SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16 issue1Satisfaction and autonomy in leisure activities among college studentsThe construction of the discursive identity of the graduating in the area of working psychology author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

article

Indicators

Share


Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.16 no.1 São Paulo Apr. 2014

 

PSICOLOGIA SOCIAL

Pesquisa em representações sociais no Brasil: cartografia dos grupos registrados no CNPq

 

Research in social representations in Brazil: cartographic of the groups registered on CNPq

 

Investigación en representaciones sociales en Brasil: cartografía de los grupos registrados en CNPq

 

 

Alberto Mesaque MartinsI; Cristiene Adriana da Silva Carvalho; Maria Isabel Antunes-Rocha
I Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte – MG – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

Neste trabalho, buscou-se identificar e caracterizar os grupos de pesquisa brasileiros que desenvolvem a teoria das representações sociais (TRS). Foram coletados dados da página do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a partir dos seguintes termos “representação social” e “representações sociais”, sem recorte temporal. Em seguida, realizaram-se análise da página dos grupos, tabulação e análise dos resultados. Foram identificados 172 grupos de pesquisa que estudam a TRS, sendo a maior parte desses localizados no Sudeste do país. Constata-se que a TRS refere-se a um referencial teórico e metodológico vivo, em constante produção no Brasil. A TRS encontra-se presente nos diferentes campos e áreas do conhecimento, revelando o seu caráter interdisciplinar e sua apropriação para a compreensão de fenômenos de ordens distintas.

Palavras-chave: teoria das representações sociais; grupos de pesquisa; pesquisa bibliográfica; psicologia social; cognição social


Abstract

In this work, we identify and characterize the Brazilian research groups that develop the social representation theory (SRT). We collected data from the CNPq’s Research Groups Directory submitting terms like “social representation” and “social representations”, without time period. Then, we analyzed of the page groups, organized and analyzed of results. We identified 172 research groups studding SRT, the most part of them from the Southeastern region of Brazil. We concluded that SRT is a theoretical and methodological framework, active and in constant production in Brazil. SRT is an interdisciplinary theory, being present in different knowledge areas and fields, and it helps the comprehension of phenomena in distinct contexts.

Keywords: social representation theory; research groups; bibliographical research; social psychology; social cognition


Resumen

En este estudio, hemos tratado de identificar y caracterizar los grupos de investigación de Brasil que desarrollan la teoría de las representaciones sociales (TRS). Se obtuvieron datos de la página Consejo Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico (CNPq) de las siguientes términos “representación social” y “representaciones sociales”, si ningún marco de tiempo. Se realizó análisis de las páginas de los grupos, tabulación y análisis de los resultados. Se identificaron 172 grupos de investigación que estudian la TRS y la mayoría de ellos se encuentra en el Sudeste de Brasil. También se observó que la teoría está presente en diferentes campos y áreas de lo conocimiento, revelando su carácter interdisciplinario y su apropiación para la comprensión de los fenómenos de distintas órdenes.

Palabras clave: teoría de las representaciones sociales; grupos de investigación; investigación bibliográfica; psicología social; cognición social


 

 

Este estudo foi realizado a partir da necessidade de uma compreensão mais sistematizada e analítica da produção sobre representações sociais no Brasil por parte dos integrantes do Grupo de Estudos em Representações Sociais (Geres), criado na linha de Pesquisa Psicologia e Psicanálise em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Por não encontrar um estudo sobre o assunto na literatura disponível, foi necessário empreender esta investigação, buscando assim produzir uma visão panorâmica sobre o uso desse conjunto teórico no cenário brasileiro. Na complexidade que permeia o processo de análise de um campo de estudos, optou-se, inicialmente, pelo mapeamento dos núcleos de pesquisa registrados no diretório de grupos do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (CNPq).

Há mais de um meio século a teoria das representações sociais (TRS) vem sendo difundida, discutida, criticada, revista e reformulada (Almeida, Santos, & Trindade, 2011). Sistematizada pelo psicólogo social francês Serge Moscovici, a TRS foi apresentada ao mundo, em 1961, por meio da obra La psychanalyse, son image et son public. Nela, Moscovici (1961) buscava compreender o processo de difusão da psicanálise na sociedade parisiense e, especialmente, sua apropriação por essa comunidade e os modos pelos quais orientava as formas de pensar, sentir e agir desses cidadãos.

