Services on Demand
article
Indicators
Share
Revista da SBPH
Print version ISSN 1516-0858
Rev. SBPH vol.17 no.2 Rio de Janeiro Dec. 2014
ARTIGOS
Intervenção psicoeducativa com uso de jogos eletrônicos: um estudo com familiares de pacientes oncológicos
Psychoeducational intervention with electronic games: a study with relatives of cancer patients
Tathiane Barbosa Guimarães1,I; Tereza Cristina Cavalcanti Ferreira de Araujo2,II
IHospital do Coração (HCor) - São Paulo
IIUniversidade de Brasília, Brasília, DF
RESUMO
Intervenções psicoeducativas são adotadas em saúde, visando oferecer atenção integral e cuidados preventivos. Para tanto, utilizam-se diversas estratégias, inclusive aquelas propiciadas pela expansão das Tecnologias de Informação e Comunicação, como internet e sites. Considerando tais perspectivas, realizou-se uma investigação com os seguintes objetivos: a) descrever, analisar e compreender a percepção da criança, parente de paciente oncológico, a respeito do câncer e seus tratamentos; b) propor uma intervenção psicoeducativa para esta criança (familiar de um paciente com câncer); c) elaborar jogos eletrônicos, disponibilizados em um site, para serem adotados como ferramenta mediadora da intervenção psicoeducativa; e d) avaliar benefícios e limites desta intervenção.Verificou-se que, antes da intervenção, predominavam estratégias de enfrentamento focadas na emoção e ausência de suporte informativo e emocional. Constatou-se que a intervenção favoreceu a ampliação de recursos para lidar com a experiência oncológica de um familiar. Recomendam-se mais pesquisas sobre uso ferramentas eletrônicas em saúde.
Palavras-chave: intervenção psicológica; jogos eletrônicos; Psico-Oncologia; Tecnologias de Informação e Comunicação; Prevenção.
ABSTRACT
Psycho-educational interventions are adopted in health, to offer comprehensive and preventive care. For this purpose, several strategies, including those offered by the expansion of Information and Communication Technologies, such as internet and websites, are used. Considering such perspectives, an investigation were conducted with the following objectives: a) to describe, analyze and understand the perception of the child, a cancer patient relative, about cancer and its treatments; b) propose a psycho-educational intervention for this child (family member of a patient with cancer); c) design electronic games, available on a website, to be adopted as a mediating tool to psycho educational intervention; and d) evaluate the benefits and limitations of this intervention. As results, before the intervention, predominant coping strategies were focused on emotion and lack of information and emotional support. Over all, the intervention favored the expansion of resources to deal with the experience of family member cancer. Further research is recommended to identify the uses of electronic tool sin health.
Keywords: psychological intervention; electronic games; psycho-oncology; information and communication technologies; prevention.
Psico-Oncologia é a área de interconexão entre Psicologia e Oncologia que desenvolve conhecimentos teóricos e práticos sobre os aspectos psicossociais relacionados à experiência de lidar com o câncer, incluindo-se as vivências de familiares e membros integrantes da rede social dos pacientes (Araujo, 2006; Carvalho et al., 2008; Decat & Araujo, 2010; Silva, Teles & Valle, 2005). Cumpre salientar que, nas últimas décadas, a literatura produzida por estudiosos e profissionais reafirma o impacto do câncer sobre as relações sociofamiliares, tendo identificado até mesmo sintomas de estresse pós-traumático em pessoas que constituem a rede social de apoio dos pacientes oncológicos.Muitos trabalhos destacam, então, a necessidade de melhor compreensão da doença e dos seus tratamentos para adaptação e enfrentamento daqueles atingidos pelo sofrimento e pelas limitações suscitados pela enfermidade (Labay & Walco, 2004; Lederberg, 1998; Lewis, 2010; Lopes & Valle, 2001; Pedrosa & Valle, 2000; Rolland, 2005; Silva, 2001; Teixeira & Pereira, 2011).
Mas, de modo geral, são poucos os recursos disponíveis que facilitam o enfrentamento das inúmeras dificuldades deflagradas desde a fase diagnóstica de um câncer (Cancer Council, 2010). Para Lewis (2010), as famílias vivenciam 'pontos de estagnação', sendo que um dos mais graves é a falta de condições para oferecer suporte à criança que tem um pai ou mãe com câncer. Diante do adoecimento parental, as pesquisas reportam que os filhos manifestam culpa, comportamentos disfuncionais, humor deprimido, ansiedade, raiva, desempenho escolar alterado, somatização, alterações do desempenho cognitivo e diminuição da autoestima (Hoke, 2001; Janes-Hodder & Keene, sd; Labay & Walco, 2004; Lederberg, 1998; Teixeira & Pereira, 2011).
