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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. v.8 n.2 São Paulo dez. 2006

 

ARTIGOS

 

O jogo de areia no atendimento psicológico de paciente com membro inferior amputado

 

El juego de arena en la atencion psicologica del paciente con miembro inferior amputado

 

The sandplay on psychological attendance of an amputated inferior member patient

 

 

Natasha Frias Nahim Bazhuni; Paulo Afrânio Sant’Anna

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Pacientes cardiopatas têm circulação sangüínea diminuída, o que pode gerar a necrose de tecidos. O estágio final da doença resulta na amputação do membro afetado, influenciando diretamente a imagem corporal e a identidade. O tratamento psicológico visa a promoção e manutenção da saúde, minimizando conseqüências negativas para a saúde mental do paciente. Objetivou-se verificar a experiência psíquica de um paciente cardíaco internado em processo de amputação por meio da sua expressão no jogo de areia. Utilizouse a entrevista clínica, o desenho da figura humana e o jogo de areia com adaptações. Foi evidenciada a expressão de temas relacionados à doença e ao tratamento, seu significado, o medo da morte, além de aspectos psicodinâmicos da personalidade. Observa-se a relação do sintoma corporal com conteúdos emocionais de grande intensidade no nível psíquico. O jogo de areia promoveu por meio da ação lúdica a expressão e a elaboração de conteúdos ansiogênicos relativos à doença. A utilização dos referidos instrumentos resultou em aberturas para outros níveis de compreensão por parte do paciente.

Palavras-chave: Psicologia hospitalar, Paciente amputado, Jogo de areia.


RESUMEN

Pacientes cardiópatas tienen circulación sangüínea disminuida lo que puede generar la necrosis de tejidos. El estagio final de la enfermedad resulta en la amputación del miembro afectado, influenciando directamente la imagen corporal y la identidad. El tratamiento psicológico tiene como objetivo la promoción y la mantención de la salud minimizando consecuencias negativas para la salud mental del paciente. El objetivo fue verificar la experiencia psíquica de un paciente cardíaco internado en proceso de amputación por medio de su expresión en el juego de arena. Se utilizó la entrevista clínica, el dibujo de la figura humana y el juego de arena con adaptaciones. Se evidenció la expresión de temas relacionados a la enfermedad y al tratamiento, su significado, el miedo de la muerte, además de aspectos psicodinámicos de la personalidad. Se observa la relación del síntoma corporal con contenidos emocionales de grande intensidad en el nivel psíquico. El juego de arena promovió por medio de la acción lúdica la expresión y la elaboración de contenidos ansiogénicos relativos a la enfermedad. La utilización de los referidos instrumentos resultó en aperturas para otros niveles de comprensión por parte del paciente.

Palabras clave: Psicología hospitalar, Paciente amputado, Juego de arena.


ABSTRACT

Cardiac patients have decreased sanguine circulation, which can cause necrosis. At the final stage of the disease, the member is amputated and as a consequence the body image and the identity are influenced. The psychological treatment is important in the promotion and maintenance of health, minimizing mental health consequences. The objective was to verify the psychic experience of an hospitalized amputed patient through his expression on sandplay. It was used clinical interview, the drawing of human being figure and adapted sandplay technique. Themes related to the disease were expressed, as well as their meaning, fear of death, revolt against the illness and psychodynamic aspects of personality. Results showed that the body symptoms were related with intense emotional contents at the psychic level. The sandplay promoted through the playful action the expression and elaboration of anxieties contents related to the disease. The utilization of these instruments contributes to new levels of understanding by the patient.

Keywords: Hospital psychology, Amputated patient, Sandplay.


 

 

Introdução

De acordo com estatísticas realizadas pelo Ministério da Saúde – BR (2003), as doenças cardiovasculares são as maiores responsáveis pelo número de mortes no país. Destas, 30% são decorrentes de infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e de outros problemas ligados ao sistema circulatório. Esses dados implicam altos custos de hospitalização e reabilitação, além de aumento nos índices de afastamento do trabalho, com amplos efeitos sociais e emocionais.

De acordo com pesquisa de Flannery e Faria (1999), realizada na Flórida, Estados Unidos, estima-se que 10% das pessoas com mais de 70 anos têm insuficiência vascular periférica. Com o aumento da população de idosos nos Estados Unidos, fato que também ocorre no Brasil, o maior alvo da saúde pública é o tratamento de doenças crônicas. Os autores afirmam ainda que muitos cardiopatas com insuficiência vascular periférica severa evoluem para amputação devido à má circulação sangüínea que ocasiona necrose do tecido.

A amputação é definida como “a retirada, geralmente cirúrgica, total ou parcial de um membro” (CARVALHO, 2003, p. 11). Este procedimento está associado à alta mortalidade operatória, baixos índices de reabilitação, altas taxas de mortalidade tardia e acomete em maior número pessoas na faixa etária de mais de 50 anos. Na amputação, a perda total ou parcial de um membro influencia diretamente a imagem corporal do paciente e, por conseqüência, a estrutura de sua identidade. Assim, torna-se questão importante no processo de reabilitação oferecer tratamento que vise minimizar os efeitos psicossociais da perda de um membro, o que demanda uma abordagem global e multiprofissional do paciente, que garanta ao máximo suas potencialidades físicas e psicológicas.

