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Estilos da Clinica

Print version ISSN 1415-7128On-line version ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.22 no.1 São Paulo Apr. 2017

https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i1p166-184 

FUNDAMENTOS

 

Um texto freudiano surpreendentemente esquecido: sobre a concepção das afasias: um estudo crítico1

 

A freudian text surprisingly forgotten: "on aphasia: a critical study"

 

Un texto freudiano sorprendentemente olvidado: "sobre la concepción de las afasias: un estudio crítico"

 

 

Ana Maria Loffredo

Psicanalista. Professora livre-docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho examina a influência do associacionismo nominalista de John Stuart Mill no pensamento freudiano, especialmente na monografia Sobre a concepção das afasias: um estudo crítico, de 1891, obra fundamental e que não tem ocupado o espaço que mereceria na literatura. O objetivo deste artigo é, portanto, demonstrar a importância dessa obra para o estudo dos fundamentos da concepção freudiana sobre a linguagem e as repercussões das concepções nela apresentadas nas construções metapsicológicas posteriores, particularmente na noção de "representação" (Vorstellung), que pode ser considerada um ponto nodal em torno do qual gravitam questões cruciais.

Descritores: Freud; afasia; John Stuart Mill; representação; metapsicologia.


ABSTRACT

This work examines the influence of John Stuart Mill's nominalist associationism on Freudian thinking, especially in the 1891 monograph "On Aphasia: a critical study", a key work which has not occupied its rightful space in the literature. The objective of this paper is to demonstrate the importance of this specific monograph for the study of the foundation of the Freudian conception of language and the repercussions of the conceptions presented there on the subsequent metapsychology constructs, particularly on the notion of "presentation" (Vorstellung), which can be considered a milestone where crucial questions revolve.

Index terms: Freud; aphasia; John Stuart Mill; presentation; metapsychology.


RESUMEN

En este trabajo se analiza la influencia del nominalismo asociacionista de John Stuart Mill en el pensamiento freudiano, especialmente en la monografía "Sobre la concepción de las afasias: un estudio crítico", de 1891, obra fundamental, que no ocupa el espacio que merece en la literatura. Se pretende demostrar la importancia de esta obra para el estudio de los fundamentos de la concepción freudiana sobre el lenguaje y las repercusiones de los conceptos en dicha obra, presentes en construcciones metapsicológicas posteriores, especialmente en el concepto de "presentación" (Vorstellung), que se puede considerar un punto clave alrededor del cual gravitan asuntos cruciales.

Palabras clave: Freud; afasia; John Stuart Mill; representación; metapsicología.


 

 

Introdução

Na carta de Freud a Fliess, de 2 de maio de 1891, está escrito: "Dentro de poucas semanas darei a mim mesmo o prazer de enviar-lhe um pequeno livro sobre a afasia, pelo qual eu próprio nutro um sentimento caloroso" (Masson, 1986, p. 28). Trata-se da monografia "Sobre a concepção das afasias: um estudo crítico" (Freud, 1891/2014), referência inquestionável no estudo dos fundamentos da concepção freudiana sobre a linguagem. É nesse sentido que uma nota de rodapé dessa obra se recorta como uma espécie de preciosidade no cenário da epistemologia psicanalítica freudiana, em sua referência ao pensamento de John Stuart Mill.

As obras do filósofo nomeadas em "Afasias" – "Um exame da filosofia de Sir William Hamilton" (Mill, 1974b) e Sistema de lógica dedutiva e indutiva, I, capítulo III (Mill, 1974a) – fizeram parte dos alicerces de um momento teórico crucial, quando são enunciados os conceitos de "representação de palavra" e de "representação de objeto", que ocuparão papel proeminente na construção da arquitetura metapsicológica.

Embora a correspondência com Fliess ateste a importância da publicação, "Freud, entretanto, persistiu em separá-lo de seu trabalho posterior – ele o mencionou apenas duas vezes em seus primeiros escritos – e, em 1939, não permitiu que Kris o incluísse na edição alemã de suas obras completas" (Rizzuto, 1990 a, p. 262).2 Esse trabalho não só se insere no quadro das questões que estimulavam os pesquisadores do final do século XIX, sendo passível de diálogo com as futuras descobertas neurológicas do século XX, como também anuncia os métodos de pesquisa e o talento retórico de Freud, já apresentando "algumas das mais importantes ideias que, mais tarde, vão evoluir na psicanálise" (Greenberg, 1997, p. 2), o que o recorta como uma peça fundamental no desenvolvimento do pensamento freudiano (Forrester, 1983). Na mesma linha, Caropreso (2003) enfatiza a importância desse pequeno grande trabalho, desde que "a noção de representação, que, sem dúvida, é uma das mais centrais da teoria freudiana, não volta a receber tratamento tão sistemático na obra posterior de Freud como o que é desenvolvido em Sobre a concepção das afasias" (p. 24). Ainda no bojo dos pesquisadores que, entre nós, têm dedicado sua atenção a esse momento significativo do trajeto freudiano, o estudo de Simanke (2007) demonstra que "o conceito de representação é crucial para o projeto metapsicológico freudiano e pode ser considerado um Grundbegriff tão legítimo da teoria psicanalítica quanto aqueles via de regra reconhecidos como tais (pulsão, inconsciente, repressão etc.)" (p. 55-56). Para Assoun (1996), esse escrito pré-psicanalítico da maior importância não só abre terreno para o "Projeto de uma Psicologia" (Freud, 1895/2003), texto protofundador da razão metapsicológica, como também permite encaminhar a seguinte questão espinhosa: "como a 'metapsicológica' – essa razão psicanalítica em gestação – reencontra a questão dos processos lógico-linguísticos?" (Assoun, 1996, p. 78).

