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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.43 no.104 São Paulo Jan./June 2023  Epub Nov 22, 2024

https://doi.org/10.5935/2176-3038.20230006 

Artigo

IMPLICAÇÕES DA REDE SOCIAL SIGNIFICATIVA PARA A MULHER NO PUERPÉRIO

Implications of the meaningful social network for women in the puerperium

Implicaciones de la red social significativa para mujeres en el puerperio

30Psicóloga. Endereço: Av. Getúlio Vargas, 268 – Centro, 89251-970 - Jaraguá do Sul / SC - Telefone: (47) 99258-0030.E-mail: jaqueemedina@hotmail.com. ORCID 0000-0001-5240-5251

31Psicóloga. Endereço: Av. Getúlio Vargas, 268 –- Centro, 89251-970 - Jaraguá do Sul / SC - Telefone: (47) 99258-0030.E-mail: morgana.canal22@gmail.com. ORCID 0000-0001-7508-2424

32Psicóloga. Mestra e Doutora em Psicologia. Docente do Departamento de Psicologia da Unisociesc. Endereço: Av. Getúlio Vargas, 268 – Centro, 89251-970 - Jaraguá do Sul / SC - Telefone: (47) 99258-0030. E-mail: claudia.borges@unisociesc.com.br. ORCID 0000-0003-2060-0014


Resumo

O período da gestação, parto e puerpério é um momento significativo no ciclo vital do desenvolvimento humano. Especificamente o puerpério, constitui-se como uma fase de muitos desafios e adaptações de todo sistema familiar, sendo assim, poder contar com uma rede de apoio social é fator protetivo para a saúde da mãe e do bebê. Diante disso, este estudo teve como objetivo compreender as implicações da rede social significativa no período do puerpério de mulheres residentes em uma cidade do Norte de Santa Catarina. Para tanto, foi realizado uma pesquisa qualitativa com três mulheres, maiores de 18 anos, que estavam no puerpério. Como instrumentos para a coleta de dados, foram utilizados uma entrevista semiestruturada e a construção do mapa de rede conforme modelo proposto por Sluzki. Para a análise de dados, foi realizada a análise de conteúdo segundo Ruiz-Olabuénaga. Os dados demonstraram experiências distintas em relação à gestação, parto e puerpério, entretanto, embora cada participante tenha tido uma experiência singular desse período, alguns desafios e dificuldades eram compartilhados. Em relação à rede social significativa se constituiu predominantemente por familiares e amigos e as principais funções desempenhadas pelos membros foi o apoio emocional e ajuda material e de serviços. Frente aos desafios que marcam o puerpério, destaca-se a importância da ampliação e fortalecimento da rede de apoio social como estratégia de promoção da saúde da mãe, do bebê e de todo o sistema familiar.

Palavras chave: gravidez; puerpério; apoio social; pós-parto; psicologia

Abstract:

The period of pregnancy, childbirth and puerperium is a significant moment in the life cycle of human development. Specifically, the puerperium is a phase of many challenges and adaptations of the entire family system, so being able to count on a social support network is a protective factor for the health of the mother and baby. Therefore, this study aimed to understand the implications of the significant social network in the postpartum period of women living in a city in the North of Santa Catarina. For that, the qualitative research was carried out with three women, over 18 years old, who were in the puerperium. As instruments for data collection, a semi-structured interview and the construction of the network map according to the model proposed by Sluzki were used. For data analysis, content analysis was performed according to Ruiz-Olabuénaga. The data showed different experiences in relation to pregnancy, childbirth and the puerperium, however, although each participant had a unique experience of this period, some challenges and difficulties were shared. Regarding the significant social network, it was predominantly constituted by family members and friends and the main functions performed by the members were emotional support and material and service help. Faced with the challenges that mark the puerperium, the importance of expanding and strengthening the social support network as a strategy to promote the health of the mother, the baby and the entire family system is highlighted.

Keywords: pregnancy; puerperium; social support; psychology

Resumen:

El período de embarazo, parto y puerperio es un momento significativo en el ciclo vital del desarrollo humano. Especificamente, el puerperio es una fase de muchos desafios y adaptaciones de todo el sistema familiar, por lo que poder contar con una red de apoyo social es un factor de protección para la salud de la madre y el bebé. Por lo tanto, este estudio tuvo como objetivo comprender las implicaciones de la red social significativa en el período de puerperio de mujeres que viven en una ciudad en el norte de Santa Catarina. Para esto, se realizó una investigación cualitativa con tres mujeres, mayores de 18 años, que se encontraban en el puerperio. Se utilizaron como instrumentos para la recolección de datos la entrevista semiestructurada y la construcción del mapa de red según el modelo propuesto por Sluzki. Para el análisis de los datos se realizo el análisis de contenido según Ruiz-Olabuénaga. Los datos mostraron diferentes experiências en relación con el embarazo, el parto y el puerperio, sin embargo, aunque cada participante tuvo una experiencia única de este período, se compartieron algunos desafios y dificultades. En cuanto a la red social significativa, estaba constituída principalmente por familiares y amigos, las principales funciones realizadas por los miembros fueron el apoyo emocional, la ayuda material y de servicios. Ante los desafios que marcan el puerperio, se destaca la importancia de ampliar y fortalecer la red de apoyo social como estrategia para promover la salud de la madre, el bebé y de todo el sistema familiar.

