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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.41 no.101 São Paulo July/Dec. 2021

 

I. TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO

 

Violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes: metassíntese dos grupos de pesquisa/CNPq

 

Intrafamily violence against children and adolescents: metasynthesis of research groups/CNPq

 

Violencia intrafamiliar contra niños y adolescentes: metasíntesis de grupos de investigación/CNPq

 

 

Paula Orchiucci MiuraI; Alice Dantas de MedeirosII

IProfessora adjunta do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas. ORCID: 0000-0002-5103-9787
IIGraduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas, bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa de Alagoas (FAPEAL) pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). E-mail alice.medeiros@ip.ufal.br. ORCID: 0000-0002-7565-1735

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo teve como objetivo identificar e analisar, na área da Psicologia, os Grupos e as Linhas de Pesquisa do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (DGP) vinculados ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e as produções acadêmicas de seus respectivos Líderes, tendo como foco a violência intrafamiliar e/ ou doméstica contra crianças e adolescentes. Trata-se de uma metassíntese, em que se aplicou os descritores "violência doméstica", "violência intrafamiliar" e "violência doméstica contra crianças e adolescentes" na ferramenta de busca avançada do DGP. A amostra analisada foi composta de nove grupos, dez linhas de pesquisa e onze artigos. Os grupos foram criados entre os anos de 2001 e 2018, havendo uma prevalência de grupos na região Sudeste. Por meio das convergências e divergências do conteúdo dos artigos, identificaram-se quatro categorias temáticas: violência doméstica e validação de instrumentos; violência doméstica e adolescentes grávidas; sentido da violência doméstica e da família para crianças e adolescentes; e violência doméstica e contexto escolar. Os dados trazidos lançam uma nova perspectiva sobre a produção nacional na área de Psicologia em violência intrafamiliar e/ou doméstica contra crianças e adolescentes, traçando possíveis caminhos para futuras investigações e reflexões acerca dos grupos de pesquisa que trabalham com essa temática.

Palavras-chave: violência; criança; adolescente; revisão sistemática.


ABSTRACT

The article aimed to identify and analyze, in the area of Psychology, the Groups and Research Lines of the Directory of Research Groups in Brazil (DGP) linked to the National Council for Scientific and Technological Development (CNPq) and the academic productions of its respective Leaders, focusing on intrafamily and/or domestic violence against children and adolescents. It is a meta-synthesis, in which the descriptors "domestic violence", "intrafamily violence" and "domestic violence against children and adolescents" were applied in the DGP's advanced search tool. The analyzed sample was composed of nine groups, ten lines of research and eleven articles. The groups were created between 2001 and 2018, with a prevalence of groups in the Southeast region. Through the convergences and divergences of the content of the articles, four thematic categories were identified: domestic violence and validation of instruments; domestic violence and pregnant teenagers; meaning of domestic and family violence for children and adolescents; and domestic violence and school context. The data brought up a new perspective on the national production in the area of Psychology in intrafamily and/or domestic violence against children and adolescents, tracing possible paths for future investigations and reflections about the research groups that work with this theme.

Keywords: violence; child; adolescent; systematic review.


RESUMEN

El artículo tenía como objetivo identificar y analizar, em el área de Psicología, los Grupos y Líneas de Investigación del Directoio de Grupos de Investigación de Brasil (DGP) vinculados al Consejo Nacional para el Desarrollo Científico y Tecnológico (CNPq) y las producciones académicas de sus respectivos Líderes, centrándo-se em la violência intrafamiliar y/o doméstica contra niños y adolescentes. Se trata de uma metasíntesis, em la que se aplicaron los descriptores "violencia doméstica", "violencia intrafamiliar" y "violencia doméstica contra niños y adolescentes" em la herramienta de búsqueda avanzada de la DGP. La muestra analizada consistió em nueve grupos, diez líneas de investigación y once artículos. Los grupos se crearon entre 2001 y 2018, com una prevalencia de grupos em la región sureste. A través de convergências y divergências em el contenido de los artículos, se identificaron cuatro categorias temáticas: violencia doméstica y validación de instrumentos; violencia doméstica y adolescentes embarazadas; sentido de violencia doméstica y de familia para los niños y adolescentes; violencia doméstica y el contexto escolar. Los datos dieron lugar a uma nueva perspectivas obre la producción nacional em el área de la Psicología em la violencia intrafamiliar y/o doméstica contra niños y adolescentes, trazando posibles caminhos para futuras investigaciones y reflexiones sobre los grupos de investigación que trabajan com este tema.

Palabras clave: violencia; niño; adolescente; revisión sistemática.