Mesmo que muito brevemente, deve ser destacado o alcance do debate sobre as traduções do termo alemão Vorstellung, pois ele aparece na composição de noções metapsicológicas fundamentais:3 Wortvorstellung; Sachvorstellung/Dingvorstellung; Vorstellungrepräsentanz; Objektvorstellung; e Zielvorstellung, sendo "necessário admitir que o problema de transpor Vorstellung para o português . . . não parece ter solução à vista. Talvez seja inevitável recorrer a diferentes termos em nossa língua" (Souza, 2010, p. 145).4 Nesse contexto, são absolutamente bem-vindas as traduções recentes para o português dessa obra seminal (Freud, 1891/2013, 1891/2014).5

Além disso, mesmo que o termo Vorstellung pareça ser usado por Freud em seu sentido coloquial, reportando-se à "ideia", à "concepção", à "imagem interna", tem um lugar específico na filosofia alemã, podendo-se vincular no trajeto freudiano a mais de uma referência filosófica: "Parece ora empregá-lo num registro kantiano, ora schopenhaueriano, ou, ainda, . . . Freud reporta-se explicitamente a Stuart Mill" (Hanns, 1999, p. 83). Seguindo os apontamentos de Rizzuto (1990b),

Para Kant, Vorstellung se opõe à "coisa em si (Ding an Sich). Freud parece seguir Kant e Mill alojando Vorstellung no domínio da mente e Ding (coisa) e Gegenstand (objeto) na realidade. Ele parece seguir Hegel e Kant ao dotar a Vorstellung de qualidades sensoriais (p. 243).6

Mas não se trata de efetuar um levantamento dessas eventuais influências; é suficiente nos reportarmos à referência direta feita a Mill em "Afasias", de interesse nesta investigação, e observarmos suas repercussões nas produções freudianas subsequentes.7

 

Um estudo "crítico"

Em "Afasias", Freud (1891/2014) se propõe a examinar que hipóteses são necessárias "para o esclarecimento dos distúrbios da linguagem com base nessa estrutura do aparelho de linguagem. Em outras palavras, o que o estudo dos distúrbios da linguagem ensina sobre a função desse aparelho" (p. 90). São agudamente criticadas as concepções de figuras proeminentes da neurologia da época – Wernicke, Lichtheim, Grasley e Meynert –, na contramão dos estudos habituais dos processos cerebrais a partir de um associacionismo atomista. Estava em primeiro plano uma crítica radical da concepção localizacionista das afasias, em que se destronava uma abordagem mecanicista do psiquismo, segundo a qual tinha o estatuto de uma espécie de epifenômeno do funcionamento nervoso.

Freud se reporta ao filósofo, quando apresenta os modos de formação das associações linguísticas, de modo que se evidencia uma perspectiva capital do ponto de vista metodológico – a concepção de que o fenômeno psicológico deve ser tomado como um "complexo" –, que converge para a importância da "análise" enquanto procedimento de investigação. Nessa linha, esclarece Giannotti (1964):

Em vez de se descrever os fatos mentais à procura dos mais primitivos, deve-se proceder ao exame de seus modos de formação, a fim de que não se corra o perigo de tomar por simples o fato composto cujos trâmites de produção foram perdidos. Portanto, todo fenômeno redutível a elementos mais simples, por estes modos de produção já estabelecidos, não será tomado como simples, ainda que a intuição assim nô-lo apresente (p. 32).

Como todo o conhecimento deve ser obtido via procedimento indutivo, o sistema de lógica desenvolvida pelo filósofo dá suporte a esses processos. Na vertente de suas concepções sobre a linguagem, elaboradas anteriormente àquelas relativas à lógica, tratava-se de "garantir rigor às proposições, permitindo saber-se exatamente o que se quer dizer com uma afirmação ou negação" (Lírio, 2002, p. 9). Em função do nominalismo subjacente a seu pensamento, o signo é entendido "como o elemento unificador de um múltiplo sensível, capaz de trazer à consciência, via memória, todas as impressões ligadas ao nome pronunciado. A partir daí, devemos estar em condição de compreender a relação entre os nomes particulares e gerais" (p. 9).

