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Estilos da Clinica
Print version ISSN 1415-7128On-line version ISSN 1981-1624
Estilos clin. vol.22 no.2 São Paulo Aug. 2017
https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i2p246-267
ARTIGO
Duas notas sobre a formação de professores na perspectiva psicanalítica
Two notes on teacher training in the psychoanalytic perspective
Dos notas sobre la formación de profesores en la perspectiva psicanalítica
Odana PalharesI; Marise Bartolozzi BastosII
IProfessora titular da Universidade Ibirapuera. Pesquisadora de pós-doutorado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, pesquisadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas e Educacionais sobre a Infância (Lepsi) e pesquisadora associada no Grupo de Pesquisa Metodologia de Indicadores de Risco Psíquico para o Desenvolvimento Infantil (IRDI) nas creches do Diretório de Pesquisas CNPq, São Paulo, SP, Brasil
IIPsicanalista. Professora titular da Universidade Ibirapuera, pesquisadora colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas e Educacionais sobre a Infância (Lepsi), São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
O objetivo do artigo é discutir o tema da formação de professores partindo das reflexões críticas ao modelo prescritivo pautado em teorias pedagógicas normativas. Diante das propostas de formação que vêm sendo discutidas por teóricos da educação e da sociologia, a psicanálise contribui quando se visa a elucidar o lugar do sujeito nessas proposições das práticas pedagógicas, indicando-se que a acepção psicanalítica de sujeito-efeito é totalmente distinta da concepção psicológica de sujeito-protagonista que vigora no campo educativo. São apresentados dois projetos de pesquisas em andamento que investigam modelos de formação docente pautados em grupos de escuta de professores na educação inclusiva e nas creches
Descritores: formação de professores; psicanálise; grupo de escuta de professores; educação inclusiva; creches.
ABSTRACT
The purpose of the article is to discuss the theme of teacher training through critical reflections on the prescriptive model based on normative pedagogical theories. Faced with the proposals of formation that are being discussed by education and sociology theorists, psychoanalysis contributes when the objective is to elucidate the place of the subject in these propositions of pedagogical practices, warning that the psychoanalytic acceptance of subject-effect is totally different from the psychological concept subject-protagonist that is consolidated in the educational field. We will present two ongoing research projects that are investigating models of teacher training based on teachers listening groups in inclusive education and day-care centers.
Index terms: teacher training; psychoanalysis; teacher listening group; inclusive education; day care centers.
RESUMEN
El objetivo del artículo es discutir el tema de la formación de profesores mediante las reflexiones críticas al modelo prescriptivo pautado en teorías pedagógicas y normativas. Ante las propuestas de formación que vienen siendo discutidas por teóricos de la educación y de la sociología, el psicoanálisis contribuye cuando se trata de elucidar el lugar del sujeto en esas proposiciones de las prácticas pedagógicas, indicándose que la acepción psicoanalítica de sujeto-efecto es totalmente distinta de la concepción psicológica sujeto-protagonista imperante en el campo educativo. Se presentan dos proyectos de investigación en curso que investigan modelos de formación docente pautados en grupos de escucha de profesores en la educación inclusiva y en guarderías infantiles.
Palabras clave: formación de profesores; psicoanálisis; grupo de escucha de profesores; educación inclusiva; guarderías infantiles.
Introdução
As raízes históricas da formação de professores remontam ao século XVII, pois o tema da preparação docente já era preconizado por Comenius e por La Salle, responsável pela fundação do primeiro Seminário dos Mestres em 1684. No entanto, é somente após a Revolução Francesa, quando emerge a questão da instrução popular, que a questão se torna efetivamente institucionalizada.
No ano de 1795, surge a primeira Escola Normal, em Paris, encarregada de formar professores e cujo modelo foi seguido pela Escola Normal de Pisa, instituída por Napoleão, em 1802. Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, ao longo do século XIX, também instalaram suas Escolas Normais. No Brasil, somente após a independência em 1822 a instrução popular passa a ser cogitada, e o preparo dos professores torna-se uma questão a ser considerada (Saviani, 2009).
Saviani (2009) discorre sobre a história da formação de professores no Brasil em articulação com os momentos históricos e as transformações sociais dos últimos dois séculos e distingue diferentes períodos a partir do modelo inicial das Escolas Normais, passando pela organização dos Institutos de Educação, pela Habilitação Específica de Magistério e chegando às novas diretrizes curriculares dos cursos de Pedagogia, propostas em 2006.
O que se observa, a partir da retomada histórica realizada por Saviani (2009), é que as mudanças introduzidas na formação docente, por serem de caráter muito mais legislativo, nominativo e organizacional, mantiveram a "precariedade das políticas formativas, cujas sucessivas mudanças não lograram estabelecer um padrão minimamente consistente de preparação docente para fazer face aos problemas enfrentados pela educação escolar em nosso país" (p. 148).