 

 

Introdução 

A prática da violência doméstica contra crianças e adolescentes está presente desde os primórdios da história, perpassando tempos em que ainda não existia o sentimento de infância, conforme ilustra Ariès (1986/1973): o sentimento da particularidade infantil como momento distinto da vida adulta, em que a criança necessita de cuidados específicos ao viver a infância. No contexto europeu, ao longo dos séculos XV e XVI, o surgimento dessa particularidade é marcado pelo reconhecimento da criança como um indivíduo frágil, momento em que se aplicavam castigos corporais como maneira de disciplinar e educar as crianças e os jovens. Azevedo e Guerra (2010) identificam em mitos da Antiguidade Clássica a presença da violência fatal contra crianças praticada no seio familiar. Ainda segundo as autoras, o exercício dessa violência persiste, sem grandes impasses, ao longo da Idade Média – a alta taxa de mortalidade infantil do período havia tornado a criança "descartável" –, e somente na Modernidade é que se vê uma atenção e um cuidado direcionado de modo mais específico à infância e adolescência. Conhecido como "o século da infância", o século XX apresentou avanços consideráveis no estabelecimento e reconhecimento dos direitos da infância e da adolescência. Em 1990 foi instituída, no Brasil, a lei n.º 8.069, conhecida como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), responsável por determinar os direitos e os deveres dos indivíduos que integram esse período do desenvolvimento. De acordo com esse documento, é responsabilidade do Estado, da família e da sociedade garantir a proteção das crianças e dos adolescentes, assegurando a preservação dos seus direitos (Brasil, 1990). Contudo, segundo dados da United Nations Children's Fund (UNICEF, 2017), crianças em diferentes momentos da infância são vítimas de violência, perpetradas comumente por pessoas de seu convívio. Ainda segundo o órgão, o ambiente doméstico é o espaço em que as crianças costumam vivenciar suas primeiras experiências de violência: no mundo todo, cerca de 300 milhões de crianças de 2 a 4 anos de idade são submetidas à violência física e psicológica, praticada por seus familiares ou cuidadores como meio de disciplina. No Brasil, segundo a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (Cintra, 2018), o "Disque 100" recebeu, em 2016, mais de 144 mil denúncias de violações de direitos contra crianças e adolescentes em todo o país. Com relação à violência doméstica, sexual e/ou outras violências, na faixa de < 1 a 19 anos idade, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, do Ministério da Saúde (SINAN/MS) (Brasil, 2020), no ano de 2018, foram registradas 140.373 notificações. De acordo com Rodrigues et al. (2017), a população brasileira com idade entre 10 e 19 anos possui um risco de 56% de sofrer violência doméstica, e o risco de sua ocorrência em crianças (indivíduos com menos de 10 anos) apresentou crescimento ao longo dos anos de 2009 a 2014, com taxas que aumentaram de 5/100,000 para 11/100,000 nos respectivos anos. Malta et al. (2017) realizaram um estudo em que foram analisados, nas capitais brasileiras, os casos de violência sofridos por adolescentes atendidos em unidades de urgência e emergência. Foi constatada, entre o sexo feminino, a residência como o local prevalente de ocorrência da agressão, tendo como principais agressores o pai e a mãe. Compreende-se, portanto, a seguinte definição de violência doméstica contra a criança e o adolescente:

Todo ato ou omissão participado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima – implica de um lado, numa transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e adolescentes têm de serem tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento (Azevedo & Guerra, 1995, p. 36).

Isto é, a prática da violência doméstica contra crianças e adolescentes pode ser entendida como um descumprimento do dever de proteção do Estado, da sociedade e da família para com os direitos da infância e da juventude, conforme estabelecido pelo ECA. Além disso, Azevedo e Guerra (1995, 2010) ressaltam as distintas modalidades em que a violência pode ser exercida, pela violência física, sexual, psicológica ou pela negligência (realizada por meio das omissões). Destaca-se também a utilização do termo "violência intrafamiliar", a qual é praticada por membros da família ou pessoas que exercem papel parental na relação com a vítima (Ministério da Saúde [MS], 2002). Essa modalidade de violência pode acontecer dentro ou fora do ambiente doméstico; o aspecto central da terminologia em questão está nos vínculos de afeto e de dominação-submissão existentes entre as partes envolvidas na violência. Portanto, a violência doméstica diferencia-se da violência intrafamiliar "por incluir outros membros do grupo, sem função parental, que convivam no espaço doméstico. Incluem-se aí empregados(as), pessoas que convivem esporadicamente, agregados" (p. 15). Por conseguinte, compreende-se que as terminologias "violência doméstica" e "violência intrafamiliar" se intercruzam na compreensão da violência praticada contra crianças e adolescentes no meio familiar e doméstico, e, portanto, constituem-se em termos relevantes na investigação desse tipo de violência. Dito isso, o Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (DGP) é uma plataforma on-line gerenciada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em que estão registrados os grupos de pesquisa científica em exercício no Brasil. O DGP possibilita, conforme Oliveira, Sarmento, Rocha e Bueno (2019), reunir dados sobre os pesquisadores componentes de determinado grupo de pesquisa, sua vinculação institucional, bem como suas linhas de pesquisa e seus respectivos objetivos. Por meio dos dados coletados no DGP, é possível observar a disposição geográfica dos grupos, seus anos de formação, o status do grupo na plataforma, entre outras informações relevantes ao se analisar a produção científica brasileira em determinada área de estudo. Diante das perspectivas apresentadas, o objetivo da presente pesquisa foi identificar e analisar, na área da Psicologia, os Grupos e as Linhas de Pesquisa do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil vinculados ao CNPq e as produções acadêmicas de seus respectivos Líderes, tendo como foco a violência intrafamiliar e/ou doméstica contra crianças e adolescentes.