Palabras clave: embarazo; puerperio; apoyo social; psicología

Introdução

Por muito tempo a gravidez foi um tema restrito às mulheres, desde o momento do parto estava presente apenas a mãe, a parteira e a mãe da parturiente. Com o passar do tempo e o avanço da ciência, o pai da criança se tornou mais presente no momento do parto e as parteiras foram substituídas pelos médicos e seus instrumentos técnicos (Maldonado, 2017). As mudanças que envolvem o contexto da gravidez são reflexo das transformações sociais que marcam também o período pós nascimento. O tornar-se mãe é um momento de mudanças para a mulher, tanto no âmbito físico, quanto psicológico e social. É um período de novas responsabilidades e de reorganização do sistema familiar (Cerveny & Berthoud, 2010; Mota, 2011). Com todas as demandas e desafios que marcam o pós-parto e o período correspondente ao puerpério, período que dura aproximadamente três meses após o parto e que se constitui como uma fase de maior vulnerabilidade na esfera da saúde mental (Maldonado, 2017), há a possibilidade do surgimento de problemas emocionais, como a depressão pós-parto, psicose e baby blues (Schwengber et al., 2003). Frente as diferentes demandas, responsabilidades e desafios do pós-parto, contar com uma rede de apoio é fundamental e fator protetivo para a saúde mental da mulher e de toda família. No pós-parto a rede de apoio se torna ainda mais importante, pois a mãe está passando por um momento de adaptação com o bebê e com ela mesma. É uma fase que a mãe precisará de ajuda com o cuidado do bebê e com outras demandas típicas desta fase do ciclo de vida (Rapoport & Piccinini, 2006). A rede de apoio constitui-se como fonte de apoio social, no presente estudo foi o utilizado o conceito de rede social significativa proposto por Sluzki (1997) que representa o conjunto de todas as relações mais significativas e importantes que um sujeito possui. Contempla relações familiares, de amizades, trabalho ou estudo e relações comunitárias. Estas relações podem desempenhar diferentes funções, sendo elas a companhia social, o apoio emocional, guia cognitivo e conselhos, regulação social, ajuda material e de serviços e acesso a novos contatos. Considerando que o puerpério é um período de muitas adaptações e desafios e que a rede social de apoio representa um fator protetivo para a mãe e o bebê, o presente trabalho pretendeu responder a seguinte pergunta: Quais as implicações da rede social significativa no período do puerperio de mulheres residentes em uma cidade do Norte de Santa Catarina?

Método

A presente pesquisa foi de natureza qualitativa, neste tipo de pesquisa busca-se relacionar o contexto e os significados obtidos a partir das respostas dos participantes (Flick, 2012). A pesquisa teve um delineamento descritivo e foi de corte transversal. Participaram deste estudo três participantes, que foram selecionadas de forma intencional e não probabilística, este tipo de seleção o pesquisador escolhe os participantes a partir de critérios estratégicos, como disponibilidade e interesse para participar (Gil, 2008Gil; Ruiz-Olabuénaga, 2012). Os critérios de inclusão para a participação deste estudo foram: mulheres com bebê até 100 dias de vida, pois segundo Maldonado (2017), o período do puerpério dura aproximadamente três meses após o parto. O campo de pesquisa foi uma Clínica Escola Interdisciplinar de Saúde de uma Instituição de Ensino Superior Privada do Norte de Santa Catarina. Para a coleta de dados, os instrumentos utilizados foram uma entrevista semiestruturada, que abrangeu questões relacionadas aos dados sociodemográficos e aspectos psicossociais do puerpério, e a construção do mapa de rede conforme modelo desenvolvido por Sluzki (1997). O mapa de rede enquanto instrumento de pesquisa permite caracterizar a rede social e os vínculos que a compõe (Moré & Crepaldi, 2012). O mapa de rede contém três círculos concêntricos, o interno se refere às relações mais próximas do sujeito, o intermediário às relações com menor intimidade, e o externo às relações mais distantes. O mapa divide-se em quatro quadrantes: família, amizades, relações de trabalho ou escolares e relações comunitárias (Sluzki, 1997). Os mapas de rede foram elaborados individualmente pelas participantes com a mediação das pesquisadoras. As entrevistas ocorreram individualmente, em uma sala confortável que garantiu o sigilo e a privacidade das participantes. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas na íntegra. Para a análise de dados, utilizou-se a metodologia de análise de conteúdo proposta por Ruiz-Olabuénaga (2012), esta metodologia compreende o texto a partir dos sentidos e significados que representam um tempo e contexto, não havendo atribuição de categorias a priori. Para a análise dos mapas de rede, foi utilizada a metodologia proposta por Sluzki (1997), a partir da qual é possível caracterizar a rede, sua estrutura e as funções dos vínculos que compõem as redes sociais significativas. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos tendo sua realização aprovada sob parecer número 5.589.824. A presente pesquisa seguiu todos os preceitos do Código de Ética de pesquisa com seres humanos, conforme a resolução 466/2012 (Brasil, 2012).

Apresentação dos resultados

A apresentação dos resultados deste estudo foi sistematizada em duas seções. A primeira delas apresenta a caracterização sociodemográfica das participantes da pesquisa, a segunda seção refere-se à análise geral dos dados, nela serão apresentadas as categorias, subcategorias e elementos de análise que resultaram do processo de análise de conteúdo das três entrevistas. Em relação à caracterização sociode-mográfica das participantes, na Tabela 1 é possível identificar as principais características:

Tabela 1 Caracterização sociodemográfica das participantes. 