Diferentes autores (Nóvoa, 1999; Oliveira, 2004; Santos, 2004; Bondía, 2002; Fanfani, 2005; Lüdke & Boing, 2004; Souza, 2006) fazem uma reflexão crítica sobre a formação de professores em um contexto tradicionalmente dominado por teorias pedagógicas normativas. Afirmam que grande parte da literatura educacional relaciona os problemas da escola à competência técnica dos professores e questionam o argumento da incompetência indicando que, apesar de constar em documentos oficiais que os órgãos governamentais oferecem as condições necessárias para a realização e o aperfeiçoamento do trabalho docente, na prática isso não acontece. Há uma contradição entre o ideal ventilado nas políticas públicas e o real da condição de trabalho dos professores. Lembram, ainda, que a ênfase na competência revela um reducionismo, pois visa quase exclusivamente à questão da técnica.
A crítica à essa visão reducionista que culpabiliza professores e alunos também aponta, com muita lucidez, a descontinuidade nas mudanças propostas em lei, que influenciam os projetos pedagógicos das escolas, bem como a formação dos professores. O que parece não mudar é a intenção prescritiva1 das ações necessárias para ser um bom professor. A formação sempre é apresentada no sentido de um aprimoramento das metodologias de ensino, das ações pedagógicas, dos conteúdos a serem ensinados, do ajuste dos conteúdos aos períodos do desenvolvimento, da relação professor-aluno, no sentido de melhorar essa conexão, creditando-se a isso o sucesso na transmissão dos conhecimentos.
Camargo (2006) ressalta que a imensa quantidade de propostas metodológicas não tem melhorado a aprendizagem da legião de crianças que apresentam os mais diversos rótulos para as dificuldades escolares, e Candau (2011, p. 241) assinala que "a cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, construída fundamentalmente a partir da matriz político-social e epistemológica da modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como elementos constitutivos do universal" e, portanto, as teorias pedagógicas normativas não instrumentalizam os docentes para o trabalho com a diversidade.
No âmbito da educação inclusiva, sabemos que o marco legal garante apenas a implementação de dispositivos institucionais, mas o efetivo funcionamento de uma escola para todos põe em destaque o lugar estratégico e privilegiado que o tema da formação de professores ocupa.
Desde a década de 1980, os teóricos dos campos da educação e da sociologia mobilizam esforços para construir novas propostas de intervenção na formação docente. "Expressões como: epistemologia da prática, professor-reflexivo, prática-reflexiva, professor-pesquisador, saberes docentes, conhecimentos e competências passaram a fazer parte do vocabulário corrente da área" (Alves, 2007, p. 265, grifos do autor).
Em que pese o ponto comum entre esses estudiosos, ao tecerem crítica sobre o modelo de formação docente de orientação prescritiva, notamos que não existe um consenso sobre o melhor caminho a seguir, pois os debates apontam que o tema da formação docente precisa ser considerado em sua complexidade, à luz de
três dimensões: a epistemológica, a política e a profissional. A primeira se refere aos embates no campo da constituição do conceito de professor-reflexivo e de seus fundamentos filosóficos. A segunda diz respeito aos seus desdobramentos e significado político. A terceira se exprime em suas possíveis consequências para a profissão docente (Alves, 2007, p. 274).
Formação d'O professor ou formação de professores?
É no interior dessa complexidade que os aportes da psicanálise buscam uma interlocução com o campo da educação.
Considerando as advertências indicadas nos trabalhos acima mencionados, pretendemos contribuir para o tema da formação continuada de professores a partir da discussão da noção de sujeito, uma vez que, ao dar ênfase ao protagonismo do sujeito professor nos processos de mudanças e inovações, essa perspectiva implica a supervalorização do docente como indivíduo, como "sujeito reflexivo" do seu fazer educativo e esse ponto merece uma maior atenção tendo em vista o uso da forma psicologizada e psicologizante com a qual a pedagogia considerou essa noção.
Para a psicanálise, a noção de sujeito não pode ser confundida com a de indivíduo ou a de pessoa, essas últimas muito mais próximas daquilo que em psicanálise convencionou-se localizar ao lado do ego. O sujeito não é o homem que muda em função das peripécias da história, nem tampouco a dimensão humana de indivíduo ou pessoa.
Nas pesquisas sobre formação docente, que articulam os campos da psicanálise e educação, o sujeito é tomado no sentido analítico, em oposição à concepção psicológica de pessoa. O sujeito da psicanálise não é o agente da ação. É o sujeito do desejo que Freud descobriu no inconsciente, é o sujeito dividido, constituído com base nos efeitos do discurso. Em outras palavras, é o ser humano submetido às leis da linguagem que o constituem e que se manifestam de forma privilegiada nas formações do inconsciente: lapsos, sonhos, atos falhos, sintomas, entre outros. Segundo Lacan (1985, p. 195), "o sujeito não é jamais senão pontual e evanescente, pois ele só é sujeito por um significante, e para um outro significante".
Ao redimensionarmos o estatuto de sujeito, evitamos o caminho tão comum na pedagogia de pensar em "A" criança (Voltolini, 2008; Lajonquière, 2010) como uma espécie de entidade abstrata, construída principalmente com os saberes da psicologia, ditando estratégias pedagógicas. "A" criança impõe-se como atemporal, no sentido de sempre ser a mesma. "A" criança é um dos pilares da utopia racionalista pedagógica, e esse ideário mostra-se tão distante do que são "as crianças" que culmina por dar sustentação às resistências dos professores em aceitarem e poderem valer-se dos modelos propostos pela visão cientificista da pedagogia.