 

Método

Trata-se de uma revisão sistemática da literatura do tipo metassíntese. Para sistematizar uma metassíntese é necessário: definir o objeto (objeto de investigação); as fontes (bancos virtuais de produção científica, teses, dissertações); os tipos de documentos (diários, documentos públicos, artigos); composição da amostra (material selecionado e com potencial analítico) (Oliveira, Trancoso, Bastos, & Canuto, 2015). Oliveira et al. (2015) sugerem a realização da metassíntese seguindo as seguintes fases: A - Exploração: definição dos descritores e da fonte onde os documentos serão selecionados. Leitura seletiva dos documentos encontrados, com intuito de aprimorar a qualidade do conteúdo que irá compor a amostra da pesquisa. B - Refinamento: Leitura mais aprofundada dos documentos selecionados, identificando aqueles que dizem respeito ao objeto de pesquisa e se atendem aos objetivos do estudo. C - Cruzamento: Esta etapa objetiva averiguar duplicidades de materiais coletados. D - Descrição: apresentação de dados sobre os documentos selecionados, tais como: Tipo, área do conhecimento, período de publicação, procedência geográfica e vinculação institucional. E - Análise: análise aprofundada dos documentos que compõem a amostra com o intuito de constituir uma síntese produtora de novos conhecimentos. A metassíntese é capaz de produzir um mapa das produções a respeito de determinado tema, permitindo uma conexão de explicações a respeito de tema específico que ainda não foi vinculado a uma explicação mais abrangente. Assim, empregou-se a ferramenta de busca avançada existente no Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil, vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e conectado à plataforma Lattes. Com isso, efetuou -se o cruzamento dos descritores "violência doméstica", "violência intrafamiliar" e "violência doméstica contra criança e adolescente", selecionando-se como filtros a área do conhecimento "ciências humanas" e "psicologia" como área específica. As pesquisas empreenderam-se na base corrente de dados, e as buscas com os descritores foram aplicadas nos campos "nome do grupo", "nome da linha de pesquisa" e "palavra-chave da linha de pesquisa", tendo sido consultado por "grupo". Dessa forma, optou-se por buscas que exibissem como resultados todos os grupos. Não foram utilizados filtros com relação à localização, tempo de existência do grupo, setor de aplicação, formação acadêmica, bolsistas CNPq ou docentes. Portanto, com a realização das buscas por meio dos descritores elaborados, investigaram-se as descrições dos grupos e os objetivos de cada linha de pesquisa, conforme dados apresentados na própria página do grupo de pesquisa no Diretório do CNPq. Assim, a seleção final foi composta somente de grupos que apresentassem tanto na descrição e/ou no objetivo da linha de pesquisa trabalhos vinculados com a temática da violência intrafamiliar e/ou doméstica contra crianças e adolescentes. A partir disso, foi construído um banco de dados que contivesse as seguintes informações: nome do grupo de pesquisa, instituição vinculada, data de criação do grupo, líder e segundo líder, área predominante e linhas de pesquisa com seus objetivos e palavras-chave correspondentes. Para tanto, foram acessadas as páginas dos Currículos Lattes dos líderes dos grupos de pesquisa selecionados, por meio da Plataforma Lattes, recurso on-line vinculado ao CNPq. Foram, então, investigadas as produções presentes na seção "Artigos completos publicados em periódicos", de maneira a selecionar aquelas que contivessem, em seu título, a presença dos descritores "violência doméstica" ou "violência intrafamiliar", e que estivessem disponíveis na íntegra e on-line. A descrição e a análise das publicações dos líderes ficaram restritas, portanto, a artigos publicados em periódicos científicos, não sendo examinados outros formatos de produção acadêmica, tais como livros e capítulos de livros. Essa escolha se deu pela compreensão, por parte das autoras, de que os artigos são comumente o principal indicativo adotado para estimar a qualidade da produção científica. Os artigos selecionados foram, então, pesquisados nas páginas dos periódicos responsáveis pela sua publicação, por meio do endereço eletrônico próprio da revista ou de consultas ao índice de cada revista disponibilizado pelas plataformas SciELO (Scientific Electronic Library Online) e PePSIC (Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia). A partir das consultas efetuadas nos referidos endereços eletrônicos, realizaram-se as leituras dos resumos dos artigos possíveis de serem acessados, de modo a identificar se possuíam relação ou não com a temática da violência intrafamiliar e/ou doméstica contra a criança e o adolescente. Com isso, foi feito o download das produções relacionadas ao tema de estudo. Depois da composição da amostra, os artigos foram lidos na íntegra, buscando-se analisar suas temáticas por meio de seu conteúdo (Bardin, 2011) e definições empregadas na conceituação dos termos "violência intrafamiliar" e "violência doméstica".

 

Resultados

Ao longo do mês de outubro do ano de 2019, foram realizadas as buscas por meio dos descritores "violência doméstica", "violência intrafamiliar" e "violência doméstica contra criança e adolescente". Por meio da busca pelo termo "violência intrafamiliar", foram obtidos como resultados um total de três grupos, assim como na pesquisa com a expressão "violência doméstica contra criança e adolescente", que também resultou em três registros. O descritor "violência doméstica", por sua vez, totalizou nove grupos nos seus resultados. Nesta primeira etapa exploratória, identificaram-se quinze grupos. A seguir, foi realizada a etapa do refinamento, na qual se selecionaram os grupos e/ou as linhas cujos descrição e objetivo respectivamente tinham relação com a temática da violência intrafamiliar e/ou doméstica contra a criança e o adolescente, totalizando treze grupos. Depois da seleção dos treze grupos e das catorze linhas de pesquisa, foi efetuado o cruzamento entre os descritores, sendo observada, então, a repetição de quatro grupos nas buscas empreendidas, de modo que o número total de grupos encontrados foi de nove e dez linhas de pesquisa.