Rial (1989) discute o trabalho de reabilitação em pacientes amputados em decorrência de afecções vasculares sob enfoque multidisciplinar. Enfatiza o papel do paciente e da família no processo de reabilitação, defendendo a utilidade da intervenção psicológica e a avaliação psicossocial para o processo de reabilitação. Para Knetsche; Leopold e Brage (2001), nos casos de amputação a natureza dos processos pré-operatório, operatório e pós-operatório estabelece o grau de sucesso do procedimento. Os trabalhos imediatos de reabilitação e psicoterapia têm papéis igualmente fundamentais.

Romano (1999) aponta que os profissionais da saúde reconhecem aspectos inconscientes conflituosos que podem afetar a eficácia do tratamento, por isso a importância da inserção do acompanhamento psicológico no mesmo. É preciso levar o paciente a se engajar no tratamento. Nesse sentido, a autora refere que as reações diante da doença e a tomada de decisões, diretamente relacionadas às chances de sobrevivência, podem ser alteradas pelos aspectos emocionais.

Existem diferentes espaços físicos no hospital, como pronto-socorro, ambulatório, centro de terapia intensiva e enfermaria. Cada setor tem sua especificidade e seu objetivo e, portanto, é necessário adaptar a metodologia e a técnica empregadas a estes diferentes contextos para que sejam mais adequadas e eficientes.

No atendimento em enfermaria, o psicólogo tem de lidar com variáveis orgânicas, ambientais e sociais que estão inter-relacionadas e agem diretamente no trabalho a ser realizado. É nesse contexto que o psicólogo encontra o paciente e é sob essas condições que tem de trabalhar. Levando-se em conta essas variáveis e que o período de permanência na internação é variável, com tendência a diminuir cada vez mais, é preciso que se estabeleça um plano de atendimento que contemple essas especificidades e ao mesmo tempo ofereça benefícios ao paciente. Por isso abordagens focais têm sido empregadas com mais freqüência visando promover a adaptação do paciente ao hospital, por meio da melhor compreensão da doença e do tratamento.

Romano (1999) afirma que a inserção de recursos terapêuticos que favoreçam uma intervenção mais adaptada aos atendimentos em contexto hospitalar é um grande desafio da atuação do psicólogo. As técnicas expressivas e projetivas são recursos importantes para a intervenção psicológica em ambiente hospitalar, na medida em que facilitam a comunicação entre paciente e psicólogo e favorecem a expressão de estados emocionais ainda pouco elaborados conscientemente.

Com este objetivo, o jogo de areia tem sido adaptado para ser utilizado em leito hospitalar mediante a construção de uma caixa de areia portátil. Estudos realizados por Sant’Anna (2001) e Sant’Anna e Chagas (2003) verificaram que a caixa portátil atende às necessidades de atendimentos em leitos hospitalares, uma vez que oferece a possibilidade de expressão de conteúdos relativos à experiência de hospitalização, favorece o estabelecimento de um vínculo terapêutico imediato e interfere minimamente na rotina hospitalar. Discutem-se também as limitações relativas ao uso da areia com pacientes com risco de infecção. Nesse sentido, é indicada a discussão prévia com a equipe médica para a avaliação dos riscos e um tratamento especial da areia que pode até ser renovada a cada aplicação.

O jogo de areia ou sandplay1 é uma técnica terapêutica que se fundamenta na Psicologia Analítica de C. G. Jung. Portanto, parte do pressuposto de que o processo de cura se dá pela ação de mecanismos auto-reguladores que se expressam paralelamente nos planos físico e psíquico. O objetivo da psicoterapia e dos instrumentos terapêuticos é favorecer esse processo e torná-lo acessível à consciência do paciente. A idéia central do jogo de areia é a de que ao construir ludicamente uma cena na areia, conteúdos inconscientes podem ser expressos e tornados conscientes (KALFF, 1993). Assim, cria-se um espaço expressivo, livre e protegido, que favorece o movimento compensatório proveniente do self e a cura psíquica.

Por ser uma técnica que prioriza a expressão não-verbal tem sido referida como muito eficaz na expressão e elaboração de experiências que ainda não encontraram uma formulação verbal adequada, como, por exemplo, momentos de ruptura ou mudanças bruscas. Nesse sentido, a sua aplicação em situações pós-traumáticas merece ser mais bem explorada e investigada.

Partindo das questões acima, o presente trabalho teve como objetivos: a) verificar a aplicabilidade do jogo de areia em contexto hospitalar, especialmente com pacientes em leito; b) verificar a experiência subjetiva de um paciente cardiopata com amputação de membros inferiores por meio das expressões no jogo de areia, das vivências relativas ao processo de adoecimento, de hospitalização e à perda de um membro.