Conforme aponta Sá (2000), as representações sociais (RS) dizem respeito a um conjunto de fenômenos e aos conceitos que o compõem, e também a um corpus teórico estruturado para explicá-los. As RS são definidas pelo próprio Moscovici (1961) como um conjunto organizado de conhecimentos práticos do cotidiano, construídos coletivamente a partir de problemas e desafios do dia a dia, impostos por fenômenos compreendidos como estranhos e não familiares que desafiam os sujeitos a alterar um posicionamento e suas formas de pensar, sentir e agir.

Nas palavras de sua aluna e, posteriormente, uma das grandes estudiosas e difusoras da TRS, Denise Jodelet (2001, p. 22), as RS referem-se a “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”.

Para Moscovici (2003), as RS são constituídas em dois processos. O primeiro diz respeito à ancoragem, que se refere ao processo permeado por um esforço do sujeito em tornar o objeto “estranho” em algo familiar. Para tanto, irá buscar apoio para as novas representações em outras já existentes previamente, modificando-as. O segundo processo refere-se à objetivação. Nele, os conceitos e as ideias passam a se configurar como esquemas ou imagens concretas, quase tangíveis, tornando o abstrato em concreto, o ideal em algo empírico (Trindade et al., 2011).

A obra que apresentava a TRS só foi traduzida para a língua inglesa em 1981, duas décadas após sua publicação, revelando que ela não foi de pronto recebida e apropriada pela comunidade científica. Mas é a partir de sua tradução para o inglês que a obra passa a ser discutida por outros pesquisadores, em outros contextos, iniciando assim o processo de difusão e divulgação dessa teoria (Lane, 1993; Carvalho & Arruda, 2008). Vale ressaltar ainda que a primeira versão da obra em português foi lançada no ano de 1978, favorecendo a sua divulgação entre os pesquisadores brasileiros (Moscovici, 1978; Carvalho & Arruda, 2008).

Antes mesmo da tradução da obra inaugural, a TRS já chegara ao Brasil na experiência de pesquisadores que se depararam com ela em cursos de doutorado no exterior e também por meio da realização de eventos científicos (Sá & Arruda, 2000). Durante seus primeiros 50 anos no país, a TRS encontra um solo fértil para a sua expansão e passa a ser largamente utilizada pela academia (Rosa, 2011), conforme pode ser verificado nas centenas de publicações disponíveis nas principais bases de dados nacionais, como a Scientific Eletronic Library Online (SciELO), ou ainda em diversas teses e dissertações oriundas de programas de pós-graduação de diferentes universidades do país.

Uma forma confiável e quantificável de nos aproximarmos dos dados que revelam o crescimento da utilização e apropriação das RS no lócus acadêmico pode ser desenvolvida a partir do estudo do movimento de criação, desenvolvimento e expansão dos grupos de pesquisas brasileiros classificados no diretório de grupos de pesquisas no Brasil desenvolvido pelo CNPq. A fim de analisar tal movimento, este estudo teve como objetivo identificar e caracterizar o perfil dos grupos de pesquisa brasileiros que desenvolvem o tema das teorias das representações sociais.

Não é nosso objetivo realizar um censo dos grupos de pesquisa em RS e de suas produções científicas. Antes, foi adotada uma postura de investigação cartográfica que possibilitasse a compreensão do estado atual da TRS no contexto brasileiro e assim pudesse evidenciar alguns limites e desafios para o uso coerente e epistemologicamente fundamentado dessa teoria.

 

Método

Trata-se de um estudo descritivo do tipo exploratório de caráter quanti-qualitativo, ancorado nos pressupostos da pesquisa bibliográfica que, segundo Lima e Mioto (2007), possui o potencial de analisar o estado da produção científica a respeito de um tema específico de interesse dos pesquisadores, podendo evidenciar lacunas e campos de silenciamento.

