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Estilos da Clinica

Print version ISSN 1415-7128On-line version ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.22 no.1 São Paulo Apr. 2017

https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i1p64-82 

ARTIGO

 

A demanda clínica da criança: uma psicanálise possível

 

The clinical demand of the child: a possible psychoanalysis

 

La demanda clínica del niño: un posible psicoanálisis

 

 

Iagor Brum LeitãoI; Marcella Bastos CacciariII

IMestrando em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil
IIDoutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Docente da Faculdade Multivix, Nova Venécia, ES, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho versa sobre algumas questões consideradas relevantes para a psicanálise com crianças, como o conceito de repetição (Wiederholen) e o brincar, à luz de um estudo de caso clínico, fruto de uma primeira experiência de atendimento psicológico em uma clínica-escola de um curso de Psicologia, por meio da abordagem da psicanálise. Através deste caso, objetiva-se demonstrar que é possível abrir espaço para a escuta da demanda clínica do pequeno sujeito que vem para atendimento, em resposta à alienação de quem lhe traz para análise, e que é possível, portanto, preservar a condição subjetiva da criança em atendimento. O caso abre espaço para somar às condições de análise da criança, sustentando que é no repetir que emerge o novo. Neste trabalho, usaram-se nomes fictícios, de forma a preservar as identidades dos participantes.

Descritores: psicanálise com crianças; demanda; repetição; brincar; caso clínico.


ABSTRACT

This paper addresses some issues considered relevant to psychoanalysis with children, such as the concept of repetition (Wiederholen) and the playing, in the light of a clinical case study, result of a first experiment in psychological care in a clinic-school of a Psychology Course, by psychoanalytic approach. Through this case, we aim to demonstrate that it is possible to make room for listening to the clinical demands of the little subject who comes to therapy, in response to the alienation of who brings the child for analysis, and therefore it is possible to preserve the subjective condition of the child in attendance. The case opens space to add to the conditions of child analysis, holding that it is in repetition that the new emerges. In this study, we used fictitious names in order to preserve the participants' identities.

Index terms: child psychoanalysis; demand; repetition; play; clinical case.


RESUMEN

Este trabajo plantea algunos temas considerados relevantes para el psicoanálisis con niños, como el concepto de repetición (Wiederholen) y el del juego, desde un estudio de caso clínico, resultado de una primera experiencia de atención psicológica en una clínica escuela de un curso de psicología con enfoque psicoanalítico. Desde este caso se pretende demostrar que es posible establecer espacio para la escucha de la demanda clínica del pequeño individuo que viene a la clínica, en respuesta a la alienación de quienes lo llevan al análisis, por lo que es posible preservar la condición subjetiva del niño en la atención. El caso ofrece aportes para el análisis con niños, sosteniendo que es en la repetición que surge el nuevo. Los nombres de los participantes se han cambiado para preservar su identidad.

Palabras clave: psicoanálisis con niños; demanda; repetición; juego; caso clínico.


 

 

Introdução

A busca da criação de um espaço de fala para crianças, considerando as nuances da clínica psicanalítica, promove uma série de questões sobre o pequeno sujeito que é recebido para atendimento: quem é a criança que chega para tratamento psicológico? Quais as particularidades do adoecimento na infância? Do ponto de vista psíquico, como tratar um sujeito que ainda se encontra em constituição? Qual o papel do brincar na clínica psicanalítica?

Na tentativa de encontrar possíveis respostas a essas questões, torna-se importante retomar algumas considerações teóricas sobre as especificidades da clínica psicanalítica com crianças, para em seguida, em um segundo momento, apresentar uma vinheta de um caso clínico, fruto de uma primeira experiência em atendimento psicológico realizado em uma clínica-escola de um curso de Psicologia. O atendimento foi iniciado em setembro de 2015, com pausa para férias no final do mês de dezembro, e retomada no início do mês de março de 2016, somando, até o mês de junho (data da produção deste artigo), vinte e quatro atendimentos, estes sempre uma vez por semana.

Nessa perspectiva, o artigo aborda alguns tópicos dos atendimentos considerados relevantes para sustentar a demanda possível da criança, ou seja, a capacidade de constituir sua própria demanda clínica quando promovida a um lugar de sujeito, no desenlace da escuta, da palavra e do brincar, não objetivando, no entanto, esgotar as reflexões sobre o tema, o qual é amplamente discutido e sempre atual, devendo ser sempre debatido e investigado, o que pode gerar grandes transformações e contribuições teórico-clínicas – afinal, a psicanálise, como é sabido, se constitui constantemente a partir da experiência clínica. Pensar a respeito das teorias psicanalíticas é refletir, portanto, a respeito das experiências de uma prática clínica e vice-versa. Além do mais, é no relato clínico que se fundamenta a constante construção teórica em psicanálise, na medida em que o caso permanece como uma marca característica do método psicanalítico (Zanetti & Kupfer, 2006).

