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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.41 no.100 São Paulo jan./jun. 2021

 

I. TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO

 

Percepções de mães com funcionamento alexítimico sobre a maternidade e o bebê com sintoma somático funcional

 

Perceptions of mothers with alexithymic functioning about motherhood and the baby with functional somatic symptom

 

Percepciones de madres con funcionamiento alexitímico sobre la maternidad y el bebé con síntoma somático funcional

 

 

Luciana Letícia SteinI; Tagma Marina Schneider DonelliII

IMestranda em Psicologia Clínica na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, Brasil. E-mail: lucianaleticiastein@hotmail.com. ORCID 0000-0001-8128-2297
IIDoutora em Psicologia, Professora do curso de Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, Brasil. E-mail: tagmad@unisinos.br. ORCID 0000-0003-3083-0083

 

 


RESUMO

Mães alexitímicas possuem dificuldade em descrever e nomear seus próprios sentimentos, podendo apresentar maiores dificuldades em reconhecer e atender as necessidades de seus bebês, afetando a relação mãe-bebê e contribuindo para a manifestação de sintomas somáticos funcionais (SSF) na criança. Assim, o objetivo geral desta pesquisa foi verificar as percepções de mães alexitímicas sobre a maternidade e o bebê que apresenta SSF, e os objetivos específicos foram: 1) avaliar e compreender o funcionamento alexitímico materno; 2) identificar as percepções da mãe sobre a maternidade e sobre o bebê; 3) verificar como a mãe compreende os sintomas do bebê, e 4) analisar as possíveis relações entre alexitimia materna e o sintoma do bebê. Trata-se de um estudo qualitativo, com delineamento de estudo de casos múltiplos. Participaram três mulheres com idade entre 24 e 34 anos, com filhos de até 36 meses que apresentaram pelo menos um SSF. As participantes responderam a Ficha de Dados Sociodemográficos e Clínicos, Escala de Alexítimia de Toronto (TAS-26), Questionário de Sintoma Somático do bebê, Entrevista de História de Vida e a Entrevista sobre a Maternidade e o Relacionamento Mãe-criança. Foi possível identificar os possíveis fatores que contribuíram para o funcionamento alexitímico e como essas experiências influenciam a maternidade e suas percepções. As mães do estudo nas entrevistas identificaram principalmente o SSF do comportamento em seus bebês, mas compreendem como algo pertencente ao filho, e não como um sintoma da relação.

Palavras-chave: alexitimia; funcionamento alexitímico materno; maternidade; sintoma somático funcional; Winnicott.


ABSTRACT

Alexithymic mothers have difficulty describing and naming their own feelings, and may present greater difficulties in recognizing and meeting the needs of their babies, affecting the mother-infant relationship and contributing to the manifestation of functional somatic symptoms (FSS) in the child. Therefore, the general objective of this research was to verify the perceptions of alexithymic mothers about motherhood and the baby presenting FSS, and the specific objectives were: 1) evaluate and understand maternal alexithmic functioning; 2) identify the mother's perceptions about motherhood and the baby; 3) verify how the mother understands the baby's symptoms, and 4) analyze the possible relations between maternal alexithymia and the baby's symptom. This is a qualitative study, with a Multiple Case Study design. Three alexithymic women between the ages of 24 and 34, with children up to 36 months who had at least one FSS participated. Participants answered the Sociodemographic and Clinical Data Sheet, Toronto Alexithymia Scale (TAS-26), Baby Somatic Symptom Questionnaire, Life Story Interview and the Interview on Motherhood and the Mother-Child Relationship. It was possible to identify the possible factors that contributed to the alexithymic functioning and how these experiences influence motherhood and their perceptions. The study mothers in the interviews mainly identified the behavior FSS in their baby's, but they understood it as belonging to the child, and not as a symptom of the relationship.

Keywords: alexithymia; maternal alexithymic functioning; motherhood; functional somatic symptom; Winnicott.


RESUMEN

Las madres alexitímicas tienen dificultad para describir y nombrar sus propios sentimientos y pueden tener mayores dificultades para reconocer y atender las necesidades de sus bebés, afectando la relación madre-bebé, contribuyendo a la manifestación de síntomas somáticos funcionales (SSF) en el niño. Así, el objetivo general de la investigación fue verificar las percepciones de las madres alexitímicas sobre la maternidad y el bebé que presenta SSF, los objetivos específicos fueron: 1) evaluar y comprender el funcionamiento alexitímico materno; 2) identificar las percepciones de la madre sobre la maternidad y el bebé; 3) verificar cómo la madre comprende los síntomas del bebé, y 4) analizar las posibles relaciones entre la alexitimia materna y el síntoma del bebé. Se trata de un estudio cualitativo, con un diseño de estudio de casos múltiples. Participaron tres mujeres entre 24 y 34 años, con hijos hasta los 36 meses, que presentaban al menos una SSF. Las participantes respondieron las Fichas Sociodemográficas y Clínicas, la Escala de Alexitimia de Toronto (TAS-26), el Cuestionario de Síntomas Somáticos del Bebé, la Entrevista de Historia de Vida y la Entrevista de Maternidad y Relación Madre-Hijo. Fue posible identificar los posibles factores que contribuyeron al funcionamiento alexitímico y cómo estas experiencias influyen en la maternidad y sus percepciones. Las madres del estudio en las entrevistas identificaron principalmente la SSF del comportamiento en sus bebés, pero lo entienden como algo que pertenece al niño, y no como un síntoma de la relación.

Palabras llave: alexitimia; funcionamiento alexitímico materno; maternidad; síntoma somático funcional; Winnicott.


 

 

1. Introdução

A constituição da maternidade inicia anteriormente à concepção, perpassando pelas experiências de vida da mulher. Esse processo é iniciado a partir das primeiras relações e identificações; ocorrendo desde a infância e adolescência, indo ao encontro do desejo de ser mãe e da própria gestação (Piccinini, De Nardi & Sobreira Lopes, 2008). Além dessas experiências, a maternidade é moldada também em uma perspectiva transgeracional, abrangendo os conflitos de gerações anteriores, determinando os comportamentos e maneira de interação atual (Batista-Pinto, 2004). A chegada da maternidade pode representar inúmeras satisfações na vida da mulher, contribuindo para uma vivência prazerosa, no entanto essa nova etapa pode ser geradora de estresse, o que poderia corroborar para uma experiência negativa para a díade mãe-bebê. No primeiro ano de vida do filho, essas mudanças possuem maior potencial estressor, principalmente pelo cansaço materno, a rotina regrada pelas necessidades do bebê e seus horários, bem como a falta de sono (Bernazzani & Bifulco, 2003; Rapoport & Piccinini, 2011). Ao tornar-se mãe, a mulher efetua um exercício reflexivo sobre o seu papel e as condições que possui para ocupar-se desse lugar, necessitando que ela reviva seu papel de filha, para que seja possível incorporar o papel de mãe do seu bebê. Essa capacidade influencia na qualidade dos cuidados para com o filho, o que contribui para a formação da estrutura psíquica da criança (Scalco, 2013). No início da vida, o bebê ainda está se constituindo psiquicamente, por isto requer da mãe/ambiente uma função continente, que o permita experienciar uma sensação de plenitude e sustentação (Winnicott, 1960/1990). Nesse período, o bebê ainda não possui a capacidade de dar conta das demandas externas e internas com o seu aparato psíquico, necessitando assim utilizar-se de seu corpo como uma forma de alívio e para manifestar o seu sofrimento, tornando-o nessa etapa um produtor de sintomas (Ranña, 2004). Por essa razão, é importante que o bebê possua um ambiente de facilitação, que deve ser humano e pessoal, contendo características suficientemente boas, para propiciar os seus primeiros resultados favoráveis (Winnicott, 1999). No final da gestação, e nos primeiros meses posteriores ao parto, a mãe entra no estado que Winnicott (1999), denominado de preocupação materna primária, em que a mesma consegue desenvolver a capacidade de se identificar com o seu filho e colocar-se no lugar do mesmo, possibilitando atender as necessidades básicas do bebê. O mesmo autor apresenta duas categorias de necessidades, a primeira trata das necessidades do corpo, caracterizada pela alimentação e o conforto do bebê; e a segunda é suprida apenas através do contato humano, quando o recém-nascido precisa sentir o cheiro dos pais, a respiração da mãe e ouvir os batimentos cardíacos da mesma, para que não fique apenas com os seus próprios recursos, pois ainda é muito imaturo para assumir a responsabilidade pela vida.Essas necessidades existem devido ao fato de o bebê estar sujeito as ansiedades descritas como inimagináveis, onde se pode vivenciar a sensação de "ser feito em pedaços; cair para sempre; morrer, morrer e morrer; perder todos os vestígios de esperança de renovação de contatos" (Winnicott, 1999. p. 76), caso seja deixado sozinho por alguns minutos ou horas sem nenhum contato humano. Por essa razão, é importante que o recém-nascido passe por esses estágios iniciais de dependência sem ter tido essas sensações, o que só poderá ocorrer se a figura materna conseguir se adaptar a essas necessidades, suprindo-as, reconhecendo e tolerando a dependência do bebê (Winnicott, 1999). Em alguns casos é possível que a mãe não consiga reconhecer as necessidades de seus filhos, pois existem pessoas que possuem um funcionamento alexitímico. Esse funcionamento é caracterizado como a dificuldade em descrever e nomear sentimentos subjetivos e em diferenciar sensações físicas de emoções; a incapacidade de fazer conexão entre afeto e fantasia, ou de simbolizar; ter poucos sonhos; e possuir um raciocínio objetivo e concreto, concentrando-se na realidade externa (Carneiro & Yoshida, 2009). A alexitimia pode ser caracterizada como primária e secundária. A alexítimia primária possui sua origem em fatores neurológicos, e a secundária é derivada do desenvolvimento psicossocial e emocional. No que diz respeito a segunda, seria uma reação provocada por situações traumáticas experienciadas em momentos importantes do desenvolvimento infantil, ou por grandes traumas na fase adulta (Sifneos, 1991 apud Carneiro & Yoshida, 2009). Desse modo, o funcionamento alexitímico possui diferentes níveis, e foi percebido que sujeitos com funcionamento alexitímico alto possuem uma dificuldade significativamente maior nas relações interpessoais do que as pessoas com funcionamento alexitímico mais leve. No entanto, pessoas com esse funcionamento caracterizam-se por um comportamento frio e socialmente evitável (Spitzer, Siebel-Jürges, Barnow, Grabe & Freyberger, 2005). As interações de pessoas com esse funcionamento são caracterizadas muitas vezes por hostilidade e evitação, todavia, estão associadas a problemas interpessoais relacionados a um comportamento submisso, em que o indivíduo renuncia a suas vontades para sobrepor às do outro. Nesse sentido, o funcionamento alexitímico não prejudica apenas a regulação de emoções internamente, mas influência nas relações interpessoais (Spitzer et al., 2005).