As etapas de coletas de dados foram realizadas a partir de consultas à página virtual do diretório de grupos de pesquisas no Brasil do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (2012). Trata-se de uma base de dados virtual criada em 1992, que reúne informações sobre diferentes grupos de pesquisa em atividade no país. Nele, podem ser encontradas informações acerca dos temas de interesse de cada grupo, número de pesquisadores e estudantes envolvidos, e identificação das linhas de pesquisa construídas por cada grupo.

Essa base de dados vem oferecendo informações de caráter confiável e atualizado, subsidiando o desenvolvimento de diversos estudos que compartilham o objetivo de analisar o panorama da produção científica de um determinado campo ou área de conhecimento específica (Pinheiro, 2005; Pepe et al., 2010; Silva, Luz, & Faria, 2010).

A organização metodológica deste estudo foi desenvolvida em quatro etapas que compreenderam: coleta de dados no diretório, análise da página individual dos grupos identificados, tabulação das informações e análise dos resultados encontrados.

Na primeira etapa, foram feitas consultas ao diretório a partir da utilização dos termos “representação social” e “representações sociais”, por meio da ferramenta “expressão exata” disponível no sistema de buscas do site. Nessa etapa, identificaram- se 502 registros de grupos de pesquisa. Os dados originados foram sistematizados, passando a compor uma planilha do software Excel for Windows. Entretanto, observou-se a necessidade de exclusão dos resultados duplicados, ou seja, aqueles que foram identificados com o uso de ambos os termos de busca.

Na segunda etapa, realizou-se uma análise da página de cada grupo de pesquisa com o objetivo de confirmar se os estudos estavam relacionados à TRS. Como critério de inclusão, consideraram-se os grupos que faziam menção à TRS em seu título, no resumo ou nas linhas de pesquisas. Nesse sentido, foram excluídos da amostra os grupos que não mencionavam a TRS em suas páginas individuais. Ao final dessa etapa, foram selecionados 172 grupos de pesquisas. Vale ressaltar o grande número de registros identificados a partir dos termos utilizados, mas que, apesar da semelhança semântica, possuem significados e bases conceituais distintos da TRS.

Na terceira etapa, os dados foram tabulados com auxílio de uma planilha do software Excel for Windows, possibilitando assim traçar um perfil dos grupos de pesquisas identificados. Para tanto, consideraram-se as seguintes informações: ano de registro, número de membros, localização geográfica e vinculação institucional, características do líder do grupo e áreas do conhecimento às quais se encontram relacionadas. A consulta ao diretório de pesquisas e a tabulação dos registros ocorreram no período entre julho e setembro de 2012.

 

Resultados

Ao registrarem um grupo de pesquisas no diretório de grupos de pesquisa do CNPq, os líderes devem indicar um “ano de formação”, referindo-se ao período em que o grupo iniciou de fato suas atividades.

Considerando esse quesito, o primeiro grupo de pesquisa em RS no Brasil iniciou suas atividades em 1967 e é intitulado “Ensino de Física”. Trata-se de um grupo do Ins tituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), liderado pelo Dr. Marco Antonio Moreira.

Como o próprio nome retrata, o grupo dedica-se ao desenvolvimento de estudos voltados para o processo de ensino e aprendizagem de física, contendo uma linha de pesquisa para o estudo das RS de estudantes sobre os conceitos físicos. Entretanto, é preciso levar em conta que a TRS só fora difundida em meados dos anos 1980, de modo que dificilmente o grupo já estaria debruçado sobre essa teoria em 1962. Acredita- se então que esse referencial teórico e metodológico tenha sido apropriado pelos grupos, nas décadas posteriores.

O segundo grupo de pesquisa em RS do país, intitulado “Ideologia, Comunicação e Representações Sociais”, também pertence à UFGRS, estando relacionado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia dessa instituição. Esse grupo iniciou suas atividades em 1987 e é liderado pelo Dr. Pedrinho Arcides Guareschi. Não foram encontradas informações no resumo que permitissem uma maior caracterização dos objetivos e da proposta do grupo de pesquisa.