No decorrer da discussão do caso clínico são apresentados recortes das sessões, expondo trechos de diálogos do analista e da criança em atendimento a fim de clarear para o leitor o manejo e as intervenções realizadas, articulando-os com a teoria. Ao final, objetiva-se que a narrativa do relato aqui apresentado atinja a função didática, característica dos relatos clínicos, descrita por Nasio:

É essa a função didática do caso: transmitir a psicanálise por intermédio da imagem, ou mais exatamente, por intermédio da disposição em imagens de uma situação clínica que favorece a empatia do leitor e o introduz sutilmente no universo abstrato dos conceitos (Nasio, 2001, p. 12).

 

Notas sobre a clínica psicanalítica com criança

A psicanálise com crianças possui seu início em várias vertentes, destacando como pioneiros(as): Sigmund Freud; Anna Freud [filha]; Sabina Spielrein [paciente de Freud e de Jung, amante de Jung]; Melanie Klein; Françoise Dolto; Donald Winnicott; Maud Mannoni [analisante de Dolto] e Arminda Aberastury [esposa de Pichón]. Apesar de em alguns aspectos esses(as) autores(as) seguirem caminhos e perspectivas diferentes, todos possuem um denominador comum, colocando a criança no lugar que merece: "Ser respeitada em sua própria capacidade de viver e a de ser escutada a partir de seu próprio desejo" (Blinder, Knobel & Siquier, 2011, p. 25). É a partir desse pressuposto que existe toda e qualquer psicanálise com crianças.

Segundo Zornig (2008), a criança na pós-modernidade foi impulsionada a vestir-se como adulta, a realizar atividades que lotam sua agenda e a aceitar um modelo sexual que vai além de sua possibilidade subjetiva:

A delimitação entre o mundo adulto e o infantil é tênue, e as crianças, muitas vezes, na ânsia de corresponder aos desejos, ainda que inconscientes, dos pais, procuram compensar suas frustrações, corresponder às suas expectativas, apaziguar suas angústias, negando sua própria infância (Zornig, 2008, p. 73).

Nesse sentido, se a criança não corresponde ao ideal1 imposto pela família e a cultura e "falha" em algum desses aspectos, surge a demanda para atendimento psicológico. Para Ferreira (2000), na escuta analítica são esses "pontos de falhas" que constituem uma resposta à alienação que recobre o ideal, preservando a condição subjetiva daquela criança.

O trabalho psicanalítico com crianças é considerado, portanto, paradoxal. Elas contam com certa ambiguidade: são sujeitos autônomos – pois possuem vontade própria – enquanto, por outro lado, dependem dos adultos quando não são capazes de responder por si, enquanto artefatos cognitivos (Brandão Júnior, 2008). Elas ainda não chegam para o tratamento em nome próprio, e sim pela queixa de um terceiro: pela demanda de um outro, geralmente pais, responsáveis legais, conselhos tutelares ou escola, os quais, ao se incomodar com algum tipo de situação, levam-nas para tratamento (Brandão Júnior, 2008).

Quando os pais levam uma criança ao psicólogo, é comum haver um pedido velado para "consertá-la", incluindo-a, assim, em um ideal de saúde física e mental: saber falar, ler, escrever e contar perfeitamente; ser dócil e simpática; sair-se bem na escola e não causar nenhum tipo de incômodo ou angústia àqueles que estiverem à sua volta. Desse modo, pede-se ao analista a patente de uma criança-robô (Hachet, 2006).

A partir dessas particularidades, vemos na literatura autores debatendo a possibilidade ou não da clínica psicanalítica com crianças. O próprio Freud (1909/2006) apontou inicialmente alguns limites no atendimento infantil, afirmando em Análise de uma fobia em um menino de cincos anos que a análise do Little Hans só fora possível porque fora conduzida por intermédio de seu pai2. Afinal, com o advento da regra fundamental da psicanálise, a associação livre, é possível questionar: como uma criança, que ainda está inserida em um processo de desenvolvimento, de maturação biológica e cognitiva, ainda desenvolvendo sua fala, irá associar livremente? Lacan dirá que o tratamento psicanalítico se baseará na escuta do inconsciente, este estruturado como uma linguagem. Portanto, para a psicanálise, o processo da consciência, bem como os processos cognitivos, estará em segundo plano (Brandão Júnior, 2008). Ou seja, o sujeito inconsciente antecede o consciente, pois "ele é sempre pré-intelectual, por ser efeito do significante" (Brandão Júnior, 2008, p. 76).

A proposta da psicanálise sempre foi, portanto, a escuta do sujeito inconsciente, aquele que demanda, que deseja, que insiste e não resiste – e este não tem idade. Ademais, é importante ressaltar que, embora a criança tenha limitações em seu discurso no que diz respeito à capacidade de verbalizar, é capaz sim de fazer associações livres, ainda que diferentemente do adulto: por meio do brincar (ou de expressões artísticas).