Sobre as repercussões do funcionamento alexitímico materno no relacionamento mãe-bebê é possível que haja falhas na relação devido à incapacidade de a mãe descrever emoções expressas, gerando problemas relacionados ao filho. Apesar desses achados, há uma escassez de estudos relacionados a alexítimia e relacionamento mãe-bebê (Yürümez, Akça, Uğur, Uslu, & Kılıç, 2014). Quando a mãe, ou quem exerce a função materna, não consegue reconhecer e suprir as necessidades do bebê, o mesmo pode apresentar sintomas somáticos funcionais, que podem ser manifestados através do sono, alimentação, digestão, respiração, pele ou comportamento, representando a falta de investimento libidinal (Kreisler, 1978). Oliveira (2002) identificou que as vivências maternas infantis são relevantes para a qualidade dos cuidados maternais, e que quanto menor a capacidade de simbolização da mãe, mais agressivas poderão ser as manifestações dos sintomas somáticos funcionais. Deste modo, essas manifestações seriam uma forma que o bebê encontra de adaptar-se e, até mesmo, de dar uma resposta defensiva, da qual todo ser humano lança mão quando circunstâncias internas ou externas ultrapassam seus modos psicológicos habituais de resistência (Marty, 1993; McDougall, 1996).

Esses sintomas somáticos funcionais podem ser interpretados como sinais de conflitos que perduram ou que são passageiros, estando relacionados com a interação dos pais com o bebê. A qualidade dessa relação no início da vida em contextos distintos, do ponto de vista clínico, gera implicações significativas. Assim, a manifestação desses sintomas corrobora a possibilidade do bebê responder às distorções de comunicação na relação primitiva mãe-bebê por meio do mal-estar físico (Scalco, 2013). Portanto, os sintomas somáticos funcionais podem indicar falhas na interação mãe-bebê, sendo compreendidos como sintomas de relação, o que indica uma relação muito próxima entre o psíquico e o somático e reflete a dissociação entre psique e soma. Quando o bebê manifesta sintomas somáticos funcionais, gera uma inquietação nos cuidadores, não sendo entendido também como um sintoma psicológico, pois esta compreensão poderia provocar uma ferida narcísica na mãe (Scalco, 2013). Desse modo, o funcionamento alexitimico materno seria um fator de risco para a qualidade da relação mãe-bebê, devido à incapacidade das mães de responderem adequadamente às necessidades emocionais de seus filhos. (Yürümez et al., 2014).

Na procura de bibliografia relacionada às percepções de mães alexitímicas acerca da maternidade e de seus bebês com sintoma somático funcional foi possível perceber a carência de estudos nessa área, o que foi um dos fatores que motivou a execução dessa pesquisa. Sendo assim, o objetivo geral deste trabalho foi verificar as percepções de mães alexitímicas sobre a maternidade e sobre o bebê que apresenta sintoma somático funcional. Como objetivos específicos, buscou-se 1) avaliar e compreender o funcionamento alexitímico materno; 2) identificar as percepções da mãe sobre a maternidade e sobre o bebê; 3) verificar como a mãe compreende os sintomas do bebê, e 4) analisar as possíveis relações entre alexitimia materna e o sintoma do bebê.

 

2. Método

2.1. Delineamento

Em concordância com os objetivos que foram estabelecidos neste trabalho, optou-se pela utilização do método de pesquisa qualitativa de caráter exploratório com um desenho de estudo de casos múltiplos. Este trabalho é derivado de uma pesquisa maior intitulada sintomas somáticos funcionais, mentalização materna e internação hospitalar na primeira infância.

2.2. Participantes

Para esse estudo derivado foram identificadas participantes27 a partir do projeto maior. Os critérios de inclusão eram que a participante deveria ter idade igual e/ou superior a 18 anos, ser mãe de uma criança com idade entre zero e 36 meses de vida, e ser a cuidadora principal do bebê. Foram excluídos os casos em que a participante fazia o uso de substâncias psicoativas e em que os bebês possuíam doenças crônicas, malformação, síndromes genéticas, deficiência visual e/ou auditiva, e /ou problemas neurológicos. As participantes para essa pesquisa foram selecionadas por conveniência através do banco de dados do estudo maior, sendo contatadas através de e-mail e telefonemas. Essas participantes também atendiam os critérios de seleção desta pesquisa derivada: apresentar funcionamento alexitímico avaliado pela Escala de Alexitimia de Toronto TAS-26 e o bebê apresentar sintoma somático funcional verificado através do Questionário de Sintomas Somáticos do Bebê.

2.3. Instrumentos

Para a realização do presente estudo, foram utilizados os seguintes instrumentos: Questionário de Dados Sociodemográficos e Clínicos: trata-se de um questionário com perguntas fechadas que serve para conhecer os dados sociodemográficos e clínicos da mãe, do bebê e da família. Neste estudo, este instrumento foi utilizado para selecionar as participantes de acordo com os critérios de inclusão e exclusão, bem como poder contextualizá-las na pesquisa, para maior enriquecimento dos dados. Questionário de Sintomas Somáticos do bebê: foi construído para a pesquisa maior com base em Robert-Tissot et al. (1989), Walker, Garber e Greene (1991), e Rask et al. (2009). É um questionário com 76 questões fechadas, e teve como objetivo identificar dificuldades nas áreas do sono, alimentação, digestão, respiração, pele e comportamento em crianças de zero a 36 meses de vida.

Escala de Alexitimia de Toronto - TAS 26 (Yoshida, 2000): É um instrumento auto avaliativo de 26 itens em escala likert de cinco pontos para medir o grau de alexitimia segundo quatro fatores: (a) habilidade de identificar e descrever sentimentos e distinguir sentimentos de sensações corporais; (b) habilidade de sonhar acordado; (c) preferência em focalizar eventos externos do que em experiências internas, e (d) habilidade para comunicar os sentimentos a outras pessoas.

De acordo com o instrumento, as participantes que obtêm pontuação igual ou superior a 74 pontos possuem funcionamento alexitímico.

Entrevista de história de vida: é um roteiro semiestruturado elaborado para o projeto maior, composto por oito questões abertas que têm por objetivo adquirir dados sobre a história pregressa da participante. Entrevista sobre a maternidade e o relacionamento mãe-criança: trata-se de um roteiro semiestruturado baseado em Zeanah, Benoit e Barton (1994) e em NUDIF (2008), contendo 5 blocos de perguntas, cujo objetivo é coletar informações da mãe sobre a maternidade e suas percepções sobre a mesma, bem como seu relacionamento com o bebê.

2.4. Procedimentos éticos, de coleta e de análise de dados

Para a realização desta investigação, inicialmente foi utilizada a base de dados da pesquisa "Sintomas Somáticos Funcionais, mentalização materna e internação hospitalar na primeira infância", já referida anteriormente. Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Unisinos (conforme Resolução 157/2014, de 17/11/2014) CAAE 37966714.6.0000.5344, e suas participantes leram e concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), selecionando o ícone indicado na plataforma online. Para este estudo derivado, as mães também leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Estudo 2, além de estarem livres para desistir da pesquisa quando desejassem. As participantes do estudo maior foram convidadas a participar da pesquisa através da divulgação em redes sociais, como o Facebook, respondendo aos questionários em uma plataforma online. Para o presente estudo, foram selecionadas aquelas que participaram da primeira etapa e preencheram a ficha de dados sociodemográficos e clínicos, o Questionário de Sintomas Somáticos do Bebê, a Escala de Alexítimia de Toronto (TAS-26), e que também manifestaram interesse em participar da segunda parte da pesquisa, deixando o número de telefone ou e-mail para um contato futuro. Destas, foram selecionadas as mulheres que se encaixavam nos critérios de inclusão. Desse modo, as participantes foram convidadas a participar da segunda etapa do estudo onde era prevista a aplicação da Entrevista de História de Vida e a Entrevista sobre a Maternidade e o Relacionamento Mãe-Criança. As entrevistas foram realizadas nas residências das participantes, sendo gravadas com consentimento para serem transcritas posteriormente. Destaca-se que as participantes poderiam optar em desistir da pesquisa quando quisessem, considerando que poderia haver algum risco durante a pesquisa, ainda que mínimos, como o constrangimento em responder à alguma questão. Também foi disponibilizada a devolução da pesquisa, caso a mãe desejasse. Além disso, caso houvesse necessidade, as participantes seriam encaminhadas para um serviço de acompanhamento psicológico próximo ao local onde residem. Os dados coletados através de uma plataforma online da pesquisa maior, referentes aos instrumentos "Questionário de Dados Sociodemográficos e Clínicos" e "Questionário de Sintomas Somáticos do Bebê", foram analisados e selecionados de acordo com os critérios estabelecidos por esse trabalho. Foi realizada a identificação do funcionamento alexitímico através da Escala de Alexitimia (TAS-26), das participantes que atingiram pontuação igual ou superior a 74. As entrevistas realizadas foram transcritas e analisadas individualmente através do método de análise de conteúdo. Para Bardin (2011), este método é um grupo de técnicas para analisar as comunicações com o intuito de adquirir, através de uma metodologia sistemática e objetiva que descreve o conteúdo das mensagens, permitindo a indução de conhecimentos relacionados ao material dessas mensagens. Posteriormente, e considerando os resultados obtidos com cada instrumento, cada caso foi construído individualmente, através de quatro eixos que se complementam, os quais são: 1. história de vida; 2. maternidade; 3. funcionamento alexítimico; e 4. percepções da mãe sobre o bebê com sintoma somático funcional. Para isso, foi utilizado o software NVivo. Posteriormente, foi produzida uma síntese dos casos cruzados, buscando compará-los entre si.

