Introdução
A violência contra a mulher é um problema complexo que vem sendo estudado amplamente sob diferentes perspectivas. Suas raízes são históricas e decorrentes de padrões ideológicos patriarcais que balizam relações de poder desiguais e concepções estereotipadas de gênero, nas quais atribui-se à mulher o papel de obediência ao marido e o cuidado da família e do lar; e ao homem, o papel de autoridade e poder (Ceccon & Meneghel, 2017). Em decorrência disso, a violência é tida como um instrumento de controle, ao qual o homem se recorre para manter a dominação sobre a mulher (Souza & Faria, 2017). A cultura machista, desencadeadora das desigualdades de gênero, gera consequências graves para a sociedade, e principalmente para a vida da mulher, que sofre danos à saúde física, mental e sexual, inclusive gestações indesejadas, abortos induzidos, problemas ginecológicos e doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV (Organização Pan-Americana de Saúde [OPAS], 2017; Ceccon, & Meneghel, 2017). Estimase que, em todo o mundo, uma em cada três mulheres sofrem violência física e/ou sexual durante a vida, sendo que 30% são infligidas por seus próprios parceiros (OPAS, 2017). No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 1,3 milhão de mulheres são agredidas a cada ano, o que significa um grande problema de política pública para a manutenção da segurança e dos direitos humanos (Cerqueira, Moura, & Pasinato, 2019). Alguns movimentos contribuíram para o enfrentamento desse problema, tais como os Movimentos Feministas, a criação das primeiras Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), os Juizados Especiais (Jecrims), e o que mais se destaca, a Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, considerada um grande avanço na luta pela proteção dos direitos humanos das mulheres (Souza, & Faria, 2017). A Lei 11.340/2006 foi criada para coibir, prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar, estabelecer medidas de assistência e proteção para que as mulheres sejam asseguradas de viver sem violência. Para os efeitos da lei, configura-se como violência doméstica e familiar, qualquer ação ou omissão que cause lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano patrimonial ou moral e morte no âmbito familiar, doméstico e em qualquer relação íntima de afeto (Brasil, 2006). A Lei Maria da Penha estabelece medidas de assistência, proteção, punição e reeducação dos agressores, além de encorajar e empoderar muitas mulheres a realizarem a denúncia. Apesar dos avanços obtidos com a lei, ainda há mulheres que se sentem inseguras para denunciar, por medo das consequências (Gomes et al. 2014), muitas delas não se sentem seguras, sentem medo da vingança do agressor, pois o Estado ainda não consegue dar garantias de total segurança, considerando o descumprimento das medidas protetivas por parte do agressor, o que leva muitas delas a não denunciarem (Meneghel, Mueller, Collaziol, & Quadros, 2013). Embora a Lei seja um mecanismo essencial para a concretização dos diretos das mulheres, ela ainda não atingiu seu devido vigor, pois, a vítima precisa se sentir protegida de fato para realizar a denúncia, bem como para mantê-la (Meneghel et al. 2013). Diante desse impasse, a situação demanda ações mais efetivas nos diferentes âmbitos da sociedade. Para Gadoni-Costa e Dell’Aglio (2009) a violência contra a mulher deve ser combatida no âmbito legal através da aplicação da Lei Maria da Penha e também no âmbito pessoal, através do empoderamento feminino e desenvolvimento de estratégias de coping. Segundo as referidas autoras, as mulheres vítimas de violência, utilizam-se de diversas alternativas para eliminar ameaças ou reduzir os danos causados pela violência. As estratégias de coping ou enfrentamento são escolhidas de acordo com cada pessoa e ambiente que estão inseridas e a maneira como as mulheres percebem a situação de violência, influencia no seu modo de enfrentamento (Galeli, & Antoni, 2018). A Teoria Motivacional do Coping (TMC) (Ramos, Enumo, & Paula, 2015; Skinner, Edge, Altman, & Sherwood, 2003) entende o coping como uma ação regulatória através de uma perspectiva motivacional e de desenvolvimento humano, na qual, é desencadeado quando uma situação é percebida como ameaça