 

O brincar e a repetição

O adulto repete o que viveu, mas a criança repete o que viveu e está vivendo. (Blinder et al., 2011, p. 68)

Freud, a partir do jogo da presença e da ausência, da brincadeira fort-da3, presente em seu texto "Além do princípio do prazer", conclui que

as crianças repetem experiências desagradáveis pela razão adicional de poderem dominar uma impressão poderosa muito mais completamente de modo ativo do que poderiam fazê-lo simplesmente experimentando-a de modo passivo. Cada nova repetição parece fortalecer a supremacia que buscam. Tampouco podem as crianças ter as suas experiências agradáveis repetidas com frequência suficiente, e elas são inexoráveis em sua insistência de que a repetição seja idêntica (Freud, 1920/2006, p. 45).

Esse conceito da repetição, considerado por Lacan (2008) como um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise – junto dos conceitos de pulsão, inconsciente e transferência –, mostra-se crucial na clínica psicanalítica. A repetição é um ato que abre caminho à atuação (acting out), e que, de modo geral, se apresenta na análise como uma força que atualiza componentes psíquicos, em que o analisando repete ou atua – daí o termo acting out – o que "não pode" ser recordado. Em "Recordar, repetir e elaborar", Freud (1914/2006) assinala que muitas vezes "o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu ou reprimiu, mas expressa-o pela atuação ou atua-o. Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente, saber o que está repetindo" (p. 165). A cada repetição, portanto, surge a possibilidade de se elaborar o que não pôde ser rememorado e verbalizado, tornando esta outra linguagem, a atuação, uma via demasiadamente importante em uma análise. Para as crianças, a análise caminhará sobretudo por essa via, entre o repetir e o elaborar, praticamente "pulando" a etapa do recordar e tendo o brincar como o acting out mediador do processo.

Contudo, quando falamos do brincar em psicanálise, não falamos de uma ludoterapia, mas de uma função do brincar, o qual não é um brincar qualquer, sem consequências ou que visa somente uma ab-reação, ou seja, a descarga emocional referente a algum trauma psíquico como função terapêutica principal – ideia proposta inicialmente por Breuer e Freud (1909/2006) através, por exemplo, da hipnose, até o segundo autor repensar sua clínica e caminhar para o método de associação livre –, mas um brincar que comporta a verdade do sujeito, a qual deverá ser lida, também, no campo do significante (Siqueira, Saruê & Vinheiro, 1992). De fato, para a psicanálise, o brincar das crianças já é por si só uma forma de linguagem, não sendo somente um mediador para a relação terapêutica, mas o próprio "terapêutico". É sempre importante recorrer ao texto de Freud, "Escritores criativos e devaneios", de 1908, em que o psicanalista compara o brincar das crianças com a produção de um escritor criativo: "Acaso não poderíamos dizer que, ao brincar, toda criança se comporta como um escritor criativo, pois cria um mundo próprio, ou melhor, reajusta os elementos de seu mundo de uma nova forma que lhe agrade?" (Freud, 1908/2006, p. 149).

O brinquedo e o brincar, numa perspectiva trabalhada a partir dos estudos de Melanie Klein, "permitem à criança vencer o medo aos objetos, assim como vencer o medo aos perigos internos" (Aberastury, 1979/1982, p. 48). Em outras palavras, na perspectiva da psicanálise lacaniana, é no brincar que as crianças expressam e lidam com suas angústias e ansiedades, que articulam o real, o simbólico e o imaginário, pois o ponto de intercessão entre os três registros é o que Lacan (2005) intitulou de objeto a: objeto que move e que causa o desejo.

A interpretação que é feita por Lacan, como citado em Ferreira (2000), acontece pelo nível do dito e não pela via da significação, do comportamento ou da ação. A autora destaca:

À diferença de Klein, o jogo da criança, na perspectiva da psicanálise lacaniana, que vem na trilha de Freud, não tem uma significação a ser desvelada pelo analista, mas sim fazer irromper o significante. O jogo não pode ser tomado como um dizer, como um discurso, mas como uma articulação lógica inscrita no entrelaçamento entre o real, simbólico e imaginário (Ferreira, 2000, p. 95).

Ainda de acordo com a autora, muitas vezes o brincar possui estreita relação com o sintoma – contudo, não somente com este, mas também com o fantasma, que "é o que permite ao sujeito suportar a castração do Outro" (p. 97), em que na neurose, acrescentamos, o fantasma, portanto, a fantasia opera como tela protetora. O fantasiar nas crianças, como adverte Freud (1911/2006), "começa já nas primeiras brincadeiras infantis, e, posteriormente, [é] conservado como devaneio" (p. 241). Esse mecanismo permite colocar algo frente à castração, numa atitude que se ajusta ao desejo. Dito de uma outra forma, a manifestação do sintoma na criança pode apontar para a presença de um ser desejante (Matsuo & Carreira, 2015).