É possível observar a ausência de grupos de pesquisa vinculados a instituições localizadas na região Norte, havendo uma maior prevalência de instituições da região Sudeste, com cinco grupos de pesquisa, seguido pelo Nordeste (2), Sul (1) e Centro-Oeste (1). Cinco grupos estão certificados em sua situação, ao passo que dois não estão atualizados, um grupo está em preenchimento, e um grupo está aguardando certificação. Com relação ao ano de criação, o grupo do Sul, "Desenvolvimento Humano em Situações de Risco Social e Pessoal" é o mais antigo, tendo sido formado em 2001, e o mais recente, instituído no ano de 2018, é o da região Nordeste, "Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicologia Jurídica, políticas". A partir dos dados presentes na descrição dos grupos e nos objetivos das linhas de pesquisa, constata-se que o termo "violência doméstica" é utilizado no título e descrição do objetivo da linha de pesquisa do grupo liderado por Leila Tardivo e no título da linha do grupo de Armando Rocha Júnior. O termo também aparece na descrição do objetivo da linha "Consumo de drogas, violência e políticas públicas para crianças e adolescentes", do grupo liderado por Olga Mattioli. Já o termo "violência intrafamiliar" aparece na descrição do grupo "Desenvolvimento Humano em Situações de Risco Social e Pessoal", liderado por Silvia Helena Koller, e no título e descrição de sua respectiva linha de pesquisa. É também empregado no nome da linha de pesquisa do grupo liderado por Marcelo Moreira Neumann. Desta forma, constatou-se que os termos "violência doméstica" (VD) e "violência intrafamiliar" (VI) aparecem quatro vezes cada. A partir dos grupos selecionados, foram realizadas consultas aos currículos Lattes dos seus respectivos líderes, de modo a selecionar produções que contivessem, em seus títulos, os descritores "violência doméstica" ou "violência intrafamiliar", tendo em vista a repetição dos resultados ao se utilizar do descritor "violência doméstica contra criança e adolescente". Os resultados estão dispostos na tabela 2.

 

 

 

 

Assim, obteve-se uma amostra com um total de vinte e dois artigos. Entretanto, apenas dezesseis produções estavam disponíveis para download e leitura na íntegra. Não foi possível acessar seis artigos pelos seguintes motivos: não foram encontrados ao realizar a busca na página da revista no SciELO (2); não foi possível localizar o endereço eletrônico do periódico (1); as revistas não dispunham dos artigos em versão eletrônica (2); o artigo estava em área restrita para membros associados (1). Além disso, das dezesseis produções inicialmente selecionadas, dois trabalhos foram excluídos, pois ainda que estivessem listados na seção de artigos publicados, as produções constituíam-se em: apresentação de trabalho em evento (1) e capítulo de livro (1). Com isso, obteve-se uma amostra de catorze artigos, e, a partir dessa seleção, foi feita a leitura dos resumos das publicações, o que levou à exclusão de três artigos por não estarem relacionados com a temática da violência intrafamiliar e/ou doméstica contra criança e adolescente: dois publicados por Marizete Maldonado Vargas e um publicado por Silvia Helena Koller.

A pesquisadora Leila Tardivo é a líder que apresenta o maior número de publicações, com um total de sete artigos nos seguintes anos: 2003, 2012, 2013 (2), 2015 e 2017 (2), sendo dois em língua estrangeira. Silvia Koller possui dois artigos publicados nos anos de 2000 e 2002, e Marcelo Neumann (2000) e Olga Mattioli (2009) apresentaram cada qual um artigo selecionado. Assim, a amostra final de publicações foi composta de onze produções. Destaca-se também a presença de seis artigos publicados em periódicos vinculados a instituições estrangeiras, todos de autoria de Leila Tardivo. Verifica-se que os artigos foram publicados entre o período de 2000 a 2017, o maior número de publicações anuais (2) ocorreu em 2000, 2013 e 2017; nos anos de 2002, 2003, 2009, 2012 e 2015 observou-se uma publicação por ano.

Destaca-se, assim, uma ausência de publicações nos demais anos (2001, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2010, 2011, 2014 e 2016). Observa-se também que as produções mais recentes foram a da líder Leila Tardivo.

Com relação ao Qualis, consultou-se a classificação de periódicos do quadriênio de 2013-2016. Observou-se uma concentração de publicações em periódicos de Qualis B na área da Psicologia. No total de sete artigos de Leila Tardivo, todos foram publicados em revistas de Qualis B, sendo: B1 (1), B2 (2), B3 (2) e B4 (2). Já o único artigo selecionado de Olga Mattioli é de um periódico B4. Silvia Koller, por sua vez, é a única líder cujos dois artigos são de revistas A1. O texto selecionado de Marcelo Neumann não corresponde a um artigo publicado em um periódico, apesar de estar registrado em seu currículo Lattes na seção destinada à categorização de "artigos completos publicados em periódicos". Trata-se de um texto publicado no site do CEDECA da Bahia, sigla para a instituição "Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan".