Kennedy e Lloyd-Williams (2009) constataram que, a partir dos sete anos de idade, filhos de pacientes oncológicos expressam preocupação em relação à perda do familiar em tratamento, à própria saúde e a de seus irmãos; medo de perturbar ao questionar o assunto e insegurança quanto a dispor de recursos efetivos para lidar com a situação. Cabe mencionar que jovens utilizam termos como "triste", "chateado" e "com coração partido" para descrever a experiência de ter um pai ou mãe com câncer.
De acordo com Bradbury et al. (2009), não se revela o diagnóstico de um familiar a uma criança, pois diversas limitações são atribuídas aos mais jovens, tais como imaturidade emocional e pouca capacidade intelectual. Mesmo assim, filhos de pacientes em tratamento oncológico desenvolvem explicações pessoais sobre a doença e as intervenções terapêuticas. Em geral, essas crenças são equivocadas e podem desencadear outros problemas ao longo do tempo (Cancer Council, 2010; Janes-Hodder & Keene, sd; Lewis, Casey, Brandt, Shands & Zahlis, 2006). Segundo Pedrosa e Valle (2000), o jovem familiar pode se responsabilizar pelo agravamento do estado de saúde do paciente, sem perceber que existem inúmeras variáveis intervenientes. Pensamentos fantasiosos e falsos conceitos podem ocupar o lugar de informações corretamente fundamentadas, as quais muitas vezes não são fornecidas, ou não são claramente repassadas devido à conspiração do silêncio ou à comunicação inadequada com crianças e jovens (Françoso & Valle, 2001). Alguns autores alertam que essas crianças e jovens não contam com suporte psicossocial sistemático e adotam preferencialmente estratégias de enfrentamento focadas na emoção, que não se modificam no decorrer da experiência oncológica. Distração foi a estratégia mais citada pelos participantes das pesquisas, os quais justificaram sua utilização para evitar o assunto (Kennedy & Lloyd-Williams, 2009; Lewis, 2010).
Vale destacar que grande parte da literatura já produzida acerca das vivências de parentes de pacientes oncológicos é constituída de estudos com irmãos de pacientes pediátricos (Alderfer, Labay & Kazak, 2003; Cavicchioli, Nascimento & Lima, 2004; Lobato & Kao, 2002; Prchal & Landolt, 2009). Mas, considerando as múltiplas configurações familiares na contemporaneidade, é preciso investigar outros níveis de parentesco, como por exemplo: netos, sobrinhos e enteados.
Intervenções Psicoeducativas em Oncologia: Contribuições dos Jogos Educativos Eletrônicos
No contexto oncológico, intervenções psicoeducativas visam tanto o manejo adequado do estresse, quanto o desenvolvimento pessoal do público-alvo. Jacobsen e Jim (2008) definem psicoeducação como o fornecimento de informações e esclarecimentos por meio impresso, audiovisual ou interpessoal, no intuito de aumentar o conhecimento de um indivíduo e reduzir suas incertezas em determinadas circunstâncias.
Intervenções psicoeducativas voltadas para crianças e jovens devem ter objetivos claros, oferecer desafios passíveis de serem resolvidos, fornecer feedback acurado e gerar curiosidade, assegurando motivação intrínseca às atividades propostas. Para tanto, diferentes formatos podem ser empregados: cartilhas, livros, sites, jogos de videogame, de tabuleiro e para computadores (Castro, 2008; Lewis, 2006; Mundy, 2001; Toscani et al., 2007).
No passado, jogos eletrônicos foram percebidos como atividades que estimulavam agressividade, acarretavam isolamento e propiciavam vício. Mas, progressivamente, têm sido reconhecidos por suas consequências benéficas, inclusive para a educação em saúde (Araújo, Sales, Araújo & Silva, 2010; Liévano-Fiesco, García-Londoño, Leclercq-Barriga, Liévano-de Lombro & Solano-Salazar, 2009; Przybylski, Rigby & Ryan, 2010; Toscani et al., 2007).
