, intitulado "O feminino em Dom Casmurro: uma leitura junguiana de seus personagens" de autoria de Liliana Gracia de Paula Cintra e Durval Luiz de Faria analisa a obra de Machado de Assis que "ficou conhecido como um autor-psicólogo" por retratar "brilhantemente, em suas obras, o mundo interior do ser humano". A análise revela aspectos da época em termos de crenças e costumes que influenciam a interpretação dos papéis sociais e das relações interpessoais; dá ênfase aos personagens femininos e ao protagonista do enredo - Bento. Ao longo da obra "as mulheres vão sendo silenciadas [...] até perderem completamente a possibilidade de expressão, revelando a falta de espaço [...] das mulheres na cultura" da época. O capítulo seguinte, de número oito, denominado "A sombra em Los Caprichos de Goya" de Cristina Accioly Nunes e Durval Luiz de Faria, versa sobre o pintor espanhol do século XVIII - Francisco Goya - e sua inovadora obra que consiste em uma série de 80 gravuras que mostra de "forma caricata e satírica os costumes e vícios da sociedade, do clero e da aristocracia espanhola". São interpretados aspectos críticos da sociedade, como a educação e arquétipos da 'sombra coletiva' como a figura feminina. O capítulo 9, "O duplo no grafite - o arquétipo dos gêmeos", de autoria de Denise Diniz Maia, que constitui o último nesta obra, inicia o texto resgatando o lugar da parede desde "tempos primitivos" como suporte para a expressão humana de seus desenhos e palavras. O capítulo aborda a arte das ruas, especialmente, o grafite que "traz um manifesto político" e os gêmeos paulistanos Rodolfo e Otávio, conhecidos internacionalmente. A autora analisa o arquétipo dos gêmeos que simbolicamente representa a "necessidade do homem encontrar o "outro" para se perceber e se completar" e propõe que este par em "comunhão" origina o ato criativo que pode superar a dualidade e o conflito e, ainda, avançar no próprio desenvolvimento humano. O livro é uma coletânea de interessantes prismas sobre Criatividade e Arte e traz uma discussão bastante fértil ao campo de estudo dos temas; representa uma contribuição releva nte ao reunir inúmeros aspectos abordados de modo singular ao tratar o entendimento do ato criativo e a expressão artística no cenário do viver humano. Sem dúvida pode contribuir a estudiosos que pesquisam a perspectiva junguiana e indagam sobre o valor de criar e do lugar da arte na trajetória do existir humano e suas vicissitudes.