A discussão apóia-se na psicologia analítica que entende a doença como um aspecto da função auto-reguladora da psique, como indicado anteriormente. Assim, o sintoma é visto como expressão da dinâmica entre consciente e inconsciente. Enfatizando essa visão, Ramos (1995) afirma que Jung entendia o desvio da normalidade como uma tentativa da psique de corrigir uma atitude unilateral da consciência. O sonho, por exemplo, teria este propósito. Jung propõe a abordagem finalista unida ao método de amplificação para a compreensão do sonho. Do mesmo modo, isso ocorre na doença e a utilização deste método levaria a integração à consciência do que foi reprimido ou não vivido.

A autora ainda aponta que os eventos psíquicos e orgânicos estão inter-relacionados por meio do conceito de sincronicidade, constituindo expressões parciais do self (RAMOS, 1994).

 

Metodologia

Apoiado em uma perspectiva de pesquisa qualitativa, realizou-se um estudo de caso sobre um atendimento realizado em um hospital público do Estado de São Paulo, com um paciente cardiopata, adulto, com indicação de amputação de membros inferiores, abrangendo os períodos pré e pós-operatórios em enfermaria. Partiu-se do procedimento- padrão de atendimento psicológico em leito adotado na instituição e foi-se introduzindo os elementos clínicos de acordo com a disponibilidade e o movimento do paciente. O número de sessões, o número de cenas e as condições de aplicação foram determinados pelo contexto. Os atendimentos foram realizados por um dos autores da pesquisa que estava inserido na instituição na condição de estagiário, o que caracteriza uma relação participante com o universo estudado.

Foram utilizados como procedimentos de coleta de dados a entrevista clínica, o desenho da figura humana (DFH) e o jogo de areia. A seleção do paciente-colaborador foi feita por meio de encaminhamento da enfermagem do hospital que estava previamente informada sobre os critérios de inclusão: indicação de amputação de membros inferiores em decorrência de problemas cardiovasculares e a disponibilidade e anuência da pessoa em participar dos atendimentos durante o período de internação e da pesquisa.

 

Medidas de avaliação

A entrevista clínica

Para Trinca (1984), a entrevista clínica é definida como um conjunto de técnicas de investigação, que tem um tempo delimitado e é dirigida por um entrevistador. Por meio desta pode-se descrever e avaliar aspectos pessoais que permitem eventos, fazer inferências e chegar a algumas conclusões. A entrevista clínica é o único instrumento capaz de adaptar-se às diferentes situações clínicas. No presente estudo, optou-se pela entrevista semi-estruturada visando garantir as informações necessárias para o atendimento e para a pesquisa e ao mesmo tempo oferecer espaço para a livre expressão do paciente. Na sua estruturação foram considerados os aspectos inerentes ao contexto hospitalar, como a presença de outras pessoas (profissionais, familiares) ou o próprio lugar em que é realizado o atendimento – quarto de enfermaria –, que não oferece privacidade ou sigilo. O registro das entrevistas ocorreu em momento posterior por meio de relatório.

O desenho da figura humana

Para Martins (2001), pelo DFH a pessoa pode refletir aspectos de sua experiência subjetiva, favorecendo o diagnóstico de dificuldades emocionais em criança com problemas orgânicos. A análise do DFH revela uma preocupação com o corpo em pessoas portadoras de deficiências orgânicas, refletido na representação da auto-imagem. Atualmente o DFH é um teste utilizado com grande freqüência em pesquisas por ser uma técnica abrangente, simples e objetiva. Do ponto de vista da avaliação dos aspectos estruturais e dinâmicos da personalidade, é importante ressaltar que Machover recomenda a realização de um inquérito ou construção de uma história sobre a figura (MARTINS, 2001).

O jogo de areia ou sandplay

Técnica terapêutica expressiva, projetiva, não-verbal e não interpretativa criada por Dora Kalff, na década de 1950, que a utilizava em psicoterapia individual de crianças e adultos. O instrumento consiste em uma caixa de tamanho padronizado (72 x 50 x 07 cm), tendo o seu fundo e lados pintados na cor azul, preenchida com areia seca ou molhada até a metade. Além da caixa com areia, trabalha-se com miniaturas representativas de diversas dimensões da realidade ou da fantasia – figuras fantásticas e religiosas, animais domésticos e selvagens, figuras humanas variadas que expressam funções familiares ou sociais, veículos de transporte, objetos, móveis domésticos e elementos da natureza. Em função do contexto desta pesquisa, priorizou-se a inclusão de elementos relacionados ao ambiente hospitalar e optou-se pelo uso de uma caixa com dimensões menores, adaptada e desenvolvida por Sant’Anna (2001) para o atendimento em leito.

A referida caixa é portátil, podendo ser facilmente transportada ao hospital e levada de um leito a outro sem grandes intervenções no ambiente hospitalar. A forma de aplicação e registro também foi adaptada às diferentes situações hospitalares. Graças aos resultados favoráveis obtidos em estudos preliminares (CHAGAS; FORGIONE, 2002; SANT’ANNA; CHAGAS, 2003) optou-se por utilizá-la nos atendimentos realizados no presente trabalho.