 

3. Resultados e Discussão

Caso 1 – Raquel

História de vida

No Questionário de Dados Sociodemográficos e Clínicos respondido por Raquel, a mesma assinala que não passou por experiência de abandono, maus tratos e abrigamento em sua infância, no entanto, aponta que sofreu negligência nesse período. Na entrevista, a mesma relata que até os 12 anos ela e seus dois irmãos mais novos foram criados pela avó que residia no mesmo pátio que seus pais. Ela descreve seus genitores como muito distantes, sendo que seu pai não era afetuoso e sua mãe defendia-o, porém seus avós sempre estiveram presentes, e possuem um bom relacionamento até hoje. Durante a infância de Raquel, seus pais se separaram inúmeras vezes, sendo que ela não se recorda de alguns desses momentos. Além disso, na adolescência, chegou a presenciar inúmeros conflitos entre os seus pais, inclusive episódios violentos, entretanto refere não ter sofrido violência, mas ressalta a falta de afeto vivida nessa fase.

Ainda assim, Raquel menciona um episódio de abandono sofrido em sua adolescência, quando tinha 18 anos, quando seus pais foram embora, deixando-a e seus irmãos sozinhos, morando na casa que ficava no mesmo terreno de seus avós. Ressalta que eles levaram todos os móveis de dentro da casa, e que teve que contar com a ajuda de seus colegas de trabalho da época para se reestruturar.Hoje Raquel retrata ter um bom relacionamento com seus pais, no entanto eles residem em outro estado. Apesar disso, descreve uma insatisfação de sua mãe por não ter recebido o apoio dos filhos ao sair de casa para acompanhar o marido. No entanto, Raquel traz à luz uma mudança de comportamento dos pais. Seus irmãos ainda moram sozinhos, porém, segundo Raquel houve uma melhora no relacionamento entre pais e filhos.

"Bem diferente, depois que eles se mudaram pra lá foi, assim, parecem outras pessoas. Eu acho que é saudade (risos)". (Raquel, EHV28).

Maternidade e relação mãe-bebê

Após terem sofrido aborto, Raquel e seu esposo estavam tentando engravidar novamente, no entanto, o desejo de ter um filho era maior da parte de Roberto do que de Raquel. Apesar de ter parado de tomar o comprimido, Raquel não achava que estava grávida, tendo feito o exame solicitado pelo médico para poder iniciar um tratamento para amigdalite. Isso porque Raquel acreditava que não conseguiria engravidar novamente tão cedo.Durante a gestação Raquel não costumava conversar com a bebê durante o trabalho pois, segundo ela, devido ao barulho a bebê poderia não ouvir. Mas quando chegava em casa e ficava com seu marido, incentivava que ele conversasse com ela. Ressalta que, durante o seu momento no banho costumava alisar a barriga, acariciando-a. Ainda nesse período, Raquel relata ter tido muito medo de ter uma filha que fizesse birra, pois não se considera uma pessoa paciente, e de não saber cuidar do bebê, apesar de já ter tido experiência com outras crianças.

"(...) Eu tinha medo assim, de não saber como lidar, apesar da gente sempre assim ter contato com criança pequena, quando ela nasceu e eu fui dá banho eu pensei, meu Deus do céu, não é nada a ver com pegar o filho dos outros." (Raquel, EMR29).

Raquel menciona as expectativas que tinha durante a gestação sobre a maternidade e os seus primeiros dias com a bebê. Ressalta as fantasias e ideologias sobre a maternidade que a sociedade discursa e como realmente foi que ela vivenciou esse processo, referindo ter sentindo-se sozinha mesmo estando com a sua filha, relatando também as dificuldades que enfrentou durante a sua recuperação e os cuidados com a filha.

"Não, ah porque todo mundo falava, 'ah ser mãe é maravilhoso!', ser mãe é isso, ser mãe é aquilo né, e eu tipo fiquei na expectativa, né, maravilhosa da maternidade, mas depois eu vi que não é bem isso. (...) Aí, tu sabes que até, até assim, eu achei que, nossa, seria maravilhoso, mas depois eu me senti bem sozinha, apesar de ter ela sabe?" (Raquel, EMR).

Na sua relação com Emily, Raquel percebe certa influência da sua experiência com seus pais na infância, buscando tratar sua filha de forma diferente da que foi por seus genitores. Apesar disso, Raquel aparenta ter certas dúvidas em relação a essa questão, acreditando, em alguns momentos, que sua experiência não é o que define, mas sim seu carinho pela filha. A primeira experiência que Raquel teve de se distanciar de Emily havia ocorrido poucas semanas antes da entrevista, pois sua licença-maternidade havia acabado e necessitava retomar o trabalho. Discursa, assim, sobre as dificuldades que teve nesse momento e as atitudes tomadas no evento:

"Ah foi bem tenso, assim, sabe, eu fiquei bem nervosa, daí eu ligava toda hora pra saber como ela tá, 'ah e agora como é que ela tá?' 'Não agora ela tá fazendo isso', 'ah ela deu uma choradinha', 'daí eu já ficava ai meu Deus', (risadas) 'será que ela não vai entrar em pânico lá', ficar sozinha, mas ela se dá bem assim, tem que entreter ela né, que daí ela fica..." (Raquel, EMR).

Funcionamento Alexitímico

Raquel respondeu a Escala de Alexitimia de Toronto TAS-26, e atingiu pontuação 77, sendo que o mínimo de pontos que caracteriza o funcionamento alexitímico é 74. Durante a entrevista, foi possível perceber que Raquel teve algumas dificuldades em nomear seus sentimentos e sensações enquanto caracterizava o seu período gestacional e suas vivências atuais. Ao falar da experiência de ser deixada pelos pais, Raquel retrata sua vivência sem descrever seus sentimentos, frente às dificuldades vivenciadas, dando mais destaque à perda de bens materiais do que à própria companhia dos pais. Além disso, em sua fala, o seu discurso não parece em concordância com suas manifestações, visto que narra uma experiência traumática. (rindo do acontecimento).

Além disso, é possível perceber no discurso da participante o emprego de palavras que não expressam da melhor forma seus desejos e impressões, como no trecho abaixo, em que retrata o medo que possuía em relação às características de sua filha e a forma como agiria frente a essas questões:

"(...) Eu tive bastante medo, sabe, porque eu nunca tive muita paciência, ããn, principalmente com criança meio birrenta, sabe, meu Deus do céu, eu tinha vontade de afofar né, e eu pensei 'aí coitada da minha filha o dia que eu tiver'". (Raquel, EMR).

Sobre suas preocupações após o nascimento de Emily, Raquel, em um primeiro momento, não mencionou questões relacionadas aos cuidados da filha, ao cotidiano e ao desenvolvimento da bebê, ressaltando conteúdos relacionados aos cuidados da casa e a mudança de moradia. Todavia, enfatizou o apoio de sua rede familiar para com os cuidados domésticos. Quando requisitada a falar sobre suas preocupações quanto aos cuidados da bebê, Raquel trouxe questões de uma ordem mais concreta, relacionando a queda do umbigo, por não ter lembrança quanto a esse processo, e de seus familiares referirem um atraso em relação ao fato. Sobre os cuidados propriamente ditos, Raquel não se ateve ao âmbito da preocupação, mas à sua dificuldade em atender e identificar as necessidades do bebê em momentos de crise.

Percepções da mãe sobre o bebê com sintoma somático funcional

No Questionário de Sintomas Somáticos do Bebê que Raquel respondeu online, foi possível verificar que Emily apresenta o sintoma da respiração. Na entrevista, a participante enfatiza a qualidade do sono de Emily, e pontua que naquele momento a menina estava dormindo no quarto do casal, devido a melhores condições de estrutura naquele espaço. Sobre os primeiros dias com a bebê, Raquel percebe que Emily não teve dificuldade em se adaptar à rotina da família, enfatizando que até hoje sua filha dorme bem a noite inteira. No entanto, a primeira noite ela denomina como "tumultuada" (sic.), pois como não tinha bico no seio, a bebê não conseguia mamar, e por consequência ficava com fome. Raquel refere uma tranquilidade em relação ao sono da bebê no período da noite, no entanto menciona que durante o dia já não ocorre da mesma forma. Essa questão se confirma ao longo da fala da participante, quando relata que sua filha tem traços característicos do jeito do seu esposo, e diz já ter imaginado durante a gestação essas particularidades.