A investigação do processo de formação dos fenômenos permite o acesso às suas características, situação privilegiada fornecida pelo patológico, em que esse "composto" está, justamente, "de-composto". Esse modo de investigar estará subjacente a todo o percurso freudiano posterior, como bem se explicita na obra magna: a interpretação deve ser feita "en détail, não en masse", pois o sonho é um material composto, "um conglomerado de formações psíquicas", que deve ser fragmentado para ser investigado (Freud, 1900/1989a, p. 125). A perspectiva metodológica, por si só, justifica o lugar de destaque ocupado pelo pensamento do filósofo nos fundamentos da constituição da clínica psicanalítica, na linha de que "Freud não retirou de Mill uma concepção, mas um método de investigação do fenômeno mental" (Gabbi, 1994, p. 204, grifos meus).

Em "Afasias", no âmbito do conceito de processo, introduzido por Jackson, Freud propõe um modo inovador no tratamento da questão da linguagem: "A ideia que se articula aqui é a de um conjunto de processos que tem lugar no sujeito, que, no entanto, não participa em nada deles com relação ao ponto de vista psicológico" (Monzani, 1989 p. 134). O interesse não se volta para a natureza do processo, mas sim para "as leis e as regras que o regulam e que o fazem produzir determinados efeitos" (p. 134). Além de recortar o perfil complexo pertinente à linguagem, já que é composta por elementos particulares de natureza acústica, motora, cinestésica etc., não só o modelo localizacionista é desalojado, como, nas palavras desse filósofo, "Freud introduz uma noção (a grande noção original desse texto) que é a de um aparato ou aparelho da linguagem que seria o responsável por esse processo de integração das diferentes funções parciais" (p. 134, grifos meus). É assim que o discurso freudiano começa a tratar de um lugar, sem que seja necessário localizá-lo, abrindo espaço para a ficção de uma topologia. Aqui entra a contribuição de Mill, autor de quem Freud traduziu cinco grandes obras desde 1880 (Jones, 1975), integrando-se no repertório conceitual freudiano, desde então, as noções de "representação de palavra" e "representação de objeto":

Nós deduzimos com base na filosofia que a "representação-objeto" não contém mais nada além disso, que a aparência de uma "coisa", cujas diversas "características" são denotadas pelas impressões sensoriais, só passa a existir pelo fato de nós, ao listarmos as impressões sensoriais obtidas de um objeto, acrescentarmos a possibilidade de uma grande série de novas impressões na mesma cadeia de associações (J. S. Mill) (Freud, 1891/2014, pp. 95-96).

A nota de rodapé que acompanha esse fragmento não deixa dúvidas quanto à repercussão das obras do filósofo, sendo mesmo surpreendente o pouquíssimo espaço ocupado na literatura por estudos voltados a essa influência. Essa questão poderia ser encaminhada em duas direções (Gabbi, 2003): em primeiro lugar, "Afasias" foi publicada em alemão apenas em 1891, e a tradução para o inglês, de 1953, deixou a desejar para um estudo sistemático, e o "Projeto", por sua vez, em que se evidenciam as teses do filósofo, só foi publicado, em alemão, em 1950; quanto a Mill, uma das obras citadas só ficou acessível na edição publicada pela Universidade de Toronto, em 1979. Em segundo lugar, talvez deva ser computada a influência da psicanálise francesa, especialmente sua linhagem lacaniana, já que a reflexão de Lacan, no âmbito da interlocução da psicanálise com a filosofia, foi voltada a autores como Hegel e Heidegger, contexto que colocava fora de questão articulá-la ao empirismo inglês. Desse modo,

O naturalismo explícito da teoria psicanalítica, reconhecido e criticado com clareza por Politzer, Merleau-Ponty e Sartre, entre os anos trinta e o final dos anos cinquenta, transformou-se mais tarde, na década de setenta, em exemplo de leitura equivocada, ideológica, que não merecia ser feita, pois impediria o decantado retorno a Freud, propagado, entre outros, por Althusser (Gabbi, 2003, pp. 14-15).8

 

Breve trajeto da noção de representação

Há três momentos significativos do percurso freudiano em que se destaca a presença das teses propostas por Mill na formulação de concepções fundamentais: A concepção das afasias, "Projeto de uma psicologia" e "O inconsciente".

Em A concepção das afasias (1891/2014), aparecem dois tipos de representação, de objeto e de palavra, ambas consideradas como representações complexas e apresentadas num esquema denominado "Esquema psicológico da representação-palavra",9 que é elucidado pelo texto abaixo:

A representação-palavra aparece como um complexo representativo fechado; a representação-objeto, por sua vez, como um aberto. A representação-palavra não está ligada à representação-objeto a partir de todos os seus componentes, mas apenas a partir da imagem acústica. Entre as associações de objetos, são as visuais que representam o objeto de forma semelhante à forma como a imagem acústica representa a palavra (Freud, 1891/2014, p. 95).