ou desafio a alguma necessidade psicológica básica, dentre elas, necessidade de relacionamento, competência e autonomia. De acordo com essa teoria, tais necessidades psicológicas são inatas e de valor e evolutivo adaptativo; o coping envolve esforços para manter, reparar ou restaurar tais necessidades. A TMC propõe um sistema hierárquico de relacionamento entre as respostas de coping, as estratégias de enfrentamento e o processo adaptativo. As estratégias são organizadas pelas famílias de enfrentamento de acordo com a emoção, orientação emocional e funcionalidade (Ramos et al. 2015). Na base da hierarquia, estão os comportamentos de coping, que são comportamentos diante da situação estressora; em seguida, as estratégias de enfrentamento que são categorias de comportamentos de coping a partir da funcionalidade; e no nível mais alto, as famílias de coping, que são estratégias de enfrentamento ligadas a processos adaptativos e multifuncionais e multidimensionais (Ramos et al. 2015; Skinner et al. 2003). Totalizam-se 12 famílias de coping, sendo que cada família se relaciona com uma necessidade psicológica básica, a um processo adaptativo e a avaliação do estressor. São classificadas em adaptativas e mal adaptativas, com base em comportamentos, emoções, orientação emocional e estratégias de enfrentamento, não simplesmente pelas ações tomadas perante os estressores. As 6 famílias de coping adaptativas são: Autoconfiança, Busca de Suporte, Resolução de problemas, Busca de informações, Acomodação e Negociação; são organizadas em torno dos desafios percebidos. As 6 famílias mal adaptativas são: Delegação, Isolamento, Desamparo, Fuga, Submissão e Oposição; sendo organizadas em torno das ameaças percebidas. O desfecho adaptativo positivo ou negativo refere-se aos danos que as respostas provavelmente resultariam a saúde física e mental do indivíduo (Ramos et al. 2015; Skinner et al. 2003; Skinner & Zimmer-Gembeck, 2016). O presente estudo teve como objetivo verificar qual é o coping utilizado por mulheres vítimas de violência e quais delas são mais efetivas no combate à violência; classificar o coping utilizado pelas mulheres em comportamentos de coping, estratégias de enfrentamento e famílias de coping; avaliar a funcionalidade do coping utilizado em relação ao processo adaptativo e orientar essas mulheres a utilizarem estratégias de enfrentamento mais adaptativas.
Métodos
Participantes
Participaram do estudo 132 mulheres, com idade média de 34,89 anos (DP = 15,66). A maioria é casada (n = 53; 40,50%), seguido das solteiras (n = 46; 35,10%) e divorciadas (n = 20; 15,30%) que procuraram a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Votorantim para fazer boletim de ocorrência, após sofrerem algum tipo de violência, e que aceitaram passar pelo Plantão Psicológico. As mulheres atendidas foram selecionadas sem distinção.
Instrumentos
Através do discurso trazido pelas mulheres durante o Plantão Psicológico, foram coletadas algumas informações, mediante a uma entrevista semiestruturada contendo perguntas relacionadas a características sociodemográficas da vítima; tipo de violência sofrida e se a vítima tinha consciência disso; ao agressor; e quais os comportamentos de coping utilizados. É importante ressaltar que essas informações foram coletadas ao longo do acolhimento psicológico, sem interferência do pesquisador no discurso delas. As anotações só foram feitas ao final do atendimento e as perguntas que ficaram sem respostas em um primeiro momento, foram questionadas quando apropriado, visando não expor a vítima a nenhuma condição desnecessária, já que no momento ela precisava de acolhimento.
Procedimentos
Primeiramente o projeto foi autorizado pela delegada responsável pela Delegacia da Mulher em um município do interior do estado de São Paulo. Na sequência ele foi submetido à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade a qual as pesquisadoras são vinculadas, sendo aprovado pelo parecer nº 3.575.719; CAAE: 08411219.7.0000.5500. A coleta de dados se deu através do serviço de Psicologia que se efetivou por meio de Plantão Psicológico na própria delegacia e contou com a participação de alunas do curso de Psicologia sob supervisão semanal de uma docente, nas dependências da Universidade.
