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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. v.11 n.1 São Paulo jun. 2009

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil comportamental de crianças e adolescentes com síndrome de Prader-Willi e obesidade exógena

 

Behavioral profile of children and adolescents with Prader-Willi syndrome and exogenous obesity

 

Perfil conductual de niños y adolescentes con síndrome de Prader-Willi y obesidad exógena

 

 

Yara Garzuzi; Luiz Renato Rodrigues Carreiro; José Salomão Schwartzman; Maria Luiza Guedes de Mesquita; Domingos Palma; Fábio Ancona Lopez; Denise Ely Bellotto de Moraes; Elizeu Coutinho de Macedo; Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira

1Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
2Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo comparar o perfil comportamental de dois grupos distintos de crianças e adolescentes portadores de obesidade. Dez participantes apresentavam diagnóstico de obesidade exógena (OE) e dez tinham síndrome de Prader- Willi (SPW). A SPW é uma doença genética cujo sintoma comportamental de maior gravidade é a hiperfagia. Os dois grupos foram pareados por sexo e idade, com idade média de 12 anos. Na avaliação do perfil comportamental, foi usado o inventário dos comportamentos de crianças e adolescentes de 6 a 18 anos (CBCL/6-18). Os principais resultados apontaram que, de modo geral, os participantes com obesidade de causas exógenas obtiveram melhores resultados do que os diagnosticados com SPW. Em comparações, em que utilizaram análises de variância (ANOVA) univariadas, observaram-se diferenças estatisticamente significantes entre os grupos de SPW e OE nas escalas: escola (p = 0,001), problemas sociais (p = 0,012), problemas de pensamento (p = 0,001), problemas de atenção (p = 0,048), comportamento de quebrar regras (p = 0,019), comportamento agressivo (p = 0,003) e transtorno de conduta (p = 0,001). As diferenças encontradas sugerem a necessidade de estratégias de atendimento psicológico para o grupo com SPW.

Palavras-chave: Perfil comportamental, Crianças, Adolescentes, Obesidade exógena, Síndrome de Prader-Willi.


ABSTRACT

The objective of present study was compared the behavioral profile of two different groups of children and adolescents with obesity. Ten subjects presented diagnoses of exogenous obesity and ten Prader-Willi syndrome. The Prader-Willi syndrome is a genetic disease which the main behavioral symptom is hyperphagia. The samples were paired by sex and age, with mean age of 12 years. In the evaluation of behavioral profile was utilized Child Behavior Checklist (CBCL/6–18). In the most cases children with exogenous obesity have obtained better results than the referred with Prader-Willi Syndrome. Into the comparison by mean of ANOVA univariate identified significant differences between the groups in the scales: school (p = 0.001), social problems (p = 0.012), thought problems (p = 0.001), attention problems (p = 0.048), rule-breaking behavior (p = 0.019); aggressive behavior (p = 0.003) and conduct problems (p = 0.001). The differences suggested the need of counseling psychological strategies in the Prader-Willi syndrome group.

Keywords: Behavioral profile, Children, Adolescents, Exogenous obesity, Prader-Willi syndrome.


RESUMEN

El presente estudio tuvo como objetivos comparar el perfil comportamental de dos grupos distintos de niños y adolescentes portadores de obesidad. Diez participantes apresentaban diagnóstico de obesidad exógena y diez con síndrome de Prader-Willi. El síndrome de Prader-Willi es una enfermedad genética que tiene como un de los síntomas comportamentales de mayor gravedad el desarrollo de la hiperfagia. Los dos grupos fueron pareados por sexo y por edad, con edad media de 12 años. Para la evaluación del perfil comportamental fué usado el inventário de los comportamientos de niños y adolescentes de 6 a 18 años (CBCL/6-18). Los principales resultados apuntaron que de modo general, los participantes con obesidad de causas exógenas obtuvieron mejores resultados que los diagnosticados con síndrome de Prader-Willi. En comparaciones utilizando ANOVAS univariadas, fueron observadas diferencias estadisticamente significativas entre los grupos en las escalas: escuela (p = 0,001), problemas sociales (p = 0,012), problemas de pensamiento (p = 0,001), problemas de atención (p = 0,048), comportamiento de romper reglas (p = 0,019), comportamiento agresivo (p = 0,003) y trastornos de conducta (p = 0,001). Los datos sugieren la necesidad de estrategias de atención psicológica para el grupo con síndrome de Prader-Willi.