Cabe explicitar que, de acordo com Anetta (2010), esses jogos podem ser classificados como sérios e educativos desde que reúnam determinadas características e contemplem algumas condições básicas em sua estrutura e funcionamento: a) identidade, isto é, o jogador precisa se identificar com o 'avatar' que constitui a personificação do jogador; b) imersão, que é avaliada por meio do engajamento, sensação de identidade e motivação; c) interatividade, a qual pode se dar com outros jogadores em ambiente virtual; d) complexidade crescente, com diferentes fases e níveis de dificuldade; e) 'ensino informado' (informed teaching), entendido como aquele em que ocorrem feedback e avaliações incorporadas no jogo; e f) instrutivo.
É importante insistir que jogos educativos destinados à aplicação em Oncologia precisam promover bem-estar físico e psicológico, além de contribuir para aliviar a dor e o estresse provocados por procedimentos invasivos, como punção lombar, quimioterapia e cirurgias (Kato, 2010). De fato, em saúde, é crescente o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação – conhecidas como TICs – pelas quais se realizam aquisição, armazenamento, processamento e distribuição da informação em meios eletrônicos, tais como internet e sites (Miranda & Araujo, 2012; Rodrigues, 2011).
Em suma, considerando os interesses clínicos e científicos discutidos anteriormente, foi conduzida uma investigação visando: a) descrever, analisar e compreender a percepção da criança, parente de paciente oncológico, a respeito do câncer e de seus tratamentos; b) propor uma intervenção psicoeducativa para esta criança (familiar de um paciente com câncer); c) elaborar jogos eletrônicos, disponibilizados em um site, para serem adotados como ferramenta mediadora da intervenção psicoeducativa; e d) avaliar os benefícios e os limites desta intervenção.
Método
Local
A pesquisa foi realizada no Centro de Alta Complexidade em Oncologia do Hospital Universitário de Brasília (CACON/HUB), aonde são atendidos pacientes que realizam quimioterapia e/ou radioterapia.
Participantes
Foram estipulados como critérios de inclusão: a) ter parentesco com paciente oncológico, cujo tratamento foi iniciado há menos de dois meses no centro citado; e b) ter entre sete e 11 anos de idade. Estabeleceram-se como critérios de exclusão: a) idade igual ou inferior a seis anos ou superior a 12 anos; e b) recusa em participar. Desta maneira, participaram da Fase 1 da pesquisa, quatro crianças do sexo masculino (C1, C2, C3 eC4). Na Fase 2, integraram a amostra C1, C3 e C4 e, na Fase 3, C3 e C4. A Tabela 1 apresenta a caracterização da amostra.
Materiais e Instrumentos
Elaboraram-se materiais específicos para esta pesquisa, os quais são brevemente ilustrados pela Figura 1, a saber:
a) História em quadrinhos: conjunto de figuras representando o corpo humano; células; processo de divisão celular e 'malignização' das células; função dos linfócitos. As cenas eram similares àquelas usadas no jogo de plataforma.
b) Site http://capitaoqt.yolasite.com: de domínio público, criado entre 2010 e 2011, avaliado e aprovado pela instituição supracitada. Tendo como base a versão anterior da história em quadrinhos, o site veiculava informações – transmitidas em texto, áudio e imagens – sobre o desenvolvimento do câncer e as modalidades terapêuticas geralmente indicadas. Destacaram-se os seguintes conteúdos explicativos: definição de célula, processos de mutação, mecanismos de defesa do sistema imunológico, caracterização dos tratamentos (quimioterapia, radioterapia e cirurgia) e seus efeitos colaterais. Nele, também foram disponibilizados dois jogos descritos nos itens c e d.
c) Quiz: jogo de apresentação de perguntas com diferentes opções de resposta para indicação da correta. Exemplo de questão formulada: "Da mesma maneira que uma casa é formada por tijolos e cimento, o corpo humano é formado por: a) areia; b) libélulas; c) células; e d) pregos".
d) Jogo de plataforma: atividade lúdica disponibilizada em espaço virtual (em duas dimensões ou 2D), na qual o jogador utilizava um comando para atirar e eliminar as células cancerosas por meio de um 'avatar' – denominado Capitão QT –, que se deslocava nas quatro direções (para cima, para baixo, à direita e à esquerda).
Para desenvolvimento da coleta de dados, foram empregados os seguintes instrumentos:
- Roteiro com questões norteadoras para grupo focal: composto por perguntas sobre a compreensão da doença e dos tratamentos.