 

Discussão

Com relação aos grupos de pesquisa, observou-se o predomínio destes na região Sudeste. A predominância de grupos nessa região também foi constatada por Oliveira et al. (2019), ao investigarem os grupos de pesquisa que estudam a Infância. Esse dado também é trazido por Klepa e Pedroso (2020), que apontam para a concentração dos grupos de pesquisa em Pediatria na referida região. Quanto aos usos dos termos "violência doméstica" (VD) e "violência intrafamiliar" (VI) nos títulos das linhas de pesquisa e nas descrições dos grupos, percebeu-se que os descritores foram igualmente empregados. Em estudo realizado por Miura, Silva, Pedrosa, Costa e Nobre Filho (2018), em que se buscou analisar o uso dos termos VD e VI em artigos publicados no periódico Psicologia e Sociedade, foi constatado que, em artigos centrados na temática da violência intrafamiliar e/ ou doméstica contra crianças e adolescentes, os dois termos foram empregados, apesar de ter havido a prevalência do termo VD. Com base nas onze produções que compuseram a amostra final deste trabalho, analisaram-se as definições empregadas na conceituação do termo "violência intrafamiliar/doméstica", sendo esta uma categoria apresentada a seguir. Com base nas convergências e divergências do conteúdo dos artigos foi possível identificar quatro categorias temáticas: Violência Doméstica e Validação de Instrumentos; Violência Doméstica e Adolescentes Grávidas; Sentido da Violência Doméstica e da Família para Crianças e Adolescentes; e Violência Doméstica e Contexto Escolar.

 

Conceituação dos Termos Violência Intrafamiliar/ Doméstica

Do total de onze trabalhos analisados, o termo "violência doméstica" foi empregado no título de oito publicações dos seguintes líderes: (1) Silvia Koller, (1) Olga Mattioli, (1) Marcelo Neumann, (5) Leila Tardivo. Já o termo "violência intrafamiliar" foi utilizado no título de somente três artigos, dois de Leila Tardivo e um artigo de Silvia Koller. É interessante notar que, apesar de utilizar o termo "violência intrafamiliar" no título, é empregado também o termo "violência doméstica" para conceituar o fenômeno em ambos os artigos de Leila Tardivo (Miura, Tardivo & Salcedo-Barrientos, 2015; Salcedo-Barrientos, Miura, Gemma, Almeida-Silva & Tardivo, 2013). Ressalta-se uma definição trazida por Salcedo-Barrientos et al. (2013) que faz uso das duas terminologias; as autoras afirmam ser a violência doméstica "toda violência exercida em âmbito intrafamiliar" (p. 396). Percebe-se, portanto, que, além de ser empregada com menor frequência nas publicações, a expressão "violência intrafamiliar" ainda aparece muito associada à "violência doméstica", não havendo uma distinção explícita entre as terminologias. As autoras Azevedo e Guerra são utilizadas em três artigos (Tardivo, 2013, 2017; Tardivo, Pinto Junior & dos Santos, 2005) para construir a conceituação de violência doméstica. Nesses artigos, o pressuposto para a definição do fenômeno se baseia no descumprimento, por parte do adulto, de sua responsabilidade para com o cuidado e proteção da criança e adolescente. Com isso, a violência doméstica pode ser praticada por de atos e omissões, afetando o desenvolvimento da vítima por meio de agressões físicas, sexuais e psicológicas e causando consequências sociais para além do ambiente doméstico. O termo "violência doméstica" também é empregado no artigo de Salcedo-Barrientos, Miura, Gemma, Almeida-Silva e Tardivo (2012). Nele, as autoras destacam os familiares como autores desse tipo de violência ao apontarem que a família pode ser a porta de entrada para a violência contra as adolescentes grávidas, tendo em vista que a gestação costuma não ser aceita nessa faixa etária. Em Pinto Junior, Tardivo e Cassepp-Borges (2017), apesar de utilizarem "violência doméstica" no título, é trazida a conceituação para a terminologia "violência intrafamiliar". Os autores também conceituam a "violência testimonial", termo em espanhol referente à criança que testemunha, direta ou indiretamente, a relação de violência entre companheiros íntimos – o artigo trata de um estudo de validade da "Escala de exposição da criança e adolescente à violência doméstica". A conceituação de Azevedo e Guerra também é trazida no texto do líder Neumann (acessado em 4 de dezembro de 2019) ao definir o termo "violência doméstica" contra crianças e adolescentes. O autor afirma que a violência doméstica é de difícil definição devido a sua complexidade, contudo, ela é compreendida como um dos tipos de violência familiar, e ao ser "contra a criança e o adolescente" refere-se ao fato de ser direcionada a pessoas menores de 18 anos de idade. Também é trazida a conceituação de termos como abandono, negligência, vitimização e crianças vitimadas. Analisando-se os títulos dos dois artigos da líder Silvia Koller, percebe-se a utilização tanto de "violência intrafamiliar" (De Antoni & Koller, 2000) quanto de "violência doméstica" (Lisboa et al., 2002). Ao conceituar as terminologias, é destacada a relação hierárquica entre agressor e vítima, entretanto, não é feita a distinção entre os termos. A líder Olga Mattioli, por sua vez, não traz uma conceituação direta acerca da violência doméstica/intrafamiliar contra criança e adolescente, contudo, ao contextualizar a história de uma das crianças participantes da pesquisa, são enfatizadas as suas vivências de negligência, abandono e violência física/psicológica, dando a entender que as autoras (Santiago & Mattioli, 2009) consideram a violência doméstica como uma prática com variadas manifestações.