Charlot (2005) ressalta que o fato de a escola reproduzir a divisão socioeconômica presente na sociedade não pode desconsiderar que tal reprodução não ocorre sem a participação do sujeito. Dito de outro modo, para que tal reprodução ocorra, é preciso um ato (que não deve ser entendido como sinônimo de comportamento ou ação) atestando o engajamento do sujeito. "Aquilo que herdaste de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu" é a máxima de Freud (1913/1976, p. 188), citando Goethe, para assinalar que é preciso transformar o que foi herdado simbolicamente, e nisso comparece o ato do sujeito.
Em 2014, o Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas e Educacionais sobre a Infância (Lepsi) realizou o X Colóquio Internacional "Crianças públicas, adultos privados", cujo tema central marcou uma posição de reflexão e crítica à posição utilitarista da educação. "Crianças públicas" fez referência às crianças pensadas genericamente, por teorias que abolem a subjetividade. E "adultos privados" trouxe a questão dos adultos privados de palavra, diante d'"A" criança.
Iremos nos deter nesse último ponto "adultos privados" por tratar-se do foco de nossas pesquisas. Ao pensarmos a formação de professores procurando deslocar o lugar comum de uma formação utilitarista e técnica, vamos na direção de colocar o professor no cerne da formação dando-lhe espaços de palavra.
A escola alunos e professores sofre com políticas formativas derivadas de interesses políticos e da idealização da equipe técnica, com o propósito da educação ideal. O que poucas vozes ousam dizer, até mesmo para não parecerem nostálgicas ou reacionárias2, é que a educação prescinde de tantas mudanças que prometem sempre o melhor, ou seja, que o melhor está por vir. É como a linha do horizonte, que nunca chega. Sendo assim, convocam os professores a agirem em nome da educação ideal, impedindo que se aja em nome de um ideal da educação.
Vemos os professores submetidos à educação ideal e destituídos do seu lugar de mestria, sendo que isso faz sintoma. Ao repetirem palavras que não são deles, acabam por endereçar à criança uma palavra natimorta, pois a palavra viva supõe professores em uma outra posição e não somente sujeitados pelo sistema educativo, no discurso técnico-cientificista.
Por outro lado, um professor guiado pelo ideal da educação faz sinthome em referência ao conceito construído por Lacan para dizer da saída encontrada por um sujeito ao saber fazer com o sintoma. Pereira (2008, 2013) articula a educação como profissão impossível com a posição do mestre não todo, que diz de um professor que sabe não poder controlar todos os passos do processo educativo. Nessa posição, um professor poderá acolher o inusitado da produção de um aluno, ou seja, aquilo que emerge de um sujeito, com tudo o que isso implica.
No entanto, para que o professor possa acolher o inusitado perante o aluno, ele precisa assumir que sua posição de sujeito também comparece na cena escolar. Nesse sentido, diante d'"as crianças" a formação docente não poderá negligenciar e deixar de contemplar "os professores".
A partir dessas reflexões, surgiram algumas propostas de dispositivos de trabalho com professores que levam em conta essa dinâmica própria ao sujeito e seu ato. Com nuances próprias, relativas aos seus objetivos de pesquisa, tais propostas têm em comum o fato de estarem no campo das articulações entre psicanálise e educação.
Dispositivos de escuta e do bem-dizer na formação docente
A formação de grupos para falar das experiências no trabalho não é uma proposta nova. Michael Balint (1957/1988), há 60 anos, propôs grupos de discussão para tratar da relação médico-paciente objetivando mudanças nas formas de estabelecer os vínculos nas práticas profissionais.
A prática da formação profissional pela via do dispositivo proposto por Balint expandiu-se e é utilizada em diversos países na formação de equipes profissionais das áreas da saúde e da educação. A principal característica de seu dispositivo é uma articulação entre a realidade do mundo do trabalho e a subjetividade do profissional.
No início dos anos 1960, Wilfred Bion, psicanalista britânico, pioneiro em dinâmica de grupo, também propôs um dispositivo de psicoterapia grupal ao identificar que o plano das emoções poderia impedir um grupo de realizar seus objetivos. Para Bion (1961/1975), a habilidade para trabalhar em grupo estaria diretamente relacionada ao modo como os indivíduos lidam com suas emoções e como elas impactam a execução das tarefas.
Tanto Balint como Bion tornaram-se referências para aqueles que os sucederam, no que diz respeito aos trabalhos com grupos e à análise clínica das práticas profissionais.
No campo educativo, desde a década de 1980, alguns autores vêm apresentando propostas de grupos de reflexão das práticas docentes que contemplam a dimensão subjetiva dos professores.
Na Argentina e no Chile, Marta Rodrigo Vera (1985, 1988, citada por Assael & Guzmán, 1996) introduziu a proposta de "Oficinas de Educadores" como um instrumento de formação que propunha uma postura ativa dos educadores na análise crítica de suas práticas.
Decorrentes dos grupos operativos de Pichon Rivière, as pesquisas de Vera foram chamadas de pesquisas-protagônicas, pois caracterizavam-se pela reflexão que os professores desenvolviam no interior da oficina tomando a si mesmos como objeto de estudo.