A aplicação do jogo de areia inicia-se a partir do contato com a areia, o que favorece a modulação do estado mental e a configuração de fantasias que podem resultar na construção de uma cena, com ou sem o uso de miniaturas. Devido ao seu caráter fluido, a areia favorece uma abertura para o inconsciente e ao mesmo tempo oferece uma possibilidade de formatação das imagens que surgem do inconsciente como reações imagéticas à determinada situação psíquica.

 

 

Procedimentos

Realizou-se um atendimento psicológico breve em enfermaria de um hospital público da cidade de São Paulo constituído por:

a) Uma entrevista inicial no período pré-operatório, na qual se estabeleceu o contrato e enquadramento do atendimento, incluindo a proposta de pesquisa. Foi apresentada a possibilidade do uso do jogo de areia e, após concordância do paciente, foi solicitado que assinasse o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido2. Investigaram-se questões relacionadas ao processo de hospitalização e à relação do paciente com a doença e seus sintomas. Aplicou-se o DFH com o objetivo de obter dados projetivos desta relação.

b) Quatro atendimentos clínicos em enfermaria no período pós-operatório com duração aproximada de duas horas, sendo que o jogo de areia foi inserido somente nos dois primeiros. Nas sessões com o jogo de areia, primeiramente averiguou-se o estado geral do paciente, especialmente no tocante à intensidade da dor, e, em seguida, foi feita a proposta de montar uma cena na caixa de areia. Na primeira sessão, o tema foi livre e na segunda foi proposto o tema “perdas”. Algumas intervenções verbais foram feitas no sentido de esclarecer dúvidas do paciente. Após a realização da cena, deu-se a seguinte instrução: “Agora gostaria que você me contasse uma história sobre essa cena”. Após o relato da história foi perguntado ao paciente se gostaria de efetuar alguma modificação na cena e solicitado um título para a mesma. Na seqüência, discutiu-se o que a cena, juntamente com as associações do paciente, tinham em comum com sua vida. Ao final registrou-se a cena por meio fotográfico.

Nas duas últimas sessões, o jogo de areia não foi utilizado a pedido do próprio paciente, pois este queria discutir questões relacionadas à amputação.

 

Análise dos dados

Os dados obtidos no desenho da figura humana foram analisados de acordo com a sistematização e padronização para a população brasileira descrita por Kolck (1984). No que diz respeito ao jogo de areia, os dados foram analisados sob a perspectiva da abordagem imagética, ou seja, buscando-se na própria imagem expressa na cena e na história referências para a sua leitura e compreensão. Observaram-se fatores como a composição geral da cena, a disposição e a natureza das miniaturas, a relação entre elas, o processo de construção da cena, o título dado, a história relatada e as associações. Também se consideraram os elementos do relato verbal como a facilidade ou dificuldade de expressão de afetos, reações de ansiedade e sentimentos depressivos.

A integração dos dados foi analisada qualitativamente de acordo com o enfoque teórico da psicologia analítica, buscando-se evidenciar a dinâmica psíquica do paciente e suas possíveis relações com as manifestações somáticas.

 

Descrição do caso

História clínica

Paciente do sexo masculino, com 35 anos de idade, vive com uma mulher há mais de cinco anos e não tem filhos. Procedente do Nordeste do país. Seu diagnóstico foi de insuficiência vascular periférica severa. Fazia uso do medicamento Dolantina. Seu nível de escolaridade corresponde ao ensino médio completo. Estava de licença médica desde o início da doença, porém continuava empregado como auxiliar de serviços gerais. Começou a freqüentar o setor da “Vascular” do Hospital desde julho de 2003, época em que se internou para a realização da amputação. Não fazia acompanhamento psicológico nem psiquiátrico. Em 2003 foi realizada a primeira cirurgia para revascularização da perna esquerda e enxerto na veia. Os dados obtidos no prontuário referiam que o paciente apresentava- se adequado às condições hospitalares, sem referências a comportamentos que chamassem a atenção. Dois meses depois foi internado para realização da segunda cirurgia, na qual houve amputação de dedão e revascularização da mesma veia anterior. Com o insucesso deste procedimento, outra cirurgia foi realizada, com amputação ao nível do joelho. Na entrevista inicial, observou-se que suas funções mentais estavam preservadas, com discurso organizado e orientação auto e alopsíquica. No entanto, apresentou alteração de humor, estando deprimido e ansioso. Sobre os aspectos psicodinâmicos pode-se ressaltar: negação do motivo de sua doença, dúvidas sobre a natureza da mesma, sentimentos de culpa e abandono e desconfiança dos médicos e dos procedimentos clínicos. Diante da doença apresentava conformação, impotência, racionalização e dificuldade em sustentar a dor.