A criança deve se situar em relação ao lugar que ela ocupa no desejo dos pais, e o seu processo de análise abre espaço para ela repetir, diante da transferência – fio condutor que "autoriza" uma análise –, os buracos da demanda do Outro, este visto inicialmente como a mãe. O Grande Outro, como assim Lacan o chama, é, em suma, um lugar de alteridade, do inconsciente, sendo formado por todos os outros que ocuparam um lugar importante na infância, que marcaram o sujeito com suas palavras e seus significantes (Quinet, 2012). Tal definição nos remete ao sentido da máxima de Lacan (1960/1998) sobre a teoria dos significantes: "O significante é aquilo que representa o sujeito para outro significante" (p. 833). Desse modo, a criança passa a ser um sujeito representado por esses significantes, a qual ocupa o lugar de objeto a no fantasma do par parental, e o seu sintoma pode apontar como uma tentativa ou necessidade de separar-se desse Outro, de deixar o lugar de objeto a. Logo, a emergência do sintoma ocorre como uma maneira de proteção contra a alienação no ideal dos pais (Prestes, 2005).

 

O caso clínico

Carol (nome fictício) é uma menina de nove anos que mora com os tios-avós há cerca de seis anos. Veio de São Paulo, onde morava com a mãe, três irmãs e um irmão. Segundo a tia-avó, Maria (nome fictício), na primeira entrevista, a dita anamnese, "a mãe tinha um filho atrás do outro, com 25 anos tinha 6 filhos, de 4 pais diferentes". Carol foi morar então com seus tios-avós, pelo fato de sua mãe não ter tido condições de cuidar dela: "Nem financeiras, nem de bom senso" (relato de Maria, anamnese). Segundo Maria, a mãe de Carol saía para trabalhar e deixava as crianças em casa sozinhas: "Era criança cuidando de criança" (relato de Maria, anamnese). Em certo momento, o conselho tutelar foi envolvido, e então Carol foi morar com seus tios-avós, no estado do Espírito Santo.

A menina veio para análise trazida por eles, com a queixa de ser tímida e estar passando por um momento difícil: sua irmã, Júlia (nome fictício), um ano mais velha, também veio morar com ela e os tios, no início de 2015. Nesse sentido, a tia-avó relatou, ainda na anamnese, algumas brigas entre as duas meninas, notando ciúme "um pouco acima do normal dela com a Júlia"também trazida para análise, contudo, com outro analista. Segundo ela, Carol não gostava de dormir no quarto com a irmã, preferindo dormir no quartos dos tios-avós ou no quarto da bisavó, na mesma cama. Por fim, a tia mencionou que Carol também possuía alguns medos: de homem e de bêbado.

 

A entrevista preliminar com os pais

A psicanalista argentina Arminda Aberastury (1979/1982) chama a primeira entrevista com a criança de a hora do jogo diagnóstica. Segundo Arzeno (1995), principal comentadora da autora, trata-se de uma entrevista lúdica, na qual se observa o brincar da criança, em que tudo que acontece torna-se significativo para interpretação e avaliação. Segundo Aberastury (1979/1982), em Psicanálise com crianças: teoria e técnica, na primeira sessão a criança mostra qual a sua fantasia inconsciente de enfermidade e de cura, além de aceitar ou não o nosso papel como terapeuta.

Já na perspectiva da psicanálise lacaniana, tais interpretações sobre o brincar da criança – de fato, sobre qualquer analisando, seja adulto ou criança – são feitas a posteriori, sendo somente suposições feitas pelo analista para a direção do caso, entendendo, aqui, a advertência de Lacan (1985): evite compreender, pois "quanto mais compreendem, menos escutam" (p. 142). E, quanto às entrevistas, Quinet (2009) adverte que não há entrada na análise sem as entrevistas preliminares, as quais duram o tempo necessário para a emergência da transferência e sua condição como campo do trabalho analítico (Siqueira et al., 1992). A partir daí, o sujeito entra em análise.

No que diz respeito à primeira entrevista preliminar – anterior da realizada com a criança –, esta será feita com os pais ou seus responsáveis, e a criança não estará presente, mas deverá ser informada da consulta. Embora seja conveniente estarem presentes o pai e a mãe, é comum que compareça somente a mãe, excepcionalmente somente o pai, e poucas vezes os dois (Aberastury, 1979/1982). Dentre as considerações básicas, a autora ressalta que a entrevista não deve ser um interrogatório, com os pais sendo julgados, mas muito pelo contrário:

Deve-se tentar aliviar-lhes a angústia e a culpa de que a enfermidade ou conflito do filho despertam, e, para isso devemos assumir desde o primeiro momento o papel de terapeuta do filho, interessando-nos pelo problema ou sintoma (Aberastury, 1979/1982, p. 81).