"Ela tem esse pedacinho do pai dela, quando ela quer uma coisa, ela quer, então ela se esperneia, ela berra, ela faz o que ela quer porque é aquilo que ela quer, mas no geral assim, ela é bem tranquila (...) Nesse sentido eu achei que ela ia ser (risos), porque o pai dela é bem assim" (Raquel, EMR)

Ainda durante o dia, quando a bebê começa a ficar com sono, Raquel relata uma mudança no humor em Emily e quais estratégias utiliza para lidar com a situação, mesmo que para ela não seja confortável. Como exemplo, utilizou a ida ao supermercado, onde a menina ficava brava por estar com sono sendo necessário dar-lhe de mamar em pé. Sobre as características físicas de Emily, pontua que no nascimento havia ficado feliz pois a filha era parecida consigo, no entanto, aos poucos foi ficando mais parecida com o pai. Apesar disso, começa a trazer questões que considera positivas relacionadas ao jeito da bebê, e acredita que sejam herança sua. Ainda sobre as características de Emily, Raquel enfatiza o quanto a alegria é uma qualidade presente, assim como o jeito amoroso da menina. Dessa forma, compara essas e outras particularidades com a de outras crianças, que aparentam serem mais velhas que Emily. Ao comparar as características de sua filha com a de outras crianças, ressalta as que considera satisfatória na bebê. Dessa forma, reforça que pretende incentivar essas questões para que perdurem. Sobre as capacidades de Emily, Raquel menciona o quanto percebe a bebê adiantada em relação às outras crianças, e como fica feliz com as conquistas da filha. Em concordância, Raquel descreve como ela e o marido agiam para incentivar essas questões, e como ela percebe a bebê satisfeita.

Raquel, ao descrever as fases do desenvolvimento de Emily, declara que a que mais lhe agradou foi quando a bebê era recém-nascida. Isso devido ao fato de agora ela estar passando por mudanças de humor e, no seu ponto de vista, por demandar menos naquela época.

Caso 2 – Judite

História de vida

Judite, ao descrever sua infância, narra acontecimentos anteriores ao seu nascimento, como a gravidez não planejada de sua mãe, o que teria levado ao casamento de seus pais. Durante a gravidez, sua mãe teve lúpus, o que fez com que a gestação fosse de risco e, segundo Judite, teve indicação de aborto na época, entretanto sua mãe não desejou realizar o procedimento. Para Judite, o relacionamento com sua mãe foi conturbado devido aos problemas de saúde da mãe, e relata que ela teve um "problema psicológico diagnosticado" (sic.), o que contribuiu para que a relação fosse se desgastando ao longo do tempo, além de considerar que sua mãe é "uma pessoa difícil de lidar" (sic.). Seu pai trabalhou em inúmeras áreas, para conseguir manter as despesas da família, no entanto, o excesso de trabalho fazia com que ele estivesse ausente. Assim, aproximadamente até os seus oito anos de idade, Judite foi criada pela avó, pois segundo seus familiares, sua mãe não tinha condições, até o dia em que seu pai decidiu que Judite voltaria para casa. No Questionário de Dados Sociodemográficos e Clínicos preenchido pela participante, ela sinalizou não ter passado por abandono, negligência, maus tratos, abrigamento ou outra experiência semelhante. Na entrevista de história de vida, preferiu não lembrar de ter passado por tais situações, e acredita não as ter vivenciado, no entanto, acredita ter sido rejeitada, apesar de sua família não querer que ela tome esse conhecimento.

"O que eu acredito, na verdade, e até em função disso acabei buscando, com ajuda de terapia e coisa, que parece, que tudo dá a entender, que eu tive em algum momento alguma rejeição. Eu acredito que tenha acontecido dela, por ter passado por problemas de saúde, mas que realmente são algumas coisas que não querem que eu saiba, é mais ou menos assim." (Judite, EHV).

Maternidade e relação mãe-bebê

Judite planejou e desejou muito a sua gestação e levou nove meses para conseguir engravidar. Ao falar do desenvolvimento de sua gestação, inicia dizendo que não teve problemas de saúde e que foi tudo "tranquilo", mas ao longo de sua fala mencionou algumas intercorrências que teve durante esse período, como infecções urinárias, cansaço excessivo, e fortes enjoos, embora fossem suportáveis. Já em relação às mudanças emocionais, diz não conseguir identificar alterações em seu humor, e que nesse período não se sentiu mais chorosa ou irritada. Sentia-se bem, pois foi uma gravidez muito desejada e tinha o apoio e acompanhamento do seu marido. Os primeiros dias em que Judite passou com o bebê foram caracterizados por ela como difíceis. Apesar de não possuir histórico de depressão, relata que necessitou tomar antidepressivos entre o primeiro e o segundo mês de vida do bebê, e nos primeiros dias, contou com o apoio e os cuidados da sua sogra. Judite ficou cuidando de João em casa até ele completar dez meses, pois ele teve alergia à proteína do leite, fator que, para Judite, levou o filho a frequentar a escolinha mais tarde. Os primeiros dias em que ele começou a frequentar a escolinha foram difíceis para Judite, a ponto de não conseguir trabalhar e buscá-lo mais cedo, todavia, diz que hoje não tem problemas em relação a isso. Além disso, Judite ressalta que hoje não possui dificuldades para se distanciar do seu filho, e que ele possui uma rotina de dormir na casa dos avós e da tia. Judite percebe, no seu cotidiano, a influência do seu relacionamento com seus pais na infância na maneira como se relaciona com João, e tenta agir de forma diferente e tratá-lo melhor do que foi tratada.

"(...) Eu tento me policiar a todo momento para não fazer as coisas, não repetir as coisas que aconteceram comigo. Realmente eu não me sinto bem com o que aconteceu, então eu cuido todo segundo. E é, por incrível que pareça, por mais que eu tente, parece que às vezes eu faço exatamente igual, sabe?" (Judite, EMR).

Além de acreditar que estar presente na infância do filho é essencial, Judite também menciona a importância de "impor limites" (sic.), e os desafios que encontra ao realizar isso, pois percebe que a fase em que João se encontra é complicada, e tenta impor esses limites de uma forma que não prejudique o desenvolvimento dele. Judite diz se arrepender por se comportar de forma mais agressiva com o seu filho, e percebe de alguma forma a ineficácia de tais ações.

Funcionamento Alexitímico

Judite respondeu a Escala de Alexitimia de Toronto TAS-26, e atingiu a pontuação 93. No decorrer da entrevista, foi possível perceber que, apesar de Judite conseguir identificar algumas dificuldades, possui em seus relacionamentos interpessoais, algumas limitações em expressar seus sentimentos e vivências. Judite descreve suas impressões sobre a influência do seu relacionamento com seus pais na infância e as relaciona com suas características, como por exemplo, sua timidez e as atitudes que toma em relação às outras pessoas. Sobre isso, Judite expõe a necessidade que têm em fazer tudo da melhor forma possível para ser aceita em um grupo, e acredita, tomar tais atitudes por ter sofrido alguma rejeição na infância. Sobre essas atitudes, Judite relata que muitas vezes não pensa no seu próprio bem-estar. Prefere fazer algumas coisas para agradar as pessoas mesmo tendo consciência de que não é preciso ter a aprovação de todos e percebe como isso interfere em sua vida. Ainda sobre Judite colocar o desejo do outro acima do seu, menciona que sempre quis ter uma filha, no entanto, buscava recursos que acreditava tornar possível engravidar de um menino, pois esse era o desejo de seu marido, e depois, ela tentaria ter uma menina. Assim, é possível ver claramente a dependência de Judite em ter aprovação das pessoas que estão ao seu redor e o descaso que faz com a forma como se sente. Entretanto, Judite consegue fazer uma reflexão acerca dos motivos que podem ter influenciado nessa sua forma de agir, o que pode ter sido construído devido ao seu processo psicoterápico. Quando Judite viu seu bebê no parto, descreve esse momento como emocionante. No entanto, sua fala parece ser impessoal, além de concreta, não conseguindo manifestar seus sentimentos e sendo sucinta.

"Ah, foi uma emoção gigantesca, aí tu tens certeza que a tua vida muda completamente, quando tu pegas o bebê no colo. Foi uma emoção muito grande." (Judite, EMR)

A participante acredita que quando o bebê estiver entre três e quatro anos será a melhor fase, pelo fato de ele conseguir se comunicar corretamente, caminhar e ser mais independente, conseguindo realizar as suas coisas. Desse modo, pode-se perceber que há uma dificuldade de Judite em conseguir entender algumas necessidades do bebê, e o quanto isso a exige, aparentando perturbar-se em alguns momentos.

Percepções da mãe sobre o bebê com sintoma somático funcional

No Questionário de Sintomas Somáticos do Bebê, Judite sinaliza que João apresenta o sintoma do sono, e no decorrer das entrevistas é possível perceber essa questão através dos seus apontamentos. De acordo com Judite, João levou cerca de três a quatro meses para entrar em um ritmo de sono, que consistia em dormir e acordar no horário dos pais. Hoje João dorme no próprio quarto, entretanto, Judite necessita dormir com ele, pois o mesmo não dorme sem a sua presença. O bebê não aceita a companhia de outra pessoa, como o pai, por exemplo, além de chamá-la inúmeras vezes durante a noite. Judite aponta que com aproximadamente 12 meses, João passou a dormir no seu próprio quarto, mas ainda necessita de sua companhia para pegar no sono.

Judite identifica modificações no comportamento de João e acredita que seja porque ele está começando a desenvolver sua personalidade. O que ao seu ver, acaba sendo bom, pois ele "está ficando determinado" (sic.). Entretanto, Judite também nomeia essas mudanças como complicadas, e comenta que está sendo difícil lidar com algumas situações. Esses eventos acontecem de três a quatro vezes em um curto espaço de tempo, tendo um período de um mês até as próximas crises, frequência que ela considera razoável.