Entrevistas clínicas

Atendimento 1: entrevista inicial com aplicação do DFH

Relato

O paciente afirma inicialmente que seu problema é decorrente de uma “micose” na unha e por isso havia chegado a este estado. Depois relata que deixou cair uma pedra no dedão em seu trabalho e o médico não tratou adequadamente no momento. Quando foi se tratar já era tarde demais. Nega ter problemas cardíacos como referido no prontuário. Conta que realizou três cirurgias, mas que não tivera sucesso e agora precisará amputar o dedão. Acha que deve realizar a amputação para que a dor cesse e diz: “perder o dedão é melhor do que perder o pé. Então, se esse é o único jeito é bom ser rápido”. Sente que os médicos não lhe oferecem informações suficientes, devido à reação que poderia ter. “Mas eu confio em Deus e nos médicos também. Ele lá em cima e os médicos aqui embaixo”. Imagina que não vai ser fácil ter o dedo amputado, mas que terá de aprender a andar de outra forma. Mostra-se impotente diante da doença, revoltado e ressentido pelo acidente ter ocorrido em seu trabalho e não ter recebido indenização. Sente-se injustiçado por seu patrão e afirma que isso é o que mais o preocupa, devido à sua difícil situação financeira. Acha que não vai poder voltar a trabalhar.

O DFH é aplicado e o paciente afirma que está sentindo muita dor. Desenha um homem voltando do trabalho de ajudante de serviços gerais. Ele mora com os pais e tem uma namorada. Uma pessoa trabalhadora que gosta de jogar futebol e da família.

 

Discussão

Quando o paciente fala “[...] tive uma micose no dedo“[...]”, ou quando afirma não ter problema no coração parece estar negando ou ocultando o motivo real de sua doença. Apesar de conhecer os procedimentos realizados até a amputação, não entende por que foram necessários. Como aponta Romano (1999), a falta de informação sobre a doença, o estado clínico e os procedimentos podem gerar uma série de fantasias e aumentar o nível de estresse e ansiedade. Neste caso, culminaram em dúvidas sobre sua doença, sentimentos de culpa, abandono e desconfiança dos médicos e dos procedimentos clínicos: ““[...] os médicos nunca explicam direito o que a gente tem e como é direitinho, só falam que vai ter que fazer cirurgia e pronto”. O vínculo ambíguo com os médicos e o tratamento aparece em outros momentos: “Da terceira vez que eu fui já falaram que era tarde demais pra tirar a unha e foi ficando preto”, parece justificar a sua doença culpando os médicos. Nesse caso, o médico, que é responsável pela doença, torna-se também o responsável pela cura ““[...] ele “[Deus] lá em cima e os médicos aqui embaixo”. Entretanto o paciente não assume a sua responsabilidade diante do seu quadro clínico, ignora a doença cardíaca e o machucado no trabalho não tratados, mantendo-se numa posição infantil de responsabilizar o outro.

Quando diz: “Se tem que fazer é melhor fazer logo, porque eu sinto muita dor”. De qual dor fala? Da dor física do membro necrosado ou da dor psíquica decorrente da doença? Observa-se que há um estado de extremo sofrimento psíquico à medida que se utiliza com freqüência de mecanismos de defesa como negação, racionalização – “Mas isso é melhor do que perder o pé” – projeção – “os outros dizem que ser amputado é difícil” – e deslocamento – ao deslocar a preocupação com seu corpo para a questão profissional: “Eu quero o meu dinheiro! Meus direitos”, e: “Ele [patrão] não poderia ter feito isso [não pagar seus direitos] não “[...] não é justo e é o que mais tá me preocupando“[...]”.

A perspectiva negativa que a doença apresenta só é quebrada quando o paciente refere querer “aprender a andar de outro jeito”. Nesse ponto percebe-se um esboço de movimento de adaptação à sua nova condição, que do ponto de vista prospectivo pode ser um indicador positivo sugerindo um potencial de reação.

Considerando o sintoma como uma metáfora, busca-se na história de vida do paciente o que foi “amputado”. Na sua trajetória de imigrante, observa-se uma seqüência de perdas e rupturas que culminaram na amputação: deixa a família, a cultura de origem, submete-se a situações de trabalho extremamente negativas, perde o pouco que conquistou etc. Nesse processo, distancia-se de seus sentimentos, focando sua vida na luta pela sobrevivência. O coração, órgão metafórico dos sentimentos, não funciona bem, não faz o sangue circular, gerando estagnação e morte.