Como a RP (em que há elementos acústicos, visuais e cinestésicos) liga-se à RO por meio de sua imagem acústica e, entre as várias associações de objeto (que se compõem de representações acústicas, táteis etc.) são as visuais que o representam, o elemento organizador (ou delegado) de um é a imagem acústica e, a do outro, a visual, remetendo-se o significado à relação da RP com a RO. A diversidade de relações entre os componentes de cada uma das representações, bem como na relação entre elas, converge para a definição dos três tipos de afasia: na afasia verbal (de primeira ordem), as associações entre os diversos elementos da RP estão perturbadas; na afasia assimbólica (de segunda ordem), a associação entre a RP e a RO está perturbada; na afasia agnóstica (de terceira ordem), não há reconhecimento de objetos. Escreve Freud: "Eu utilizo o termo 'assimbolia' . . . pois a mim parece que a relação entre a palavra e a representação-objeto merece mais ser chamada de 'simbólica' do que a relação entre o objeto e a representação-objeto" (Freud, 1891/2014, p. 96). Cada tipo de afasia corresponde, portanto, a uma desarticulação em algum ponto do aparelho da fala.

Devemos ainda esclarecer, segundo a leitura proposta por Giannotti (1964), que há um espectro de posições filosóficas no percurso do filósofo. De um idealismo inicial, encaminha-se para um realismo ingênuo, que não é, entretanto, proeminente, observando-se uma reviravolta nominalista, quando é retomado o idealismo psicologista. Em Sistema de lógica (Mill, 1974a), "as tendências objetivas explicadas casualmente são reinterpretadas graças à intervenção da memória" (Giannotti, 1964, p. 41) e, no debate com Hamilton, em Um exame (Mill, 1974b), "predomina nitidamente a posição idealista nominalista" (p. 41). Nessa obra, apesar de continuar a considerar que cabe à coisa o poder de causar representações, entende essa capacidade de causação como uma crença ilusória, de tal forma que há associações geradas pelas nossas sensações e de nossas reminiscências de sensações que, "não supondo nenhuma intuição de um mundo exterior ter existido na consciência, geraria inevitavelmente a crença, e faria com que ele fosse considerada como uma intuição" (Mill, 1974b, p. 259). Assim, podemos entender que, no pensamento do filósofo, "existem duas coisas em si: a mente e o mundo. Por meio da sensação e das associações construídas pela experiência, podemos formar crenças tanto a respeito de uma como da outra" (Gabbi, 2003, p. 72). Desse modo, escreve Giannotti (1964), "o poder de causação passa a ser encarado exclusivamente como a capacidade do espírito de associar sensações atuais a sensações virtuais, graças à intervenção da memória na qualidade de faculdade de retenção e de expectativa" (pp. 41-42). Essa capacidade de retenção e expectativa se articula à confiança na existência real de objetos visíveis e tangíveis, que "significa a confiança na realidade e permanência de possibilidades de sensações visuais e táteis, quando nenhuma dessas sensações é realmente experienciada. . . . A matéria, então, pode ser definida como uma possibilidade permanente de sensação" (Mill, 1974b, p. 263).

Em "Projeto de uma psicologia" (Freud, 1895/2003) estão presentes três tipos de representações, e os desdobramentos da influência do filósofo se ampliam e se fortalecem, com a inserção da noção de "representação de coisa" (Sachvorstellung/Dingvorstellung), que se articula, ao que tudo indica, a essa "possibilidade permanente de sensação". Sua importância é evidente, já que tem o caráter de pura referência, podendo ser vinculada à própria concepção de pulsão – esta oferece a possibilidade permanente de sensação, pois ser uma força constante é um invariante, que faz parte, por definição, do conjunto de seus atributos.

É absolutamente relevante acompanhar as quatro teses de Mill (1974b) relativas à expectativa, às leis de "associação de ideias", à repetição e à crença, que estariam subjacentes às concepções apresentadas no "Projeto".10 No bojo dessas propostas, é possível fazê-las dialogar com as operações dos processos primário e secundário, do reconhecimento de si através do próximo, das duas vivências matrizes do "Projeto", a "experiência de satisfação" e a "experiência de dor", das características do processo de pensar. É fundamental enfatizar, entre elas, o alcance da tese da crença num mundo exterior, à qual fiz breve referência anteriormente. No âmbito dessa concepção, ao não se reportar à ideia de "existência" do objeto, fica fora de questão para Freud que se possa vinculá-lo a juízos de certeza ou de prova, com uma derivação direta na concepção que rege o princípio de realidade: este não se remete ao mundo exterior enquanto tal, mas aos signos que o revelam, isto é, é oriundo de uma leitura da realidade. Ou seja, "aquilo que o aparelho psíquico nos fornece, seja no nível inconsciente seja no nível consciente, são signos que, em última instância, estão submetidos à função estruturante da linguagem" (Garcia-Roza, 1991, p. 154). Essa perspectiva se articula diretamente ao pensamento do filósofo e poderia delinear a posição de ambos entre um idealismo e um realismo. Escreve Freud nessa obra (1895/2003): "Se, após a conclusão do ato de pensar, chegar o signo de realidade para a percepção, obtém-se o juízo de realidade, a crença, e alcança-se a meta da totalidade do trabalho" (p. 209). Fica bem demarcada a posição primária da memória em relação à percepção – já que o objeto é um complexo de representações e que "perceber é associar imediatamente" –, proposta que vai ser mais bem elaborada, posteriormente, na carta de Freud a Fliess, de 6 de dezembro de 1896, a emblemática "Carta 52", ponte teórica entre o "Projeto" e o capítulo VII de "A interpretação dos sonhos" (Freud, 1900/1989b). É inquestionável, portanto, que o aparelho psíquico freudiano é, fundamentalmente, um aparelho de memória, cujo movimento se alinha na direção do reconhecimento do objeto, como bem se observa no esquema da primeira topologia.

