SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.17 número1Educación parental: estudio exploratorio en un grupo de danza inclusivaLudoteca hospitalaria: la visión de los acompañantes de los niños índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Compartir


Psicologia: teoria e prática

versión impresa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.17 no.1 São Paulo abr. 2015

 

DESENVOLVIMENTO HUMANO

Enurese noturna: associações entre gênero, impacto, intolerância materna e problemas de comportamento

 

Nocturnal enuresis: associations between gender, impact, maternal intolerance and behavior problems

 

Enuresis nocturna: asociaciones entre género, impacto, intolerancia materna y problemas de conducta

 

 

Rafaela Almeida FerrariI; Felipe Alckmin-CarvalhoII; Edwiges Ferreira de Mattos SilvaresIII; Rodrigo Fernando PereiraIV
I Universidade de São Paulo, São Paulo – SP – Brasil
II Universidade de São Paulo, São Paulo – SP – Brasil; Universidade Nove de Julho, São Paulo – SP – Brasil
III Universidade de São Paulo, São Paulo – SP – Brasil
IV Universidade de São Paulo, São Paulo – SP – Brasil; Faculdade de Medicina do ABC, Santo André – SP – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

O objetivo deste estudo foi identificar correlações entre as variáveis gênero, problemas de comportamento e impacto apresentados por crianças e adolescentes e nível de intolerância das mães ante a enurese. Nas avaliações, utilizaram-se os seguintes instrumentos: escala de impacto, preenchida pela criança e pelo adolescente, inventário de comportamentos para crianças e adolescentes e escala de tolerância, ambos destinados às mães. Participaram 31 crianças e adolescentes com enurese com idades entre 6 e 15 anos (M = 8,84 e DP = 2,08) e suas respetivas mães. Foram identificadas correlações estatisticamente significativas entre intolerância e impacto, e ainda entre impacto e idade. A média dos problemas de comportamento atingiu nível clínico, sendo os do tipo internalizante mais frequentes. Não foram encontradas associações entre problemas de comportamento e impacto ou intolerância, nem diferenças de gênero para todas variáveis analisadas. Na amostra avaliada, mães mais intolerantes têm filhos mais impactados, e o nível de intolerância delas parece aumentar à medida que a criança ou o adolescente ficam mais velhos.

Palavras-chave: enurese; problemas de comportamento; intolerância; impacto; criança.


Abstract

The aim of the study was to identify correlations between the following variables: gender, behavior problems and impact suffered by children/adolescents and the intolerance of their mothers to enuresis. Assessment was made through: impact scale, responded by the child/adolescent, child behavior checklist and tolerance scale, both answered by the mothers. Participated 31 children and adolescents with enuresis aged between 6 and 15 years (M = 8.84 and SD = 2.08) and their mothers. Statistically significant correlations between intolerance and impact were identified, and also between age and impact. The mean rate of behavior problems reached a clinical level, presenting mostly internalizing problems. No associations between behavior problems and impact or intolerance, or gender differences for all variables analyzed were found. In this sample, the more intolerant mothers have most impacted children, and their mothers' intolerance level seems to increase as the child or adolescent get older.

Keywords: enuresis; behavior problems; intolerance; impact; children.


Resumen

El objetivo del estudio fue identificar correlaciones entre las variables: género, problemas de comportamiento e impacto presentados por niños/adolescentes y la intolerancia de sus madres frente a la enuresis. Fueron utilizados: escala de impacto, completada por el niño/adolescente, inventario de comportamientos para la infancia y adolescencia y escala de tolerancia, dirigidos a las madres. Participaron 31 niños y adolescentes con enuresis, con edades entre 6 y 15 años (M = 8,84 y DP = 2,08) y sus madres respectivas. Se identificaron correlaciones estadísticamente significativas entre la intolerancia y el impacto, y también entre la edad y el impacto. La media de los problemas de comportamiento llegó a nivel clínico, siendo el tipo más frecuente o de interiorización. No se encontró asociación entre problemas de conducta y impacto o intolerancia, ni diferencias de género en todas las variables analizadas. En la muestra madres más intolerantes tienen niños más impactados y la intolerancia parece aumentar a medida que el niño o adolescente crece.