Quanto aos aspectos estruturais, o DFH revela que o paciente não apresenta sentimentos de inadequação ou inferioridade, nem de expansão e agressão exagerados. Tem objetivos altos, possivelmente inatingíveis e por isso a satisfação obtida por meio da fantasia. Demonstra equilíbrio entre iniciativa, agressividade e insegurança, porém aparece falta de energia e de sensibilidade. Estão presentes sentimentos de angústia e depressão, ausência de senso de realidade e negação da realidade, já que permite que alguma coisa seja vista por meio de algo que convencionalmente se esconde: desenho em que aparece o esqueleto, bem como um olho que não vê, ou que não quer ver. A figura pendida sugere isolamento ou sentimentos de abandono em pacientes deprimidos. Interessante notar que é o dedão do pé esquerdo que será amputado e a figura pende para a direita como se todo o peso do corpo tivesse sido deslocado para este lado. O braço e a perna esquerda são menores do que os da direita. As diferenças nos tamanhos das pernas e braços podem expressar deficiência corporal. Segundo Dolto, representam a imagem do próprio corpo doente e apontam para a descompensação corporal e psíquica na qual o paciente está imerso (apud ROMANO, 1999). Na história relatada, observa-se a projeção numa figura masculina de uma vida que idealiza para si, mas que ainda não conseguiu realizar.

Atendimento 2: com utilização do jogo de areia

Relato

 

 

Título: Fazenda.

Ao descrever a cena, o paciente conta que montou uma casa, uma flor e trator na estrada. Há uma floresta onde tem animais selvagens. Insere um boneco que estava pastorando numa fazenda e mora na casa com a família, a esposa e dois filhos. “Ele é caseiro da casa e o patrão dá as coisas e não paga mais nada.” Afirma que o salário que ganha é pouco. Sente-se feliz trabalhando, “as coisas tá meio ruim, mas vai levando...”. Seus filhos gostam da liberdade que têm para brincar e da proximidade com a natureza. Afirma que mudaria a casa colocando-a mais perto da natureza. Refere que está sentindo muita dor e por isso tem dificuldade para montar a cena e contar a história.

Discussão

Observa-se na cena um movimento de concentração que tende à direita, o mesmo observado no DFH. Pode-se pensar em um movimento compensatório como discutido anteriormente. O cenário é bucólico e idealizado. Um local onde um pastor cuida de uma fazenda e os filhos brincam livremente. A cena não apresenta uma delimitação nítida de espaços, as miniaturas estão colocadas desordenadamente, o que pode indicar a “desordem interna” provocada pelas contingências da vida.

Na história, a situação de trabalho, embora insatisfatória, lhe dá segurança. O tema do trabalho volta a ser abordado, o que indica o impacto da doença em termos psicossociais. A insegurança em relação à sobrevivência futura parece ter um peso maior do que o sofrimento decorrente da cirurgia. A perda do trabalho e de autonomia podem gerar uma ruptura da identidade e extremo sofrimento psíquico.

O movimento que ele faria na cena, mudar a casa para mais próximo da natureza, sugere um desejo de retorno a um estado anterior, ou seja, um movimento regressivo. Estados regressivos são freqüentemente observados em pacientes hospitalizados e amplamente descritos na literatura.

Atendimento 3: com realização do jogo de areia

Relato

 

 

Antes de iniciar a construção da cena, relata estar preocupado com a esposa, pois ela foi para casa sem saber o caminho “eu tô com medo dela se perder”. Paciente sabe que terá de ser submetido à outra amputação, pois a tentativa de enxerto não havia dado resultados. Mais uma vez atribui o motivo a erro médico.

Em função das sessões anteriores, optou-se pela realização de uma caixa temática. O tema proposto foi “perdas”, com o objetivo de promover a discussão e a elaboração das perdas vividas naquele momento. Após a proposta, o paciente diz: “Ah, tipo um trabalho, ou acontece de alguma pessoa se machucar, ou a pessoa adoecer[...] deixa eu ver por onde vou começar”. Inseriu uma ambulância, hospital, animais e bonecos. Na história conta que um menino foi “mordido” no dedo do pé por um caranguejo, a família não tinha condições de ajudar e a ambulância perdeu-se no caminho do resgate, pediu informações sobre o mesmo, mas não obteve. Após algum tempo ele consegue ser internado, mas era tarde demais e precisou amputar. Se pudesse mudar algo, colocaria um orelhão para a ambulância ser chamada mais rapidamente. O paciente chora muito durante a sessão.

Discussão

Mais uma vez a cena apresenta uma concentração maior de figuras no lado direito e a distribuição pouco ordenada das mesmas. A miniatura da casa é a única que se repete e aparece quase no mesmo lugar que estava na cena 1. As outras miniaturas são distribuídas de modo menos concentrado do que na cena anterior, indicando um possível movimento de expansão ou distensão. Elementos que fazem referência à doença e ao tratamento são introduzidos, o que parece favorecer a expressão de sentimentos relativos a esta experiência. Na história representa o ferimento do pé e a falta de cuidado médico. Ele parece impotente diante da falta de recursos terapêuticos que atribui primeiro à família e depois ao atraso do médico. Introduz nessa cena uma família ineficiente, que não provê a ajuda e o suporte necessários nesse momento.

Ao falar sobre a cena, parece começar a pensar mais conscientemente sobre as perdas vividas a partir da doença. Expressa as diferentes formas e lugares de se perder algo, colocando o trabalho em primeiro lugar, mas em seguida fala sobre doença. Pela primeira vez toma para si parte da responsabilidade por sua doença ter evoluído desta forma, aflorando sentimentos de culpa e de estar sendo punido por algo que não sabe bem o que é. Sente que sua vida ruiu, que está desamparado e impotente.