A partir desse panorama teórico, é possível afirmar que "a compulsão histérica é imediatamente solucionada se ela for esclarecida (se ela se tornar compreensível)" (Freud, 1895/2003, p. 222), isto é, se for possível entender a que ela se remete, ou seja, seu significado. Como o sintoma é uma troca de nomes – um símbolo (privado) que substitui outra representação inacessível à consciência –, trata-se de ir na contramão do processo de sua formação, com o objetivo de colocar os nomes nos "devidos lugares", isto é, associarem-se ao objeto adequado. Naquele momento, esse conjunto de pressupostos fundamentava a concepção de interpretação como método de investigação, sendo então crucial sublinhar que, nesse enredamento teórico, o que está no papel de causa é, também, o que atua como referência na formação do símbolo. Se o objeto contém, por definição, uma possibilidade permanente de sensações, cabe então à palavra garantir que se trata do mesmo objeto.

A RC, que se insere no conjunto denominado por Mill (1974a) de nomes não conotativos, é capaz de predicar, mas não pode ser predicada: "Termo não conotativo é aquele que denota um sujeito somente, ou um atributo apenas. Conotativo é o termo que denota um sujeito e implica um atributo. Por sujeito é preciso entender qualquer coisa que possua atributos" (p. 94). Assim, a RC representa uma possibilidade geral de sensação, não lhe cabendo veicular nenhuma propriedade qualitativa/sensorial, tem um papel causal e, remetendo-se a um objeto externo, pode ter o papel de referente. Somente os nomes de objetos que não conotam nada são denominados nomes próprios, que "não têm, a rigor, nenhuma significação" (p. 97). Esse contexto explicita o empirismo de Mill, para quem "nenhuma asserção informativa sobre o mundo é a priori" (Skorupski, 1998, p. 35). Em Sistema de lógica, há uma distinção entre proposições "verbais" e "reais" e entre inferências "meramente aparentes" e "reais", reportando-se a primeira distinção à sua doutrina relativa à denotação e à conotação: "Termos singulares e gerais, chamados por ele de 'nomes', denotam coisas e conotam atributos de coisas. 'Proposições' . . . são sentenças que têm um significado (uma 'significação')" (p. 36). Portanto, trata-se de explicar como a conotação e a denotação de nomes contribui para a apreensão do sentido (significação) das proposições.

A este conjunto de ideias se articula a teoria de significação de Freud, segundo a qual os nomes são tomados como nomes próprios, que passam a adquirir a propriedade de veicular atributos, fora do campo de compreensão do sujeito.

Em "O inconsciente", escreve Freud (1915/2010b),

a representação consciente do objeto se decompõe para nós em representação da palavra e em representação da coisa, que consiste no investimento, se não das imagens mnemônicas diretas das coisas, ao menos de traços mnemônicos mais distantes e delas derivados. . . . E a inconsciente é apenas a representação da coisa (pp. 146-147).

Uma vez tendo sido abandonadas as hipóteses topológica e funcional, essa nova construção trata da transposição das representações do sistema inconsciente (Ics) ao pré-consciente/consciente (Pcs/Cs), questão fundamental e cujo encaminhamento dá suporte metapsicológico à operação do método analítico: "O sistema Ics contém os investimentos de coisas dos objetos, os primeiros investimentos objetais propriamente ditos; o sistema Pcs surge quando essa representação da coisa é sobreinvestida mediante a ligação com as representações verbais que lhe correspondem" (Freud, 1915/2010b, p. 147).