Lajonquière (1993) analisa as tentativas de transformação das práticas educativas na proposição das "Oficinas de Educadores", destacando um questionamento ao saber pedagógico hegemônico contido nessa proposta e assinalando a importância de um lugar particular dado ao coordenador do grupo, a quem cabia
recentrar o grupo na tarefa e tornar manifestos os aspectos da dinâmica grupal visando, precisamente, à constituição de um grupo como tal. Assim, opera: assinalando contradições, apontando as "perturbações acidentais" do relato na tentativa de apreender os sentidos do que se relata e que permanentemente se condensam e se deslocam , efetuando sínteses que resumam as posturas adotadas no grupo, ressaltando algum ponto de vista ou elemento que tenha passado despercebido, resgatando temáticas descartadas pelo grupo ou o fio da meada de uma discussão perdido por um participante, conduzindo a uma análise de um episódio, problematizando em todo momento com perguntas que abram e ampliem a discussão (p. 468).
Cifali e André (2007), em suas pesquisas sobre formação docente na Universidade de Genebra, retomam o uso dos diários3 no processo formativo de professores não só como um trabalho que propicia a elaboração do pensamento, mas como algo que possibilita a mobilização subjetiva do professor, no sentido de poder discernir sobre os problemas levantados, reconhecer-se nos processos e, ao mesmo tempo, poder distanciar-se para ampliar a compreensão do que está em questão. A confecção do diário de bordo torna possível ao professor reelaborar a teoria a partir dos conflitos e inquietações registrados.
Na concepção de Cifali (2001), o diário de bordo é uma ferramenta clínica na formação de professores, por ser uma construção que leva em conta a possibilidade de trabalhar a própria visão do ator educativo pela via de sua escrita.
Imbert (2000), Pechberty (2003), Fablet (2004), Blanchard-Laville (2012) e Blanchard-Laville e Veras (2007) recuperam a importância e as contribuições do Grupo Balint, uma vez que esse dispositivo teve grande influência no campo da formação de professores, servindo de referência conceitual e metodológica na análise das práticas profissionais, notadamente na França.
Blanchard-Laville (2005, 2013) assinala a perspectiva ética adotada nessa proposta, pois o que guia os animadores de grupo, basicamente psicanalistas, é uma escuta singular, procurando reconhecer nas falas dos professores o que os toca no desempenho da sua função e os conflitos psíquicos subjacentes à sua prática de trabalho. O objetivo é trabalhar as questões psíquicas que fazem obstáculo ao crescimento profissional dos docentes.
A autora afirma estar convencida de que é necessária essa sustentação grupal para acompanhar as vicissitudes do exercício do trabalho docente, no contexto contemporâneo, no qual a vulnerabilidade dos contornos da identidade profissional dos professores está aumentada e os laços fragilizados.
Essa abordagem leva em conta as particularidades na relação dos professores com seus alunos e as questões levantadas estão ligadas à sua história pessoal, construída nas relações primordiais e que, em geral, são subestimadas em sua experiência profissional.
No Brasil, alguns pesquisadores (Bastos, 2003; Bastos & Kupfer, 2010; Santiago, 2011; Diniz, 2012; Holanda, Dutra, Medeiros & Ribeiro, 2016; Almeida & Aguiar, 2017; Pereira, 2017) vêm dedicando-se ao trabalho de escutar professores em um contexto grupal, dando-lhes a palavra para que possam dizer sobre seus sofrimentos e sobre o mal-estar docente.
Bastos (2003) e Bastos e Kupfer (2010) extraem dos quatro discursos lacanianos as bases teóricas que fundamentam um dispositivo de escuta de professores no trabalho de inclusão escolar de crianças psicóticas e autistas, operando com a confrontação e o giro discursivo. O objetivo desse trabalho não é oferecer uma psicoterapia de grupo, mas possibilitar que a interlocução entre pares suscite questões sobre as diferentes significações atribuídas aos "sintomas" dessas crianças, que parecem totalmente desinteressadas das cenas escolares, bem como poder refletir sobre o mal-estar inerente ao campo da educação.
Santiago (2011) aborda a conversação como metodologia de pesquisa em psicanálise e educação para a abordagem do mal-estar docente. Segundo a autora, esse dispositivo
é uma prática da palavra para tratar as manifestações indesejadas que produzem insucessos e fracassos. ... A aposta da conversação é passar da queixa que paralisa a ação dos professores e produz identificações indesejáveis para os alunos a um outro uso da palavra em que a queixa toma a forma de uma questão e a questão, a forma de uma resposta: invenções inéditas (p. 97).
Por sua vez, Diniz (2012) afirma que a proposta de escutar as professoras tem o intuito de trazer à tona a subjetividade presente no contexto educacional, bem como provocar uma reflexão sobre os seus procedimentos, visando uma implicação subjetiva e uma mudança de posição diante dos fenômenos atuais da educação. "O objetivo é oferecer às professoras ferramentas para melhor compreender as relações entre professor-aluno na situação de ensino-aprendizagem ... ofertando pelas palavras um lugar no qual é possível se perceber e se dizer" (p. 35).
Diniz (2011) também propõe a conversação, seguindo a indicação de Miller (2003, citado por Diniz, 2011, p. 137) de que a "associação livre pode ser coletivizada na medida em que não somos donos dos significantes", como um princípio que orienta seu trabalho na formação de professores e sustenta que "conversar" em sala de aula sobre um determinado assunto pode produzir efeitos interrogativos sobre os elementos subjetivos que perpassam o processo de ensino e de aprendizagem.