"(...) Ele é muito brabo, muito, muito, muito, muito, assim, tendo aquelas crises de perca de fôlego, o popular perda de ar né?! Então, é só de brabo, se não dar o que ele quer ele fica roxo, roxo, roxo, roxo, tu não tens ideia, tem ações que são bem assustadoras." (Judite, EMR)

Judite menciona que desde a gravidez imaginava que João seria bravo, pois ela mesma tinha crises parecidas na infância, acreditando que ele herdou a braveza dela, no entanto, não acha que ele tenha herdado o jeito carinhoso de alguém da família. Esse jeito carinhoso Judite percebe que não é apenas com ela, mas também com outras pessoas, apontando o quanto João gosta de demonstrar seus afetos, e afirma que esse é o seu diferencial. Quando João fica doente, Judite percebe que ele fica mais choroso, ao contrário, como ele é habitualmente, pois ele estaria sempre alegre e brincando, mas nesses momentos quer ficar mais no colo dela. Judite destaca também que quando se machuca, João não demora a se levantar, e é incentivado a dar risada quando cai. Judite acredita que a parte mais difícil no desenvolvimento já passou, e que daqui para frente será mais fácil, pois ele estará mais independente, irá assistir desenhos no quarto dele e ela conseguirá realizar suas atividades. Além da independência, Judite tem uma expectativa em relação ao apego do filho pelo pai, acreditando que o filho terá uma fase em que irá preferir ficar com ele. Sobre a relação mãe e filho, Judite acredita que será boa quando ele crescer, porque hoje João é muito apegado a ela.

Caso 3 – Clara

História de vida

No Questionário de Dados Sociodemográficos e Clínicos que respondeu, Clara apontou não ter passado por experiência de abandono, negligência, maus-tratos e abrigamento durante a sua infância. Nesse período, Clara e sua irmã moravam com seus pais, e relata ter tido uma infância e adolescência tranquila, denominando estar dentro de um "padrão" (sic.), o qual não definiu. Além disso, ressalta ter tido um relacionamento melhor com o seu pai do que com sua mãe nessa época, mencionando nunca ter sofrido violência física. Apesar de denominar esse período de sua vida como "tranquilo" (sic.), refere ter tido alguns episódios em que teve conflitos com sua mãe, os quais nomeia como brincadeiras:

"Tudo bem tranquilo, não tive nada disso, só minha mãe, às vezes, brincava comigo que eu era adotada, mas foi passageiro assim, foi só uma crisezinha que eu era adotada" (Clara, EHV).

Apesar de hoje nomear tais acontecimentos como brincadeiras, Clara relata que não se sentia confortável com a situação que vivenciava, ficando com raiva da mãe e frustrada. Assim, Clara chegou a cogitar a hipótese de sair de casa ainda nova, com aproximadamente onze anos, quando arrumou uma "sacolinha" (sic.) com seus pertences para ir embora. No entanto, Clara relata que no acontecimento, seu pai repreendeu sua mãe, afirmando que ela não era adotada. Hoje o pai de Clara é falecido, no entanto, ela declara ter um bom relacionamento com sua mãe, relatando estarem próximas. Ressalta, ainda, as preocupações de sua mãe para com ela, indo frequentemente em sua casa, demonstrando estar preocupada, mas não aprofunda a descrição sobre os motivos pelos quais sua mãe preocupa-se com ela.

Maternidade e relação mãe-bebê

Lucas é o segundo filho do casal, sendo que a primogênita é uma menina de sete anos. A gestação de Lucas não foi planejada pelo casal, apenas por Clara, que relata ter tido uma gestação "normal" (sic.), sem ter tido episódios de pressão alta e outras complicações. Todavia, Clara relata ter se sentido muito cansada, pois além das mudanças físicas provocadas pela gestação, como o inchaço, ela trabalhava cuidando de crianças em uma escola de educação infantil. Ao decidir ter um segundo filho, Clara relata ter analisado alguns fatores, como a sua idade, o medo de arrepender-se posteriormente por ter apenas um filho e a vontade que sua filha tinha em ter um irmão para fazer-lhe companhia. Esse período também foi atravessado por preocupações em relação à maternidade e à paternidade, devido às responsabilidades que esses novos papéis representam. Pode-se perceber que Clara já se enxergava como uma "boa mãe" (sic.), entretanto aparenta ter achado difícil atender as necessidades de seus dois filhos, preocupando-se com os cuidados do esposo em relação ao Lucas. Em relação à maternidade, Clara acredita ter aprendido com seus pais e com outras situações a dividir o seu tempo. Esse conhecimento adquirido aparenta significar algumas vezes não dar prioridade aos seus filhos e atender outras necessidades, como por exemplo, dedicar seu tempo para o marido.

"Sim, com certeza, aprendi com eles de ter um tempo pra família, um tempo para o marido, um tempo pra tudo. (...) Eu acho que eu aprendi e adquiri também no tempo assim, fui vendo que não adianta só ficar agarrado nos filhos e não ter tempo para as outras coisas. Porque a vida da gente também vai passar. Acho que é isso." (Clara, EMR).

Em relação a essas questões, relata não ter dificuldade em se distanciar de seus filhos, o que possibilita que ela consiga dividir o seu tempo para essas outras atividades.

"Aié tranquilo, não tenho problema nenhum, nem com ele nem com a Hellen, eu deixo bem tranquilo, esqueço, largo pra minha mãe, largo pra minha irmã e deixo lá, não me preocupo." (Clara, EMR).

Funcionamento Alexitímico

Clara respondeu a Escala de Alexitimia de Toronto TAS-26 e atingiu a pontuação de 77 pontos. No início da entrevista já é possível perceber uma dificuldade em narrar sua história de vida e da maternidade, bem como seus sentimentos em relação a essas questões. Apesar ter planejado e desejado a gravidez de Lucas, Clara demorou um pouco para conseguir perceber que estava grávida, aparentando ter dificuldade em identificar e diferenciar sensações físicas de emocionais. Mesmo tendo planejado a gravidez sem o consentimento de seu marido, Clara declara sempre ter desejado uma menina, no entanto queria ter um filho homem para agradar o companheiro. O que pode ser pensado como uma dificuldade em reconhecer seus sentimentos e compreendê-los de forma clara, ou até mesmo de priorizar o desejo do companheiro do que os seus próprios.Ao tentar descrever suas alterações emocionais durante a gravidez, Clara não consegue descrever suas emoções sem estar em um plano concreto, além de suas expressões não coincidirem com o conteúdo de sua fala.

"E emocional muito choro (risadas), muito choro, me sentia angustiada, com bebê, com tudo assim." (Clara, EMR).

Em concordância com a fala acima, sobre o momento do parto e o primeiro encontro com o bebê, Clara relata a ocasião de forma quase mecânica. Quando consegue direcionar a sua fala para um estado emocional agradável, suas expressões mostram-se controversas, opostas ao que estava sendo dito.

"Não, logo depois, tiraram ele, foram lá e deram uma limpadinha e já trouxeram ele. Aí botaram ele em cima de mim e já tive o contato, o cheirinho dele ali, todo gosmentinho - uoó (manifestação de nojo), (risadas)." (Clara, EMR)

Ainda sobre esse momento, Clara tenta nomear suas sensações e sentimentos sobre o episódio, mas acaba não conseguindo sair do plano concreto e nomear suas emoções. Refere ter chorado muito com seu esposo, e que a experiência foi boa. Ainda, ressalta que não tem como explicar, pois, só sendo mãe para sentir. Apesar de realizar tentativas para sair do plano concreto, Clara não consegue descrever suas sensações e sentimentos, expondo suas impressões sobre os primeiros dias com o bebê como uma descrição categórica dos comportamentos de Lucas. Ainda assim, buscou comparar seus dois filhos, como uma forma de melhor descrever o que estava sendo dito.

Percepções da mãe sobre o bebê com sintoma somático funcional

No Questionário de Sintomas Somáticos do Bebê que Clara respondeu online, foi possível identificar que Lucas possui o sintoma somático funcional da pele, no entanto, tal questão não foi comentada pela participante nas entrevistas. Durante a sua fala na Entrevista de Maternidade e Relacionamento Mãe-criança, Clara manifesta as preocupações que tinha em relação ao bebê durante a gestação. Essas preocupações estavam ligadas principalmente à formação e à saúde do bebê, temendo ser necessário internações hospitalares devido a alguma intercorrência. No entanto, Clara encontrou algumas dificuldades em verbalizar essas preocupações ou até mesmo de refletir sobre elas. Sobre a sua rotina depois do nascimento do bebê, Clara relata ter sido "tranquilo" (sic.), pois já estavam em um ritmo e o bebê conseguiu acompanhar. Apesar disso, Clara relata ter encontrado algumas dificuldades em relação à diferença de idade entre os seus dois filhos, mesmo tendo planejado sua gravidez naquele momento por perceber uma proximidade, todavia, parece não ter conseguido identificar mudanças significativas.