P Idade Escolaridade Religião Estado Civil Filhos Com quem mora Faixa Salarial
01 21 Ens. Médio Comp. Católica Solteira 1 Mãe, filha e namorado R$ 3 a 5 mil
02 31 Pós-Graduada Católica Noiva 1 Noivo e filha R$ 3 a 5 mil
03 26 Sup. Incompleto Católica Casada 1 Marido e filho R$ 3 a 5 mil

Fonte: Desenvolvida pelas autoras.

Na Tabela 1 constam os principais dados socio-demográficos das participantes, as três residem na mesma cidade, têm um filho, todas encontravam-se empregadas no momento de realização da pesquisa, trabalhando entre 40 a 44 horas semanais e a faixa salarial familiar variou de R$3.000,00 a R$5.000,00. No que se refere à análise geral dos dados, da análise de conteúdo das três entrevistas emergiram quatro categorias que contemplam os aspectos relacionados à gestação e ao parto, a transição para a parentalidade, a vivência do puerpério e sobre a vida pós nascimento do bebê. Cada categoria é composta por suas respectivas subcategorias e elementos de análise, conforme pode ser verificado no Quadro 1.

Quadro 1 Análise Geral de Dados. 

Categoria Subcategoria Elementos de análise Participantes
Aspectos relacionados à gestação e ao parto (1) Sobre a gestação (1.1)

Gravidez não planejada

No período da gestação conversou com o marido sobre as mudanças no pós-parto

Durante a gestação preparou-se para aceitar ajuda no pós-parto

P1

P2

P2

Expectativas e experiências relativas ao parto (1.2)

Não conseguiu a via de parto que desejava

Medo da cesárea

Dificuldades do parto

P2

P2, P3

P3

Transição para a parentalidade (2) Mudanças percebidas (2.1)

A vida mudou muito após o nascimento do bebê

Realidade vivida não corresponde integralmente às expectativas que tinha

Permitiu ser cuidada

P1, P3

P1, P2, P3

P2

Cuidados com o bebê (2.2)

O bebê é tranquilo e é fácil cuidá-lo

Dedicação integral ao bebê

É difícil e desafiador cuidar do bebê

P1, P2, P3

P1, P2, P3

P3

A vivência do puerpério (3) Desafios do puerpério (3.1)

Privação do sono

Deixar o autocuidado de lado

Sobrecarga

P1, P3

P3

P2, P3

Relações sociais e apoio recebido (3.2)

Recebeu apoio da mãe e do companheiro

Recebeu apoio de toda família

Relação com os amigos

P3

P1, P2

P1, P3

Aspectos emocionais (3.3)

Não percebeu nenhuma mudança significativa em relação ao seu estado emocional

Tinha medo da depressão pós-parto

Sentimento de tristeza, incapacidade e não reconhecimento de si

P1, P2

P1, P2, P3

P3

Rede social significativa (3.4)

Composição

Funções

P1, P2, P3

P1, P2, P3

Vida pós nascimento do bebê (4) Vida laboral (4.1)

Expectativas quanto ao retorno ao trabalho

A experiência do retorno ao trabalho

P2

P3

Principais desafios (4.2)

Retomar a vida conjugal

Voltar a ser quem era

Não ter ajuda

P2

P3

P3

Aspectos positivos (4.3)

Realização com o nascimento do bebê

Superação das dificuldades

P1, P2

P3

Fonte: Desenvolvido pelas autoras.

Os dados referentes à cada categoria apresentada no Quadro 1 serão analisados e discutidos detalhadamente no tópico a seguir.

Análise e discussão dos Resultados

A partir da análise de conteúdo das entrevistas realizadas emergiram quatro categorias principais. A primeira delas (1) refere-se aos aspectos relacionados à gestação e ao parto, desta primeira categoria resultaram duas subcategorias sendo elas: sobre a gestação (1.1) e sobre as expectativas e experiências relativas ao parto (1.2). A primeira subcategoria é sobre à gestação (1.1) e contempla três elementos de análise: gravidez não planejada; no período da gestação conversou com o marido sobre as mudanças no pós-parto e durante a gestação preparou-se para aceitar ajuda no pós-parto. No caso da participante 1, a gravidez não foi planejada, seu relato demonstrou que a descoberta da gravidez lhe trouxe preocupação:

“Eu fiquei super preocupada quando descobri que estava grávida, porque não era planejado, não queria no momento.” (P1)

Por gravidez não planejada entende-se toda gestação que não foi esperada ou programada pela mulher ou pelo casal. Essa gravidez pode se dar pelo não uso ou por um problema com o uso de contraceptivo. Em um estudo realizado no município de Montes Carlos, que tinha como objetivo identificar a prevalência de gestação não planejada, foram entrevistadas 394 mulheres e teve como resultado que 58,9%, ou seja, 232 entrevistadas não haviam planejado a gravidez (Evangelista et al., 2015). O número de gravidez não planejada vem crescendo no decorrer dos anos, pelo menos 80 milhões de mulheres a cada ano em todo o mundo vivem a experiência de ter uma gravidez não planejada. Em uma pesquisa que teve como objetivo identificar fatores associados à ocorrência de gravidez não planejada no estado do Rio Grande do Sul, onde foram entrevistadas 2.557 puérperas, 65% dessas mulheres não planejaram a gravidez (Prietsch et al., 2011). Já para a participante 2, outros dois aspectos foram importantes durante o período da gestação, um deles refere-se ao fato que “no período da gestação conversou com o marido sobre as mudanças no pós-parto e durante a gestação preparou-se para aceitar ajuda no pós-parto”. Seus relatos evidenciam tal realidade:

“Então eu conversei muito com ele (marido), sabe, pra ele me respeitar muito. [...]Também acho que ajudou bastante. Teve um episódio de stress e eu olhei para ele e falei: o que a gente conversou?” (P2)

“Eu fui trabalhando muito na minha cabeça enquanto eu estava grávida que nesse momento eu precisava deixar as pessoas me ajudar.” (P2). A narrativa da participante 2 expressa que no período da gestação houve uma preparação em relação ao que viria após o nascimento do bebê. Do ponto de vista psicológico, o período da gestação permite que a mulher se prepare para ser mãe, por meio do ensaio cognitivo de papéis e tarefas maternas. Inicia-se o processo de conexão e estabelecimento de vínculo entre mãe e o bebê e o processo de reestruturação de relações, com a presença do filho agora ligada à identidade da mãe. A gravidez é uma fase de transição e mudanças, essas mudanças ocorrem nos níveis hormonais, físico, emocional, familiar e social, sendo necessárias para a adaptação ao novo ciclo de vida (Mota, 2011). Frente às mudanças que as mulheres vivenciam no período da gravidez, contar com uma rede de apoio é algo de extrema importância visto que, diante dos problemas ou necessidade, as pessoas que compõem a rede de apoio podem oferecer diferentes formas de ajuda (Nóbrega et al., 2019). De fato, a rede social constitui-se pela presença de vínculos aos quais a pessoa atribui significado e a quem pode recorrer diante da necessidade de uma assistência e ajuda (Ornelas, 2008). A segunda subcategoria (1.2) abrange três elementos de análise: “não conseguiu a via de parto que desejava, medo da cesárea e dificuldades do parto”. A participante 2 afirmou que não conseguiu a via de parto que desejava:

“Eu me preparei a gravidez inteira para pelo parto normal. Quando chegou na hora eu não consegui ter o parto normal.” (P2)

Frequentemente as mulheres optam pelo parto normal por considerarem que a recuperação é mais rápida e pelo medo de todo o procedimento cirúrgico que envolve a cesárea (Santana et al., 2015). De todo modo, é fundamental que a mulher tenha todas as informações acerca das opções de vias de parto e suas implicações, para que assim possa fazer uma escolha autônoma e segura (Nascimento et al., 2015). Já em relação ao medo da cesárea e dificuldades do parto, tanto a participante 2 quanto a participante 3, expressaram sentirem medo da cesariana. A participante 3 relatou como se sentiu:

“Desde quando começou o parto, eu tive muito medo, muito medo mesmo.” (P3)

Diferente do que foi identificado neste estudo em que as participantes mencionaram o medo da cesárea, outros estudos demonstram que o medo mais recorrente acerca do parto se refere à dor associada ao parto normal (Borges et al., 2018; Mello et al., 2021). O medo da dor foi o principal fator identificado entre as participantes do estudo de Borges et al. (2018) sobre as expectativas de acadêmicas de Psicologia que nunca passaram pela experiência de parto. Já a pesquisa realizada por Mello et al. (2021), com gestantes na cidade de Santos, verificou que 80% das participantes apresentavam algum nível de medo do parto. O medo do parto é algo comum entre as mulheres grávidas, engloba o medo da dor, o fato de não ter alguém e não poder tomar decisões na hora do parto (Mello et al., 2021). A segunda categoria (2) refere-se à transição para a parentalidade e dela resultaram duas subcategorias: sobre as mudanças percebidas (2.1) e cuidados com o bebê (2.2). A primeira subcategoria é sobre as mudanças percebidas (2.1) e contempla três elementos de análise: a vida mudou muitos após no nascimento do bebê, realidade vivida não corresponde integralmente às expectativas que tinha e permitiu ser cuidada. As participantes 1 e 3 afirmaram que a vida mudou muito após o nascimento do bebê:

“Bem diferente do que era antes.” (P1) “Tudo muda.” (P3)

As três participantes afirmaram ainda que a realidade vivida não corresponde integralmente às expectativas que tinham:

“Eu mesmo que já tinha me preparado quando eu estava grávida, que todo mundo falava que seria difícil. É bem diferente na prática.” (P1).

Convergindo com os dados aqui identificados, em um estudo feito por Cunha (2020) com 15 mulheres maiores de 18 anos que vivenciaram o estresse durante a gravidez, demonstrou que as expectativas que as participantes tinham da maternidade eram idealizadas, entretanto, após o parto, com as demandas diárias de cuidado com o bebê, a realidade mostrou-se diferente das expectativas que tinham. Já a participante 2 afirmou que uma das mudanças que ocorreram após o nascimento do bebê foi que permitiu ser cuidada:

“Então eu acabei tendo que me permitir que as pessoas cuidassem de mim. Então isso foi uma coisa boa também porque eu sempre fui muito forte, sempre fiz muitas coisas pelos outros e nesse momento eu tive que deixá-los cuidarem do neném, deixá-los cuidarem de mim, então isso foi um lado que também foi bom, porque daí eu me permiti ser cuidada também, né?” (P2). Em consonância com o relato da participante 2, um estudo feito por Silva et al. (2021), com o objetivo de sistematizar as evidências disponíveis na literatura sobre a experiência do puerpério para as famílias, evidenciou a importância do apoio da família para as puérperas, que essa participação familiar está associada a melhorias na autoestima da mulher e facilita a adaptação na nova realidade. Outro estudo, realizado por Martins et al. (2008), cujo objetivo foi identificar a participação dos membros da família nos cuidados com a puérpera e com o recém-nascido após a alta hospitalar, mostrou a mudança na dinâmica familiar, o nascimento provocou a mobilização dos familiares para apoiar a puérpera nos afazeres domésticos e nos cuidados com o bebê. O nascimento também proporcionou a aproximação ou reaproximação dos familiares. A segunda subcategoria refere-se aos cuidados com o bebê (2.2), e contempla três elementos de análise:

O bebê é tranquilo e é fácil cuidá-lo, dedicação integral ao bebê e é difícil e desafiador cuidar do bebê. As três participantes enfatizaram que o bebê é tranquilo e é fácil cuidá-lo:

“A minha bebê é bem tranquilinha, não dá muito problema.” (P1)

Diferente do indicado pelas participantes deste estudo em relação ao bebê ser tranquilo e fácil de cuidar, no estudo realizado por Strapasson (2010), com o objetivo de conhecer os significados da maternidade frente às necessidades das puérperas no alojamento de um hospital em Porto Alegre, as mães participantes do estudo referiram diferentes dificuldade nos cuidados com o bebê, como o banho, cuidado com o coto umbilical, amamentação, identificação do choro, entre outros. Por outro lado, as participantes do presente estudo também assinalaram a necessidade da dedicação integral ao bebê:

“Tem sido dedicação total e integral a ela.” (P2) “Tudo praticamente que eu faço é para ela. As 24hr do meu dia giram em torno dela.” (P1)

A participante 3 acrescentou que é difícil e desafiador cuidar do bebê:

“As primeiras semanas são muito difíceis, muito difícil mesmo, muito cansativo.” (P3)

A sobrevivência e saúde do bebê nos primeiros meses de vida depende do cuidado e atenção integral de alguém, frequentemente é a mãe a principal responsável pelos cuidados com o bebê. Quando a mãe se sente segura para cumprir a sua função materna, ela consegue prover de cuidados com o filho com mais facilidade, mas nem sempre essa tarefa á fácil, pois essas mães em muitos momentos podem se perceber sem saber o que fazer, errando, tendo dúvidas quanto aos cuidados e sentindo medo (Arantes, 2018). A terceira categoria refere-se à vivência do puerpério (3), e dela resultaram quatro subcategorias: desafios do puerpério (3.1), aspectos emocionais (3.2), relações sociais e apoio recebido (3.3) e rede social significativa (3.4). A primeira subcategoria é sobre os desafios do puerpério (3.1) e contempla três elementos de análise: privação de sono, deixar o autocuidado de lado e a sobrecarga. Para as participantes 1 e 3 a privação de sono foi uma realidade frequente, o relato da participante 1 exemplifica tal situação:

“Mais difícil? Eu acho que foi a privação do sono, ter que acordar de 3 e 3 horas, principalmente no primeiro mês para amamentar, é complicado no começo.” (P1)

Em relação à privação do sono, os resultados de um estudo realizado em Porto Alegre com 39 mães com idade entre 20 e 37 anos, com o objetivo de investigar situações estressantes envolvendo maternidade no primeiro ano de vida do bebê e o apoio social recebido, demonstraram que o cansaço materno estava associado a falta de sono e falta de ajuda paterna, o cansaço materno apareceu particularmente associado a insónias no bebê o que fazia com que a mãe precisasse manter-se acordada (Rapoport et al., 2011). No presente estudo as participantes enfatizaram ainda que tiveram que deixar o autocuidado de lado e que a sobrecarga era uma realidade. Tal fato é expresso pela participante 3:

“Não faz uma unha como fazia, não arruma o cabelo como arrumava e o banho, meu Deus do céu, é um olho no neném e o outro tomando banho. Essa parte de não ter um tempo para você [...] A parte mais difícil é a parte que tenho que trabalhar, cuidar dele, da casa, do marido, de comida, de tudo, de roupa. É uma sobrecarga bem pesada.” (P3)

Em relação à sobrecarga, os dados do presente estudo corroboram com os resultados da pesquisa realizada por Frizzo et al. (2019) realizada com famílias de bebês de quatro a cinco meses em que a mãe apresentava indicadores de depressão pós-parto, cujo objetivo foi de compreender a conjugalidade das famílias em que a esposa apresentava depressão pós parto, foram analisadas as distribuições de tarefas e responsabilidades envolvendo o bebê e a satisfação dessa divisão, no que tange a rotina de cuidados, atividades domésticas e aspectos financeiros. Os resultados revelaram que a rotina de cuidados e atividades domésticas estava predominantemente sob a responsabilidade materna na maioria das famílias, o que acarretava a sobrecarga da mulher. A segunda subcategoria refere-se aos aspectos emocionais (3.2) e contempla três elementos de análise: não percebeu nenhuma mudança significativa em relação ao seu estado emocional, tinha medo da depressão pós-parto e sentimento de tristeza, incapacidade e não reconhecimento de si. A participante 1 ressaltou que não percebeu nenhuma mudança significativa em relação ao seu estado emocional:

“Tive uma mudança, mas não foi assim tão drástica.” (P1)

Embora as participantes 1 e 2 não tenham identificado mudanças emocionais significativas, Maldonado (2017) destaca que no período do puerpério a mãe pode sentir-se confusa, sensível, ansiosa, desesperada e uma depressão reativa é muito comum. A autora salienta ainda que o puerpério é um momento em que a mulher está mais vulnerável emocionalmente.