- Roteiro de entrevista semiestruturada: composto de questões sobre as percepções e as experiências dos participantes acerca da doença, tratamentos e hospitalizações do parente em atendimento oncológico.
- Protocolo de avaliação das ferramentas eletrônicas: continha itens específicos, destinados ao lançamento das respostas corretas e incorretas dos participantes, bem como suas opiniões positivas, negativas e sugestões de modificação de cada atividade proposta.
- Protocolo de registro observacional: contendo diferentes campos para anotações de dados obtidos durante a realização da intervenção-psicoeducativa, tais como descrição do ambiente social e do ambiente físico, comportamentos interativos entre participantes; duração da intervenção, comentários adicionais da auxiliar de pesquisa encarregada de efetuar os registros.
Procedimentos de Coleta e Análise de Dados
O projeto foi preliminarmente aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (nº do processo de aprovação 007/11). Por ocasião da admissão do paciente no serviço, foi feito um levantamento dos pacientes que residiam com crianças entre sete e 11 anos de idade. Na etapa seguinte, formulou-se um convite (pessoalmente ou por contato telefônico) para participação na pesquisa, apresentando-se esclarecimentos sobre os procedimentos previstos. Após obter a concordância do paciente, agendava-se o comparecimento da criança ao centro especializado, juntamente com seu responsável. Na data acertada, obteve-se a concordância dos participantes após apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e do Termo de Autorização de Uso de Vídeo, em suas respectivas versões destinadas às crianças e a seus responsáveis.
A coleta de dados foi organizada em três fases distintas. Na primeira fase, empreendeu-se um grupo focal com as crianças, seguido da apresentação da 'história em quadrinhos'. As interações entre as crianças e a pesquisadora (que atuava no centro como psicóloga) foram registradas em áudio e vídeo. Na segunda fase, realizou-se entrevista individual com as crianças para avaliação da versão inicial do site. Os relatos obtidos foram complementados pelo preenchimento do Protocolo de Avaliação das Ferramentas Eletrônicas. As trocas relacionais foram observadas por uma auxiliar de pesquisa, devidamente treinada, que lançava os registros no protocolo específico. Na terceira fase da investigação, reproduziram-se os procedimentos da fase anterior com os materiais modificados após sugestões das crianças e avaliação da equipe de pesquisa.
Os relatos reunidos nas três fases foram integralmente transcritos e submetidos à análise de conteúdo temática (Bardin, 2002; Franco, 2008). Analisaram-se os dados provenientes dos registros observacionais conforme indicado na literatura (Danna & Matos, 2006). Os dados relativos ao Protocolo de Avaliação das Ferramentas Eletrônicas foram computados, extraindo-se as sugestões, críticas e os acertos ou não dos participantes nos jogos.
Resultados e Discussão
Fase 1
O grupo focal foi realizado em uma única sessão de aproximadamente uma hora de duração. Os relatos foram categorizados em: conhecimentos sobre diagnóstico e tratamentos; dificuldades vivenciadas e modalidades de enfrentamento; comunicação.
Apesar de nomearem a doença e perceberem sua gravidade, as crianças não foram capazes de mencionar fatores de risco ou de proteção. Ao invés disso, revelaram crenças equivocadas sobre possíveis causas do desenvolvimento de um câncer. Tal como indicado na literatura, é possível supor que não receberam esclarecimentos de seus familiares, pois estes: a) não sabem transmitir informações adequadas a jovens sujeitos (Cancer Council, 2010; Lewis et al., 2006; Lewis, 2010); b) não acreditam que é necessário orientar a criança sobre o assunto (Bradbury et al., 2009); e c)ainda desconhecem tais fatores.
Seguem-se alguns trechos ilustrativos das verbalizações feitas pelos participantes:
"É uma doença ruim, é... é... doença ruim" (C2).