Holanda et al. (2016) apresentam um trabalho de psicanálise em extensão e interrogam o lugar do psicanalista que opera uma escuta em grupo de professores, uma vez que essa prática difere da escuta analítica no dispositivo do tratamento padrão. Para tentar responder à interrogação sobre o que opera nessa escuta de modo a viabilizar efeitos análogos à retificação subjetiva recolhida das falas das professoras a posteriori, as autoras apontam que o manejo da transferência suportado pela função do analista operou introduzindo o enigma no lugar do Outro, ultrapassando a dialética da demanda e convocando a dimensão do desejo de cada um.
os relatos clínicos testemunham a ocorrência de mudanças de posição subjetiva da parte de algumas professoras que se serviram do espaço de escuta para tratar de questões que as afligiam. Essas mudanças implicam uma produção singular e se inscrevem como efeitos analíticos, análogos à retificação subjetiva, recolhidos no âmbito dessa escuta em grupo. Dizem respeito à implicação de cada uma com aquilo de que vinha se queixar, indicando ter operado na escuta algo do desejo do analista, como desejo prevenido acerca do impossível em jogo na demanda (p. 342).
Almeida e Aguiar (2017) afirmam que as pesquisas-intervenção que conduzem na formação continuada de professores privilegiam os dispositivos da escuta clínica e a análise das práticas profissionais de orientação psicanalítica. No entanto, introduzem dois recursos oriundos da teoria lacaniana, a saber, o método da conversação e o conceito de confrontação.
Tais recursos não invalidam e muito menos negam a origem histórica e o valor do dispositivo concebido e posto em prática por Balint e seus seguidores, mas, antes, ampliam e incorporam à análise das práxis as contribuições teórico-clínicas advindas das formulações do campo da psicanálise lacaniana.... Enfatizamos ... que o dispositivo é clínico, pois nele está presente o ethos do cuidado, do acolhimento, da escuta e o entendimento de que o professor é um sujeito (dividido pela linguagem, pelo inconsciente), que constitui sua subjetividade nas experiências vividas nas relações sociais e cuja história pessoal se enlaça com o percurso profissional (pp. 95-96).
Pereira (2017), por sua vez, assinala que a clínica não se reduz às práticas de consultório e deve ser tomada como uma atitude ou uma conduta que possibilite "pôr em marcha um sujeito em constante reflexão para que se tenha também a chance de fazer sua subjetividade realizar-se" (p. 74). Sendo assim, apresenta uma pesquisa-intervenção de orientação clínica, mostrando aos formadores e aos gestores educacionais dispositivos que levem o professor a refletir sobre sua prática, a pensar intervenções, a compreender fenômenos, a destravar identificações e sintomas e a elaborar-se subjetivamente.
Para isso, buscamos estratégias de intervenção que se nivelam à "clínica das urgências subjetivas" ... que podem ser assim traduzidas: (1) localizar a posição subjetiva de quem fala a partir de sua escuta, destacando modos fixos de gozo ou de satisfação pulsional; (2) estabelecer rapidamente as possíveis hipóteses já que não se tem o tempo da clínica convencional; (3) propiciar a transferência ao longo de todo o processo; (4) suspender as resistências e os semblantes; (5) recortar o caráter repetitivo do sintoma; e (6) intervir pontualmente, sobretudo, por meio de "citação" [refere-se ao termo proposto por Lacan (1992, p.35)], com fins de ajudar o sujeito a fazer seu sintoma vacilar. Fazê-lo vacilar é auxiliar o sujeito a formalizar esse sintoma e a mover-se de tal formalização, de modo a propiciar o destrave de identificações para se alcançar algum modo de elaboração subjetiva (pp. 74-75).
Lajonquière (2014) adverte a respeito de uma distinção necessária entre o que é da ordem do mal-estar na educação e o sofrimento psíquico dos professores no exercício profissional. Levantar os pontos de mal-estar faz-se importante para que um movimento possa surgir e o impossível da educação não a torne irrealizável.
Para a psicanálise, a educação não se restringe à pedagogia. A relação com a criança é também uma das dimensões constitutivas do ofício do professor e o fato de a criança ser a destinatária de sua palavra implica, necessariamente, afirmar que o professor deve fazer face à relação com a criança de carne e osso, ecoada no nível de sua realidade psíquica.
Os altos e baixos da relação com a criança real entram em ressonância com o infantil em termos freudianos do professor dando corpo a um fantasma da infância. É essa relação à criança fantasmática do adulto que se torna o pivô da experiência profissional, dentro de uma abordagem psicanalítica da educação e da formação.
Além disso, a formação de professores, da forma como tem sido proposta, recalca a impossibilidade da educação, buscando a eficácia, a eficiência, a utilidade dos saberes, em detrimento da implicação de um sujeito e da palavra endereçada a uma criança.
Portanto, embora considerando as condições sócio-históricas que têm produzido a formação de professores conforme o contexto de cada época, o denominador comum em relação ao que não se quer saber nessa questão é que não há formação profissional sem a outorga no imaginário social de um lugar de fala para os professores.