Lucas não teve dificuldades com a amamentação, tendo conseguido pegar o seio desde o primeiro dia. Clara relata o desmame de Lucas de uma forma natural, pois quando ela começou a trabalhar, depois de três meses após o nascimento do bebê, ele começou a frequentar a escolinha, onde foi introduzido o complemento, o que fez com que automaticamente não quisesse mais mamar no peito. Para ela, o desmame precoce foi "muito bom", pois não havia tido uma boa experiência com a amamentação da primeira filha. Ainda assim, Clara faz uma ligação entre o desmame precoce e alguns problemas de saúde de seu filho. No Questionário de Sintomas Somáticos do Bebê, Clara identifica que Lucas tem o sintoma da pele, no entanto, não aborda essa questão nas entrevistas. Ao longo de sua fala, Clara relata que Lucas não chegou a engatinhar e começou a caminhar com um ano e um mês. Ao descrever esse processo, Clara compara o desenvolvimento de seus dois filhos, e busca justificativas para um suposto atraso de Lucas. Quando Lucas faz alguma coisa errada, Clara diz que busca conversar com ele e que, às vezes, chega a dar alguns "tapinhas" (sic.) para mostrar para ele a forma correta de se portar. Refere também que quando tem conflitos com a irmã e com os colegas, busca ensinar a ele que é preciso dividir os brinquedos. Esses conflitos, segundo Clara, estão ligados, principalmente, com a dificuldade que Lucas tem em dividir seus brinquedos e por tomar para si os brinquedos dos colegas. Assim, Clara entende que é importante corrigi-lo agora, pois assim ela e o marido exercerão o papel de pais e poderão evitar problemas futuros que Lucas poderia passar. Todavia percebe-se que Clara parece tentar corrigir esses comportamentos violentos de forma parecida com as atitudes do menino.

"(...) Isso é uma coisa que a gente briga bastante com ele, que ele não quer dividir, ou então ele pega o brinquedo de outra criança e ele não quer devolver, ele acha que tudo é dele, que é tudo pra ele. (...) ele sabe que eu não gosto, ele sabe que eu fico bem braba com ele, bem chateada assim com ele quando ele faz as coisas erradas, fico bem braba que eu não falo com ele às vezes." (Clara, EMR).

Ao ser questionada sobre qual o momento que acredita que será mais difícil no desenvolvimento do seu bebê, Clara refere que será quando ele for para o ensino fundamental, quando terá que trocar de escola. Isso porque Lucas terá que aprender a conviver com crianças maiores. Sobre os momentos em que Lucas se machuca, Clara conta que ele reage pedindo um beijo e depois que ganha logo volta a brincar. Apesar desse conteúdo, que é possível perceber uma certa hostilidade na fala da participante.

"Ai ele chega, e fala dodói, dodói e pede pra gente beijar. É ele não é de, só fica com um beicinho dodói, dodói, manda a gente beijar, a gente beija e já sai correndo e vai brincar de novo. (...) Aham eu beijo o dodói dele, "tá tá filho, (smack, smack) deu, beijei" (risos)." (Clara, EMR).

 

4. Síntese dos casos cruzados

História de vida

Durante a infância e adolescência, as participantes Raquel e Judite foram cuidadas pelos seus avós. As lembranças de Raquel e Judite acerca de seus genitores são em sua maioria sobre problemas de relacionamento conjugal e parental. Esse fenômeno vai ao encontro de Brandão (2003), que aponta o aumento do número de crianças que recebem o cuidado principal de seus avós, devido principalmente a instabilidade do relacionamento conjugal e a juventude da mãe. Já a participante Clara foi criada por seus pais, mas relata ter tido um relacionamento conturbado com sua mãe, e que seu pai veio a falecer quando ela era adolescente. Apesar de Clara ter convivido com seu pai em sua infância e parte da adolescência, no Questionário de Dados Sociodemográficos e Clínicos, identificou apenas o cuidado materno. Das três participantes, apenas Raquel identificou ter sofrido negligência no Questionário de Dados Sociodemográficos e Clínicos durante sua infância e adolescência. Através das entrevistas de história de vida e sobre relacionamento mãe-criança, foi possível identificar que além de ter sido negligenciada por seus pais, também passou por experiência de abandono por parte dos mesmos, pois passou por longos períodos de tempo sem ter tido contato com seus genitores. Do mesmo modo, foi possível identificar pelas entrevistas que Judite passou por situações de abandono e negligência por parte de seus pais.

No caso 3, Clara referiu ter tido um relacionamento conturbado com sua mãe, mas não conseguiu aprofundar sua narrativa sobre essa temática. Além disso, apesar da perda prematura do pai ter sido um marco significativo, Clara não realizou reflexões acerca do ocorrido e suas repercussões. Nos três casos, através dos discursos das participantes, é possível notar que elas passaram por essas experiências, todavia com níveis e intensidades diferentes, sendo que nos casos 1 e 2, Raquel e Judite foram privadas da presença dos pais, bem como de seus cuidados, e no caso 3, Clara, apesar de residir com sua mãe, através de seu breve relato sobre sua infância, parece ter sofrido sensações de abandono durante esse período. Nos três casos, Raquel, Judite e Clara narraram possuir um relacionamento conturbado com a figura materna, e com exceção de Clara, esse relacionamento difícil estendia-se à figura paterna.

Freire (2010) aponta que uma possível consequência da negligência sofrida na infância é o desenvolvimento de um funcionamento alexitímico, pois além da criança não aprender a identificar seus sentimentos de forma consciente, aprende a evitá-los, devido ao fato de suas necessidades não terem sido atendidas, tendo sido objeto de negligência. Isso vai ao encontro das experiências de vida das participantes, que passaram por momentos de negligência por parte de seus genitores, e no momento de vida atual foram avaliadas como possuindo funcionamento alexitímico. Desta forma, podemos pensar que o funcionamento alexitímico das participantes veio a se desenvolver devido a esses eventos traumáticos nessas importantes etapas de seus desenvolvimentos. Apesar das participantes terem vivenciado situações de abandono e negligência, é possível que as participantes Raquel e Judite não tenham reconhecido essas situações devido à qualidade dos cuidados que receberam de seus avós. Essa nova configuração familiar apesar de ser gerada devido ao despreparo dos pais, por serem pais abusadores, negligentes, portadores de deficiências físicas e mentais, ou por dependência química, ela se sustenta pela qualidade dos laços afetivos, que vão para além dos laços consanguíneos (Mainetti & Wanderbroocke, 2013). Todavia, apesar dos avós terem exercido a função materna, as participantes passaram por situações traumáticas em sua infância e adolescência. A criança ao ser adotada, tem em sua história um fracasso parental, e os efeitos dessa vivência de abandono de alguma forma se farão sentir, até que essa seja elaborada (Zornig & Levy, 2006).

Maternidade e relação mãe-bebê

Das participantes do estudo, Raquel e Clara tiveram duas gestações. Lucas é o segundo filho de Clara, e Emily (caso 1) e João (caso 2) são primogênitos e filhos únicos. Na primeira vez que engravidaram, Raquel sofreu um aborto espontâneo, enquanto Clara deu à luz Hellen, de 7 anos de idade. As duas gestações de Raquel foram planejadas, e os sentimentos despertados em relação a sua perda gestacional vão ao encontro de Nery, Monteiro, Luz, & Crizóstomo (2006) de que a gravidez é percebida como uma fase em que se constituem sonhos e aflora o desejo de corporificar a função materna, e o aborto retira de forma repentina as expectativas que foram criadas, substituindo-as pela sensação de solidão, culpa e até mesmo de fracasso. Além disso, experiências de perdas gestacionais podem repercutir nas experiências posteriores de maternidade e na relação com o filho nascido após a perda (Freire & Chaterlard, 2009). Desse modo, além de cada experiência ser singular, cada participante ocupa um lugar diferente na sua experiência da maternidade e no seu relacionamento com o bebê. Todas as gestações foram planejadas pelas participantes, todavia, Raquel (caso 1) planejou a gravidez para satisfazer o desejo do marido, enquanto Clara (caso 3), planejou a sua gravidez sem o consentimento do esposo, pois acreditava ser bom dar-lhe um filho homem. O desejo pela maternidade, para Nunes (2011), advém da elaboração psíquica dos registros conscientes e inconscientes, variando a partir das experiências de cada indivíduo, de como as percebeu e pelas pessoas ao seu redor, somado às condições culturais e sociais em que está inserido. Ainda, é possível identificar que as participantes possuem dificuldade em refletir acerca dos seus próprios pensamentos e de prever desfechos e decisões, provavelmente pelo seu funcionamento alexitímico, que prejudica a capacidade simbólica, pensando no marido, mas não em si mesmas, para tomar a decisão de ter um filho (Carneiro & Yoshida, 2009). Durante o período da gravidez, Raquel (caso 1) e Judite (caso 2), relataram não conversar muito com seus bebês nesse período, todavia comentam que seus maridos conversavam frequentemente com o filho, e que elas os incentivavam nessa prática. No caso 3, a participante não trouxe conteúdos em relação a essa temática. Desse modo, é possível pensar na dificuldade da mãe em imaginar o seu bebê devido ao funcionamento alexitímico. Por consequência, tendem a utilizar recursos de interação mais concretos, como Raquel, que alisava sua barriga durante o banho. Durante a gestação, as participantes referiram ter tido preocupações em relação à maternidade, mas conseguiram nomear essas preocupações de formas singulares, conseguindo explicitá-las em níveis diferentes. No caso 1, a participante referiu ter tido preocupações em relação a sua paciência para tolerar os comportamentos da filha, preocupando-se com os cuidados. No caso 2, Judite relata ter se preocupado em conseguir realizar as atividades diárias e os cuidados com o bebê, enfatizando o papel de educar. Com isso, também se observa que as participantes do estudo demonstraram ter tido preocupações de ordem mais concreta, atentando-se a questões dos seus afazeres e cuidados para com o bebê, refletindo brevemente sobre essas necessidades. Apesar de todas as participantes referirem ter tido um relacionamento difícil com seus pais na infância, cada uma percebe a influência dessa relação no convívio com os filhos de maneiras diferentes. No caso 1, Raquel percebe que sua experiência com os seus pais interfere parcialmente no relacionamento com sua filha, mostrando-a como não agir. No caso 2, Judite percebe-se constantemente repetindo os comportamentos de seus pais, mas que insiste na mudança de suas atitudes, pois não se sente confortável com o que aconteceu. No caso 3, Clara, assim como no caso 1, percebe a influência parcial dos pais no relacionamento com o filho, no entanto a vê como positiva, referindo ter aprendido com eles como administrar seu tempo e o cuidado com os filhos. Cabe ressaltar que a representação da maternidade é moldada a partir das experiências diárias da mãe, mas também em uma perspectiva transgeracional, que engloba os conflitos das gerações anteriores, que determinam os comportamentos e a forma de interagir atual (Batista-Pinto, 2004). Tornar-se mãe está ligado a capacidade da mulher simbolicamente retornar ao estado de quando era o bebê de sua mãe, com todos os significados que isso gera em sua história de vida, ainda, é necessário que além de identificar-se com a criança, identifique-se com a mãe que está interiorizada, e por consequência, o inconsciente de sua mãe faz parte da sua relação com o bebê, o que poderá enriquecê-la ou empobrecê-la (Batista-Pinto, 2007).