Já o terceiro grupo de pesquisa mais antigo identificado iniciou suas atividades em 1990. Trata-se do “Laboratório de Interação Social Humana”, liderado pela Dra. Maria Isabel Patrício de Carvalho Pedrosa e pela Dra. Maria de Fátima de Souza Santos, vinculado ao Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco. Por meio da linha de pesquisa “Representações e Práticas Psicossociais”, o grupo afirma o seu interesse por “investigar o processo de construção do conhecimento do senso comum e relacionar o conhecimento construído e compartilhado com as práticas coletivas referentes aos diversos objetos sociais” (Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico, 2012).

Considerando o ano de formação dos grupos, constata-se um crescimento contínuo, embora não linear, do número de grupos de pesquisas sobre RS no Brasil, com um maior número de registros por ano em 2010. A evolução da formação desses grupos pode ser mais bem visualizada no Gráfico 1.

Quanto ao número de participantes, o grupo de pesquisa com maior quantidade de membros é intitulado “Promoção da Saúde”, tendo iniciado suas atividades em 1992, liderado pela Dra. Isabela Almeida Pordeus e pela Dra. Efigênia Ferreira e Ferreira. O grupo conta com a participação de 80 pessoas credenciadas, está vinculado à Faculdade de Odontologia da UFMG e tem uma linha de pesquisa dedicada ao estudo das RS do processo saúde-doença bucal.

A maior parte dos grupos de pesquisa encontra-se situada em instituições públicas (88%), e um menor número está vinculado a organizações privadas (5%) e sem fins lucrativos (7%). Esses dados parecem estar associados ao maior incentivo das universidades públicas brasileiras à consolidação de grupos de pesquisa, frequentemente vinculados aos programas de pós-graduação e, em grande parte, situados em instituições públicas. Mais da metade dos grupos de pesquisa são liderados por mulheres (60%), 21% por homens e 19% por duplas de pesquisadores de ambos os sexos.

 

 

Considerando a localização geográfica, observa-se um maior número de grupos de pesquisas situados nas regiões Sudeste (34%), Nordeste (30%) e Sul (23%) do país , também coincidindo com o maior número de universidades e instituições de pesquisa e ensino nessas regiões. O Centro-Oeste brasileiro contém 8% dos grupos de pesquisa, sendo a maior parte situada em instituições do Distrito Federal, e a Região Norte tem apenas 5%. Vale ressaltar que não foram identificados registro de grupos de pesquisa em RS nos Estados de Rondônia, Roraima, Amapá e Tocantins. As instituições que mais reúnem grupos de pesquisa em RS são a UFRGS (nove), a Universidade Federal de Pernambuco – UFPE (oito) e a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ (sete).

Outra dimensão analisada refere-se às áreas do conhecimento nas quais os grupos de pesquisas identificados se situam. No ato do registro no CNPq, os líderes devem definir a posição do novo grupo na árvore do conhecimento, indicando uma “grande área” e também a “área do conhecimento” que caracterize suas investigações.

Conforme pode ser verificado no Gráfico 2, observou-se um maior número de grupos de pesquisa inseridos na grande área de “ciências humanas” (62%), seguida por “ciências da saúde” (17%), “ciências sociais aplicadas” (12%) e “linguística, letras e artes” (7%). Evidenciou-se um pequeno número de grupos nas grandes áreas de “ciências agrárias” (1%) e “ciências exatas”, de modo que ambas representam 2% dos registros identificados.

 

 

Entre as “ciências humanas”, as áreas de psicologia e educação destacaram-se como aquelas que mais congregam grupos de pesquisa, representando 49% e 21%, respectivamente. Observou-se ainda um número significativo de grupos inseridos no âmbito da sociologia (11%), história (9%) e antropologia (6%). Um menor número de grupos nessa grande área está relacionado à geografia, ciência política e arqueologia, e juntos somam 4% dos registros identificados.

Nas “ciências da saúde”, observou-se um maior número de grupos de pesquisa vinculados às áreas de saúde coletiva (30%), educação física (30%) e enfermagem (27%). Também foram encontrados registros de grupos relacionados à odontologia (7%), farmácia (1%) e fisioterapia e terapia ocupacional (1%).