Vale ressaltar, contudo, que há diferenças entre os dispositivos propostos, tendo em vista o objetivo primeiro dos trabalhos: a formação docente ou o sofrimento psíquico dos professores. Isso não impede que um trabalho que tenha como alvo o sofrimento psíquico do professor não tenha repercussão em sua formação, bem como o inverso também comparece.
Grupo de palavra com educadores de creche e grupo de escuta de professores de educação inclusiva
Na esteira desses trabalhos com professores que incluem o sujeito e seu ato, pretendemos apresentar dois projetos de pesquisa em andamento que investigam dois modelos de formação docente centrados na premissa de que o domínio conceitual e instrumental não é suficiente para uma efetiva mudança das práticas docentes.
Nossas pesquisas buscam validar dois dispositivos grupais grupo de palavra com educadores de creche4 e grupo de escuta de professores de educação inclusiva5 no intuito de que a confirmação do valor desses dispositivos possa influenciar discussões de políticas públicas de formação docente no âmbito da educação inclusiva e do trabalho nas creches.
A primeira pesquisa, sob responsabilidade da primeira autora, intitulada "Grupo de análise de práticas na formação continuada em serviço e a implementação do protocolo IRDI Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil em creches" consiste em um desdobramento da pesquisa "Metodologia IRDI nas creches: uma proposta de intervenção orientada pela psicanálise", que aproximou a psicanálise da educação com o propósito de promoção em saúde mental (Kupfer, Bernardino & Mariotto, 2014).
No período de 2000 a 2008, um grupo de pesquisadores e psicanalistas, atentos aos desdobramentos da constituição psíquica na primeira infância, propuseram um instrumento que sinaliza o risco psíquico no desenvolvimento infantil. Constituíram um Grupo Nacional de Pesquisa (GNP) que construiu um protocolo chamado Indicadores de Risco para o Desenvolvimento Infantil - IRDI (Lerner & Kupfer, 2008). Fruto de uma demanda inicial da área da saúde, em um segundo momento o protocolo foi levado às creches e tornou-se um instrumento de referência para a relação professora-cuidadora e bebês ou crianças pequenas.
A "Metodologia IRDI nas creches" define-se como um procedimento de acompanhamento do desenvolvimento psíquico feito por psicanalistas em instituições de educação infantil por meio de indicadores clínicos com valor de previsão precoce de problemas de desenvolvimento. Realizado entre 2012 e 2014, o procedimento investigou e demonstrou que o uso dessa metodologia, no âmbito da educação infantil, contribuiu para a diminuição da incidência de problemas de desenvolvimento psíquico ulteriores.
A pesquisa objetivou uma formação em serviço das professoras no cotidiano com os bebês, tendo em vista que essas educadoras-cuidadoras são agentes de promoção de saúde mental e, portanto, há a necessidade de uma formação sensível à noção de bebê-sujeito, pois "as bases da saúde mental se estabelecem nos primeiros anos de vida e são dependentes das relações corporais, afetivas e simbólicas que se firmam entre o bebê e sua mãe (ou substituto)" (Bernardino, Vaz, Quadros & Vaz, 2008, p. 207).
Em suas visitas semanais, os pesquisadores anotavam a presença ou a ausência dos IRDI, uma vez que, ausentes, indicam que a constituição psíquica pode estar encontrando obstáculos, e conversavam com as professoras sobre essas marcações, com o intuito de dirigir seus olhares de educadoras-cuidadoras para aqueles bebês com registros de ausência frequentemente obtiveram como efeito uma presentificação dos indicadores ausentes.
A pesquisa IRDI nas creches preocupou-se em implementar uma formação em serviço que não fosse da ordem de um mero treinamento, de modo a diminuir o efeito checklist do protocolo, pois como indicam Bernardino et al. (2008, p. 219, grifonosso) "uma formação sólida destes profissionais deveria incluir conhecimentos sobre a constituição do sujeito e discussões constantes de seu trabalho através da criação de lugares de escuta no ambiente escolar".
A partir da pesquisa IRDI nas creches restou uma pergunta: até que ponto essa visão transmitida às educadoras poderia perdurar depois do término da pesquisa, quando os pesquisadores não estivessem mais no acompanhamento do trabalho? E no caso dessa formação não ter se consolidado, o que poderia ser proposto na direção de que isso ocorresse?
Foram essas interrogações que nortearam a proposta de pesquisa de pós-doutorado, em andamento, cujo objetivo é saber como esses profissionais acolheram os indicadores, como os entendem e como sustentam esse dispositivo na ausência das pesquisadoras da "Metodologia IRDI nas creches".
A pesquisa ora apresentada pretende trabalhar de maneira complementar à formação em serviço pela qual participaram as professoras das creches pesquisadas na investigação anterior e visa elucidar o tipo de apropriação que as educadoras fizeram dos indicadores e da atenção ao sujeito-bebê.
O objetivo geral da pesquisa em curso é demonstrar que o Grupo de Palavra, inspirado no Grupo de Análise de Práticas, pode servir como instrumento de consolidação da formação em serviço de professores-cuidadores, orientados pelos princípios da pesquisa IRDI nas creches. O foco é, portanto, sobre os efeitos da formação em serviço e a extensão de sua perspectiva.