 

Violência Doméstica e Validação de Instrumentos

Esta categoria é composta de quatro artigos publicados pela líder Leila Tardivo (Tardivo, 2013, 2017; Pinto Junior et al., 2017; Tardivo et al., 2005). São trabalhos de validação de instrumentos voltados à investigação de casos de crianças vítimas de violência doméstica, seja por meio de um inventário de frases (Tardivo, 2013), de uma escala (Pinto Junior et al., 2017) ou de um teste, mais especificamente o Teste do Desenho da Figura Humana (Tardivo, 2017). Ademais, ainda que não se trate de um estudo de validez, Tardivo et al. (2005) demonstram ser viável a utilização do teste das Fábulas de Düss para conhecer melhor os processos psíquicos das crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica. Em todos os referidos trabalhos é empregada a abordagem quantitativa, contudo, não é possível identificar o referencial teórico. A pesquisa de Tardivo (2013) foi realizada com 1010 participantes (623 do sexo feminino e 387 do sexo masculino) entre 6 e 16 anos. Para efetivar o estudo, os participantes foram divididos em dois grupos: (a) grupo experimental, composto de crianças e adolescentes vítimas de violência, atendidas por instituições da rede de proteção; e (b) grupo controle, composto de crianças e adolescentes sem histórico de violência, estando matriculados na rede de ensino. A autora constatou a sensibilidade do inventário de frases para distinguir o grupo experimental do grupo controle, havendo diferenças estatisticamente significativas entre o grupo de participantes vitimizados e o grupo não vitimizado. O delineamento de pesquisa com a composição de grupos experimentais (crianças e adolescentes vitimizadas) e grupos controles (crianças e adolescentes não vitimizadas) também foi empregado por Pinto Junior et al. (2017) e Tardivo (2017). O estudo de Pinto Junior et al. (2017) contou com 454 participantes de 10 a 16 anos de idade, residentes dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, e a pesquisa de Tardivo (2017) teve 634 participantes de 6 a 16 anos de idade. O instrumento Children's Exposure to Domestic Violence Scale (Pinto Junior et al., 2017) e o Teste Desenho da Figura Humana (Tardivo, 2017) se mostraram sensíveis no processo de identificação de crianças e adolescentes em situação de violência doméstica. Já outra pesquisa de Tardivo et al. (2005) foi realizada junto a uma amostra de treze crianças vitimizadas, acompanhadas por instituições de proteção à infância. A aplicação do Teste das Fábulas de Düss se deu em uma instituição de atendimento a crianças vítimas de violência doméstica, localizada no município de Guaratinguetá, São Paulo. O emprego do teste projetivo levou à identificação de que as crianças "tendem a manifestar comportamentos depressivos e de carência afetiva" (p. 64), apresentando sentimentos destrutivos direcionados à figura paterna, além de demonstrar uma postura evasiva diante do/a agressor/a. Por meio da análise desses artigos, pode-se observar, ao longo dos anos, a permanência da elaboração e publicação de pesquisas envolvendo instrumentos de avaliação psicológica. A constância dessa temática é reflexo do próprio nome do grupo de pesquisa da qual Leila Tardivo é líder: "O teste de apercepção infantil com figuras humanas". Isso demonstra um alinhamento entre o escopo global do grupo e a produção de sua linha direcionada ao estudo da violência doméstica contra crianças e adolescentes. Os trabalhos que compõem essa categoria revelam um esforço para construir instrumentos capazes de examinar as consequências da violência doméstica/intrafamiliar no desenvolvimento de crianças e adolescentes. São pesquisas constituídas na tentativa de estabelecer uma medida eficaz para identificar, avaliar e caracterizar esses casos de violência doméstica/intrafamiliar, com vistas a contribuir para uma intervenção eficaz. O desenvolvimento de investigações em torno desses instrumentos possui desdobramentos práticos na elaboração de estratégias de enfrentamento ao fenômeno, alinhando-se ao setor de aplicação da linha de pesquisa, qual seja, atividades de atenção à saúde humana.