Em relação às “ciências sociais aplicadas”, mais da metade dos grupos encontram-se vinculados aos estudos de comunicação (55%). Também foram identificados grupos no âmbito do serviço social (15%), direito (10%), turismo (10%), ciência da Informação (5%) e desenho industrial (5%).

Na grande área de “linguística, letras e artes”, metade dos grupos concentram seus estudos na área de linguística. Do restante, 33% estão relacionados à área de letras e 17% às artes. Nas “ciências agrárias”, só foi identificado um único grupo vinculado à medicina veterinária, e, nas “ciências exatas”, dois grupos, sendo um na matemática e outro nas geociências.

Quando se analisam as linhas de pesquisas dos grupos identificados, observa-se que, em quase sua totalidade, se dedicam à aplicação da TRS a determinados fenômenos pertencentes a diversos campos. Chama a atenção o fato de que apenas dois grupos de pesquisa destacaram, em suas linhas de pesquisa, o desenvolvimento de estudos sobre a própria TRS, no que se refere aos fundamentos epistemológicos e às metodologias de investigação.

 

Discussão

Considerando o significativo número de grupos de pesquisa identificados e o grande número de pesquisadores e estudantes envolvidos em cada um desses contextos, pode-se afirmar que, apesar das críticas e dos muitos desafios, a TRS é uma teoria viva, produtiva e presente no cenário acadêmico-científico brasileiro. A expansão da referida teoria no cenário brasileiro também foi identificada em outros estudos semelhantes, especialmente no que se refere ao crescimento das publicações que se apropriam da TRS como referencial teórico e metodológico (Sá & Arruda, 2000; Almeida et al., 2011; Santos, Morais, & Alcioli, 2012).

A crescente e contínua expansão dos grupos de pesquisa em RS reflete a difusão da TRS no país, nas diversas instituições de ensino e pesquisa brasileiras. O grande número de pesquisadores que se debruçam sobre o tema vem contribuindo para a organização de eventos acadêmicos e científicos, como a Conferência Brasileira sobre Representações Sociais, que em 2013 completou sua sexta edição, e para uma reflexão crítica acerca da capilarização da teoria e das pesquisas em RS no país.

Quando se analisa a identificação dos grupos às áreas do conhecimento, observa-se o caráter interdisciplinar dessa teoria que vem sendo aplicada em diferentes campos do conhecimento, orientando a compreensão de diferentes objetos de estudos e marcada por diversos processos de investigação. Desse modo, a TRS não se encontra restrita ao seu campo de origem (psicologia social), antes produz interfaces e articulações com outros saberes, contribuindo assim para a sua aplicação em novos contextos (Arruda, 2002; Almeida et al., 2011).

Apesar de seu caráter interdisciplinar, constata-se uma maior apropriação dessa teoria pelos grupos inseridos nos campos da educação e psicologia. O maior interesse dos pesquisadores da área de educação pode ser explicado pelas múltiplas possibilidades de utilização da TRS para compreensão de um contexto sócio-histórico e institucional ainda em constante mudança, sendo marcado pelo constante processo de (re) construção de representações dos diferentes atores que nela atuam. Quanto às dissertações e teses produzidas nos programas de pós-graduação do Estado de Pernambuco, Santos et al. (2012) também identificaram a multiplicidade de campos nos quais a TRS é aplicada, com maior inserção dessa teoria nos campos da psicologia e educação.

A grande apropriação desse referencial teórico e metodológico pela área da psicologia parece estar associada ao campo de sistematização dessa teoria que, conforme já apontado, emerge no âmbito da psicologia social. Com relação às linhas de investigação dos grupos identificados, observa-se o interesse em compreender fenômenos e práticas sociais complexos, aos quais a TRS oferece condições epistemológicas e metodológicas que ampliam as possibilidades de análise crítica e reflexão, orientando assim propostas de intervenções.