No âmbito dessa discussão teórica, "podemos então dizer precisamente o que a repressão, nas neuroses de transferência, recusa à representação rejeitada: a tradução em palavras que devem permanecer ligadas ao objeto" (Freud, 1915/2010b, p. 147). Esse quadro também permite entender uma das características mais notáveis da esquizofrenia, desde que a dementia praecox e outras afecções narcísicas exigiram uma mudança na concepção básica de que o recalque é um processo que ocorre entre o sistema Ics e o Pcs (ou Cs), com objetivo de afastar algo da consciência. O que chama atenção na esquizofrenia é que as representações verbais experimentam, ao contrário, um investimento mais intenso, de modo que é possível concluir que "o investimento da representação verbal não pertence ao ato de repressão, mas constitui a primeira das tentativas de restabelecimento ou cura que tão claramente dominam o quadro da esquizofrenia" (Freud, 1915/2010b, p. 149). Esse movimento psíquico espera reaver os objetos perdidos, e é possível que "eles tomem o caminho para o objeto através da parte verbal dele, nisso tendo de se contentar com as palavras em vez das coisas" (p. 149). Finalmente, completa, ao final desse artigo:

Quando pensamos abstratamente, corremos o perigo de negligenciar as relações das palavras com as representações de coisa inconscientes, e não se pode negar que então nosso filosofar ganha uma indesejada semelhança, em expressão e conteúdo, com o modo de funcionar dos esquizofrênicos. Por outro lado, pode-se tentar caracterizar o modo de pensar dos esquizofrênicos dizendo que eles tratam as coisas concretas como se fossem abstratas (Freud, 1915/2010b, p. 150).

Enfim, para Assoun (1996), é como se ocorresse no regime representacional do esquizofrênico uma espécie de "'curto-circuito' da palavra e da coisa" (p. 86), em consonância à afirmação freudiana presente no relato clínico do "Homem dos ratos": "Podendo-se obter um exemplo específico, para alguma das vagas generalidades da neurose obsessiva, tenha-se a certeza de que tal exemplo é a coisa original e autêntica mesma, que devia permanecer escondida pela generalização" (Freud, 1909/2013, p. 23, grifos meus). De modo que o enunciado "o exemplo é a própria coisa (Beispiel est die Sache selbst)", mais do que "mera fórmula de passagem parece valer como o índice do modo de pensar psicanalítico no plano da pesquisa clínica" (Assoun, 1996, p. 44).

Assim, se no âmago da atividade onírica apresenta-se uma tendência a tratar as RP como RC, a diferença fundamental entre o trabalho do sonho e a esquizofrenia é que, nesta última, "as palavras mesmas em que estava expresso o pensamento pré-consciente são objeto da elaboração pelo processo primário; no sonho isso não sucede às palavras, mas às representações de coisas a que remontaram as palavras" (Freud, 1917[1915]/2010, pp. 160-161).

De modo que, "do esquizofrênico ao sonhador, passando pelo filósofo, vê-se, pois, desenhar-se uma dinâmica representacional que liga estreitamente lógica e clínica, destinos do pensamento e destinos do sintoma", de tal forma que se "torna possível uma metapsicologia do 'distúrbio do pensar'" (Assoun, 1996, p. 87). Como vemos, por meio da patologia afásica, "foi, realmente, de saída, a questão da função da linguagem e do pensamento que o criador da psicanálise encontrou" (pp. 78-79).

 

Considerações finais

São evidentes as ressonâncias das concepções presentes em "Afasias" na construção de um aparelho psíquico fundado na montagem de um aparelho de linguagem, que, por sua vez, é constituído por uma rede intrincada de "representações". Essa é uma perspectiva inspirada por uma filosofia que pretendia atender à ambição cientificista de Freud, alinhando-o à direção de uma teoria sobre os atos irracionais articulada a uma teoria da referência amparada pelo associacionismo nominalista de John Stuart Mill. O que está em relevo é o atravessamento em seu percurso de uma noção de verdade expressa na linha da "correspondência", embora a própria pesquisa freudiana disponibilizasse uma noção de verdade em termos de uma "consistência" interna às proposições. Essa via alternativa se abriu muito cedo, na investigação da parafasia, definida como "um distúrbio da linguagem no qual a palavra adequada é substituída por uma mais inadequada, a qual, no entanto, sempre mantém uma certa relação com a palavra correta" (Freud, 1891/2014, p. 37), assim se destacando a motivação subjacente a essa substituição – o que é uma abordagem da parafasia em estreita sintonia teórica com o que será desenvolvido em relação aos atos falhos. Mas a partir do panorama teórico representacional, "o sintoma histérico é entendido como uma forma de afasia, a afasia assimbólica" (Gabbi, 1991, p. 197), em que ocorre uma ruptura entre RP e RO, sendo possível antever como os desdobramentos teórico-clínicos teriam sido muito diversos se o sintoma histérico fosse tomado como uma afasia verbal.

É que, na perspectiva do pensamento de Mill, como a palavra é a garantia de existência – mais precisamente, da crença e da perdurabilidade – do objeto, o método de investigação deve ser pautado pela busca do referencial externo que esclareça as incoerências expressas pelo sujeito por meio de sua fala. Desse quadro, faz parte a questão da "gênese do sintoma" (Freud, 1905/1990, p. 250), que se articula diretamente à problemática instaurada pela formulação da pulsão de morte. O campo do irrepresentável arremata conceitualmente uma conclusão teórica definitiva em "Além do princípio do prazer" (Freud, 1920/2010): a presença de algo irredutivelmente irracional nos atos racionais, que não se submete totalmente ao domínio da intencionalidade – o que coloca em tensão a ideia de cura e a possibilidade de remoção do sintoma. A compulsão a repetir não é intencional – colocando a questão da responsabilidade do sujeito pelo seu sintoma –, "captura" as representações e se mantém, ela própria, como irrepresentável. A dimensão do Id vem justamente sublinhar a ausência de qualquer referência à representação, de tal forma que seria esse "o fato principal que a comparação entre as duas tópicas ocasiona: a mudança de referência paradigmática da representação à moção pulsional" (Green, 2008, p. 130).