Palabras clave: enuresis; problemas de comportamiento; intolerancia; impacto; niño.


 

 

Na população infantil, uma das queixas expostas com alta frequência é a enurese (Silvares, 2012). Estudos apontam que a prevalência de enurese é maior entre os meninos e durante a infância (Butler, 1994; Hashem, Morteza, Mohammad, & Ahmad-Ali, 2013). A incidência dessa condição tende a diminuir à medida que a criança fica mais velha, sendo a taxa de remissão espontânea de aproximadamente 15% ao ano (Butler, Golding, & Northstone, 2005).

O Manual de diagnóstico e estatística de transtornos mentais (DSM-V) (American Psychiatric Association, 2013) aponta os seguintes critérios para o diagnóstico de enurese: eliminação de urina durante o dia ou à noite, na cama ou nas roupas; episódios que ocorrerem no mínimo duas vezes por semana, por pelo menos três meses consecutivos, ou que produzirem sofrimento ou prejuízo significativo no funcionamento social, acadêmico ou em outras áreas importantes na vida do indivíduo; idade cronológica (ou mental) de no mínimo 5 anos; e incontinência urinária não atribuída aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou condição médica geral.

Além dos critérios estabelecidos pela quinta edição do DSM, há outro bastante difundido entre os clínicos e pesquisadores, desenvolvido pela International Children's Continence Society (ICCS), no qual uma criança com idade superior a 5 anos apresenta enurese quando há micção normal em local ou hora inadequados (Nevéus et al., 2006). Nevéus et al. (2006) estabelecem uma frequência de pelo menos uma vez ao mês. Além disso, apontam que a quantidade de urina tem de ser grande, uma vez que pequenas quantidades podem indicar outros problemas fisiológicos.

A enurese pode ser classificada como primária, nos casos em que a criança nunca obteve o controle da micção, ou secundária, na existência desse controle por pelo menos seis meses. Pode ainda ser monossintomática, quando não é acompanhada de outros sintomas do trato urinário inferior, e não monossintomática, naqueles indivíduos em que há sintomas concomitantes, como frequência de micção aumentada ou diminuída, incontinência diurna, urgência, hesitação, esforço miccional, jato urinário fraco ou intermitente, manobras de contenção, sensação de esvaziamento incompleto, gotejamento pós-miccional, dor genital ou do trato urinário inferior (Nevéus et al., 2006).

As possíveis causas da enurese apontadas pelos estudos são: dificuldade de despertar ao sinal de bexiga cheia, poliúria noturna (falha na liberação do hormônio vasopressina que concentra a urina) e atividade detrusora disfuncional (contrações não inibidas do músculo detrusor da bexiga). Butler e Holland (2000) chamam esse modelo de compreensão da enurese de "três sistemas".

Um guia estratégico produzido pela ICCS aponta seis modalidades de tratamento da enurese, sendo três medicamentosas (antidepressivos tricíclicos, oxibutinina e desmopressina), duas psicológicas (alarme acompanhado de medidas comportamentais para auxílio no tratamento e alarme sem componentes comportamentais) e acupuntura. O único tratamento não medicamentoso considerado internacionalmente padrão ouro para o tratamento de enurese é o realizado por meio de alarme (Hjalmas et al., 2004).

Sobre essa modalidade de tratamento, um estudo constatou que crianças com alto índice de problemas de comportamento deveriam ter esses problemas tratados antes de serem submetidas ao tratamento com a utilização do alarme (Houts, 2003). Sem adotar essa medida, as crianças teriam dificuldades em atingir o resultado esperado. Considerando que os problemas externalizantes referem-se, entre outros fatores, ao não seguimento de regras, não é difícil imaginar que isso possa afetar o resultado de um tratamento que depende, essencialmente, do seguimento estrito dos procedimentos envolvidos.