Palabras clave: Perfil conductual, Niños, Adolescentes, Obesidad exógena, Síndrome de Prader-Willi.


 

 

Introdução

A obesidade pode ser definida como um excesso de gordura corporal relacionado à massa magra cujas causas são multifatoriais com a influência de fatores biológicos, psicológicos e socioeconômicos, entre outros (OLIVEIRA et al., 2003). O estabelecimento de relações de interdependência entre esses fatores depende de estudos com desenhos metodológicos adequados, bem como da análise das variáveis biológicas, comportamentais e ambientais (HELLER, 2004; MELLO; LUF; MEYER, 2004; SPADA, 2005; LUIZ et al., 2005).

A obesidade como problema de saúde vem aumentando sua prevalência em vários países, independentemente de seus níveis de desenvolvimento e das faixas etárias da população (Campos; Leite; Almeida, 2007). A Organização Mundial da Saúde já a qualifica como epidemia (World Health Organization, 1998). Para a avaliação de obesidade e sobrepeso em crianças e adolescentes, existem diferentes critérios, fato que pode dificultar sua avaliação padronizada e interferir na interpretação adequada de indicadores de prevalência. Até o momento, o índice de massa corporal é apontado como um dos critérios de maior confiabilidade para o diagnóstico tanto da obesidade como do sobrepeso (COSTA; CINTRA; FISBERG, 2006). No Brasil, já foram divulgados estudos epidemiológicos sobre prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes (BALABAN; SILVA, 2001; OLIVEIRA et al., 2003; SILVA; BALABAN, 2005; CESAR et al., 2006). O estudo de Fisberg (1995) identificou entre 4% e 5% de obesidade em crianças menores de 12 anos que eram atendidas nas consultas de triagens médicas do hospital-escola da Escola Paulista de Medicina. Estudos mais recentes têm identificado taxas de prevalência de obesidade mais elevadas em crianças e adolescentes de escolas particulares comparadas com públicas. Uma pesquisa conduzida em Salvador descreveu, entre outros objetivos, a prevalência de obesidade em alunos de escolas públicas e particulares (LEÃO et al., 2003). A amostra foi composta por 398 crianças (266 crianças de 25 escolas públicas e 132 de 12 escolas particulares). Na mesma pesquisa, identificou-se que a prevalência global de obesidade na amostra foi 15,8%, e, na comparação dos resultados isolados, a frequência de obesidade foi maior para alunos das escolas particulares do que para os das escolas públicas, com diferenças estatisticamente significantes entre os grupos. Campos, Leite e Almeida (2006) obtiveram resultados semelhantes em uma casuística de 1.158 adolescentes dos dois tipos de escolas. Nesta, a maior prevalência de sobrepeso/obesidade foi encontrada nas classes de maior nível socioeconômico (24,8% em detrimento de 17,4%).

A obesidade se associa a diversos fatores que permitem classificá-la em tipos diferentes: a obesidade exógena por consumo excessivo de calorias, obesidade induzida por drogas e obesidade secundária à preexistência de doenças, entre outras (EGUCHI et al., 2008). A obesidade exógena é induzida pela denominada “dieta de cafeteria” que, geralmente, se associa com padrões familiares de consumo exagerado de alimentos gordurosos com alta densidade energética e pouca atividade física. A influência que produz a ingestão calórica excessiva sobre o comportamento alimentar hiperfágico foi testada experimentalmente em laboratório, em estudos de pesquisa básica. Eguchi et al. (2008) avaliaram o efeito da associação da obesidade exógena, decorrente da ingestão de dieta hiperlipídica palatável e atividade física crônica em ratos, no tecido adiposo e na concentração sérica de hormônios reguladores do balanço energético (leptina e grelina). Os pesquisadores comprovaram que, no estudo, em animais com obesidade exógena, o treinamento físico não impediu o aumento significativo da concentração circulante de grelina. Para eles, isso provavelmente estimulava o aumento da ingestão alimentar, favorecendo a vigência da dieta de cafeteria e o desenvolvimento da obesidade. Concluíram também que o fenômeno produzia provavelmente uma falha na resposta à ingestão de alimentos, manifestação que era comum em indivíduos obesos.