No final da sessão, quando foi perguntado se ele faria alguma alteração na cena, ele inclui um orelhão por meio do qual poderia pedir a assistência mais rápida de um médico. Nessa alteração, percebe-se um reconhecimento da sua necessidade de pedir ajuda. Sai de uma postura queixosa, passiva e impotente e assume uma atitude ativa ao pedir ajuda. O telefone pode ser entendido como uma abertura para a comunicação que, no contexto da cena, aumentaria suas chances de tratamento precoce e adequado. A possibilidade de ajuda parece também se configurar no plano psicológico, pois esta é a primeira sessão na qual consegue expressar conscientemente sentimentos de perda, culpa e de responsabilidade sobre a sua situação.

Atendimento 4

Relato

Nessa sessão, o paciente havia acabado de realizar a outra cirurgia para amputação da perna ao nível do joelho. Não estava sentindo dor. Em relação à segunda amputação, diz: “Eu aceitei, fazer o quê? Porque eu não agüentava mais aquela dor, tava doendo muito. Minha mulher foi quem achou ruim porque não era isso que ela queria, né? Ela falou que não quer um homem pela metade. Eu sei que ela ficou muito triste”. Afirma que acha melhor resolver a dor e o risco de morte com a amputação. Sabe que pode utilizar prótese e ter uma vida normal.

Discussão

O paciente estava bastante sonolento e com a fala lentificada, isso porque havia acabado de sair da cirurgia e o efeito da anestesia ainda não havia passado. Em respeito à condição clínica do paciente, realizou-se um atendimento de apoio sem a utilização do jogo de areia.

A nova amputação parece reforçar sentimentos de impotência diante da doença, “eu aceitei, fazer o quê”, e, também, “ninguém gosta disso não, mas se tem que fazer assim é o único jeito, melhor fazer logo”. Por outro lado, parece estar assumindo uma posição mais realista diante da doença quando se refere ao risco de morte e à necessidade de se submeter ao tratamento, ““[...] é melhor tirar a perna e ficar logo bom do que ir piorando e correr o risco até de morrer”. Ao se confrontar com a doença de modo mais consciente, parece também poder reconhecer as possibilidades adaptativas: ““[...] daí o médico falou que depois eu posso pôr uma prótese no lugar da perna e ter uma vida normal, posso adaptar para dirigir, posso até jogar um futebolzinho”.

Interessante observar que o paciente expressa sua revolta deslocando esse sentimento para a mulher quando diz o que ela pensa sobre a cirurgia e deixando subentendido que não se sente mais como um homem inteiro por ter perdido parte da perna. Em outro momento fala da sua revolta de modo distanciado, usando a terceira pessoa: “É porque a pessoa faz a cirurgia achando que vai resolver o problema e não resolve, só ficou doendo ainda mais e isso revolta a pessoa, acho que é normal, né?”.

Atendimento 5

Relato

Nesse atendimento o paciente solicita que não seja utilizado o jogo de areia, prefere falar sobre a amputação. Pela primeira vez a esposa do paciente estava presente durante o atendimento e quando ele relata estar sentindo dor, ela diz: “Ah, mas eu não saio daqui enquanto os médicos não verem isso direito”. Percebe-se claramente a desconfiança em relação aos médicos e a falta de informações sobre as condições clínicas do paciente. A esposa expressa abertamente a sua revolta diante da amputação, pois acha que esta não era necessária e acredita ser decorrência de um erro médico. Esta situação acaba desencadeando uma reação emocional no paciente, que começa a chorar e a demonstrar ansiedade. Nesse momento, a pesquisadora intervém, dizendo que essas falas não estavam ajudando neste momento, já que ele estava precisando de apoio, ajudando- a a ser mais continente com a condição do marido. O paciente revela a sua preocupação com a reação de sua mãe ao saber da sua amputação. A esposa continua expressando a sua revolta e se refere à doença cardíaca culpando-o pela situação: ““[...] tivesse cuidado antes não precisaria chegar nesse ponto porque a médica disse que ele já tinha essa doença desde pequeno”. O paciente afirma que não adianta procurar culpados e que precisa retomar sua vida de alguma forma, de uma outra forma.

 

Discussão

A intervenção da esposa durante o atendimento parece ter permitido a eclosão de aspectos emocionais ainda não expressos abertamente pelo paciente. Nesse caso, podese hipotetizar que a esposa tenha sido porta-voz da revolta e da insegurança que de alguma forma permaneceram camufladas nas sessões anteriores. Ela sinaliza claramente a responsabilidade dele diante da doença ao acusá-lo de não ter se tratado a tempo. Provoca uma reação emocional que parece levar o paciente a um estado regressivo. Preocupa-se com a reação da mãe quando esta souber da amputação, como se sentisse culpa por fazê-la sofrer.