Ao explorar esse tema, Arantes (2007) verificou que crianças com escores clínicos em problemas de comportamento internalizantes, externalizantes ou totais não estão impedidas de ter sucesso no tratamento de enurese, apenas levam mais tempo para obtê-lo. Para a autora, a motivação das famílias parece ser o principal determinante do bom resultado no tratamento, pois isso estimula a criança a superar as dificuldades relativas aos problemas de comportamento infantis. Adicionalmente, Pereira (2010) observou, em seu estudo, que crianças com problemas de comportamento tendiam a apresentar menor chance de obter sucesso no tratamento do que as que não tinham problemas de comportamento em nível clínico. Por sua vez, Hirasing, Van Leerdam, Bolk-Bennink e Koot (2002) e Ferrari (2014), em seus estudos, não identificaram a influência dos problemas de comportamento no desfecho do resultado do tratamento. Dessa forma, ainda não há consenso, em nível nacional, se os problemas de comportamento apresentados pela criança podem ser considerados variáveis moderadoras do sucesso do tratamento.

Outro fator de relevância no tratamento da enurese é o impacto causado por essa condição em crianças com enurese (Silvares, 2012). Um estudo inglês com uma amostra de mais de oito mil crianças apontou que os participantes classificam a enurese como a oitava pior dificuldade da infância, seguindo outras dificuldades consideradas piores, como ser deixado de fora das brincadeiras e não ter amigos (Joinson, Heron, Emond, & Butler, 2007). Outro estudo constatou ainda que o impacto da enurese percebido pela própria criança como problema aumenta conforme a idade (Theunis, Van Hoecke, Paesbrugge, Hoebeke, & Walle, 2002).

Possivelmente associada ao impacto sofrido pelas crianças que vivenciam a enurese, está a forma como os pais lidam com o problema. Desse modo, pesquisas recentes têm investigado associações entre o nível de intolerância dos pais ou responsáveis e o impacto sofrido pela presença de enurese em crianças. Um estudo nacional encontrou um nível de correlação estatisticamente significativo entre as variáveis impacto infantil e intolerância parental à enurese, além de apontar que, com o avanço da idade, o nível de intolerância dos pais de crianças com enurese tende a aumentar, assim como o impacto sofrido por essa condição (Daibs, Pereira, Silvares, & Emerich, 2010).

Por sua vez, Butler (1994) propôs dois modelos de reação parental inadequada à enurese. No primeiro, os pais atribuem a enurese a causas errôneas, com tentativas de solução do problema por meio de interrupção do sono e restrição de líquidos. O segundo está atrelado à intolerância, marcada pela exaustão ante os encargos extras associados ao problema, e à crença de que o comportamento de molhar a cama pode ser controlado se a criança assim desejar, o que pode desencadear punições psicológicas e físicas. Nesse sentido, Butler e McKenna (2002) recomendam que os profissionais da saúde devem trabalhar de forma psicoeducativa com essa população e investir na compreensão dos pais quanto às causas da enurese e em um modo mais apropriado de manejar esse problema, ressaltando especialmente a ausência de culpa por parte da criança.

O presente estudo partiu da hipótese de que crianças com enurese apresentam com maior frequência problemas de comportamento internalizantes, possivelmente decorrentes dessa condição de falta de controle. Supõe-se que os escores de problemas de comportamento e o impacto sofrido pela criança sejam mais elevados nos participantes mais velhos e com mães mais intolerantes à condição de enurese. A investigação dessas variáveis em crianças brasileiras pode contribuir para produzir conhecimentos que possam sustentar o delineamento de modalidades de tratamento mais eficazes, com a finalidade de minorar o sofrimento de crianças com enurese e de suas famílias.

O objetivo do estudo foi identificar possíveis associações entre: 1. o nível de intolerância das mães à enurese e os problemas de comportamento e impacto apresentados por crianças/adolescentes, e 2. a idade e o sexo dos participantes e o nível de intolerância, problemas de comportamento e impacto sofrido.

 

Método

A pesquisa adotou o desenho de corte transversal ou seccional, que consiste em uma estratégia de pesquisa caracterizada pela observação direta de determinada quantidade de indivíduos em uma única oportunidade.

Participantes

Participaram do estudo mães de crianças com diagnóstico de enurese (Nevéus et al., 2006) que buscaram atendimento em um serviço-escola, em uma capital brasileira, e os filhos atendidos em 2011.