Sobre os primeiros dias com o bebê após o nascimento, as participantes Raquel e Judite referiram terem sentido um mal-estar, estando tristes sem saber identificar a causa e sentindo-se solitárias. Por outro lado, Clara alude ter sentindo-se bem nos seus primeiros dias, caracterizando suas sensações como tranquilas e confiantes. Comparando essas vivências, cabe lembrar que as participantes dos casos 1 e 2 estavam vivenciando a experiência do primeiro filho, enquanto Clara já tinha uma primogênita. Além disso, é possível refletir acerca da dificuldade em nomear suas emoções acerca dessas vivências, tendo em vista que utilizaram palavras que indicam mais um estado, não aprofundando em seus sentimentos. Judite e Clara enfatizaram durante a entrevista que não possuem dificuldades em se distanciar de seus bebês, todavia, Judite relata que nas suas primeiras experiências de separação de João eram sofridas para ela, e chegou a encontrar meios de se reaproximarem mais rapidamente. No caso 1, Raquel estava iniciando o seu processo de separação de Emily, e estava vivendo essa etapa de forma ansiogênica, semelhante ao relato de Judite. A dificuldade em separar-se do bebê pode ser caracterizada devido a um envolvimento emocional muito intenso, sentindo falta do mesmo quando estão fisicamente separados (Lopes, 2005). No entanto, cabe ressaltar que no caso 3, Clara não menciona essa dificuldade em separar-se do bebê nos primeiros meses de vida. Ainda, é possível pensar acerca do funcionamento alexitímico das participantes, o que pode contribuir para a dificuldade de se distanciarem de seus bebês por não poderem contar com a presença física e concretada da criança nesse período de tempo.

Funcionamento Alexítimico

Segundo a Escala de Alexítimia de Toronto – TAS 26, é necessário que as participantes obtenham uma pontuação igual ou superior 74. No caso 1, Raquel obteve 77 pontos, Judite (caso 2) 93 pontos, e no caso 3, Clara obteve 77 pontos.

Nos casos 1 e 2, as participantes relataram ter lacunas de memória no período de sua infância, não conseguindo recordar de alguns episódios importantes dessa época. No caso 3, a participante declarou não possuir lembranças, e a incapacidade de aprofundar-se nos conteúdos verbalizados e a carência de detalhes em suas vivências pode ser um indicativo do mesmo. Corroborando, Bohleber (2007) alude que o que é recordado não são os próprios acontecimentos, mas sua transformação e o seu processamento psíquico, e as lacunas que são formadas pelo esquecimento precisam ser ocupadas pela palavra e a criação de um sentido que represente a situação atual do sujeito. Dessa forma, é possível refletir que essas lacunas sejam uma consequência do funcionamento alexitímico, por este impedir o processamento simbólico e a construção da representação do sentido. Como vimos anteriormente no eixo história de vida, as participantes passaram em sua infância e adolescência por eventos estressores, que podem ser caracterizados como negligência e/ou abandono. No caso 1, a participante Raquel quando completou 18 anos foi deixada sozinha em casa com seus dois irmãos mais novos pelos seus pais, e os mesmo levaram todos os móveis da residência. Raquel então teve que contar com apoio e doações de seus avós e colegas para conseguir manter a casa e cuidar de seus irmãos. Além disso, nessa época, Raquel teve que pedir pensão para os irmãos judicialmente, e esse foi o único contato que teve com seus pais durante dois anos.

No caso 2, a participante Judite foi cuidada por sua avó até os oito anos de idade e dormia com a mesma, até seu pai fazer uma ruptura brusca e levá-la de volta para casa. Segundo Judite, o relacionamento com sua mãe era muito conturbado pois ela tinha um "problema psicológico diagnosticado" (sic.), e é "uma pessoa difícil de lidar" (sic.). Devido ao trabalho, o pai de Judite não era presente, e a participante questiona o modo que seus pais a criaram, pois desejava ter mais a presença e afeto deles. No caso 3, Clara recorda que quando era criança sua mãe fazia algumas coisas para irritá-la, como dizer que a mesma era adotada e que não era filha dela. Em uma dessas discussões, quando tinha 11 anos, Clara fez uma mochila de roupas e se organizou para fugir de casa, quando viu seu pai repreendendo sua mãe pelas coisas que havia dito, e garantiu a ela que não era filha adotiva. Hoje, Clara compreende que essas falas da mãe não passavam de "brincadeiras". Podemos pensar que os eventos estressores vividos na infância das participantes podem ter ocasionado um trauma, sendo que Carneiro e Yoshida (2009) apontam que as situações traumáticas que ocorrem antes que a linguagem seja desenvolvida pode acarretar um prejuízo posterior na habilidade de utilizar palavras para expressar os sentimentos. Judite indica que acredita ter sido rejeitada pela mãe na primeira infância, por ter sido criada pela avó e perceber segredos em sua família. Apesar de Judite ter passado por situações semelhantes à Raquel na infância, como ser cuidada pelos avós, a primeira, em sua adolescência, foi desamparada pelos pais, estando em uma situação de vulnerabilidade. Cabe ainda lembrar que Clara, além dos conflitos que teve com sua mãe durante a infância, também vivenciou a perda do pai na sua juventude, o que pode ser compreendido como um fator traumático. Atualmente, as participantes Raquel e Clara declaram possuir um bom relacionamento com seus pais, representando uma proximidade significativa. No entanto, Judite (caso 2), refere que, apesar de hoje ter se reaproximado dos pais e possuir um bom relacionamento com eles, não o percebe como um relacionamento íntimo entre pais e filha. Desse modo, pode-se pensar que as participantes possuam dificuldades em compreender seus sentimentos acerca do relacionamento com seus pais devido à brevidade em suas falas e à falta de aprofundamento no assunto. Entretanto, Judite aponta não perceber a relação que tem com seus genitores como de pais e filha, talvez pela capacidade reflexiva que tem adquirido através do tratamento psicoterapêutico.

Percepções da mãe sobre o bebê com sintoma somático funcional

No Questionário de Sintomas Somáticos Funcionais do Bebê, a participante Raquel identificou que Emily possui sintoma na área da respiração, Judite identificou que João possui na área sono, e por fim, Clara identificou que o sintoma de Lucas é manifestado na pele. Nas entrevistas, as participantes Raquel e Clara não mencionaram o sintoma que identificaram no questionário, e a participante Judite pouco falou sobre o sintoma do sono que identificou no instrumento. Porém, as três participantes trouxeram outras dificuldades em seus bebês, mas nem sempre compreendendo essas como tal.

No caso 1, Raquel fala sobre a qualidade do sono de sua filha, mencionando que Emily possui dificuldades para dormir e descansar. Além do sono, Raquel percebe que Emily possui alguns problemas de comportamento, devido ao seu choro excessivo, crises de grito, necessitando ser amamentada imediatamente.

No caso 2, Judite ao longo de sua fala identifica o sintoma somático funcional na área da alimentação, devido à recusa constante por alguns alimentos e em realizar as refeições. Também, a participante Judite mencionou mudanças bruscas no comportamento do filho, porém não percebe como uma dificuldade, mas um traço de personalidade. Judite caracteriza essas mudanças como crises de grito, agressividade com os genitores e arremesso de brinquedos quando contrariado.

Já no caso 3, Clara identificou dificuldades no comportamento de Lucas, todavia, em alguns momentos compreendia esses episódios como características dele. Além disso, Clara percebe que o comportamento de Lucas fica alterado quando o mesmo necessita dividir seus brinquedos com a irmã ou seus colegas, onde agride os mesmos fisicamente, e quando vai corrigi-lo, Lucas puxa seus próprios cabelos e grita compulsivamente.

É importante destacar que todas as participantes desse estudo ressaltaram características do comportamento de seus filhos que indicam dificuldades na área do comportamento, como crises de raiva, violência contra si e o próximo, todavia não reconheceram como um sintoma no questionário de sintomas somáticos funcionais. Desse modo, pode-se pressupor que esse sintoma, de acordo com Scalco e Donelli (2014), possui destaque, pois atravessa cotidianamente a vida dos familiares que convivem com eles. Além disso, todas as participantes acreditam que esses comportamentos são qualidades de seus filhos, e acreditam que precisam ser moldadas, temendo conflitos futuros. Segundo Winnicott (2007b), quando o ambiente não é suficientemente bom, o bebê não pode desenvolver a continuidade de seu ser, provocando que a sua personalidade se constitua baseada em suas reações às irritações da mãe. Desse modo, pode-se descrever um exemplo dessa falha como as viagens realizadas pela participante Judite, sem ter tido uma adaptação do bebê para tal experiência. Na dependência relativa, a mãe começa a distanciar-se do seu bebê, não estando totalmente à sua disposição. Contudo, isso precisa ser feito gradativamente, respeitando a sua intolerância a frustração, para que o bebê possa lidar com ela de forma que compreenda como pertencente à realidade. Se esse processo for realizado de forma brusca, como se percebe nos casos apresentados neste trabalho, a frustração será intolerável, e o bebê passará a reagir a isso, manifestando através da agressividade, utilizando esta como uma forma de pedir ajuda ao meio social, para que restitua essa necessidade (Dias, 2000; Albuquerque, 2010). Já Raquel, mesmo comentando brevemente sobre o sintoma somático funcional do sono, também apresenta dificuldades em interpretar os sentimentos e as necessidades do seu bebê. Ainda, é notória a pouca sensibilidade acerca das capacidades que a bebê possui, referindo-se a ela como uma criança mais madura, não conseguindo identificar suas limitações.