"Uma doença que tem que cuidar bem direito pra, porque não pode [silêncio], senão pode ser uma coisa muito grave e [silêncio] pode até acontecer uma coisa que nós pode não esperar" (C1)
"Ahhhh, o ...pode ter causado isso? Pode ter sido alguma coisa que transmitiu uma infecção, deve ter [silêncio], é, causado. Então assim o corpo deve ter reagido de um jeito, deve ter causado isso" (C1)
"Colocar coisa no peito, dinheiro, celular?" (C2)
"Do meu pai... eu não sei... o dele é na cabeça, o que ele coloca lá? [risos] (C3)
É interessante destacar que C3, após ouvir a explicação de C2 sobre fatores de risco, relacionou o câncer de rinofaringe do seu pai e o contato com poeira. C3 também reagiu a uma fala de C1, alertando para "tomar cuidado para não pegar câncer também". Tal como apontado por Janes-Hodder e Keene (sd) e pelo Cancer Council (2010), a enfermidade é percebida como infectocontagiosa. Também é importante constatar que em uma breve atividade social, como a que foi proposta, explicações foram prontamente construídas. Isso reforça a noção de influência das interações grupais para engendrar conhecimentos equivocados ou não em saúde. Ou seja, pensamentos fantasiosos e falsos conceitos podem ser acionados na ausência de informações efetivamente compreendidas (Françoso & Valle, 2001). Essas evidências reiteram a necessidade dos profissionais de saúde identificarem as crenças dos pacientes e familiares para oferecer informação em linguagem adequada.
O receio da morte do familiar foi manifestado, corroborando estudos da área (Kennedy & Lloyd-Williams, 2009; Lewis, 2010). As crianças disseram que permanecem vigilantes para que o doente se sinta cuidado, estimado e apoiado. Mesmo utilizando vocábulos bem distintos, todas expressaram tristeza e preocupação, a exemplo de participantes de outras pesquisas (Janes-Hodder & Keene, sd; Kennedy & Lloyd-Williams, 2009; Woodgate, 2006).
Quanto ao enfrentamento do estresse vivenciado, é possível destacar os cuidados do familiar. Somente após serem novamente questionadas sobre o manejo de suas dificuldades, as crianças mencionaram brincar. Mais precisamente, identificaram-se estratégias de enfrentamento focadas na emoção. Uma das crianças reconheceu que prefere: 'não pensar no que está acontecendo' (estratégia de negação). Esses resultados coincidem com aqueles obtidos por Kennedy e Lloyd-Williams (2009). Estes autores observaram que filhos de pacientes com câncer tendem a dedicar mais tempo ao enfermo e oferecer-lhe suporte emocional. Mas também buscam se distrair e brincar, com o propósito de manter uma atitude positiva.
Ao serem indagadas sobre o suporte informativo e cognitivo, verificou-se que: duas crianças não foram orientadas, uma criança recebeu informações do próprio paciente e uma quarta criança foi instruída por outro familiar. Somente C4 expressou o que sente a respeito da experiência oncológica. C2 e C3 afirmaram que não costumam conversar sobre o assunto. Já C1 manifestou interesse em compartilhar o que pensa e sente, desde que alguém lhe perguntasse. Tais constatações convergem com pesquisas anteriores (Lewis, 2010; Woodgate, 2006) e apontam uma demanda dos participantes para receber suporte psicossocial adicional.
No que tange aos elementos e enredo da história em quadrinhos, as crianças forneceram diversas sugestões que permitiram aprimorar o material inicialmente produzido, contribuindo para o aperfeiçoamento dos jogos disponibilizados no site, como por exemplo: (a) criação de uma versão feminina do 'avatar' para favorecer a identificação de ambos os sexos; (b) inclusão de outras figuras no quadro de fatores de risco (ex. bebida alcoólica); e (c) apresentação de um quadro de fatores de proteção.
Fase 2
Quatro semanas após o grupo focal, C1, C3 e C4 participaram dessa fase da pesquisa. C2 não pôde comparecer nas datas marcadas em razão do agravamento da doença do familiar, que impediu seu deslocamento ao centro. As entrevistas individuais e os registros observacionais do uso do material pelas crianças indicaram necessidade de ajustes no vocabulário e no nível de dificuldade das questões que comporiam o quiz. Corroborando as recomendações da literatura especializada, os dados também sugeriram que a informação deveria ser apresentada em diversos formatos para atender às especificidades de cada caso (Anetta, 2010; Habgood, 2007).
Fase 3
Sete meses após a segunda fase, as crianças foram convidadas a retornar ao centro para utilizar a versão final do site e de seus jogos. Devido ao agravamento da enfermidade do familiar de C1, somente C3 e C4 participaram. Os relatos mostraram que C3 aprimorou suas respostas e C4 manteve aquelas corretamente emitidas. De modo geral, a compreensão dos fatores de proteção foi aprofundada, pois mencionaram "não ficar no sol" e "não comer besteira", em substituição a noções incongruentes como "tomar remédio para não pegar câncer". Em relação à quimioterapia, foi possível notar a assimilação de conhecimentos mais apropriados. Contudo, a radioterapia permaneceu como uma conduta terapêutica pouco compreendida. Os efeitos colaterais dos tratamentos foram mais claramente identificados (vômitos, alopecia e cansaço).