Para as três participantes a depressão pós-parto era uma preocupação, a participante 3 declarou que tinha medo da depressão pós-parto em função do histórico de depressão na família:

“Tem alguns casos de depressão, não tem nenhum caso de depressão pós-parto na família, mas tem casos de depressão na família, então eu tinha um pouco de medo, sabe?” (P2). Já a participante 3 afirmou que o sentimento de tristeza, incapacidade e não reconhecimento de si foi uma realidade após o parto:

“Eu sentia uma tristeza profunda, como se eu não me reconhecesse mais.” (P3)

Em relação a esses sentimentos relatados pela participante 3, Laconelli (2005), expõe sobre a vivência do baby blues, que acomete 80% das mulheres, e refere-se a um estado de humor depressivo que costuma a aparecer a partir da primeira semana depois do parto. No baby blues há sintomas como irritabilidade, mudanças bruscas no humor, tristeza, insegurança, baixa autoestima, sensação de incapacidade de cuidar do bebê. A terceira subcategoria refere-se a relações sociais e apoio recebido (3.3), e contempla três elementos de análise: recebeu apoio da mãe e do companheiro, recebeu apoio de toda a família e relação com os amigos. Nos casos das participantes 1 e 3, ambas receberam o apoio da mãe e do companheiro:

“O meu marido e a minha mãe foram o que eu tive no meu pós-parto.” (P3)

As participantes do presente estudo afirmaram que as principais pessoas nas suas redes de apoio são a mãe e o companheiro, dado que já foi identificado em outro estudo realizado com 16 mães, em idades entre 27 a 36 anos, com o objetivo de comparar o tempo de cuidado com o bebê, a divisão de tarefas domésticas e a rede de apoio social de mães que não trabalham e mães que trabalham fora de casa, foi verificado que nos dois grupos os cuidados com o bebê se focalizavam no pai e na mãe, porém, notou-se também que havia outras pessoas ajudando nesse suporte, a avó foi citada por ambos os grupos como sendo a pessoa com quem se pode contar e auxiliar nos cuidados com o bebê (Cunha et al., 2021). Já as participantes 1 e 2 expuseram que receberam apoio de toda a família:

“Da minha família inteira, eles vêm lá em casa, principalmente final de semana, então quase a família inteira, tanto da parte dele, a mãe dele, quanto a minha, o pai dele também.” (P1)

O fato de poder contar com o apoio de toda a família também foi um fato identificado no estudo de Cunha et al. (2021) em que as participantes afirmaram terem ajuda de outros membros da família, como o pai, avós, tios do bebê e também as empregadas (Cunha et al., 2021). Para além da família, as participantes do presente estudo elucidaram a relação com os amigos, e evidenciaram situações distintas:

Para a participante 1, os amigos se mantiveram próximos:

“Não, porque todo mundo que já eram próximos continuaram próximos. Não teve tanto distanciamento nessa parte.” (P1)

Já para a participante 3 houve um distanciamento dos amigos após o nascimento do bebê:

“Aqueles amigos que quando você estava grávida falava: ‘Ah qualquer coisa que você precisar, me chama que eu venho te ajudar.’ Não aparece ninguém [...] Eu sei que antes do neném nascer, eu tinha sei lá, digamos assim uns 20 amigos. Hoje em dia se eu tenho 5 é muito.” (P3)

Sobre as mudanças nas relações de amizade, a pesquisa realizada por Maranhão et al. (2014) com 464 jovens de Teresina no Piauí, cujo objetivo foi analisar os fatores que influenciam as relações familiares e sociais de jovens após a gestação, verificou-se que houve alterações nos relacionamentos sociais dois anos após a gestação, cerca de 37,1% das participantes referiram a mudanças predominantemente negativas nas relações de amizade. Outro estudo, realizado por Alves (2018), com 777 mulheres grávidas ou que tinham bebês com até 6 meses de idade, com o principal objetivo de avaliar temas relacionados com a solidão na primeira gravidez, identificou que 51% das participantes sentiam-se só e sem apoio, 65,6% concordaram com a afirmação “não saio com meus amigos tantas vezes quantas eu gostaria”.

As mudanças nas relações sociais identificadas no período que envolve a transição para a parentalidade é uma das características que marcam as famílias em fase de aquisição (Cerveny & Berthoud, 2010), fase vivenciada pelas três participantes deste estudo e que representa o momento do ciclo vital que compreende a formação do novo casal até a fase da família com filhos pequenos. Marcadamente o nascimento do primeiro filho produz mudanças profundas em todo o sistema familiar e traz repercussões também para as demais relações significativas (Cerveny & Berthoud, 2010). A quarta subcategoria refere-se especificamente à rede social significativa (3.4) que resultou da construção dos mapas de rede e contempla dois elementos de análise: composição e função.

Em relação à composição das redes sociais significativas, o predomínio das relações foi no contexto familiar, conforme pode ser observado da Tabela 2.

Tabela 2 Composição das redes sociais significativas. 

P Família Amizade Relações Comunitárias Trabalho e Estudo Total
01 11 - 1 - 12
02 5 5 - 1 11
03 3 2 3 - 8

Fonte: Desenvolvida pelas autoras.

