A publicação dessa obra representa uma continuidade da temática tratada na obra anterior: Criatividade: nuances teóricas na perspectiva da Filosofia e da Psicologia (Sakamoto & Trindade, 2022) e, nesse sentido, evidencia a importância do aprofundamento da reflexão acerca da criatividade em suas diversas dimensões. Nesta sequência, o leitor se depara com o acréscimo da palavra “novas” referindo-se as “nuances teóricas” e, não por acaso, atende a necessidade de que novos conteúdos sejam incorporados, uma vez que oferecem perspectivas de discussões teóricas e experiências práticas que constroem o conhecimento diante dos desafios impostos pelos novos tempos. O elo comum que conduz o percurso do livro permanece focado na Filosofia e na Psicologia, bases que sustentam uma reunião de textos nos quais a criatividade vai assumindo formatos diferenciados, desde o alargamento conceitual de criatividade no que tange as relações com a verdade, felicidade e arte, até sua aplicação nas práticas educativas, tecnológicas e na saúde mental. A perspectiva filosófica é tratada na primeira parte; já o prisma psicológico ocupa a segunda parte do livro, sendo contemplados cinco capítulos em cada uma delas. De início, o leitor é convocado a um delicado debate filosófico que aponta a criatividade como elemento condutor da verdade plena, absoluta, única e imutável, diferentemente da chamada “verdade relativa”, tão defendida no mundo contemporâneo. Utilizando-se da Bioética enquanto exemplo prático, os autores, neste primeiro capítulo, apontam a criatividade para contemplar a verdade e alertam para o uso da mentira como fundamento para uma sociedade miserável e destrutiva. A edificação de uma sociedade próspera, pacífica e justa se assenta sobre a verdade construída a partir da criatividade. A criatividade é apresentada como ferramenta para a felicidade e, consequentemente para a autorrealização no segundo capítulo, no qual é traçado um percurso epistemológico, um estudo bibliográfico, de maneira a identificar criatividade enquanto elemento necessário na busca da felicidade e da autorrealização, ou seja, no sentido da vida. O texto situa a criatividade como parte de um impulso em direção à totalidade, considerando a tendência humana de expressar a singularidade. Sem a pretensão de findar o assunto, o texto abre portas e aguça as indagações humanas na procura pela tão almejada e fugidia felicidade e autorrealização. O contexto pós-moderno marcado pela tecnologia e rebeldia é atravessado pelos olhares de Paulo Freire e Edgar Morin, propondo o caráter sociopolítico. Esse terceiro capítulo localiza o sujeito no cenário das intensas mudanças sociais e globais, indicando a criatividade como forma de devolver à pessoa sua própria responsabilidade na busca pela viabilidade das soluções. O autor aborda uma “subjetividade anestesiada” mediante o enfrentamento das adversidades da vida e, assim, a criatividade emerge como fator propositivo e dinâmico, no qual o sujeito experimenta vocação característica do ser: “refletir, educar e sonhar”. No quarto capítulo que integra o livro, os autores apresentam a criatividade na arte de lidar com pessoas, destacando a complexidade do sistema de relações humanas. Nesse caso, a criatividade aparece como uma força vital geradora de sabedoria para compreensão e beleza para ação, envolvendo tanto a pessoa consigo mesmo e com grupos, como também relações funcionais e institucionais no enquadramento das organizações sociais. A arte do relacionamento estudada no texto agrega ainda a ética, a ordem moral, jurídica e administrativa, sugerindo a aplicação das ferramentas administrativas como condição para dar movimento e vida ao sistema de relacionamentos. Apontam a estrutura da administração como determinante para assegurar a qualidade no trato com e entre as pessoas, facilitando a convivência social e funcional criativa, respeitosa, ética e solidária, desencadeando confiabilidade e autoridade moral nos relacionamentos administrativos no mundo corporativo. As nuances filosóficas que findam a primeira parte da obra trazem o capítulo quinto, dedicado aos desdobramentos clínicos e políticos da individuação tecnológica que representa a questão da criação e da criatividade, como sendo de crucial importância na conjuntura atual. Três aspectos são especificamente discutidos e articulados no capítulo: os objetos digitais, corpos virtuais e potência dos afetos; provocando tensionamentos