 

Violência Doméstica e Adolescentes Grávidas

Os demais artigos de Leila Tardivo (Miura et al., 2015; Salcedo-Barrientos et al., 2012, 2013) compõem a presente categoria. São pesquisas que versam sobre a violência doméstica vivenciada por adolescentes grávidas, nos quais se utilizou da entrevista semiestruturada para a coleta de dados. As pesquisas foram realizadas no estado de São Paulo e possuem caráter prospectivo, exploratório e descritivo. Elas são de abordagem quanti-qualitativa (Miura et al., 2015; Salcedo-Barrientos et al., 2012) e qualitativa (Salcedo-Barrientos et al., 2013). Os referidos estudos constatam que as adolescentes grávidas vítimas de violência doméstica se encontram em uma situação de maior vulnerabilidade e risco, assim como seus bebês também são colocados em perigo. Em Salcedo-Barrientos et al. (2012), as entrevistas foram conduzidas com dez adolescentes grávidas integrantes da Estratégia Saúde da Família (ESF) de uma Unidade Básica de Saúde (UBS). As adolescentes relataram a ausência de apoio emocional ofertado pelos profissionais da saúde, que, em sua maioria, direcionavam sua atenção apenas para questões médicas. Seis participantes relataram vivências de violência – ainda que apresentassem dificuldades para identificar as agressões como tais. Em duas adolescentes, a gestação ocasionou o surgimento ou recrudescimento da violência doméstica. Resultados semelhantes foram encontrados no trabalho de Salcedo-Barrientos et al. (2013), no qual, além da realização de entrevistas semiestruturadas junto a dez adolescentes grávidas, também foram aplicados o Inventário de Frases no Diagnóstico de Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes (IFVD) e um formulário para caracterizar o perfil de produção e reprodução social. As participantes também eram integrantes do programa ESF de uma UBS. Cinco adolescentes expressaram vivências de violência, com predomínio das agressões psicológicas, e duas participantes indicaram a descoberta da gravidez como o estopim para o início ou agravamento das situações de violência intrafamiliar. A pesquisa de Miura et al. (2015), por sua vez, foi conduzida com quarenta adolescentes grávidas organizadas em dois grupos: o grupo 1, composto por vinte adolescentes vítimas; e o grupo 2, formado por vinte adolescentes não vítimas. As participantes realizavam acompanhamento no Hospital Universitário da USP ou em instituições parceiras do Instituto de Psicologia da referida universidade. Além das entrevistas semiestruturadas, as autoras também aplicaram o formulário de produção e reprodução social. Entre o grupo de adolescentes vítimas, destacaram-se os relatos de violência psicológica e de negligência perpetradas por seus familiares; em contrapartida, as adolescentes não vítimas indicaram a importância do apoio familiar na vivência da gestação. Dentre esses trabalhos, observou-se em dois artigos (Salcedo-Barrientos, et al., 2012, 2013) a utilização da Teoria de Intervenção Práxica da Enfermagem em Saúde Coletiva (TIPESC). Ao se analisar a área de formação e atuação das autoras, pode-se entender melhor a adoção desse referencial: o artigo foi publicado por uma enfermeira e professora do curso de obstetrícia da USP (Dora Salcedo-Barrientos), uma estudante de obstetrícia (Bruna Almeida-Silva), uma obstetriz (Marina Gemma) e por duas psicólogas (Paula Miura e Leila Tardivo). Em Miura et al. (2015), observa-se novamente uma parceria entre a área da Psicologia e da Enfermagem/Obstetrícia, ainda que não se tenha utilizado o referencial da TIPESC. A colaboração dessas três pesquisadoras em todos os artigos que compõem esta categoria demonstra um interesse em comum por duas temáticas: (1) a gravidez na adolescência e (2) a violência doméstica. Esse interesse compartilhado torna-se ainda mais visível quando se compreende que não somente Leila Tardivo, como também Paula Miura e Dora Salcedo-Barrientos realizam pesquisas acerca das temáticas em questão. Isso pode explicar a aproximação entre as autoras com diferentes áreas de formação.

 

Sentido da Violência Doméstica e da Família para Crianças e Adolescentes

Dois artigos compõem esta categoria, um artigo da líder Olga Mattioli (Santiago & Mattioli, 2009) e um artigo da líder Silvia Koller (De Antoni & Koller, 2000). O artigo de Santiago e Mattioli (2009), definido como de natureza teórico-empírica, teve como objetivo investigar o sentido dado por duas crianças acerca da violência doméstica vivenciada por elas, fundamentando-se numa perspectiva sócio-histórica preconizada por Vigotski, Luria e Leontiev. O percurso metodológico é descrito de maneira breve; as autoras Santiago e Mattioli (2009) apenas pontuam que o método contou com a realização de entrevistas e a utilização do diário de campo. Para as autoras, os postulados sócio-históricos podem ajudar a compreender o papel das experiências violentas no desenvolvimento do psiquismo das crianças vitimizadas. Tal colocação é evidenciada pelo fato de que as crianças participantes apresentavam uma compreensão da violência experienciada como algo "natural", "cotidiano" e "merecido"; uma maneira legítima de educação. Isto é, as práticas disciplinares violentas influenciaram os sentidos atribuídos pelas crianças à violência vivida. Já a pesquisa de De Antoni e Koller (2000), foi realizada com dois grupos focais, totalizando doze meninas adolescentes, entre 12 e 17 anos; as participantes eram vítimas de violência intrafamiliar e estavam em situação de abrigo. O objetivo da pesquisa foi investigar a visão dessas jovens sobre família, empregando a análise de conteúdo preconizada por Bardin. A pesquisa foi conduzida na própria instituição de acolhimento, e os resultados foram analisados com base no modelo ecológico. Os grupos apresentaram visões diferentes acerca da família; o primeiro grupo ressaltou a existência de afeto e cuidado em uma família, que pode ser composta de membros com parentesco ou não, ao passo que o segundo grupo apontou a relação consanguínea para a determinação da composição familiar. De toda maneira, os dois grupos expressaram o desejo de não repetir o modo de educação empregado por seus pais, educação essa baseada na violência física. Há uma distinção significativa na maneira como a violência doméstica é percebida pelos participantes das pesquisas de Santiago e Mattioli (2009) e De Antoni e Koller (2000). As crianças compreendem a violência como um modo adequado de educação, e as adolescentes, por sua vez, expressam o desejo de "adotar outras formas disciplinares, como o diálogo e a punição restritiva" (De Antoni & Koller, 2000, p. 375) com seus futuros filhos. Essa vontade expressa pelas adolescentes demonstra uma quebra no padrão de violência intergeracional, fazendo-se questionar quais estratégias podem ser promovidas para auxiliar na compreensão de que a violência doméstica não é merecida e tampouco precisa ser praticada como método educativo.