Instrumentos

Inventário de comportamentos para crianças e adolescentes entre 6 e 18 anos: versão brasileira do child behavior checklist – CBCL – 6-18 (Achenbach & Rescorla, 2001). Esse instrumento apresenta evidências preliminares de validade para a população brasileira (Rocha et al., 2013). Preenchido por pais ou cuidadores, esse inventário avalia problemas de comportamento (138 itens) e competências sociais (20 itens) em crianças e adolescentes. Os problemas de comportamento são divididos em oito escalas de síndromes, a saber: ansiedade/depressão, retraimento/depressão, queixas somáticas, problemas de sociabilidade, problemas com o pensamento, problemas de atenção, violação de regras e comportamento agressivo. A soma das três primeiras escalas de problemas de comportamento gera a escala de internalização (EI), e a soma das duas últimas, a escala de externalização (EE). A soma de todos os itens de problemas de comportamento gera a escala total de problemas emocionais/comportamentais (TP). Os escores de problemas de comportamento foram classificados na faixa não clínica (inferiores a 60) ou clínica (superiores a 60), conforme os autores do instrumento recomendam para fins de pesquisa (Achenbach & Rescorla, 2001).

Escala de impacto (Butler, 1994): essa escala, preenchida pela criança ou pelo adolescente, é composta de 17 afirmações, como "Minha mãe tem roupa demais para lavar", "Sinto-me diferente dos meus amigos" e "Meu pai ou minha mãe fica bravo(a) comigo". A essas sentenças são apresentadas as respostas "não", "às vezes" e "sim", por meio das quais é calculado o nível de impacto associado à enurese. À resposta "não" atribui-se 0 ponto; à resposta "às vezes", um ponto; e à resposta "sim", dois pontos. Quanto maior for o escore total, maior será o impacto sofrido pela criança ou pelo adolescente. Há evidências preliminares de validade do uso do instrumento em população brasileira (De Salvo, De Toni, & Silvares, 2008).

Escala de tolerância (Morgan & Young, 1975): essa escala tem 20 itens que avaliam a tolerância/intolerância dos pais de crianças com enurese. Os pais respondem "sim" ou "não" às afirmações como "Eu já me acostumei com camas molhadas", "Eu tento ajudá-lo(a) a não se aborrecer com o xixi na cama" e "Um bom tapa nunca fez mal a nenhuma criança que molhe a cama e pode fazer muito bem". O valor final é a mediana de todos os itens respondidos positivamente ("sim"), e um alto escore indica intolerância por parte do pai ou da mãe em relação ao filho com enurese. A versão original do instrumento aponta que os pais são considerados intolerantes quando o escore é maior do que 1,45, mas ainda não há estudos de validade para o uso desse instrumento em população brasileira.

Procedimentos

A realização desta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da universidade em que foi realizado o estudo. Somente os participantes que assinaram o Termo de Consentimento foram avaliados, tendo sua identidade preservada e o direito de abandonar o estudo sem nenhum ônus.

As famílias interessadas em participar do atendimento para a enurese, após divulgação do serviço na mídia, entraram em contato com os pesquisadores por telefone e foram inscritas no projeto. O CBCL foi enviado pelo correio, com um envelope selado para que o questionário fosse preenchido e enviado de volta ao pesquisador responsável. Após o recebimento do questionário, as famílias eram convocadas para dar seguimento ao processo. Todos os participantes incluídos neste trabalho devolveram o CBCL pelo correio e passaram, com suas famílias, por entrevista de triagem para realização de atendimento em um serviço universitário de psicologia.

As entrevistas foram realizadas por duplas de estudantes de graduação em Psicologia e pós-graduação em Psicologia Clínica, todos vinculados ao grupo responsável por oferecer o atendimento a pacientes com enurese. Enquanto um dos entrevistadores ficava em uma sala com a mãe, o outro ficava em uma sala ao lado com a criança. Na entrevista com a mãe, era aplicada a escala de tolerância, enquanto a criança participava de uma entrevista semiestruturada (cujos dados, de natureza qualitativa, são usados para fins clínicos e não foram incluídos neste estudo) e respondia à escala de impacto.