Para tanto propõe-se um espaço de palavra, com objetivos formativos, que visa dar voz ao educador-cuidador para que possa perceber e reconhecer a importância de seu trabalho na formação do psiquismo do bebê ou da pequena criança que está sob os seus cuidados.
A pesquisa considera as particularidades do ato de educar, do cuidar e do ensinar na creche e insere esses profissionais em uma cena que os implica na saúde psíquica do bebê e da criança pequena, oferecendo um suporte para a discussão sobre as inquietações desse trabalho por meio do Grupo de Palavra.
A psicanálise parte do pressuposto de que falar com alguém também é, para aquele que fala, um momento para escutar-se, posto que aquilo que é dito interpela o falante no seu fazer e no seu desejo. A partir dessa escuta de suas próprias palavras, o sujeito pode refletir e questionar-se sobre sua implicação na educação dessas crianças na creche. A especificidade da psicanálise nessas questões é que a reflexão e o questionamento dos professores recaem sobre si mesmos, a partir da fala que o sujeito endereça a um outro.
Trata-se de uma reflexão sobre a prática, mas diferentemente da perspectiva do professor-reflexivo, que comparece nos textos de diversos autores do campo da educação, aqui o professor vê-se diante de questionamentos acerca de "o quê", de seu próprio desejo e de suas próprias angústias, está implicado em seu fazer docente.
Importante destacar que no Grupo de Palavra os integrantes supõem que estejam sendo escutados pela coordenadora e esperam que as respostas para seus impasses possam vir dela. No entanto, nesse mesmo momento em que um ato de palavra endereça as inquietações a quem coordena o grupo, os professores não escapam de escutarem a si próprios sendo, portanto, um dispositivo coerente com os princípios acima citados.
A aposta do Grupo de Palavra é que, na medida em que o sujeito não renuncie a se interrogar e se implicar, isso o levará a uma mudança de posição perante os pequenos sujeitos que se encontram sob os seus cuidados e a uma mudança de posição no trabalho com as crianças. O efeito desse deslocamento será o ganho de confiança em si e no seu exercício docente.
A proposta do Grupo de Palavra como formação docente dá-se na perspectiva de que a psicanálise seja inserida nas creches não como terapêutica, mas como dispositivo de escuta e de atuação que amplia o seu alcance social, na medida em que propõe uma interlocução com o campo da educação.
A outra proposta de pesquisa, da qual participa a segunda autora, desenvolve-se na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e investiga uma proposta de formação docente, no âmbito da educação inclusiva, que implica o professor em sua particular relação com o saber.
O tema da inclusão escolar de crianças com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD)6 tem comparecido em diversos estudos, pesquisas e debates, desde o final da década de 1990, quando a Declaração de Salamanca trouxe a máxima de que "as escolas [regulares] têm que encontrar a maneira de educar com êxito todas as crianças, inclusive as com deficiências graves" visando o princípio de educação inclusiva (Brasil, 1997, p. 18).
No campo da educação, temos acompanhado os riscos de abordar o problema da educação inclusiva exclusivamente, ou prioritariamente, pelo ângulo de seu marco legal e administrativo e notamos que o mote da educação para todos tem promovido políticas e diretrizes governamentais que acabam restringindo as discussões a esse modo padrão de abordagem do tema, qual seja, o viés das soluções administrativas.
Em que pese a importância das discussões referentes ao âmbito jurídico-administrativo, sem o qual a educação inclusiva seria apenas uma premissa filosófica de trabalho, nossa pesquisa parte de uma constatação do limite do poder das medidas tomadas neste âmbito para a efetiva instalação de um processo inclusivo (Voltolini).
A perspectiva da educação inclusiva envolve diferentes atores que participam do processo, mas os professores ocupam, de forma inegável, um lugar estratégico e relevante nessa questão, uma vez que protagonizam, na sala de aula, as inúmeras dificuldades do trabalho perante a diversidade de seus alunos e apontam as contradições inerentes à instituição escolar que privilegia o coletivo em detrimento do singular.
Essa pesquisa interroga o atual modelo hegemônico de formação de professores, pautado no domínio teórico-conceitual e em referenciais instrumentais que buscam consolidar os ideais e valores inclusivos muito mais do que a modificação atitudinal nas práticas docentes (Voltolini, 2004, 2012).
Os dirigentes apontam que os professores mostram-se refratários, ou resistentes, aos apelos de que vejam com bons olhos a escola inclusiva e buscam acalmá-los, propondo medidas jurídico-administrativas que teriam o objetivo de sanar as dificuldades referentes ao acompanhamento singular que esses alunos exigem, sobretudo daqueles que outrora estavam inseridos em escolas especiais.
No contexto das discussões sobre as modalidades de formação de professores e dos dispositivos pedagógicos da educação inclusiva e pensando acerca das ditas "resistências" dos professores, esta pesquisa propõe as seguintes questões: que modelo poderia ser construído alternativamente a esse modelo dominante? Que vantagens ele apresentaria em comparação com o outro? Como se apresenta a especificidade da formação para a educação inclusiva nessa discussão de formação de professores? Quais condições seriam necessárias para sua implementação?