A maior concentração das instituições de pesquisa e ensino na Região Sudeste vem sendo evidenciada (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, 2010). Apesar dessa concentração, observa-se que a TRS está distribuída por todo o país. Vale ressaltar que as instituições com maior número de grupos de pesquisa em RS se encontram em regiões geográficas distintas, a saber, Sul, Nordeste e Sudeste.

A propagação dos grupos de pesquisa pode ter sido provocada por uma troca e interação desses atores em eventos da área e produções acadêmicas, o que serviria para expandir o número de grupos. Com base nisso, podemos inferir sobre as outras regiões com maiores números de grupos de pesquisa registrados no CNPq em RS: Nordeste com 30% dos grupos e Sul com 23%.

O maior número de grupos de pesquisa nas universidades públicas aponta para o maior incentivo e a valorização das atividades de pesquisa nessas instituições, revelando a necessidade de investimento da constituição de pesquisas nas instituições privadas. Entretanto, cada vez mais se percebe que tais atividades, associadas a outras como o ensino e as práticas de extensão, começam a ser valorizadas também em instituições privadas, sobretudo a partir dos esforços governamentais e da ampliação de possibilidades de financiamento (Silva, 2001).

A pesquisa amplia as possibilidades de diálogo e interlocução entre os núcleos de docentes e discentes das instituições de ensino, auxiliando no processo de construção do conhecimento. A inserção das práticas de pesquisa nas instituições privadas, embora recente, revela o despertar destas para novos campos de atuação profissional, resultando na ampliação das possibilidades de aprendizado e na preocupação com a elevação da qualidade de produção do docente que poderá interferir na avaliação de sua instituição.

Por fim, é preciso levar em conta as dificuldades que perpassaram a realização do presente estudo. As informações disponibilizadas no diretório de grupos do CNPq nem sempre se mostram completas e atualizadas, uma vez que os dados são inseridos nessa base por meio de um formulário eletrônico passível de erros. Desse modo, alguns grupos de pesquisa não apresentavam informações mais detalhadas sobre suas atividades que permitissem aprofundar a análise dos dados, o que se revelou um limite deste estudo, uma vez que a base que deveria oferecer subsídios sobre os panoramas de pesquisas encontra-se muitas vezes desatualizada ou incompleta.

Espera-se que novos estudos, ancorados em outras propostas metodológicas, possam ser realizados, de modo a ampliar o escopo de análise, como investigar o uso da TRS e a diversidade de metodologias de coleta de dados, análise e interpretação, e ainda compreender melhor qual o potencial dessas pesquisas para a transformação e o enfrentamento de problemas sociais.

A análise dos grupos de pesquisas registrados no diretório do CNPq revela que a TRS refere-se a um referencial teórico e metodológico vivo, em constante produção e que vem orientando o desenvolvimento de diferentes estudos, sob diferentes perspectivas no Brasil.

Apesar da maior concentração dos grupos nas áreas de educação e psicologia, observa- se que a TRS encontra-se presente nos diferentes campos e áreas do conhecimento, revelando o seu caráter interdisciplinar e sua apropriação para a compreensão de fenômenos de ordens distintas.

Conhecer o campo de expansão da TRS, 50 anos após a sua sistematização, permite tomar consciência não apenas de sua produção, mas também dos diversos desafios que permeiam a pesquisa em RS. Portanto, torna-se imprescindível zelar pela fundamentação teórica e metodológica nos processos de investigação, tendo o cuidado para que o seu uso não seja reduzido a modismos e às pesquisas realizadas de maneira indiscriminada. Conforme destacam Santos et al. (2012), é preciso levar em conta que a maior divulgação da TRS no país e o maior número de produções científicas que utilizam esse referencial nem sempre refletem a densidade teórica e o rigor metodológico necessários para aprofundamentos e avanços epistemológicos.

Para estudos futuros, sugere-se um mapeamento mais aprofundado das produções dos grupos, bem como uma análise dos modos como esse referencial vem sendo apropriado e operacionalizado. Tais esforços poderão apontar para uma teoria, apesar de sólida, ainda em construção e, portanto, passível de (re)construções.