A síndrome de Prader-Willi (SPW) é uma doença que tem como uma das características a obesidade na infância e adolescência. Trata-se de uma doença genética causada pela falta de expressão de genes da região cromossômica 15q11-q13 paterna que sofrem o fenômeno de imprinting genômico. Os critérios da SPW estão bem estabelecidos. Em 70% desses casos, há a presença da deleção de 15q11-q13 paterna e 25% têm dissomia uniparental, e os dois cromossomos 15 são de origem materna e nenhum de origem paterna. A incidência da doença é 1:10.000 a 15.000 nascimentos (CASSIDY; DRISCOLL, 2009). O desenvolvimento de hiperfagia é um dos sintomas comportamentais de maior gravidade na doença que se associa ao baixo gasto energético e a uma composição corpórea com pequena massa gorda livre. Também são relatadas, além da deficiência mental leve a moderada, outras alterações como comportamentos do espectro obsessivo-compulsivo, crises de raiva e violência, tendência à rigidez, condutas de oposicionismo, comportamentos como o de mentir e furtar (Gunay -Aygun et al., 2001; Ferraz, 2002; Hinton, et al., 2006; Benarroch et al., 2007; Dykens; Roof, 2008). Algumas das manifestações patológicas em nível comportamental se associam à falta de controle inibitório ante diversos estímulos, como os alimentares, e à restrição dos pais para evitar ingestões calóricas exageradas (Boer et al., 2002; NISHIDA et al., 2006). Em razão do amplo espectro de alterações de comportamento, alguns estudos atuais compararam os perfis comportamentais em função dos subtipos genéticos da doença e entre pessoas com SPW e indivíduos com deficiência mental e desenvolvimento típico (STAUDER et al., 2005; Kim et al., 2005).

Uma das características comuns nas pessoas com obesidade exógena e SPW é a hiperfagia. No entanto, há diferenças no padrão hiperfágico, pois os padrões comportamentais de privação-saciação são diferentes. Estudos anteriores que compararam crianças com SPW e crianças com obesidade exógena mostraram que as primeiras não manifestam desaceleração do comportamento de comer, o que indicava uma falta de saciação (Lindgren et al., 2000). Outras pesquisas que visaram ao estudo de relações entre o fenótipo comportamental hiperfágico e o genótipo confirmaram associações entre comportamentos hiperfágicos e disfunções cerebrais quando mapeados potenciais evocados relacionados à percepção de estímulos alimentares, sobretudo em pacientes com SPW do subtipo genético deleção (KEY; DYKENS, 2008).

Junto com o aumento da prevalência de obesidade, tem aumentado a preocupação de pesquisadores para estudar diferentes variáveis psicológicas e psiquiátricas que se alteram durante o curso da doença. Nesse sentido, os estudos desenvolvidos identificam e descrevem padrões familiares de interação, alterações comportamentais e transtornos psiquiátricos em crianças com diversos tipos de obesidade (TERSHAKOVEC; WELLWE; GALLAGHER, 1994; ZIPPER et al., 2001). Alguns trabalhos mostram que a obesidade pode ser um possível fator de risco para o desenvolvimento de psicopatologias entre adolescentes (ERERMIS et al., 2004; CORTESE et al., 2007).

Assim, o presente estudo teve como objetivos: 1. comparar os perfis comportamentais de dois grupos de crianças e adolescentes, sendo um grupo com obesidade de causa genética diagnosticados com SPW e outro grupo com desenvolvimento típico e diagnóstico de OE; e 2. identificar variáveis controladoras do comportamento alimentar de ambos os grupos.