Análise de dados
Primeiramente foram rodados os testes Kolmogorov-Smirnov e Levene para verificação da normalidade e homogeneidade dos dados, respectivamente, a qual constatou-se uma distribuição não normal e não homogenia. Com isso, optou-se pela utilização de procedimentos estatísticos não-paramétricos, como Correlação de Spearman e o teste Kruskal-Wallis, considerando um nível de significância de p ≤ 0,05. Todas as análises foram rodadas através do software SPSS 23.0.
Resultados
Em relação aos resultados descritivos, a maioria das mulheres relatou sofrer múltiplos tipos de violência (n = 59; 45,00%), seguido da psicológica (n = 29; 22,10%) e física (n = 20; 15,30%), mas todos os tipos de violência foram mencionados por pelo menos uma participante. Em relação ao agressor, a maioria era o ex-companheiro (n = 43; 33,10%), seguido do atual marido (n = 29; 22,30%) e vizinho (n = 11; 8,50%), mas ainda foram listados: namorado, pai da criança, mãe, padrasto, madrasta, irmão, irmã, filho, filha, cunhado, mulher do ex-companheiro, primo, avô, avó, tio, amigo, professor e homem desconhecido, todos com uma frequência menor. As correlações de Spearman podem ser observadas na Tabela 1. Os resultados das correlações mostram que meninas mais novas são as que estão solteiras, como já era esperado e são as que sofrem mais de um tipo de violência. Quanto mais velhas são as mulheres, maiores as chances de o agressor ser o atual ou excompanheiro. Mulheres casadas sofrem estatisticamente mais violência dos seus próprios maridos, enquanto as solteiras podem sofrer violência de diferentes pessoas, mas a maioria são pessoas conhecidas. Por fim, vítimas que tem consciência da violência que sofrem, usam estatisticamente mais enfrentamentos adaptativos do que as que não tem plena consciência.
Idade | Estado civil | Tipo de violência | Agressor | Vítima tem consciência | Coping | |
---|---|---|---|---|---|---|
Idade | 1,00 | -0,398** | 0,346** | -0,242** | -0,117 | 0,037 |
Estado civil | -0,398** | 1,00 | -0,136 | 0,389** | -0,077 | -0,144 |
Tipo de | 0,346** | -0,136 | 1,00 | -0,161 | -0,028 | 0,010 |
violencia | ||||||
Agressor | -0,242** | 0,389** | -0,161 | 1,00 | 0,042 | -0,020 |
Vítima tem | -0,117 | -0,077 | -0,028 | 0,042 | 1,00 | 0,214* |
consciência | ||||||
Coping | 0,037 | -0,144 | 0,010 | -0,020 | 0,214* | 1,00 |
*p<0,05;
**p<0,001.
O fato de a vítima ter consciência que sofre violência influencia significativamente na adoção de um enfrentamento adaptativo (p<0,001), principalmente em relação a busca por suporte e resolução de problemas. Considerando se a vítima tem consciência que sofre violência como variável dependente, através do teste estatístico Kruskal-Wallis percebeu-se que não há diferenças significativas pelo perfil do agressor nem do estado civil da vítima.