 

Referências

Almeida, A. M. O., Santos, M. F. S., & Trindade, Z. A. (2011). Apresentação. In A. M. O. Almeida, M. F. S. Santos & Z. A. Trindade. Teoria das representações sociais: 50 anos (pp. 17-20). Brasília: Technopolitik.         [ Links ]

Arruda, A. (2002). As representações sociais: desafios de pesquisa. Revista de Ciências Humanas, v. esp.(6), 9-23.         [ Links ]

Carvalho, J. G. S., & Arruda, A. (2008). Teoria das representações sociais e história: um diálogo necessário. Paidéia, 18(41), 445-456.         [ Links ]

Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico. (2012). Diretório dos grupos de pesquisa. Recuperado em 12 julho, 2012, de http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/.         [ Links ]

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. (2010). Análise da produção científica a partir de publicações em periódicos especializados. In Fapesp. Indicadores de ciência, tecnologia e inovação em São Paulo 2010 (pp. 4-71). São Paulo: Fapesp.         [ Links ]

Jodelet, D. (2001). Representações sociais: um domínio em expansão. In D. Jodelet (Org.). As representações sociais (pp. 17-44). Rio de Janeiro: Eduerj.         [ Links ]

Lane, S. T. M. (1993). Uso e abusos do conceito de representação social. In M. J. Spink. (Org.) O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da psicologia social (pp. 58-72). São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

Lima, T. C. S., & Mioto, R. C. T. (2007). Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Revista Katalysis, 10(n. esp.), 37-45.         [ Links ]

Moscovici, S. (1961). La psychanalyse, son image et son public. Paris: PUF.         [ Links ]

Moscovici, S. (1978). A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

Moscovici, S. (2003). Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Pepe, V. L. E., Noronha, A. B. M., Figueiredo, T. A., Souza, A. A. L., Oliveira, C. V. S., & Pontes, D. M., Junior. (2010). A produção científica e grupos de pesquisa sobre vigilância sanitária no CNPq. Ciência e Saúde Coletiva, 15(supl. 3), 3341-3350.

Pinheiro, J. Q. (2005). O lugar e o papel da psicologia ambiental no estudo das questões humano-ambientais, segundo grupos de pesquisa brasileiros. Psicologia USP, 16(1-2), 103-113.         [ Links ]

Rosa, A. S. (2011). 50 anos depois: La psychanalyse, son image et son public na era do Facebook. In A. M. O. Almeida, M. F. S. Santos & Z. A. Trindade. Teoria das representações sociais: 50 anos (pp. 101-122). Brasília: Technopolitik.         [ Links ]

Sá, C. P. (2000). A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj.         [ Links ]

Sá, C. P., & Arruda, A. (2000). O estudo das representações sociais no Brasil. Revista de Ciências Humanas, v. esp.(3), 11-31.         [ Links ]

Santos, M. F. S., Morais, E. R. C., & Alcioli, M. L., Neto. (2012). A produção científica em representações sociais: análise de dissertações e teses produzidas em Pernambuco. Psico (PUCRS), 43, 200-207.

Silva, F. L. (2001). Reflexões sobre o conceito e a função da universidade pública. Estudos Avançados, 15(42), 295-304.         [ Links ]

Silva, I. O., Luz, I. R., & Faria, L. M., Filho. (2010). Grupos de pesquisa sobre infância, criança e educação infantil no Brasil: primeiras aproximações. Revista Brasileira Educacional, 15(43), 84-97.

Trindade, Z. A., Santos, M. F. S., & Almeida, A. M. O. (2011). Ancoragem: notas sobre consensos e dissensos. In A. M. O. Almeida, M. F. S. Santos & Z. A. Trindade. Teoria das representações sociais: 50 anos (pp. 101-122). Brasília: Technopolitik.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Alberto Mesaque Martins
Departamento de Psicologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais
Av. Antônio Carlos, 6.627, sala 4080, Campus Pampulha
Belo Horizonte – MG – Brasil. CEP: 31270-901
E-mail: albertomesaque@yahoo.com.br

Submissão: 5.4.2013
Aceitação: 25.10.2013