e problematizações relativas a criação de mundos, ao meio, ao pensamento, à prática e aos modos de existência. A segunda parte da obra se volta para as nuances teóricas da criatividade na perspectiva psicológica, de modo a complementar os dois caminhos previstos para essa produção. Assim, o capítulo seis inaugura essa segunda parte sublinhando, sob o viés psicanalítico de Winnicott, a Teoria da Criatividade cuja base se sustenta no desenvolvimento emocional primitivo. O percurso do texto inicia-se no momento pandêmico e pós-pandêmico e seus desdobramentos nunca vistos no planeta e que, por sua vez, exigiu adaptações, aprendizados e cuidados com a saúde mental. A consciência da condição de falíveis, vulneráveis e frágeis clama pela capacidade de resiliência e evidencia o desenvolvimento do potencial criativo. Nesse pano de fundo, é discutido o uso cotidiano da tecnologia digital e das redes sociais e enredamentos na saúde mental com implicações para a criatividade individual e coletiva. A autora reflete que, mesmo diante do caos vivido, ainda é possível acionarmos o potencial criativo e constatar que existe o outro, com quem habitamos o planeta e dividimos responsabilidades em um processo de construção contínua do senso de existir. Na sequência, os provérbios se constituem no alvo do capítulo sete, entendidos como normas criadas que influenciam o inconsciente de uma coletividade. Os significados e a funcionalidade dos provérbios, considerando suas mais variadas denominações, são perpassados pelo conceito de educar, do uso da linguagem e do valor da comunicação, conforme Rubem Alves. A origem, a história, a classificação e a influência dos adágios sobre o pensar e o sentir são apresentadas a partir da visão de diversos pesquisadores. A Psicologia Analítica oferece o contorno para a compreensão dos provérbios como sendo incorporados na infância pelos valores éticos e morais. Na prática psicológica, o plantão psicológico durante a pandemia de COVID-19 é tema do capítulo 8, no qual, a criatividade e a mudança de paradigma na escuta e no setting, aspectos que integram a experiência psicanalítica, são expostos. O capítulo se vale do relato de experiência clínica que busca oferecer espaços de escuta qualificada e emergencial visando atenuar o sofrimento psíquico. Dois casos clínicos são apresentados ilustrando o trabalho realizado. Mudanças são destacas no percurso dessas narrativas testemunhando a importância da ajuda profissional em momentos de sofrimento. Aspectos como a desigualdade social, o abandono dos vulneráveis e a desconstrução das políticas públicas são resultados indicados pelos autores como relevantes, ressaltando a importância da solidariedade e dos serviços voluntários das mais diversas instituições como garantia de condições de dignidade humana.
A dimensão criativa no desenvolvimento do pensamento winnicottiano é associada a asma infantil no capítulo nove. A asma, enquanto uma enfermidade de natureza psicossomática, interfere na capacidade de expressão afetiva, simbólica e criativa e é discutida por meio de revisão bibliográfica. Neste caso, as autoras argumentam não se tratar da ausência da criatividade, pois todos os seres humanos seriam dotados de criatividade, base do desenvolvimento emocional. Abordam, no caso da asma, a influência significativa da qualidade das relações afetivas arcaicas, especialmente com a mãe, que se constitui no ambiente a partir do qual se constituirá o desenvolvimento psíquico. O capítulo dez finaliza a obra e descreve a implantação de Assembleia de Processos Decisórios conduzida pela Teoria de Piaget. Um programa voltado aos docentes, por meio da oferta de espaços de reflexão criativa, atenta e dialógica buscando a resolução de conflitos em situações de bullying e ciberbullying, fazendo uso de dramatizações, histórias, redações, entre outros. Considerando-se o teor criativo, as assembleias podem ser executadas permitindo aos docentes atuarem a partir das mais diversas metodologias e práticas. A obra em si encerra um amplo espectro sobre a criatividade visando a confluência entre as nuances filosóficas e psicológicas, conforme proposto. É certa a pertinência dos textos na atualidade, além da realidade dos temas apresentados, o que torna a leitura necessária e oportuna, oferecendo ao leitor o enriquecimento da reflexão teórica e a prática, não apenas profissional, mas principalmente na evolução da conduta cidadã e humana.