Do ponto de vista metodológico, com a emergência do campo do inomeável, o procedimento da construção adquire novo estatuto, ao lado da interpretação, com destaque à dimensão "ficcionante" (Assoun, 1996, p. 70) do exercício clínico,11 a angústia, no âmbito de sua reconfiguração em Inibição, sintoma e angústia (Freud, 1926[1925]/2014), passando a ocupar uma posição especial na arquitetura metapsicológica, seja em função de seu papel defensivo, vinculado à definição de "sinal de angústia", seja em função do espaço de vizinhança de sua operação com a da compulsão à repetição, no âmbito da definição da "angústia automática".

Entretanto, é fundamental colocar em questão essa turbulência teórico-metodológica promovida pela "ruptura" de 1920, na perspectiva de que "o que se denomina mudança ou corte no pensamento de Freud não passa de um efeito de superfície, sendo o discurso freudiano muito mais homogêneo do que se pensa comumente" (Monzani, 1991, p. 132). Nessa linha, podem ser alinhavados importantes elementos dissonantes que se destacavam em seu percurso, no horizonte da perspectiva representacional. Essa é uma questão curiosa, quando se considera que, nos "Ensaios metapsicológicos", apenas seis anos antes desse "ponto de inflexão", as noções de RP, RO e RC foram nada menos do que a base da argumentação dos atributos de pertinência ou não ao sistema Ics.

Entretanto, já em "A interpretação dos sonhos" (Freud, 1900/1989b), havia sido nomeado um ponto obscuro, não domesticável, em que se aloja um conjunto de pensamentos que não se deixam capturar: "então esse é o umbigo do sonho, o lugar em que ele se assenta no desconhecido", como está escrito na frase tão famosa (p. 519, grifos meus). Vinte e cinco anos depois, Freud (1925/2011) reconheceu, definitivamente e num tom de certa forma "conformado", que "é preciso que nos habituemos ao fato de um sonho poder admitir significados diversos" (p. 323, grifos meus). Em "Construções em análise", a analogia freudiana entre o trabalho do analista e o do arqueólogo permite afirmar que o primeiro se dirige a algo que ainda está vivo e deve ter por ambição "reconstituir o esquecido a partir dos indícios que este deixou atrás de si; dizendo melhor, tem de construí-lo" (Freud, 1937/1989, p. 260). O arqueólogo, por sua vez, volta-se a objetos que apresentam partes irremediavelmente perdidas, ao contrário do objeto psíquico, cuja pré-história é justamente o alvo da investigação analítica – nesse caso, "todo o essencial se conservou . . . está presente de algum modo e em alguma parte, só que soterrado, inacessível ao indivíduo" (pp. 261-262, grifos meus).12

Não parece que essas afirmações, tão próximas e numa mesma obra, se inspirem nos mesmos pressupostos, e a diferença muito sutil entre elas permite a seguinte formulação: "Há o encontrável e nomeável, e há o inomeável, desde que não encontrável e que, portanto, deverá ser construído" (Loffredo, 2006, p. 297). Construído a partir de rastros, traços e indícios que poderiam perfeitamente se reportar aos componentes sensoriais das RP e das RO, cujos registros se vinculariam a épocas precoces da constituição subjetiva. Em outras palavras, o que se pode esperar é que "toda interpretação profunda não reconstrua a história do sujeito, mas, antes, construa uma história, inferida a partir de dados que não permitem concluir com certeza e cujas construções conservam sempre e necessariamente o caráter aleatório de uma aposta" (Viderman, 1990, p. 30). Assim se circunscreve uma questão crucial, relativa à ideia de "uma verdade a construir e não apenas a encontrar" (Mijolla-Mellor, 2005, p. 396).

Esses breves comentários pretendem destacar como um dos últimos textos de Freud nos envia para uma hipótese promissora: a presença de um fio condutor de dupla face que estaria subjacente a todo o seu percurso. À investigação voltada às origens, no âmbito de um modelo datado de cientificidade – e francamente em desacordo com as posições teórico-metodológicas tão brilhantemente condensadas na metáfora do "umbigo do sonho" –, se aliou a leitura muitíssimo mais interessante, relativa à polissemia/plasticidade das palavras, afinada à constatação de uma pluralidade de sentidos, jamais esgotáveis pela interpretação. Com certeza é o potencial heurístico dessa vertente que demarca a originalidade da construção freudiana, como bem demonstram as diversas linhagens de seus seguidores.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Rua Hilário Magro Júnior, 70
05505-020 – São Paulo – SP – Brasil.
analoffredo@usp.br

Recebido em outubro/2016.
Aceito em março/2017.