Os dados foram tabulados e analisados por meio do programa SPSS 16.0 para Windows. Para avaliação das associações entre as variáveis quantitativas (impacto, tolerância e problemas de comportamento), foi utilizado teste t de amostras independentes. Para relacionar as variáveis entre si, utilizou-se a correlação de Pearson. Adotou-se nível de probabilidade de 95% (p < 0,05) para a rejeição das hipóteses de nulidade.

 

Resultados

Foram convidadas a participar do presente estudo 45 famílias que buscaram atendimento no serviço-escola da universidade, das quais 14 se recusaram ou desistiram. Desse modo, a amostra final foi composta por 31 crianças e adolescentes – 11 do sexo feminino e 20 do sexo masculino – com idades entre 6 e 15 anos, com média de 8,8 anos (DP = 2,08), e suas respectivas mães. Os participantes foram diagnosticados com enurese noturna de acordo com os critérios da ICCS, descritos anteriormente, e procuraram tratamento em uma clínica psicológica universitária que oferecia atendimento especializado para esse problema.

A Tabela 1 apresenta a análise descritiva das variáveis analisadas neste estudo.

 

 

A média da escala de impacto ficou acima do ponto de corte do instrumento, o que indica que, na amostra avaliada, os prejuízos associados à presença de enurese foram elevados. Do mesmo modo, verificaram-se altos escores de intolerância das mães ante a enurese dos filhos, e a média também foi superior ao ponto de corte estabelecido. A média dos problemas de comportamento atingiu níveis clínicos, sendo mais elevados os escores de problemas internalizantes nessa população.

A Tabela 2 apresenta a comparação entre as médias com relação ao sexo dos participantes.

 

 

Para as variáveis estudadas, não houve diferença significativa em relação ao gênero­ da criança ou do adolescente, ou seja, na amostra, meninos e meninas apresentaram grau de impacto semelhante, bem como as mães apresentaram intolerância em níveis similares. Todas as médias dos escores de problemas de comportamento foram classificadas na faixa clínica, não havendo diferenças significativas entre gênero. A seguir, a Tabela 3 aponta as correlações entre as variáveis do estudo.

 

 

Foi encontrada correlação positiva, moderada e estatisticamente significativa entre a idade da criança e o nível de tolerância das mães (r = 0,408 e p = 0,035) e também entre o nível de intolerância das mães e o impacto da presença de enurese nas crianças (r = 0,406 e p = 0,036). Não foram verificadas associações entre os problemas de comportamento e as outras variáveis do estudo. Esses índices só se correlacionaram entre si, o que é esperado, já que o escore total é composto pelos escores internalizantes e externalizantes.

 

Discussão dos resultados

Com base na análise dos dados, foi possível verificar que os resultados com as crianças brasileiras estudadas corroboram os principais achados de pesquisas sobre enurese. Na presente amostra, observou-se que 64,5% dos participantes eram do sexo masculino e apenas 35,5% do feminino, uma diferença comumente encontrada tanto em estudos nacionais (Daibs et al., 2010; Emerich, Sousa, & Silvares, 2011) quanto em pesquisas internacionais (Butler, 1994; Hashem et al., 2013). Esses achados confirmam que a enurese é mais prevalente entre meninos.

No presente estudo, identificaram-se correlações positivas entre as escalas de intolerância e impacto e também entre a idade da criança e o nível de intolerância das mães. Esse resultado sugere que crianças mais velhas são mais impactadas pela presença de enurese e que filhos de mães mais intolerantes são mais severamente impactados. Esse resultado vai ao encontro dos achados de pesquisadores brasileiros que avaliaram uma amostra de 126 crianças e adolescentes, encontrando correlação positiva entre a intolerância da mãe e o impacto sentido pela criança ou pelo adolescente (Daibs et al., 2010). Internacionalmente, os pesquisadores apontam na mesma direção (Schober, Lipman, Haltigan, & Kuhn, 2004).