Todas as participantes começaram a construção do mapa por um familiar, que geralmente era a mãe ou o companheiro. As redes sociais significativas das participantes mostraram-se compostas essencialmente por relações do contexto familiar e de amizades, com poucas ou mesmo ausência de relações comunitárias e do contexto de trabalho e estudo. Em relação ao tamanho da rede, variou entre oito e doze membros, o que para Sluzki (1997) seria um tamanho ideal para que a rede seja efetiva. Em relação ao predomínio da família no mapa de rede das participantes, converge com o verificado no estudo de Cunha (2021) em que a família, especialmente companheiro e mãe, aparecem como as principais figuras de apoio que a mãe pode contar. Já em relação às amizades, o relato da participante 2 demonstrou a importância do apoio oferecido pelas amigas:

“São minhas amigas assim, as amigas que posso contar mesmo sabe, que se eu ligar pra elas e falar assim oh: ‘amiga preciso que você venha me ajudar’, elas vão vir. E seria essas duas assim que são rede de apoio mesmo, pra ajudar na prática.” (P2)

Sobre as relações comunitárias, especificamente sistemas de saúde e agências sociais, a participante 3 assinalou o apoio recebido por um enfermeiro na Unidade Básica de Saúde em que era acompanhada:

“A primeira pessoa que eu passei no meu pós-par-to foi um enfermeiro do postinho, ali eu tirei várias dúvidas, coisas que no hospital eles não me explicaram e ele me falou.” (P3).

O atendimento das equipes de saúde se mostra de grande importância para a mulher no puerpério, fato confirmado no estudo de Riberio et al. (2019), que teve como objetivo conhecer as necessidades sentidas pelas mulheres no período puerperal, e que verificou que o atendimento oferecido pela equipe de saúde foi um dos principais aspectos que contribuíram para as mulheres sentirem-se atendidas em suas demandas (Riberio et al., 2019). Em relação às funções dos vínculos da rede social significativa desempenhada pelos membros que a compõe, Sluzki (1997) propôs a existência de seis principais funções: companhia social, apoio emocional, guia cognitivo e conselhos, regulação social, ajuda material e de serviços e acesso a novos contatos. A companhia social refere-se ao estar junto, já o apoio emocional implica uma atitude emocional positiva e empática. A função guia cognitivo e conselhos se relaciona ao compartilhamento de informações e modelos de papéis. A regulação social contribui na resolução de conflitos e reafirma responsabilidades, enquanto a ajuda material e de serviços corresponde à ajuda profissional e prática. Por último, o acesso a novos contatos possibilita a ampliação das relações e conexões com pessoas de outras redes (Sluzki, 1997). Para apresentar de forma mais detalhada as funções desempenhadas pelos membros da rede de cada participante deste estudo, os dados foram sistematizados na Tabela 3 a partir da qual é possível identificar as funções predominantes exercidas por cada membro.

Tabela 3 Descrição das funções predominantes. 

P Total de membros da rede Companhia Social Apoio emocional Guia cognitivo e conselhos Regulação social Ajuda material e de serviços Acesso a novos contatos
01 12 - 9 0 - 3 -
02 11 3 3 1 - 4 -
03 8 2 3 0 - 3 -
Total 5 15 1 - 10 -

Fonte: Desenvolvida pelas autoras.

O apoio emocional foi a função mais desempenhada pelos membros das redes, o que pode ser justificado pelo fato de que, no período do puerpério, o que se mostra de fundamental importância já que neste período a mulher está em maior vulnerabilidade para o adoecimento psíquico (Maldonado, 2017). A segunda função mais frequente foi de ajuda material e de serviços, o que pode ser justificado pelo fato que, no período do puerpério, a ajuda prática, como com os cuidados com o bebê, é essencial. No pós-parto a rede de apoio se torna ainda mais importante, pois a mãe está passando por um momento de adaptação com o bebê e com ela mesma. É uma fase que a mãe precisará de ajuda com o cuidado do bebê e com outras demandas típicas desta fase do ciclo de vida (Rapoport & Piccinini, 2006). As funções de regulação social e acesso a novos contatos, não foi mencionada por nenhuma das participantes como funções desempenhadas por algum membro. Sintetizando as informações das redes sociais significativas, a Figura 1 demonstra a caracterização das redes das três participantes no que se refere à composição e funções:

Figura 1 Mapa de Rede Geral. 

Em relação ao apoio social no período da gestação e no puerpério, Rapoport e Piccinini (2006) destacam que além da rede de apoio ser benéfica para a mãe durante a gravidez, é de suma importância no pós-parto, período em que a mulher está passando por várias mudanças e vive a fase de adaptação com o bebê. Quando o bebê nasce, a mulher deixa de ser o centro da sua própria vida e coloca o bebê nesta posição. Os pais precisam moldar sua rotina e sua vida de acordo com as necessidades do bebê. Após o nascimento do bebê, é essencial que a mulher tenha uma rede de apoio, já que este é um momento de grandes mudanças, especialmente para a mãe. Há situações estressantes e dentre os principais está o cansaço da mãe em função da rotina e dos cuidados necessários com o bebê. Nesse contexto, a rede de apoio social é de muita importância durante todo o período da gravidez, no pós-parto, puerpério e, quando for o caso, no retorno da mulher ao trabalho, momento em que requer um maior envolvimento de outras pessoas ou mesmo instituições no cuidado do bebê (Rapoport & Piccinini, 2006). A quarta categoria refere-se à vida após o nascimento do bebê (4), e dela resultam três subcategorias: vida laboral (4.1), principais desafios (4.2) e aspectos positivos (4.3). A primeira subcategoria é sobre a vida laboral (4.1) e contempla dois elementos de análise: a expectativa quanto ao retorno ao trabalho e a experiência ao retorno ao trabalho, o relato da participante 2 expressa a expectativa quanto ao retorno ao trabalho:

“Uma coisa que eu tenho fixo na minha cabeça é que em julho eu volto a trabalhar e em julho eu vou pensar nisso.” (P2)