O acolhimento inicial da demanda dos pais é fundamental para que a análise da criança possa ocorrer. É necessário que o casal tenha a oportunidade de constituir vínculo com o analista. Aberastury (1979/1982) ainda pontua que não convém finalizar a entrevista sem ter conseguido os dados básicos de que necessita antes de ver a criança, sendo eles: (1) motivo da consulta, manifesto ou latente; (2) história da criança; (3) como transcorre um dia de sua vida atual, um domingo ou feriado e o dia do aniversário; e (4) como é a relação dos pais entre si, com os filhos e com o meio familiar imediato.

Dito isso, no que diz respeito a este caso, torna-se importante ressaltar: (1) compareceram à entrevista ambos os responsáveis: a tia-avó e o seu esposo; (2) O motivo manifesto fora "ajudar a Carol a lidar com a situação nova" (relato de Maria, anamnese) – ou seja, o fato da irmã mais velha, Júlia, também estar morando com eles – e o motivo latente seria o fato de Júlia estar com problemas na escola, sendo agressiva e não se adaptando à nova vida, e assim "ao colocar Carol para tratamento Júlia também viria" (relato de Maria, antes da quinta sessão com Carol)4; (3) em um dia de família, segundo Maria e seu esposo, eles costumam viajar, ir à igreja, ou ficar em casa, onde a tia faz um almoço especial com a ajuda das meninas; e (4) Carol tem alguns contatos por telefone com a mãe, que ainda mora em São Paulo; nunca vira o pai pessoalmente, mas assim o quer, e aparentemente apresenta uma boa relação familiar com os tios. Questionada sobre o lugar do esposo, o tio-avô, Maria responde: "Elas têm muito respeito por ele, gostam dele, mas percebo que a Carol ainda têm um pouco de vergonha dele, mas já foi muito mais".

 

Primeira entrevista com a criança: a hora do jogo

No dia 8 de setembro de 2015 foi realizado o primeiro encontro com Carol, que chegou tímida e recatada. Foi convidada a ir à brinquedoteca, sendo informada de que poderia escolher o(s) brinquedo(s) que desejasse, e que deveria levá-los para consultório, onde iria poder brincar. Rapidamente ela escolheu um carrinho de bebê e duas bonecas: uma grande e uma pequena. Foi empurrando o carrinho com as bonecas para o consultório. Pegou a boneca grande e brincou de niná-la, sempre alisando-a e deixando de lado a boneca pequena. Ao escolher as duas bonecas, uma grande e uma pequena, e brincar de dar carinho somente à grande, possivelmente repetia a demanda trazida pela tia-avó: o ciúme endereçado à irmã com a tia.

Na clínica com crianças, a chance de deixar o lugar da causa do desejo (objeto a) vazio surge com o brincar. O jogo apresenta uma forma do sujeito se distanciar da demanda do Outro. Aberto aqui outro parêntese, podemos inferir que a boneca pequena seria o pequeno outro (o igual e o semelhante) e a boneca maior seria o grande Outro. Assim, o manejo acontece pela entrada da pergunta, sugerida pelo discurso que o sujeito reproduz em torno da atividade lúdica (Ferreira, 2000):

Analista: – Qual o papel da boneca pequena na brincadeira?

Carol: – Ela só fica observando.

(primeira sessão com Carol).

Nesse momento, o analista começa a brincar com a boneca pequena, alisando-a e dando carinho, até que Carol sorri e questiona:

Carol: – Ué, vai brincar de boneca também?

Analista: – Posso? A boneca menor está aqui esquecida

Carol: – Claro, assim é bem melhor.

Analista: – Por que "se assim é bem melhor" a boneca menor está pra lá, esquecida?

Carol: – Não sei... Não dá pra eu brincar com todas, não é? Mas com você me ajudando, aí dá.

(primeira sessão com Carol).

O brincar abre espaço para o fantasiar das crianças, e com a fantasia, o pequeno sujeito monta um cenário, que é afinal repetido, e nele incluirá o psicanalista em uma das dinâmicas psíquicas já formadas (Blinder et al., 2011). Este, por sua vez, utilizará de marcações, construções e intervenções – ou seja, instrumentos da prática clínica –, devendo apontar para um possível descarrilamento do analisando para com a amarração ordenada, a qual é observada no fenômeno da repetição, de acordo com Almeida e Atallah (2008). Para esses autores, é nesse ponto que a angústia surge, através de um "mecanismo operador de estranheza do sujeito para com seu próprio discurso" (p. 218), objetivando, portanto, fazê-lo relacionar-se diferentemente com suas repetições, para que ocorra a elaboração.

Enquanto o analista e Carol "brincam", segue-se o diálogo:

Analista: – Você sabe o porquê de estar aqui?

Carol: – Sim, para um tratamento.

Analista: – Qual?