 

Método

Participaram do estudo 20 crianças e adolescentes com diagnóstico de obesidade sob critérios de índice de massa corpórea (IMC) da classificação de Must, Dallal e Dietz (1991). A amostra foi composta por dois grupos com 10 participantes cada, pareados por sexo e idade. Os participantes do grupo com obesidade exógena foi composto por 7 sujeitos do sexo masculino e 3 do sexo feminino, com idade média de 12 anos (± 2,3), e a média de IMC foi 28,35 (± 4,19). Todos os participantes deste grupo estavam em acompanhamento em um serviço público de saúde federal, no Estado de São Paulo, especializado no atendimento de pessoas obesas. O grupo com SPW também foi composto por 7 sujeitos do sexo masculino e 3 do sexo feminino, com idade média de 12 anos (± 2,4) e com média de IMC de 31,99 (± 3,65). Todos os participantes do grupo SPW tinham diagnóstico clínico e citogenético-molecular da síndrome e eram atendidos em serviços públicos de saúde do Estado de São Paulo. Desses sujeitos, 9 apresentavam deleção na região cromossômica 15q11-q13, e 2 dissomia uniparental materna. O projeto teve aprovação do Comitê de Ética sob o Processo CEP/UPM n0 985/08/07 e CAAE – 0035.0.272.000-07.

Procedimentos de coleta e análise de dados

Inicialmente, realizou-se uma entrevista com pais ou responsáveis para identificação de padrões de interação familiar associados ao comportamento alimentar e reações ao controle alimentar, existência de acompanhamento psiquiátrico e/ou psicológico. Este último dado também foi conferido em cada um dos prontuários dos grupos participantes. Posteriormente, foi feita a avaliação comportamental a partir do preenchimento do inventário dos comportamentos de crianças e adolescentes de 6 a 18 anos (Child Behavior Checklist – CBCL/6-18) (Achenbach; Rescorla, 2001). A avaliação comportamental durou em média 30 minutos. De acordo com o manual de aplicação, os inventários foram preenchidos da seguinte maneira: o entrevistador entregou aos respondentes o questionário e manteve-se com uma segunda cópia sob a instrução: “Agora vou ler para vocês as questões deste questionário e vou anotar suas respostas”. Os respondentes atribuíram nota 0 se não é verdadeiro para a criança ou adolescente, nota 1 se é um pouco verdadeiro ou às vezes verdadeiro e nota 2 se é muito verdadeiro ou frequentemente verdadeiro (Achenbach; Rescorla, 2001). Diferentes escalas de avaliação comportamental do sistema de avaliação empiricamente baseado (Aseba), de Achenbach e Rescorla (2001, 2004), apresentam atualmente ampla utilização internacional dada a sensibilidade destas para a identificação de dados sobre competência social e problemas de comportamento de pessoas de faixas etárias diferentes (TERSHAKOVEC; WELLWE; GALLAGHER, 1994; Bordin; Mari; Caeiro, 1995; VILA et al., 2004; Dykens; Roof, 2008). Os dados foram registrados no programa de computador Assessment Data Manager 7.2 (Achenbach; Rescorla, 2001), para a geração dos perfis comportamentais. Os escores obtidos permitem estabelecer distintos perfis do inventário. São 4 tipos de perfis:

1. O perfil das escalas de competências intituladas “atividades”, “social” e “escola”.
2. O perfil das síndromes “ansiedade/depressão”, “isolamento/depressão, queixas somáticas”, “problemas sociais”, “problemas de pensamento”, “problemas de atenção”, “comportamento de quebrar regras” e “comportamento agressivo”.
3. O perfil de problemas internalizantes, externalizantes e totais. Os problemas internalizantes foram obtidos a partir da soma dos escores dos problemas incluídos nas síndromes: “ansiedade/depressão”, “isolamento/depressão, queixas somáticas”; os problemas externalizantes foram calculados a partir da soma dos escores dos problemas incluídos nas síndromes: “comportamento de quebrar regras” e “comportamento agressivo”; e os problemas totais foram calculados a partir da soma de todos os itens do CBCL/6-18.
4. O perfil orientado pelo DSM composto pelas escalas “problemas afetivos”, “problemas de ansiedade”, “problemas somáticos”, “déficit de atenção/problemas de hiperatividade”, “problemas de oposição e desafio” e “transtornos de conduta”.