Durante as entrevistas foi percebido uma quantidade significativa da palavra tranquilo nas entrevistas de Judite e Clara. Judite na Entrevista de História de Vida utilizou 3 vezes e na Entrevista de Maternidade e Relacionamento mãe-criança utilizou 23 vezes. Já Clara, utilizou 6 vezes na Entrevista de História de Vida e 22 vezes na Entrevista de Maternidade e Relacionamento Mãe-criança. Dessa maneira, pode-se interpretar o uso recorrente dessa palavra que é utilizada em diferentes contextos na entrevista de maternidade e relacionamento mãe-criança de inúmeras formas, como a dificuldade em identificar e compreender as manifestações dos sintomas do bebê e a limitação encontrada em refletir sobre a sua maternidade, devido ao funcionamento alexitímico. Ainda, pode-se compreender o uso desse termo como uma forma defensiva que as mães utilizaram para não perceberem essa defasagem nos cuidados, pois assim, poderiam ferir-se narcisicamente.

Em relação às percepções das mães sobre os bebês ao separar-se delas, Judite apontou que atualmente João está encontrando dificuldades em distanciar-se da mãe, no entanto, em outro momento o bebê não encontrava dificuldades nesse sentido, pois ficava na escolinha e na casa dos familiares sem chorar. Já as participantes Raquel e Clara não verbalizaram suas impressões sobre isso no decorrer da entrevista. Winnicott (2007a) aponta que estar só na presença de alguém é possível em uma fase precoce do desenvolvimento, quando, de forma natural, a imaturidade do ego é compensada pelo ego da mãe, e com o passar do tempo o bebê consegue introjetar o ego da mãe, de forma que adquire a capacidade de ficar só sem o seu apoio frequente, ou de algo que simbolize-a. No relato, foi possível perceber que para a participante Judite, distanciar-se do seu bebê foi gerador de sofrimento. Esse sofrimento pode ser um indicativo de que a mesma, de forma consciente ou não, identificou que o bebê não tinha maturidade suficiente para permanecer longe nesse período de tempo. No entanto, é possível recordar que pessoas com funcionamento alexitímico tendem a ser mais concretas e com dificuldades de simbolizar (Carneiro & Yoshida, 2009), desse modo o separar-se precocemente acarretaria uma sensação de perda, por não estar fisicamente com o seu bebê. Em relação à amamentação, Emily (4 meses), mama no peito, mas recentemente, Raquel tem acrescentado a fórmula como complemento, agora que voltou ao trabalho. Do mesmo modo, quando Clara retornou ao mercado de trabalho, introduziu a fórmula na alimentação de Lucas, no entanto, juntamente a isso, interrompeu o leite materno. Diferenciando-se dos outros casos, Judite teve que introduzir a fórmula já nos primeiros dias de vida do bebê, por não produzir mais leite. A interrupção da amamentação é encarada de formas distintas pelas participantes sendo que para Clara o desmame é visto como libertador, e para Judite como uma frustração. As intercorrências durante o período da amamentação podem impactar para que a mãe opte pelo desmame do bebê (Quirino, Oliveira, Figueiredo & Quirin, 2011). Ao realizar o desmame, é ideal que seja feito gradativamente, de modo que seja aumentando o espaço de tempo entre as mamadas quando o bebê começa a dar indícios de que já tem condições de suportar a separação da mãe. No entanto, para que esses sinais sejam identificados, é necessário de que a díade mãe-bebê esteja em sintonia (Müller & Donelli, 2017). De forma semelhante, as mães não identificaram o sintoma somático funcional da alimentação no questionário de sintomas somáticos funcionais do bebê, entretanto, Raquel, em sua fala, pontuou a dificuldade que Emily está tendo em alimentar-se através da mamadeira, relatando que tem ânsia de vômitos. No caso 2, Judite ressalta a dificuldade que o bebê teve com a inserção de novos alimentos, e agora também está com problemas em aceitá-los, o que acredita ser devido ao nascimento dos dentinhos. Todavia, o bebê não se alimenta apenas do leite materno, mas do olhar, palavras e gestos de sua mãe, demandando atenção, e quando suas necessidades não são supridas tem como consequência um desencadeamento de sintomas presentes na clínica pediátrica (Catão, 2004). Desse modo, essas dificuldades podem representar uma dificuldade da mãe em compreender as demandas do seu bebê, fazendo com que não consiga supri-las. Foi possível perceber que Raquel compara o seu bebê com outras crianças, no entanto sempre de forma positiva, exaltando as qualidades que identifica na filha, reconhecendo inúmeras capacidades de Emily. Clara, por sua vez, compara o seu filho constantemente à irmã, por razões diferentes, ora positivas, ora negativas, além de perceber muitas capacidades de seu filho. De encontro aos dois relatos, Judite não compara o desenvolvimento e as características de seu bebê com outras crianças, assim como não percebe algo que seu filho faça que lhe chame a atenção. Assim, pode-se pensar que o funcionamento alexitímico poderia contribuir para que as participantes tivessem dificuldades em identificar os demais sintomas somáticos funcionais apresentados pelos seus bebês, bem como em discorrer sobre a temática. Ainda, percebe-se uma limitação das mesmas em refletir acerca do desenvolvimento de seus filhos, sendo que nos casos 1 e 2 as participantes têm necessidade em compará-lo com o de outras crianças, todavia, Raquel (caso 1) aparenta não compreender algumas limitações de sua filha, percebendo-a como uma criança mais velha. Além disso, Judite (caso 2), não reflete sobre as capacidades de seu filho, mostrando ter dificuldades nessa capacidade.

 

5. Considerações finais

Este estudo teve como objetivo verificar as percepções de mães alexitímicas sobre a maternidade e sobre o bebê que apresenta sintoma somático funcional. Através dos instrumentos aplicados, da análise inicial de cada caso individualmente, respeitando as suas singularidades, e a realização da síntese de casos cruzados, foi possível alcançar o objetivo.

Averiguou-se que todas as participantes, no período da sua infância e adolescência, tiveram relacionamento conturbado com os pais, gerando um sofrimento que pode ter possibilitado o desenvolvimento de um funcionamento alexitímico. Sobre as expectativas das participantes, foi possível perceber, na maioria dos casos, a ruptura de fantasias alimentadas pela sociedade acerca da maternidade, que representava um universo magistral, sem desafios e limitações.

Todas as participantes acreditam ser importante e, de forma explícita ou não, fundamental, na maternidade, colocar limites em seus bebês acerca de comportamentos violentos e/ou de raiva. No entanto, as mesmas, no decorrer da entrevista, descrevem os comportamentos de forma pertencente ao bebê, abstendo-se dessa área, apesar de em alguns pontos perceberem o temperamento do bebê de forma positiva.

Ainda que as participantes desse estudo refiram que seus filhos possuem comportamentos agressivos, destacam suas percepções acerca da alegria e da comunicação do bebê, havendo variações nessa última. Isso porque as mães aparentaram não conseguir decodificar as expressões do bebê, dificuldade possivelmente potencializada devido ao funcionamento alexitímico. Raquel, cujo bebê apresenta sintoma da respiração, e Clara, cujo filho apresenta sintoma de pele, não pontuaram essas questões no decorrer da entrevista de maternidade e relacionamento mãe-criança, e isso pode ser pensado como o resultado de uma limitação nas entrevistas, pois as mesmas não investigavam diretamente esses dois sintomas. Em concordância, o instrumento investiga questões relacionadas ao sono do bebê, e no caso de Judite, o filho apresenta sintoma somático funcional do sono, que foi brevemente mencionado na fala da participante.

Desse modo, sugere-se que sejam realizados outros estudos acerca do funcionamento alexitímico materno e sua relação com os sintomas somáticos funcionais do bebê, para possibilitar um entendimento mais aprofundado acerca dessa temática. Considerando também a incapacidade de compreender e nomear sentimentos, é sugerido uma investigação do funcionamento alexitímico e a capacidade de mentalização da mãe.

Compreendendo, também, a importância de outras figuras para o desenvolvimento do bebê, recomenda-se a realização de estudos envolvendo a figura paterna e/ou dos avós, para que se possa compreender de forma mais integrada a dinâmica familiar, bem como o ambiente no qual a mãe e o bebê estão inseridos. Espera-se que esse trabalho contribua para conhecimentos e reflexões acerca dessa temática, compreendendo melhor o funcionamento alexitímico materno, bem como as percepções dessas mães acerca da maternidade e de seus bebês com sintoma somático funcional. O profissional da psicologia nessa área pode contribuir na melhoria da capacidade reflexiva da mãe, de forma preventiva e promovendo saúde para ela e seu bebê.

 

Referências

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Recebido: 10.09.20
Corrigido: 10.02.21
Aprovado: 27.03.21

 

 

27 Os nomes que identificam os participantes neste estudo são fictícios.
28 Entrevista de História de Vida.
29 Entrevista sobre a Maternidade e o Relacionamento Mãe-criança.

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