Carol: – Psicológico, né!

Analista: – E você acha que precisa deste tratamento psicológico?

Carol: – Não sei, talvez para diminuir as brigas com minha irmã.

(primeira sessão com Carol).

Para Checchinato (2007) é muito raro encontrar um caso no qual a criança em atendimento apresente a mesma demanda dos pais. Geralmente, a demanda da criança não é explícita ou direta, e seu pedido está ligado à relação com seus genitores. Pode expressar, por exemplo, a necessidade da criança separar-se do outro materno, convocando o pai em sua função interditora da relação mãe-filho. Para Renata Petri (2008), a constituição da transferência entre a criança e o analista que a atende se coloca como o mecanismo responsável por proporcionar que a demanda infantil se apresente.

O analista, nesse ponto, diz que está ali para ajudá-la na sua demanda, e explica que quem está em atendimento é ela, que ela que será escutada e atendida, em total sigilo. Conforme art. 9º do Código de Ética Profissional do Psicólogo "é dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional" (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2014, p. 13).

Carol: – Você vai conversar com minha tia sobre o que a gente falar aqui?

Analista: – O que for dito no consultório fica no consultório, e tudo que precisar ser falado será feito com seu consentimento e sua presença, ok?

[ela sorri]

Carol: – Então tá bom.

(primeira sessão com Carol).

 

A demanda de Carol

No primeiro atendimento de 2016, Carol traz consigo um envelope. Entra na sala e conversa sobre as férias, entre outros assuntos. No meio da conversa resolve falar do envelope: "Trouxe uma foto para você". O envelope continha uma foto de sua mãe, em idade escolar – daquelas tradicionais, sentada, de uniforme, à frente da bandeira nacional – e uma foto dela, nas mesmas condições.

Analista: – As fotos são bem bonitas... Mas por que gostaria que eu as visse?

Carol: – Não sei... Para você saber como a gente é.

(16ª sessão com Carol)

A função do analista é intervir por meio da criação de um enigma para a criança, entrelaçando a escuta, a palavra e o brincar na inscrição da falta e do desejo. Nessa perspectiva, segue-se o diálogo:

Analista: – A gente quem?

Carol: – Eu e a minha mãe, uai!

Analista: – Você se acha parecida com a sua mãe?

Carol: – Sim! Ela é bem bonita... Acho que me pareço muito com ela.

Analista: – E você quer ser ela?

Carol: – Ser ela? Não...

Analista: – E a tia? Você quer ser a tia?

Carol: – Não, quero ser eu mesma!

Analista: – E quem é eu mesma?

[ela demora para responder]

Analista: – Uai, te fugiu as palavras sobre você? Quem é eu mesma? É a mãe, ou a tia? Ou a Júlia?

Carol: – Nenhuma das três! Nem pensar! Eu sou eu! Carol!

(16ª sessão com Carol).

Nesse ponto, há a possibilidade do estabelecimento de uma nova demanda, que não se localiza em quem a trouxe, mas sim na própria Carol: um pedido endereçado ao analista, que remete a um desejo do olhar5 (Lacan, 2005) e que tem origem na própria criança, permitindo à ela criar um discurso sobre sua história. Isso se justifica por ser a criança um sujeito com questões inconscientes singulares, mesmo que ainda se encontre na condição de dependência do Outro (Petri, 2008). Nesse sentido, para inaugurar a força e sublinhar a marca dessa fala, o analista, de uma forma lúdica – levantando-se da cadeira e fazendo uma cena – interrompe a sessão:

Analista: – Uhul! Carol é Carol! Carol é Carol!

[ela começa a rir]

Carol: – Por que essa festa? Não estou entendendo nada!

Analista: – Porque agora a Carol pode ser Carol, e pode falar de Carol!

Carol: – Posso mesmo!

Analista: – Então semana que vem você volta, e ouvimos você, Carol!

Carol: – Mas já? Nem começamos direito.

Analista: – Pelo contrário, vamos começar a partir de agora! Até semana que vem, Carol!

Carol: – Você não vale nada!

[vai embora rindo]

(16ª sessão com Carol).

A partir dessa sessão, percebe-se uma mudança na direção da análise de Carol: ela começa a trazer assuntos de interesse dela. Sai das queixas da tia-avó – medo de homem, de bêbado e ciúme da irmã – e começa a trabalhar suas próprias questões. Passa a falar bastante, e pensa bem menos nas respostas, se colocando para falar livremente e utilizando, alternadamente, jogos. Torna-se possível seguir a ideia central contida na ética da psicanálise da criança, retomando a citação de Blinder et al. (2011, p. 25), em que a criança deve "ser respeitada em sua própria capacidade de viver e a de ser escutada a partir de seu próprio desejo".