De acordo com a amostra normativa, as faixas de classificação de todos os perfis são clínica, limítrofe e não clínica..

Para avaliar as diferenças entre os escores das escalas do CBCL em função do grupo de obesidade, foram feitas análises de variância (ANOVA) univariadas para cada uma delas com uso de índice de significância de 5%.

Resultados e discussão

Com relação à rotina alimentar dos sujeitos de ambos os grupos, observa-se na Tabela 1 que a maioria dos participantes com SPW comem em horários diferentes dos seus familiares. Essa é uma variável cultural que pode afetar a introdução de repertórios comportamentais alimentares adequados (Sussner; Lindsay ; Peterson, 2009; Pott et al., 2009). O acesso à comida é livre para todas as crianças do grupo OE, mas apenas 45% das crianças com SPW não têm o acesso à comida controlado pelos pais ou responsáveis. É possível que essa variável influencie de maneira importante o controle alimentar nos grupos pesquisados, já que as taxas de respostas alimentares podem ser emitidas em qualquer momento por crianças com OE, mas apenas para 45% das crianças com SPW. Isto é, a criança pode comer em função de sua preferência alimentar, o tempo entre as respostas de comer pode diminuir e, sobretudo, contribuir com resistência à mudança comportamental em relação à ingestão calórica quando necessário. Muitas dessas alterações no padrão alimentar familiar já foram apontadas por estudos anteriores (Garipa ?GaO?GLU et al., 2008; Ta nofsky-Kraff et al., 2009). Como demonstra a Tabela 1, o padrão alimentar noturno não foi relatado pelos pais de crianças com OE, mas 45% dos responsáveis dos participantes com SPW relataram esse tipo de ocorrência. Esse fato pode ser esperado em razão do estado permanente de privação presente nesse transtorno (Lindgren et al., 2000). Um aspecto positivo observado foi o baixo uso de alimentos como reforçadores em ambos os grupos, embora 18% e 20% dos pais de crianças com SPW e com OE, respectivamente, ainda utilizem esse tipo de estímulo, o que deve incentivar ainda mais o desenvolvimento de hiperfagia. Algumas das variáveis biológicas que, provavelmente, possam justificar esse comportamento são disfunções cerebrais associadas a hiperfagia em estudos de mapeamento de potenciais evocados relacionados à percepção de estímulos alimentares (KEY; DYKENS, 2008). Outra variável de tipo ambiental identificada no trabalho diz respeito ao fato de muitas crianças e adolescentes com SPW terem acesso a alimentos.

Tabela 1. Distribuição percentual de aspectos da rotina do comportamento alimentar das crianças e adolescentes do grupo com síndrome de Prader-Willi (SPW) e do grupo com obesidade exógena (OE)

 

Na Tabela 2, observam-se as escalas comportamentais de acordo com os escores obtidos no CBCL/6-18. Em comparações utilizando análises de variância (ANOVA) univariadas para cada escala, pode-se afirmar que houve diferenças estatisticamente significantes entre os grupos de SPW e OE nas escalas: escola (F(1,14) = 16,870, p = 0,001), problemas sociais (F(1,18) = 7,7711, p = 0,012), problemas de pensamento (F(1,18) = 19,145, p = 0,001), problemas de atenção (F(1,18) = 4,4843, p = 0,048), comportamento de quebrar regras (F(1,18) = 6,5939, p = 0,019), comportamento agressivo (F(1,18) = 11,943, p = 0,003) e transtornos de conduta (F(1,18) = 16,184, p = 0,001). Foram diferentes significativamente também as escalas de problemas externalizantes (F(1,18) = 13,477, p = 0,002) e de problemas totais (F(1,18) = 13,206, p = 0,002), além de uma diferença (F(1, 18) = 4,1353, p = 0,057) para problemas de transtorno de atenção e hiperatividade. A Tabela 2 mostra escores T médios mais elevados com tendência a classificar-se nas faixas clínica e limítrofe no grupo com SPW em comparação com o grupo de sujeitos obesos de causas exógenas. Isso parece indicar a presença de manifestações clínicas comportamentais que caracterizam o fenótipo comportamental da SPW (problemas sociais, problemas de atenção e controle inibitório, comportamentos autolesivos, problemas de comportamento e comportamento agressivo). Trata-se de um perfil comportamental que já compromete o funcionamento adaptativo dos indivíduos desse grupo quando comparados com as crianças e os adolescentes obesos do outro grupo, como mostraram estudos anteriores (Gross-Tsur et al., 2001; Rosell- Raga, 2003; Kim et al., 2005; Ruggieri; Arberas, 2003; Dykens; Roof, 2008).