Vale ressaltar, ainda, que a pesquisa pretende discutir a formação de professores para a educação inclusiva privilegiando dois eixos precisos: o da mobilização do professor diante dos impasses do trabalho junto com as crianças com Transtornos Globais do Desenvolvimento e o das estratégias indicadas para enfrentar as vicissitudes dessa formação docente.
Temos, portanto, dois desafios científicos a serem enfrentados na proposta. O primeiro diz respeito ao laço social que se estabelece entre o professor e esse aluno, uma vez que os impasses da educação inclusiva parecem superlativos no caso dessas crianças, e que a discussão em torno de sua escolarização gira, predominantemente, em torno de seu comportamento, que se mostra como um obstáculo à instalação da cena de aprendizagem, tão cara e decisiva à identidade profissional do professor.
O segundo desafio é refletir sobre a potência de um trabalho de grupo de escuta de professores como dispositivo de formação docente e analisar em que ponto uma intervenção sobre os modos de ação do professor no enlace com seu aluno pode ser efetiva para o trabalho, independentemente de mudanças organizacionais do universo escolar.
O grupo de escuta de professores é o modelo aqui proposto para ser testado, por representar uma excelente possibilidade de trabalho que inclui o sujeito em sua particular relação com o saber.
O princípio de adesão voluntária dos participantes, reunidos em torno de uma tarefa comum, a saber, discutir seus problemas com o trabalho inclusivo, é condição essencial para um dos propósitos da pesquisa, que é a implicação do sujeito em seu saber.
A proposta do projeto de pesquisa enfatiza que o dispositivo grupal possibilita que os professores estejam diante de identificações horizontais com seus pares e não apenas expostos a uma identificação vertical com o mestre, que supostamente deteria o saber, um saber-fazer-com. O manejo da discussão, orientado pela ideia de giro discursivo, proposta por Lacan (1992) em sua teoria dos discursos, pode levar o trabalho na direção de uma aquisição de saber com implicação de sujeito e, portanto, com mais significação e efetividade para a prática.
Esse modo de aquisição de saber evitaria o destino comum, típico do modelo prescritivo criticado no modelo hegemônico de formação, de conceber um conhecimento instrumental forjado sobre "A" criança e que sempre tenderá ao fracasso no contato com "as" crianças.
Considerações finais
Diante do que vem sendo discutido e proposto para a formação de professores nos campos da educação e da sociologia, a psicanálise contribui pela pena de diferentes autores na atualidade, trazendo questões que visam elucidar o lugar do sujeito nessas proposições do fazer docente e adverte que a acepção psicanalítica de sujeito-efeito é totalmente distinta da concepção psicológica de sujeito-protagonista.
A psicanálise, por vezes, é considerada subversiva. Subverte porque coloca questões, aponta que o rei está nu, não oferece respostas, não obtura a falta e, ainda, vai ao encontro do recalque, daquilo que não se quer saber.
Levando-se em conta todos esses fatores implicados na relação dos professores com a criança aos seus cuidados, entendemos que o Grupo de Palavra é um dispositivo que pode servir como instrumento de consolidação da formação em serviço de professores-cuidadores, preparados pela metodologia IRDI, pois realiza um trabalho complementar para que as professoras, ao refletirem sobre a sua função na saúde psíquica da criança pequena, possam se apropriar da atenção ao sujeito-bebê.
Por sua vez, a pesquisa com o grupo de escuta de professores implicados com as práticas inclusivas pretende construir um inventário de modos discursivos que compõem o laço social professor-aluno e buscará testar a validade e efetividade desse modelo de dispositivo grupal enquanto trabalho formativo. Espera-se que os achados da pesquisa possam contribuir para a discussão mais ampla sobre formação docente e possam trazer novos elementos para a construção de políticas governamentais no âmbito da educação inclusiva.
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Endereço para correspondência
Rua Monte Alegre, 1418
05014-001 São Paulo SP Brasil.
odana23@gmail.com
Rua Pamplona, 1119/54
01405-001 São Paulo SP Brasil.
marisebastos@uol.com.br
Recebido em abril/2017.
Aceito em julho/2017.
NOTAS
1. Há muito a formação de professores tem sido pensada como uma necessidade de se levar a estes os saberes técnicos produzidos academicamente. Um trabalho prescritivo reduzido à capacidade técnico-pedagógica resulta da formulação de outros sobre a prática daqueles que deverão aplicar esses conhecimentos.
2. Nostálgicas ou reacionárias, por se contraporem aos "avanços" propostos pelos saberes técnicos.
3. Diários de aula e portfólios foram consagrados em diversos trabalhos como os de Zabalza (2004) e Hess (2006).
4. Pesquisa de Pós-Doutorado da primeira autora, em andamento na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, com financiamento CNPq (Processo 150075/2017-0) sob a supervisão do Professor Leandro de Lajonquière.
5. Pesquisa em andamento na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, intitulada "Formação docente em tempos de educação inclusiva", sob a responsabilidade do Professor Rinaldo Voltolini, contando com a participação da segunda autora como pesquisadora colaboradora (financiamento FAPESP - Processo 15/10857-1).
6. A pesquisa optou pelo uso dessa nomenclatura de origem psiquiátrica apenas para alinhar a linguagem com o discurso pedagógico atual, em particular na escolarização das crianças psicóticas e autistas.