Na sessão posterior, Carol pede para brincar com o jogo dos emoticons do aplicativo WhatsApp: "Na minha sala quem é..."6. O analista e ela abrem o jogo, leem as instruções e jogam. O jogo consistia em retirar algumas figuras de emoticons que expressavam algumas características – "bagunceiro", "mentiroso", "bondoso", "playboy", "nerd", entre outras – sendo que ela deveria identificar quem possuía aquela característica em sua turma. Foi combinado que, em primeiro lugar, ela deveria adivinhar a característica pela figura e só depois conferi-la, pois atrás de cada uma havia o nome da característica. Carol acertou praticamente todas, rapidamente ligando a característica a algum colega de sala. Ela ainda antecipou o objetivo do jogo: que a própria criança identificasse qual ou quais características as representavam. Na quinta figura surge o diálogo:

Carol: – Uma hora eu vou poder falar que sou eu, não é?

Analista: – Claro! Quando assim aparecer, você diz.

[ela se reconheceu como "bondosa", "amiga", "gentil" e "bagunceira"].

Analista: – Bagunceira!? Como bagunceira? Aqui você não é bagunceira, ou é?

Carol: – Uai, também tenho direito de ser bagunceira, não é?

Analista: – O direito? Como assim o direito?

Carol: – Uai, sou criança. Criança às vezes faz bagunça.

[silêncio]

Carol: – Pensei naquilo da semana passada... Eu sou eu mesma, sabia? Sou Carol.

Analista: – Sim, você é Carol, não é mais ninguém, pode ter um pouco de cada um, mas você é você. É o que fazemos aqui, falamos de você, de você mesma.

[ela sorri]

Carol: – Até semana que vem!

Analista: – Você encerrando agora, é? Você que não vale nada!

Carol: – Tá na hora, né!

[vai embora rindo]

(17ª sessão com Carol).

 

Essa é a minha análise!

Houve um ponto em que precisou-se conversar com a tia-avó e as meninas, Carol e Júlia, junto de seus respectivos analistas, a fim de se chegar a um consenso em relação ao fato de que Júlia estava perdendo aula para ser atendida. É necessário aqui outro parênteses: Carol estuda de manhã, e sua irmã, Júlia, estuda à tarde, sendo que os atendimentos ocorrem toda terça-feira, às 14:00 horas. Como moram em outra cidade, a tia-avó não poderia vir nos dois dias, um para a análise de Carol e a sua própria, e outro para Júlia, além do fato de que Júlia não poderia mais perder aulas. Resumo: Ou viriam as três no mesmo dia e horário, ou não viria ninguém. Conseguiu-se chegar à possibilidade de que outra pessoa da família poderia trazer Júlia pelo horário da manhã, e as três poderiam seguir suas respectivas análises sem conflitos. Ao final da conversa, o analista vai com Carol para o consultório. Ela entra calada e monossilábica:

Analista: – Aconteceu alguma coisa, Carol?

Carol: – Estou chateada com você, não estou afim de perder os atendimentos por causa da Júlia e da minha tia.

Analista: – Mas por que perder os atendimentos?

Carol: – Uai, se minha tia não conseguir ninguém para trazer a Júlia, ela não vai poder vir duas vezes na semana, então vai parar todo mundo, inclusive eu.

Analista: – Um dia desses você estava se questionando se devia vir ou não, se achava que precisa ou não de terapia.

Carol: – Às vezes fico na dúvida, mas eu gosto de vir aqui, a gente conversa sobre muitas coisas legais, posso ser quem eu quiser, me ajuda muito lá fora.

Analista: – Vamos fazer o seguinte: vamos desenhar a linha do tempo da sua análise (Figura 1). Esse ponto marca o início do seu atendimento: o primeiro dia que você veio; e o ponto final seria quando sua análise termina, ou seja, quando você não precisar falar mais nada, tiver certeza que não precisa mais vir, podendo ser daqui um dia, daqui uma semana, daqui um mês, daqui um ano, o tempo não importa, mas sim o momento, você me entende? Então você vai fazer um risco aonde você se encontra hoje, em que momento você se encontra hoje, tudo bem?

Carol: – Eu estou aqui!

(22ª sessão com Carol).

 

 

A constituição da transferência entre a criança e o analista que a atnde coloca-se como o mecanismo responsável por proporcionar que a demanda infantil se apresente (Petri, 2008). Tem-se aí a insatisfação de Carol e o pedido endereçado ao analista: não interrompa minha análise, ainda tenho muito para falar. Felizmente, a tia-avó conseguiu outra pessoa da família para trazer a irmã mais velha, Júlia, em outro horário, e todas puderam dar sequência a seus respectivos atendimentos. No entanto, a partir desse ponto, emergiu a necessidade de trabalhar a ansiedade e a angústia de Carol diante do possível término da análise, remetendo novamente ao jogo da presença e ausência, no tocante do lidar com a falta.