Discussões
O Plantão Psicológico realizado na DDM de uma cidade do interior do estado de São Paulo atendeu emergências por meio de escuta qualificada e acolhimento psicológico às vítimas. As mulheres que recorreram a delegacia buscavam proteção e amparo legal, ou seja, manter seus diretos humanos preservados, formalizando a queixa da violência por meio de boletim de ocorrência. A maioria das participantes atendidas pelo Plantão Psicológico sofreu múltiplos tipos de violência, o que significa que a violência ocorreu de diversas formas, incluindo as violências física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, o que demonstra que cada tipo de violência não ocorre isoladamente, mas muitas vezes conjuntamente. Silva, Coelho e Caponi (2007) consideram que, ainda que haja distinção entre os tipos de violência, eles se misturam e se entrelaçam, sendo que, ao se investigar a violência doméstica, é possível articular a violência psicológica à violência física. Segundo Silva et al. (2007), a violência psicológica é geralmente negligenciada, primeiramente por se tratar de um tipo de violência silenciosa que não carrega marcas físicas, já que nem sempre é reconhecida pela própria vítima, por estar sobretudo associada a fatores emocionais que são agravados pelo uso de álcool, problemas familiares, perda de emprego, luto ou outro tipo de sofrimento e situação de crise; e a segundo, pela apresentação reiterada da violência urbana como maior e mais problemática do que a violência doméstica imposta pela mídia. Porém, este tipo de violência abrange todas as formas de violação de direitos, provocando múltiplas consequências, dentre elas, insônia, transtornos alimentares, depressão, isolamento social, dentre outras (Silva et al. 2007), o que alerta para afirmação inicial que coloca as consequências da violência psicológica em detrimento das consequências da violência física. Segundo Razera, Mosmann e Falcke (2016) até mesmo casais que se consideram harmoniosos utilizam-se de agressões psicológicas para resolver conflitos, mesmo havendo a tentativa de se estabelecer um diálogo, acabam usando comportamentos de xingar, gritar e ameaçar em situações de conflito. Ainda que disfuncionais e mal adaptativos, estes são comportamentos de coping utilizados com muita frequência entre os casais. O Plantão Psicológico é muito importante nesse sentido, pois auxilia vítimas de violência doméstica, na reflexão e reconhecimento de situações de violência, permite evitar que a violência psicológica se torne física, bem como resgatar a autoestima da vítima, uma vez que o espaço é propício para a escuta, valorização e fortalecimento da pessoa como um todo e sobretudo por auxiliar na busca de seus direitos (Silva et al. 2007). A predominância do autor da violência mostrou ser o ex-companheiro, corroborando com a estatística do país. No Brasil, o percentual de agressões contra mulheres cometidas por ex-companheiros, incluindo exmaridos e ex-namorados, subiu de 13% para 37% entre 2011 e 2019, o que representa um aumento de 284% desses casos (Brasil, 2019), trata-se de um problema de extrema complexidade do ponto de vista das políticas públicas para a manutenção dos direitos e cidadania, como também para o próprio desenvolvimento econômico e social do país, pois com o aumento da violência doméstica, aumenta-se também a violência sexual, a prostituição, o tráfico de mulheres e a dependência de drogas lícitas e ilícitas (Cerqueira, Moura & Pasinato, 2019). Para os autores, apesar dos avanços sociais ocasionados pela emancipação política, econômica e sexual das mulheres, ainda persistem, de forma naturalizada e nociva, os modelos sociais calcados no patriarcado que contribuem de forma violenta para a reprodução da desigualdade de gênero, na qual a mulher deve viver subordinada aos desejos masculinos e o homem ter o direto de controle e posse sobre sua autonomia. Galeli e Antoni (2018) demostram que muitas vítimas não conseguem perceber que estão sofrendo violência, associando as ações do agressor ao cuidado e não ao controle e dominação; mas que ao denunciar passaram a perceber os fatos de forma diferente. Essas mulheres relataram ter sua autoestima abalada, relacionando a isso, degradações e humilhações sofridas, o que reitera a presença da violência psicológica associada a outros tipos de violência. Segundo as autoras, perceber a violência só foi possível após o rompimento da relação, pois essa atitude possibilitou romper o ciclo da violência. A correlação dos dados apontou para prevalência de violência doméstica, ou seja, aquela ocorrida no âmbito domiciliar, familiar ou em relação íntima de afeto. Os dados obtidos por Garcia, Duarte, Freitas e Silva (2016) em relação aos autores