Diferente do que foi relatado pela participante 2 que não estava pensando ainda sobre o retorno ao trabalho, na pesquisa realizada por Reis (2012) que tinha o objetivo de conhecer a rede de apoio à mulher no puerpério tardio, foi identificado que para algumas mulheres há preocupação e dúvidas quanto ao retorno ao trabalho e até mesmo se sentem culpadas por ter que ir trabalhar e deixar o bebê. Neste estudo, a participante 3, ao ser questionada sobre o retorno ao trabalho, contou que levava seu bebê junto ao local onde trabalhava:

“Só que como a facção é na casa da minha mãe, eu levo ele junto comigo e a gente vai se revezando para cuidar dele.” (P3)

Para a participante poder levar seu bebê para o local de trabalho e ter com quem revezar os cuidá-lo, faz com que sua preocupação diminua. Por outro lado, na pesquisa realizada por Garcia e Viecili (2018), que tinha como objetivo estudar as implicações do retorno ao trabalho após licença-maternidade na rotina e no trabalho da mulher, as participantes relatam que ao voltar ao trabalho após o nascimento do bebê houve um aumento das preocupações (Garcia & Viecili, 2018).

A segunda subcategoria (4.2) é sobre os principais desafios e contempla três elementos de análise: retomar a vida conjugal, voltar a ser quem era e não ter ajuda. Para a participante 2 a retomada de sua vida conjugal era um desafio:

“A minha vida conjugal que ainda não voltou 100% ao normal e que agora vai precisar começar a engrenar, mas ainda não sei, não começou.” (P2)

Sobre a parentalidade e a vida conjugal, em uma pesquisa bibliográfica sobre o impacto do puerpério na vida sexual do casal, verificou-se que há diferentes fatores que influenciam na retomada da vida conjugal no pós-parto, como a privação de sono e a amamentação e a via de parto (Pessoa et al., 2020). Já para a participante 3, o seu maior desafio é voltar a ser quem era e não ter ajuda.

“Meu maior desafio é voltar a ser totalmente como eu era. [...] A parte mais difícil é não ter muito apoio.” (P3)

Para a participante 3 é um desafio voltar a ser quem era, de fato, como demonstrado por Mota (2011), o tornar-se mãe é um momento de grandes mudanças para a mulher, tanto no âmbito físico, quanto psicológico e social. Cantilino et al. (2010) acrescentam que é um momento de novas responsabilidades e de reestruturação da rede familiar. Com a gestação e o nascimento do bebê torna-se necessário uma reorganização social e uma adaptação para o novo papel da mulher, que é tornar-se mãe. A mulher tem um aumento de suas responsabilidades, frequentemente é a principal responsável pelo seu bebê que é totalmente depende dela, sofre a privação de sono e muitas vezes experimenta o isolamento social. Além se todas as mudanças e reestruturações necessárias na sua vida pessoal e familiar, ela ainda tem de lidar com diferentes pressões e expectativas sociais.

Como aspectos positivos as participantes 1 e 2 relatam sobre a realização com o nascimento do bebê:

“Positivo é que foi a melhor coisa do mundo que me aconteceu.” (P1)

Os relatos das participantes sinalizam como se sentem realizadas com o nascimento do bebê, dado que converge com o estudo de Zanatta et al. (2017) em que as participantes avaliaram a gravidez e maternidade positivamente. Para Piccinini et al. (2006) o desejo de ser mãe frequentemente inicia muito antes de ter um filho. Por outro lado, Maldonado (2017) esclarece que é a percepção da gravidez que marca o início da relação da mãe e do bebê e as modificações na rede familiar. É nesse momento também que a mulher começa a experienciar-se de diversas formas, ter a ambivalência afetiva, querer e não querer o bebê, desejar ou não desejar. O plano da lógica emocional, e sentimentos contraditórios coexistem, a mulher querer ou não querer, tem intensidades variadas e mutáveis.

Considerações Finais

Essa pesquisa teve como objetivo geral compreender as implicações da rede social significativa no período do puerpério de mulheres residentes em uma cidade do Norte de Santa Catarina. Os resultados obtidos neste estudo proporcionaram uma maior compreensão acerca da rede social significativa das participantes e suas implicações na vivência do puerpério. Os dados demonstraram experiências distintas em relação à gestação, parto e puerpério, entretanto, embora cada participante tenha tido uma experiência singular desse período, alguns dos desafios e dificuldades eram compartilhados. Por outro lado, contar com uma rede de apoio composta por membros que desempenhem diferentes funções é um fator protetivo para a mãe, bebê e toda a família. Nesse sentido, faz-se necessário estratégias de ampliação e fortalecimento da rede de apoio de mulheres durante o puerpério, tanto no que se refere ao aumento da rede como no exercício das funções desempenhadas pelos membros. Embora este estudo tenha atingido seu objetivo, algumas limitações marcaram a sua realização, entre elas, a dificuldade no acesso às participantes que por vezes manifestavam o interesse em participar, mas depois desmarcavam a entrevista. Considerando que este é um momento de muitas demandas para a mãe e sua dificuldade em sair casa em função do bebê, sugere-se que um novo estudo seja realizado em que a coleta de coleta de dados seja feita remotamente. Também se sugere que novos estudos sejam realizados acessando mulheres com diferentes perfis sociodemográfico.

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Recebido: 13 de Outubro de 2022; Revisado: 16 de Novembro de 2022; Aceito: 17 de Novembro de 2022

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