Tabela 2. Escores T médios das escalas do CBCL/6-18, faixas de classificação dos perfis comportamentais e valores p das análises de variância (ANOVA) univariadas da comparação entre os grupos com síndrome de Prader-Willi e obesidade exógena

Tabela 2. Escores T médios das escalas do CBCL/6-18, faixas de classificação dos perfis comportamentais e valores p das análises de variância (ANOVA) univariadas da comparação entre os grupos com síndrome de Prader-Willi e obesidade exógena (continuação)

 

A Tabela 2 mostra que muitos dos comportamentos clínicos encontrados em diversas escalas pertencem ao grupo com SPW, entretanto há médias dos escores T do grupo com OE que também apontam para alterações de comportamento que podem ser classificadas dentro da faixa limítrofe, como a escala atividades que mede habilidades para a realização de atividades que incluam esportes e lazer, a escala isolamento/depressão, problemas internalizantes. Embora estes últimos dados do grupo com OE tenham sido padronizados pelo CBCL/6-18 como limítrofes, eles devem ser considerados de risco conforme recomendações de Achenbach (1991) e Santos e Silvares (2006) para pesquisas que utilizam o CBCL. De fato, estudos anteriores mostram a necessidade de avaliar com uso de instrumentos padronizados crianças com transtornos alimentares sem outros distúrbios que afetem o desenvolvimento mental, já que se trata de um quadro complexo que não afeta apenas o controle inibitório ante os estímulos alimentares (GALINDO; CARVALHO, 2007). Aliás, problemas relacionados à competência e adaptação social, depressão em crianças/adolescentes com sobrepeso ou obesidade vêm sendo identificados recorrentemente em estudos que utilizam inventários de identificação de alterações comportamentais, como o CBCL/6-18 (LUIZ et al., 2005; ROTH et al., 2008; HWANG et al., 2006; VILA et al., 2004; ERERMIS et al., 2004; BARNOW et al., 2003; ZIPPER et al., 2001).

 

Conclusão

Concluiu-se que ambos os grupos apresentam evidências importantes de problemas de comportamento. O atendimento psicoterapêutico pode ser considerado uma conduta altamente desejável. Os dados mostram alterações comportamentais de maior gravidade nos participantes com SPW. É provável que essas alterações façam parte do fenótipo comportamental que caracteriza a doença (CASSIDY; DRISCOLL, 2009). Os resultados confirmam estudos anteriores de outros países (Gunay -Aygun et al., 2001; Ferraz, 2002; Benarroch et al., 2007; Dykens; Roof, 2008). Entretanto, há uma diferença em relação a esses estudos: o grupo de crianças e adolescentes avaliados com SPW não é atendido nem do ponto de vista psicológico nem psiquiátrico. Já os diagnosticados com obesidade de causas exógenas recebem atenção psicológica. É provável que estes últimos possam ter uma evolução muito mais favorável do ponto de vista psiquiátrico que os diagnosticados com SPW. Caso os participantes com SPW continuem sem as devidas intervenções, a cronificação e a gravidade de muitas dessas alterações podem configurar transtornos mentais na idade adulta.

 

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Endereço para correspondência
Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira
Rua da Consolação, 896
Consolação – São Paulo – SP
CEP 01302-907
e-mail: cris@teixeira.org

Tramitação
Recebido em dezembro de 2008
Aceito em abril de 2009

 

 

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