da violência, também apresentam predominância de indivíduos do sexo masculino, ex-companheiros e companheiros. Para Saffioti (2001), esse fato ocorre por, na maioria das vezes, os agressores terem arraigado em si, a função de cumprir o papel social esperado pela cultura patriarcal, e como isso, não aceitam o desejo das mulheres de romper a relação ou até mesmo por sentirem sua masculinidade questionada diante das ações das mulheres que romperam com o papel social esperado de submissão e obediência, sendo que, o uso da violência nesses casos passa a ser entendido como tolerado e permitido pela sociedade em questão. De acordo com os dados obtidos, mulheres mais jovens e solteiras têm maior chance de sofrer mais tipos de violência de agressores diferentes, os dados corroboram com os de Garcia et al. (2016). As autoras explicam que, mesmo tendo sido expostas à violência na juventude, à medida que envelhecem, as mulheres buscam novas oportunidades para se desvencilhar da situação, tornando-se independentes economicamente e mais influentes socialmente, ressaltam com isso, que é importante que os serviços voltados para mulheres vítimas de violência não se restrinjam ao setor de saúde, mas que devem ser multifatoriais, envolvendo serviços voltados para direitos humanos, segurança pública, trabalho, previdência e outros. Para Garcia et al. (2016) a violência contra a mulher apesar de cultural deve ser enfrentada e com isso pode ser prevenida. A expressão “empoderamento” surge como uma ferramenta utilizada por mulheres em busca pelos seus direitos, segundo Berth (2018) empoderar-se inicia um processo de autoconscientização e conscientização coletiva que culminam em transformações que emancipam as mulheres das estruturas sociais de opressão. Nesse sentido, mulheres vítimas de violência utilizam-se de diversas estratégias de coping para viver em segurança e bem-estar. Essas estratégias dependem de variáveis ambientais e individuais (Gadoni-Costa & Dell’Aglio, 2009). Do ponto de vista da Teoria Motivacional do Coping (Ramos et al. 2015; Skinner et al. 2003), as estatísticas mostraram que foi significativamente maior o número de mulheres que utilizaram estratégias das famílias de coping adaptativas, sendo as principais, a “busca por suporte” e “resolução de problemas”, considerando também outras famílias de coping. No entanto, a busca por suporte já era um dado esperado, pois as vítimas foram atendidas em uma Delegacia da Mulher que por si, se constitui como um local de enfrentamento adaptativo por oferecer suporte legal. Entretanto, há de se considerar que tantas outras mulheres não tiveram esse atendimento e nem sequer chegaram a denunciar, dado que limita o alcance desta pesquisa, mas que fomenta sua expansão. Uma pesquisa realizada pelo DataSenado (2017), mostrou que uma a cada três mulheres relataram buscar suporte pela intervenção do Estado, seja em delegacia especializada ou em delegacia comum, sendo que 27% delas não tomou qualquer atitude após a última agressão, relacionando a isso, falhas na prestação de serviço por parte do Estado. Diante disso, a pesquisa mostrou que não basta condenar o agressor ou conceder medidas protetivas as mulheres que buscam por suporte legal, mas é necessário ir além disso, é preciso assegurar às mulheres em situação de violência, serviços que ajudem com os traumas psicossociais e viabilizem autonomia. A autonomia é importante pois coloca em xeque os padrões de desigualdade de gênero, o empoderamento tem lugar relevante dentre as estratégias de enfrentamento, desde que se trate de um processo multidimensional envolvendo fatores psicológicos, políticos e de consciência das desigualdades sociais e de poder (Cerqueira et al. 2019). Os autores salientam que o empoderamento econômico e financeiro sozinhos, não trazem a transformação social esperada, apenas podem levar a uma diminuição da violência doméstica, pelo consequente poder de barganha adquirido pelas mulheres, do mesmo modo, levaria ao agravamento da violência quando as mulheres decidissem pela separação. Com isso, salientam que os modelos estruturais de dominação de gênero não devem ser ignorados, e que seria muito simplista pensar apenas na emancipação econômica quando as mulheres são privadas de bens e recursos materiais. Um achado importante deste estudo diz respeito às vítimas que têm consciência da violência que sofreram. Verificou-se que essas vítimas recorrem com maior frequência a enfrentamentos mais adaptativos, do que as que não tem plena consciência. As famílias de coping mais utilizadas por elas foram a busca por suporte e resolução de problemas. Estes dados corroboram com os de Meneghel et al. (2003), que relatam que o enfrentamento mais utilizado no