No que se refere às preocupações suscitadas pelo enfrentamento da experiência oncológica do familiar, as crianças ainda manifestaram dificuldades pessoais, como a tristeza. De um lado, esse resultado converge com trabalhos já divulgados (Kennedy & Lloyd-Williams, 2009; Lewis, 2010; Woodgate, 2006). De outro lado, parece alertar que a intervenção psicoeducativa deve prever mais encontros, assim como incorporar mudanças que venham a ser identificadas em futuros estudos com amostras maiores e mais diversificadas.
Quanto aos aspectos de comunicação, as crianças reconheceram o suporte instrucional e cognitivo mediado pela pesquisadora responsável durante as intervenções conduzidas com uso do site. Chamou atenção igualmente que as crianças admitem pouco conversar sobre seus sentimentos, descrevendo-se como crianças mais introspectivas. Uma delas chegou a afirmar "sou solitário mesmo". Em compensação, a partir da intervenção proposta, a amostra manifestou interesse em buscar mais apoio da rede social disponível. Evidentemente, para que essa rede possa desempenhar seu papel de suporte é preciso que os profissionais de saúde dediquem mais atenção aos seus membros.
Por fim, é necessário enfatizar que, ao longo das três fases que compuseram a pesquisa, as crianças se mantiveram motivadas para participar, enriquecendo seus conhecimentos e, sobretudo, diversificando suas estratégias de enfrentamento.
Considerações Finais
A pesquisa confirmou a necessidade de planejamento e aplicação de intervenções psicoeducativas destinadas aos familiares de pacientes com câncer, no intuito de preveniras enfermidades associadas a esta condição clínica e promover saúde. Em outras palavras, ao se difundir informações adequadas para crianças e jovens que podem ser atingidos por um câncer – em função das semelhanças genéticas e ambientais com seu familiar já acometido pela doença –, empreende-se uma ação de caráter preventivo e, ao mesmo tempo, estimulam-se atitudes e comportamentos de autocuidado.
Com a expansão das TICs no campo da saúde, é fundamental ampliar as investigações sobre tais ferramentas. No decorrer desta pesquisa, diversos desafios se interpuseram e acarretaram algumas limitações. A criação e o desenvolvimento dos materiais (site e jogos) exigiram a participação de técnicos especializados em informática que atuaram voluntariamente, pois reconheceram as repercussões sociais positivas do projeto. Outro importante obstáculo foi acarretado pelo cancelamento das intervenções em razão do agravamento das condições do paciente e das paralisações do centro oncológico durante períodos de manifestações de natureza trabalhista e reforma dos espaços. Assim, procedimentos que previam uma extensa equipe profissional, em diversas fases, com uma clientela que enfrentava grandes dificuldades, foram aplicados em uma amostra reduzida. Diante dessa limitação, futuros trabalhos investigativos devem estudar amostras maiores.
Do ponto de vista clínico, sugere-se a inclusão de procedimentos de orientação destinados aos familiares de pacientes – similares àqueles pesquisados neste trabalho –, nas rotinas dos centros de Oncologia. Recomendam-se, sobremaneira, intervenções grupais para atingir maior número de pessoas. Outrossim, é preciso priorizar ferramentas eletrônicas que possibilitam acesso à distância, uma vez que permitem estender as intervenções para além das áreas de abrangência das instituições de saúde. Especialmente no que concerne aos jovens, é crucial fomentar uma linguagem acessível, motivadora e acolhedora. Jogos parecem particularmente indicados para propiciar tais ambientes de educação em saúde.
Cumpre ressaltar que essas inovações exigirão capacitação e treinamento dos profissionais de saúde para efetivação em suas rotinas de atendimento. Evidentemente, esses materiais podem ser adotados em outros contextos, além de hospitais e centros especializados, possibilitando que as ações em prol da saúde se multipliquem e se coadunem com a contemporaneidade.