Mais uma vez a sessão termina com o surgimento de uma perspectiva adaptativa. O paciente reage ao afirmar que não adianta ficar procurando culpados, o que tem de fazer é encontrar recursos para continuar a sua vida. Esboça um movimento de adaptação, trazendo alguns aspectos de sua vida nos quais sente prazer e que não os perderá por não ter mais a perna.

Este foi o último atendimento realizado, pois o paciente teve alta sem que a pesquisadora tornasse a vê-lo. Já estava previsto na estruturação da pesquisa que os atendimentos seriam realizados com uma perspectiva focal e que teriam um momento inicial, seguido da exploração de um foco e o fechamento da sessão com sinalizações sobre o que foi discutido na mesma. Portanto, a interrupção dos atendimentos não compromete os objetivos propostos na pesquisa.

O caso apresentado corrobora com os estudos de Cansever et al. (2003) e Maturana e Carbonell (2001), que referem ser freqüentes os estados depressivos em caso de amputação. Percebeu-se também que as informações pré-operatórias e o cuidado com o paciente dentro do hospital são fundamentais para a reabilitação, como citado por Knetsche; Leopold e Brage (2001) e Sampol (1996). Além disso, a intervenção psicológica por meio de sinalizações e reflexões sobre a situação de amputação parece ter resultado em benefícios ao paciente. Ao favorecer a expressão e o reconhecimento das fantasias e emoções relativas a esta experiência, possibilitou a formulação de alternativas para a situação trazida pela doença.

Alguns aspectos podem ser evidenciados, como: sentimentos de culpa e abandono relacionados ao processo de adoecimento; alto nível de estresse e ansiedade associados à falta de perspectivas no plano profissional; a impotência diante da doença; dúvidas em relação ao tratamento e à equipe médica e um quadro depressivo associado à vivência da perda de identidade.

A questão do trabalho fortemente enfatizada durante os atendimentos indica o alto impacto das doenças “incapacitantes” no plano psicossocial. A insegurança em relação à sobrevivência, a necessidade de adaptação às novas condições de trabalho e a precariedade do amparo social são fatores agravantes nessas condições.

As alterações corporais resultantes da amputação influenciam sobremaneira a autoimagem. Perder uma parte do corpo representa, em um primeiro momento, perder parte de si mesmo, parte de sua identidade. Isso fica evidente quando o paciente diz que a mulher não quer um homem pela metade.

No enfrentamento da situação, o paciente utiliza-se de mecanismos de defesa como a negação, a racionalização e o deslocamento. Durante as cinco sessões realizadas, evidencia- se um movimento de conscientização da doença e das suas implicações na vida do paciente. Nas primeiras sessões, predomina uma atitude infantil e defensiva, na medida em que busca atribuir a culpa aos médicos, ao mesmo tempo em que não reconhece a sua responsabilidade no desenvolvimento da doença. A partir da intervenção focada na questão das perdas, inicia-se um movimento de expressão de sentimentos e de elaboração de conflitos relacionados ao processo de amputação. À medida que vai reconhecendo a sua responsabilidade e expressando a sua revolta e angústia em relação à amputação, começa também a esboçar possibilidades de adaptação à sua nova condição de vida. Sai, portanto, de um estado de impotência e começa a reagir positivamente em relação à sua situação.

Apesar do atendimento ter sido realizado em momentos de extremo sofrimento físico e psíquico e em condições de internação hospitalar, acredita-se que tenha funcionado como apoio e ajuda na elaboração diante da experiência de hospitalização. A introdução do jogo de areia, embora pontual, mostrou-se produtiva, uma vez que possibilitou a configuração e a discussão de aspectos altamente ansiogênicos. Mais especificamente na terceira sessão, na qual foi realizada a caixa temática, observa-se uma ruptura no discurso defensivo e a emersão de aspectos mais conflituosos. Esse fato corrobora a literatura sobre o jogo de areia, que destaca a propriedade do mesmo em romper com as defesas do discurso verbal.

Outro aspecto a ser destacado é a configuração do setting em enfermaria, onde não há um espaço reservado para o atendimento. As intervenções de outros pacientes, de outros profissionais e da família precisam ser consideradas e incluídas na compreensão e discussão do processo terapêutico. No caso atendido, destaca-se a participação da esposa em uma das sessões, que parece ter assumido a função de mediar sentimentos e fantasias do paciente. Aspectos psicológicos presentes nos atendimentos em leitos hospitalares merecem estudos mais aprofundados.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Contato
Paulo Afrânio Sant’Anna
Rua da Consolação, 896, prédio 38
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e-mail: pauloasantanna@terra.com.br

Tramitação
Recebido em março de 2006
Aceito em junho de 2006

 

 

1 Sobre a denominação cabe esclarecer que os autores optaram pela expressão em português “jogo de areia”, que vem sendo empregada por pesquisadores brasileiros que enfatizam outras possibilidades de utilização desse instrumento não previstas na proposta original, entre elas o uso projetivo e interventivo.
2 Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Hospital Público de São Paulo no qual se realizou a pesquisa.

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