 

Considerações finais

No relato clínico aqui apresentado, ao privilegiarmos os diálogos entre o analista e a criança, acreditamos que os conteúdos provindos dessa experiência possam ser passados ao leitor de uma forma em que este os experimente em um nível mais integrado, "de escuta da escuta", como diria Faimberg (2010). Nesse sentido, ressaltamos a importância em pensar a respeito das teorias psicanalíticas à luz de casos clínicos, pois, como é sabido, a psicanálise nasce e se transforma através da prática clínica. Retoma-se que este estudo não objetiva esgotar as reflexões sobre o tema da psicanálise com crianças, o qual é amplamente discutido e sempre atual, devendo ser debatido e investigado, o que pode gerar grandes transformações e contribuições. Portanto, à luz do conceito fundamental, repetição, tomemos como metáfora o "repetir" do tema, pois não é, afinal, na repetição que o novo surge e é produzido?

No bojo da prática psicanalítica, o sujeito está para além de um objeto de intervenção, e por isso precisa ser considerado em sua singularidade. Isso vale, também, para a psicanálise com a criança. A narrativa do caso clínico permitiu aqui abordar as peculiaridades da psicanálise com crianças, possibilitando, em referência ao livro 4+1 condições de análise, de Antonio Quinet (2009), abrir espaço para somar, dentre os diversos +1, as condições de análise da criança, sustentando que é possível que ela seja acolhida em sua própria demanda e não apenas a partir da ótica familiar, médica, ou escolar. Isso significa que ela consegue expressar, de forma particular, a sua realidade psíquica, barrando, portanto, a afânise do sujeito.

Quanto à direção do caso, através de suas análises, percebe-se que Carol fica cada vez mais à vontade, iniciando diálogos e trabalhando temas que lhe dizem respeito, mesmo que possam parecer aparentemente triviais ou banais. Mas é disso que se trata! A análise também avança e serve a esses temas: o sem-sentido, o supérfluo, o marginal, o dito trivial. Uma análise não é feita só de grandes temas, mas de temas menores, também. É no pa-la-vre-ar que se contorna a falta e onde emergem os afetos e os desafetos ali condensados. Nunca se sabe aonde a análise vai nos levar, pois, afinal, não é a dita associação livre?

 

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Endereço para correspondência
Rua Horácio Barbosa Alves, 786
29945-500 – São Mateus – ES – Brasil.
leitao.iagor@hotmail.com

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Recebido em setembro/2016.
Aceito em março/2017.

 

 

NOTAS

1. Para a psicanálise, eu-ideal é sempre o ideal de eu de alguém, de um Outro.
2. De fato, Freud nunca chegou a atender diretamente crianças. Neste caso, em particular, Freud chegou a ter uma conversa direta com o menino, no entanto, a análise que ele faz desse caso é baseada nos relatos do pai, o qual observara o garoto desde pequeno.
3. Brincadeira criada pelo neto de Freud. Segundo a nota do editor inglês James Strachey (Freud, 1920/2006, p. 24), Fort¸ traduzida pela versão inglesa gone, particípio passado do verbo to go (ir, partir). Ao puxar o carretel, o menino o saudava com a expressão alegre Da (ali). Nesse brincar, o garoto expressava e elaborava a angústia pela falta da mãe. Freud interpreta a brincadeira como uma encenação – atuação, portanto repetição – do desaparecimento e da volta de sua mãe. Tratar-se-ia de uma forma de produzir prazer em uma situação de desprazer, através do jogo e da fantasia.
4. É importante ressaltar que a tia-avó e Júlia também estão em atendimento, cada uma com um analista diferente, sendo que as três são atendidas no mesmo horário, por questões práticas de horários e locomoções.
5. Segundo Antônio Quinet (2012) em Os outros em Lacan, as quatro modalidades de objeto a (causa de desejo) relativas à pulsões oral, anal, escópica (olhar) e invocante (voz), se repartem de forma diferente em relação à demanda e ao desejo. "O olhar, objeto de pulsão escópica, é o objeto de desejo ao Outro, desejo para o Outro. No âmbito da atividade da pulsão escópica está o fazer-se pelo Outro, e assim o sujeito se dá a ver, se exibe para o Outro: ser olhado se encontra no objetivo final da pulsão voyeurista-exibicionista. Daí tratar-se de um desejo para o Outro, que convoca, portanto, seu olhar" (p. 39).
6. O jogo "Na minha sala quem é...", de Jéssica Milbratz Moreira e Marcella Bastos Cacciari, foi desenvolvido na mesma instituição de ensino pela primeira autora com orientação da segunda, e tem o objetivo principal de estimular as crianças a falar do seu ambiente escolar de forma lúdica, mais precisamente da sala de aula, identificando os comportamentos e as posturas de seus colegas e a sua própria postura nesse contexto. Busca contribuir também na investigação de aspectos psicológicos relacionados ao bullying, dificuldade de aprendizagem, preconceito, estereótipos, entre outros.

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