REFERÊNCIAS
Alderfer, M. A., Labay, L. E., & Kazak, A. E. (2003). Brief report: does posttraumatic stress apply to siblings of childhood cancer survivors? Journal of Pediatric Psychology, 28(4), 281-286. [ Links ]
Anetta, L. A. (2010). The "I's" have it: a framework for serious educational game design. Review of General Psychology, 14(2), 105-111. [ Links ]
Araújo, M. F. M., Sales, A. L., Araújo, T. L., & Silva, V. M. (2010). Validación de juego educativo para la enseñanza de la valoración cardiovascular. Investigación y Educación en Enfermería, 28(1), 83-91. [ Links ]
Araujo, T. C. C. F. (2006). Câncer infantil: intervenção, pesquisa e formação em Psico-Oncologia Pediátrica. Psicologia Hospitalar, 4(1), 1-12. Retirado em 01/06/2013, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1677-74092006000100005&script=sci_arttext [ Links ]
Bardin, L. (2002). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. [ Links ]
Bradbury, A. R., Patrick-Miller, L., Pawlowski, K., Ibe, C. N., Cummings, S. A., Hlubocky, F., Olopade, O. I., & Daugherty, C. K. (2009). Learning of your parent's BRCA mutation during adolescence or early adulthood: a study of offspring experiences. Psycho-Oncology, 18, 200-208. [ Links ]
CancerCouncil (2010).Talking to children about cancer: a guide for people with cancer, their families and friends. Retirado em 02/12/2011, de http://www.cancercouncil.com.au/html/patientsfamiliesfriends/livingwithcancer/talkingtokids/downloads/talking_to_kids.pdf [ Links ]
Carvalho, V. A., Franco, M. H. P., Kovács, M. J., Liberato, R. P., Macieira, R. C., Veit, M. T., Gomes, M. J. B., & Barros, L. H. C. (2008). Temas em psico-oncologia. São Paulo: Summus. [ Links ]
Castro, C. G. M. (2008). Histórias infantis como promotoras de comunicação em psicologia pediátrica. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília. [ Links ]
Cavicchioli, A. C., Nascimento, L. C., & Lima, R. A. G. (2004). O câncer infantil na perspectiva dos irmãos das crianças doentes: revisão bibliográfica. Revista Brasileira de Enfermagem, 57(2), 223-227. [ Links ]
Danna, M. F., & Matos, M. A. (2006). Aprendendo a observar. São Paulo: Edicon. [ Links ]
Decat, C. S., & Araujo, T. C. C. F. (2010). Psico-Oncologia: apontamentos sobre a evolução histórica de um campo interdisciplinar. Brasília Médica, 47(1), 93-99. Retirado em 25/03/2012, de http://www.ambr.org.br/portal/arquivos/Psico-Oncologia[1].pdf [ Links ]
Franco, M. L. P. B. (2008). Análise de conteúdo. Brasília: Liber Livro. [ Links ]
Françoso, L. P. C., & Valle, E. R. M. (2001). Assistência psicológica a crianças com câncer – os grupos de apoio. Em E. R. M. Valle (Org.), Psico-oncologia pediátrica (pp. 75-128). São Paulo: Casa do Psicólogo.
Habgood, M. P. J. (2007). The effective integration of digital games and learning content. Tese de Doutorado, University of Nottingham, Nottingham. [ Links ]
Hoke, L. A. (2001). Psychological adjustment in children of mothers with breast cancer. Psycho-Oncology, 10, 361-369. [ Links ]
Jacobsen, P. B., & Jim, H. S. (2008). Psychosocial interventions for anxiety and depression in adult cancer patients: achievements and challenges. A Cancer Journal for Clinicians, 58, 214-230. [ Links ]
Janes-Hodder, H., & Keene, N. (sd). Sibilings of children with cancer. Retirado em 23/10/2012, de http://www.onconurse.com/factsheets/sibling_of_chldren_w_cancer.pdf [ Links ]
Kato, P. M. (2010). Video games in health care: closing the gap. Review of General Psychology, 14(2), 113-121. [ Links ]
Kennedy, V. L., & Lloyd-Williams, M. (2009). How children cope when a parent has advanced cancer. Psycho-Oncology, 18, 886-892. [ Links ]
Labay, L. A., & Walco, G. A. (2004). Brief report: empathy and psychological adjustment in siblings of children with cancer. Journal of Pediatric Psychology, 29(4), 309-314. [ Links ]