cotidiano de mulheres em situação de violência é a busca por suporte, através do apoio familiar que geralmente é constituído por outras mulheres. A busca por suporte está relacionada ao engajamento no processo judicial, embora os sentimentos de medo e vulnerabilidade sejam mais constantes em mulheres que decidem continuar com os procedimentos legais, o apoio psicológico e a assistência de todos os profissionais envolvidos são necessários para que o processo não se desfaça (Cala, Trigo, & Saavedra, 2016). Diante da proeminente necessidade, Souza e Faria (2017), ressalvam que os serviços oferecidos nas delegacias das mulheres não são suficientes para às demandas, além de muitas vezes serem precários. Para as autoras, o atendimento psicológico nas delegacias é um desafio diário e árduo e ocorre mediante realização de convênios e acordos com universidades e governos municipais, já que no Brasil não há obrigatoriedade do psicólogo na equipe. Inferiram dificuldades para a atuação do psicólogo, tais como, infraestrutura, baixa adesão do público-alvo e a própria configuração do sistema judiciário. Para Gadoni-Costa e Dell’Aglio (2009) uma rede capacitada que funcione como política de combate tende a fortalecer as instituições envolvidas, possibilitando a consolidação das conquistas no enfrentamento da violência. Contudo, sem uma rede de apoio e suporte, corre-se o risco de que a mulher seja revitimizada, evidenciando, portanto, a necessidade de assistência psicológica e apoio social entre os serviços de combate à violência. De acordo com Macarini e Miranda (2018) a violência contra a mulher é de caráter interacional, sistêmico e cíclico, sendo que para combatê-la é necessário o empoderamento da mulher e a participação masculina e feminina na compreensão da estrutura social que estabelece o papel do homem e da mulher. Para Ludermir, Araújo, Valongueiro, Muniz e Silva (2017), os sistemas de saúde e educação desempenham um papel muito importante na conscientização da violência doméstica, na proteção e empoderamento dessas mulheres, jovens e crianças, destacando um planejamento pedagógico das escolas e o treinamento de profissionais de saúde para rastrear casos de violência contra as mulheres. Reitera-se a importância de se ter serviços voltados ao atendimento de mulheres vítimas de violência, bem como a Psicoeducação realizada de maneira acessível para toda a população, inclusive nas escolas, a fim de disseminar informações e orientações para estratégias de enfrentamento adaptativas, esclarecer que a violência contra a mulher é perversamente democrática quanto ao seu alvo, pois não atinge apenas mulheres adultas, mas também crianças e adolescentes de todas as etnias e classes sociais. E com igual atenção desenvolver uma Psicoeducação para romper com as discriminações e iniquidades, que segundo Ceccon e Meneghel (2017) são advindas de uma sociedade que persiste em padrões patriarcais que derivam de hierarquias de poder e concepções estereotipadas das masculinidades e feminilidades.
Considerações finais
O presente estudo buscou verificar qual é o coping utilizado por mulheres vítimas de violência atendidas em Plantão Psicológico em Delegacia de Defesa da Mulher e quais estratégias de enfrentamento são mais efetivas no combate à violência. De modo geral, o estudo evidenciou que as mulheres que têm consciência da violência sofrida utilizam mais estratégias de enfrentamento adaptativas em comparação com aquelas que não têm plena consciência de ter sofrido ou sofrer violência, ou seja, de ter a violência naturalizada no cotidiano. Dentre as famílias de coping mais utilizadas, foram as famílias de coping adaptativas de busca por suporte e resolução de problemas. O acolhimento realizado pelas estudantes/plantonistas, durante o Plantão Psicológico, embora breves, revelaram ser importantes para encorajar as mulheres a buscarem seus direitos de cidadãs e refletir que não são culpadas pela violência sofrida. Possibilitou a reflexão de um planejamento de vida, de forma a se organizar em novas perspectivas de vida futura. Foi possível acolher dores e angústias, muitas vezes ignoradas. O estudo apresenta limitações, pois se trata de uma pesquisa feita em delegacia, com isso, se obteve dados referentes apenas àquelas mulheres que denunciaram, embora os dados sejam relevantes, não se teve alcance das estratégias utilizadas por aquelas mulheres que não realizaram a denúncia ou que foram vítimas de feminicídio e não tiveram a chance de denunciar. Destaca-se, contudo, a importância de novas pesquisas sobre a temática Violência Contra a Mulher e o papel da Psicologia como atuação política nesse cenário, uma vez que tal tema é relevante e este estudo não esgota sua amplitude.