 

Violência Doméstica e Contexto Escolar

Um artigo da líder Silvia Koller (Lisboa et al., 2002) compõe esta categoria. Fundamentada na abordagem ecológica, a pesquisa buscou investigar, no contexto escolar, as estratégias de coping utilizadas por 49 crianças vítimas de violência doméstica e 38 crianças não vítimas de violência doméstica. As 87 crianças participantes compunham o corpo discente de escolas municipais e/ou estaduais de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, e a coleta de dados ocorreu no próprio ambiente escolar. Para tanto, empregou-se a técnica da entrevista estruturada, e os dados foram examinados por meio da análise de conteúdo – apesar de as autoras não definirem o referencial em que se baseia a análise em questão. Não foram encontradas diferenças significativas entre as estratégias de coping utilizadas por crianças vítimas e não vítimas de violência doméstica. Isso se deve ao ambiente escolar compartilhado pelas crianças participantes, em que as agressões praticadas pelas professoras podem comprometer o desenvolvimento e o manejo das estratégias de coping pelas crianças não vítimas. Também foi constatado que as crianças vítimas de violência doméstica usam com maior frequência o recurso da agressão física ao se relacionarem com seus colegas.

 

Considerações finais

A violência intrafamiliar e/ou doméstica contra crianças e adolescentes é uma problemática de ocorrência mundial, trazendo repercussões sociais e, sobretudo, incidindo na saúde pública de uma parcela da população ainda muito vulnerável. É imprescindível o trabalho dos pesquisadores para a compreensão do fenômeno, trabalho este que se reflete na avaliação e no desenvolvimento de estratégias para o enfretamento do problema. Com isso, o presente artigo traçou um panorama dos grupos de pesquisa da área da Psicologia que investigam a temática, analisando sua caracterização e a produção dos seus líderes. Por meio da ferramenta de busca avançada do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, pôde-se reunir informações acerca dos grupos e das linhas de pesquisa. Os dados reunidos apontam para uma concentração de grupos localizados na região Sudeste, com formação entre os anos de 2001 e 2018. Nem todos os líderes possuíam artigos cujos títulos contivessem os descritores "violência doméstica" e "violência intrafamiliar", ainda que integrassem a liderança de grupos com linhas de pesquisa direcionadas à temática. Este achado oferece um indicativo de que os líderes dos grupos de pesquisa não necessariamente publicam artigos sobre violência doméstica e/ou intrafamiliar. Dentre os líderes cujas produções foram selecionadas e analisadas, percebe-se um maior emprego da terminologia "violência doméstica", também utilizada na maior parte dos artigos em que aparece o termo "violência intrafamiliar", não havendo distinção entre as expressões. Os artigos apresentaram uma variedade de temas, abordando a validação de instrumentos, investigando a compreensão de família e os sentidos atribuídos ao fenômeno por crianças e adolescentes, contando com a participação de adolescentes grávidas e averiguando a repercussão do fenômeno no contexto escolar. Quanto aos limites da pesquisa, observaram-se dificuldades para acessar, na íntegra, todos os artigos selecionados. Essa dificuldade ocasionou uma redução da amostra deste trabalho, uma vez que, do total de vinte e dois artigos, somente dezesseis foram encontrados. Além disso, a presente pesquisa limitou-se a descrever e analisar artigos publicados em periódicos, de modo que outros tipos de publicações, como livros e capítulos de livros, não foram considerados na composição amostral. Com os dados coletados e analisados, espera-se lançar uma nova perspectiva sobre a produção nacional na área de Psicologia em violência intrafamiliar e/ou doméstica contra crianças e adolescentes. Para futuras pesquisas, indica-se a possibilidade de investigar grupos presentes em censos anteriores do DGP, bem como analisar os setores de aplicação e os pesquisadores integrantes das linhas de pesquisa. Todas essas informações podem contribuir para a construção de um panorama mais abrangente acerca das direções tomadas pela pesquisa brasileira, traçando possíveis caminhos para futuras investigações.

 

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Endereço para correspondência: Paula Orchiucci Miura
Universidade Federal de Alagoas - Campus A.C. Simões
Instituto de Psicologia
Av. Lourival de Melo Mota. Tabuleiro do Martins
Maceió/ AL, Brasil
CEP 57072-970
E-mail paula.miura@ip.ufal.br

Recebido: 09.02.21
Corrigido: 19.04.21
Aprovado: 28.07.21

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