 

 

NOTAS

1. Este trabalho se reporta a pesquisas anteriores, cujas propostas foram desenvolvidas e ampliadas, fez parte da Prova Didática intitulada "As origens do aparelho psíquico freudiano concebido como um aparelho de linguagem e as fontes filosóficas principais que teriam dado suporte a essa formulação", relativa ao Concurso de Livre-docência da autora, proferida em 27/7/2012, no Instituto de Psicologia da USP e foi parcialmente apresentado no XXV Congresso Brasileiro de Psicanálise, "Sonho-ato: a representação e seus limites", em São Paulo, SP, 2015.
2. Razão pela qual Strachey (1990) anexou trechos desse livro como apêndice ao artigo "O inconsciente" (Freud, 1915/1990), no âmbito da teorização sobre os critérios de pertinência aos sistemas Ics e Pcs/Cs.
3. Questão tematizada por Souza (2010) e Hanns (1996, 1999) e anunciada brevemente em Loffredo (2004).
4. Utilizarei neste texto os termos "representação de palavra, de objeto e de coisa", por seu uso mais frequente entre nós. Daqui para frente, serão nomeados, respectivamente, como RP, RO e RC.
5. O leitor em português precisava recorrer a uma edição portuguesa incompleta e vertida a partir do italiano (Freud, 1891/1979).
6. Há três tipos de "representação" no texto freudiano, por meio de diferentes termos alemães: Darstellen, que "remete à ação de colocar algo, que ainda não está apreensível na dimensão de linguagem"; vertreten (verbo) e Vertretung (substantivo) significa "representar", na acepção de "estar no lugar de outro", de delegação. Também é utilizado por Freud, nessa acepção, o termo repräsentierem e os substantivos Repräsentant e Repräsentantz. Para Vorstellung (substantivo), temos a versão para imagem, ideia, representação, reprodução mental, visualização interna de objetos, sendo sich vorstellen o verbo correspondente, que se remete a reproduzir/repetir/reativar internamente uma imagem já disponível. O verbo vorstellen significa "colocar diante de si", no sentido de "invocar e montar uma cena ou imagem a partir de elementos já disponíveis" (Hanns, 1999, pp. 79-80).
7. Por exemplo, quando Freud (1915/2010a, 1915/2010b) considera que a pulsão deve ser psiquicamente "representada" por meio de seus representantes, ideacional e afetivo, pode então referir-se a três sentidos nessa delegação, dependendo da palavra utilizada: "o instinto é darstellbar (traduzível, exprimível, configurável) em imagens, vertretbar (substituível, delegável, simbolizável) por essas imagens e essas mesmas imagens são Vorstellungen (representações internas, reproduções mentais, são imagens guardadas na memória que reproduzem objetos ou ações aos quais a pulsão se liga e que são ativáveis)". Os dois últimos sentidos são mais utilizados, desde que a pulsão "é representada (vertreten, repräsentiert, Repräsentanz) através de representações (Vorstellungen)" (Hanns, 1999, p. 83).
8. Assim se situa, para esse autor, a leitura de Nassif (1977), que vincula a filiação da noção de "representação de objeto" ao pensamento de Brentano, desconsiderando a referência explícita a Mill, feita pelo próprio Freud. Creio que na mesma linha se inserem os comentários de Garcia-Roza (1991, 2014), que justifica a influência de Brentano pelo fato de Freud ter assistido seus cursos sobre a lógica de Aristóteles, na Universidade de Viena, durante dois anos, quando era estudante de medicina. Além disso, essa referência a Brentano teria como fundamento a recusa de ambos a "uma ordenação serial entre a fisiologia e a psicologia, de tal forma que o fenômeno psicológico possa ser reduzido a um epifenômeno do fisiológico" (pp. 55, 159). Acontece que a reflexão sobre a questão da "representação", segundo as concepções de Brentano, não aparece em nenhum momento no decorrer de "Afasias". Também um exame do "Projeto" permite observar que a filosofia de Mill "é muito mais apropriada que a de Fichte, via Herbart, para compreender o contexto das questões e dos problemas enfrentados por Freud" (Gabbi, 2003, p. 15).
9. Rizzuto (1993), autora dos poucos estudos encontrados sobre essa temática em periódicos da área, faz uma minuciosa leitura sobre os componentes desse "Esquema". Ver também Rizzuto (1989, 1990a).
10. Sobre isto, ver Loffredo (1999).
11. Essas questões são tematizadas em Loffredo (2006, 2010).
12. Escreve Viderman (1990): "Freud sofreu sempre o fascínio das fontes do Nilo. A obsessão da ideia de que alguma coisa em algum lugar aconteceu e que era preciso retornar lá. O engodo histórico da psicanálise fica sendo a teoria traumática, fons et origo da patogenia – doença infantil da psicanálise, da qual não é certo que tenhamos escapado" (p. 68).

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