Lederberg, M. S. (1998).The family of the cancer patient. In J.C. Holland (Ed.), Psycho-Oncology (pp. 981-993). New York: Oxford University Press. [ Links ]
Lewis, A. (2006). Quando alguém que você ama está com câncer: um guia para ajudar crianças. São Paulo: Paulus. [ Links ]
Lewis, F. M. (2010).The family's "stuck points" in adjusting to cancer. In J. C. Holland, W. S. Breitbart, P. B. Jacobsen, M. S. Lederberg, M. J. Loscalzo, & R. McCorkle (Eds.), Psycho-Oncology (pp. 511-515). New York: Oxford University Press. [ Links ]
Lewis, F. M., Casey, S. M., Brandt, P. A., Shands, M. E., & Zahlis, E. H. (2006). The enhancing connections program: pilot study of a cognitive-behavioral intervention for mothers and children affected my breast cancer. Psycho-Oncology, 15, 486-497. [ Links ]
Liévano-Fiesco, M., García-Londoño, G., Leclercq-Barriga, M., Liévano-de Lombro, G., & Solano-Salazar, K. (2009). Validación del material lúdico de la estratégia educativa basada en juegos para la promoción de estilos de vida saludable en niños de cuatro y cinco años de edad. Universitas Scientiarum, 14(1), 79-85. [ Links ]
Lobato, D. J., & Kao, B. T. (2002). Integrated sibling-parent group intervention to improve sibling knowledge and adjustment to chronic illness and disability. Journal of Pediatric Psychology, 27(8), 711-716. [ Links ]
Lopes, D. P. L. O., & Valle, E. R. M. (2001). A organização familiar e o acontecer do tratamento da criança com câncer. Em E. R. M. Valle (Org.), Psico-oncologia pediátrica (pp. 13-74). São Paulo: Casa do Psicólogo. [ Links ]
Miranda, R. C., & Araujo, T. C. C. F. (2012). Alcances e limites das tecnologias de informação e comunicação em saúde: um estudo com profissionais da área. Revista da SBPH, 15(2), 33-45. [ Links ]
Mundy, M. (2001). Ficar triste não é ruim: como uma criança pode enfrentar uma situação de perda. São Paulo: Paulus. [ Links ]
Pedrosa, C. M., & Valle, E. R. M. (2000). Ser irmão de criança com câncer: estudo compreensivo. Pediatria, 22(2), 185-194. [ Links ]
Prchal, A., & Landolt, M. A. (2009). Psychological interventions with siblings of pediatric cancer patients: a systematic review. Psycho-Oncology, 18, 1241-1251. [ Links ]
Przybylski, A. K., Rigby, C. S., & Ryan, R. M. (2010). A motivational model of video game engagement. Review of General Psychology, 14(2), 154-166. [ Links ]
Rodrigues, M. P. C. (2011). Reabilitação de pessoas com lesão medular: relevância, aplicações e desafios relacionados ao uso da internet. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília. [ Links ]
Rolland, J. S. (2005). Cancer and the family: an integrative model. Cancer, 104(11), 2584-2595. [ Links ]
Silva, C. N. (2001). Como o câncer (des)estrutura a familia. São Paulo: Annablume. [ Links ]
Silva, G. M., Teles, S. S., & Valle, E. R. M. (2005). Estudo sobre as publicações brasileiras relacionadas a aspectos psicossociais do câncer infantil – período de 1998 a 2004. Revista Brasileira de Cancerologia, 51(3), 253-261.
Teixeira, R. J., & Pereira, M. G. (2011). Impacto do câncer parental no desenvolvimento psicológico dos filhos: uma revisão da literatura. Psicologia: Reflexão e Crítica, 24(3), 513-522. [ Links ]
Toscani, N. V., Santos, A. J. D. S., Silva, L. L. M., Tonial, C. T., Chazan, M., Wiebbelling, A. M. P., & Mezzari, A. (2007). Desenvolvimento e análise de jogo educativo para crianças visando à prevenção de doenças parasitológicas. Comunicação, Saúde, Educação, 11(22), 281-294. [ Links ]
Woodgate, R. L. (2006). Siblings' experiences with childhood cancer: a different way of being in the family. Cancer Nursing, 29(5), 406-414. [ Links ]
1 Psicóloga responsável pelo Serviço de Oncologia do Hospital do Coração (HCor) - São Paulo. E-mail: tathianeguimaraes@gmail.com.
2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura - Universidade de Brasília, Brasília, DF. E-mail: araujotc@unb.br.