As associações significativas encontradas neste estudo entre a idade e a intolerância conforme o avanço da idade vão ao encontro de resultados de outras investigações (Daibs et al., 2010; Theunis et al., 2002). Destaca-se que não é possível estabelecer uma relação de causalidade entre essas variáveis, contudo supõe-se que exista uma tendência de agravamento da intolerância diante de uma extensa exposição das mães ao problema, além de uma intensificação do impacto sobre crianças com enurese. Além de as crianças e os adolescentes terem que conviver com a atitude negativa das mães ao longo dos anos em que a enurese perdurar, a restrição social associada a essa condição tende a ser mais significativa com o avanço da idade.

Diante do alto índice de intolerância das mães, destaca-se a possibilidade de os filhos manifestarem patologias relacionadas ao apego e ao vínculo parental. Se esses problemas não forem identificados e tratados precocemente, poderão evoluir para transtornos psiquiátricos em idade adulta, condição de difícil manejo (Schober et al., 2004).

A média apresentada referente aos problemas de comportamento classificou as crianças e os adolescentes em um nível clínico em todos os problemas de comportamento, com escores mais elevados em problemas de comportamento internalizantes. Esses dados vão ao encontro de outro estudo nacional que avaliou o perfil comportamental de crianças com enurese (Santos & Silvares, 2006), apontando para a necessidade de investigação e atenção especial aos casos.

Nas escalas de avaliação de queixas comportamentais, os escores não se correlacionaram com os escores das escalas de intolerância e de impacto, contrariando a hipótese de um estudo internacional (Schober et al., 2004). Considera-se, entretanto, que essa discordância deva-se ao número reduzido de crianças e adolescentes avaliados no presente estudo.

 

Conclusão

O objetivo do presente estudo foi verificar associações entre o nível de intolerância das mães e o impacto sofrido por crianças e adolescentes com enurese. Além disso, buscou-se correlacionar os problemas de comportamento e a idade da criança, o impacto da enurese e o nível de intolerância dos pais. Na amostra avaliada, a forma como as mães lidam com a condição de enurese dos filhos esteve associada ao impacto relatado pela criança. O nível de intolerância da mãe parece aumentar à medida que a criança ou o adolescente ficam mais velhos. Por fim, verificaram-se, nos participantes, mais problemas de comportamento internalizantes em nível clínico. Esses achados apontam, de um lado, os prejuízos associados à presença de enurese na criança, condição primária que, se tratada, pode minorar os indicadores de problemas comportamentais, e, de outro, que a forma como as mães compreendem essa condição e manejam o comportamento de seus filhos pode agravar as dificuldades ou funcionar como um fator de proteção para o desenvolvimento infantil.

O estabelecimento de associações entre as variáveis analisadas nesta pesquisa produziu conhecimentos que podem nortear tanto pesquisadores quanto terapeutas no delineamento de intervenções mais efetivas para essa população, aumentando a procura por tratamento e a adesão a ele.

Mesmo alcançando os objetivos propostos, algumas limitações precisam ser sinalizadas. Entre elas, apontam-se o número reduzido de participantes e a utilização de um instrumento sem evidências de validade para a população brasileira, a saber, a escala de tolerância. A fim de amenizar os limites desta investigação, recomendam-se, para pesquisas futuras, um número mais expressivo de participantes, a inclusão dos pais na avaliação dos problemas de comportamento e como respondentes na escala de intolerância, e a utilização de múltiplos métodos de avaliação das variáveis analisadas.

 

Referências

Achenbach, T. M., & Rescorla, L. A. (2001). Manual for the Aseba School-Age Forms & Profiles. Burlington: University of Vermont, Research Center for Children, Youth & Families.         [ Links ]

American Psychiatric Association (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorder (DSM-5). Washington, DC: American Psychiatric Association.         [ Links ]

Arantes, M. C. (2007). Problemas de comportamento e resultados do tratamento com alarme para enurese primária. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.         [ Links ]

Butler, R. J. (1994). Nocturnal enuresis: the child's experience. Oxford: Butterworth-Heinemann.         [ Links ]

Butler, R. J., Golding, J., & Northstone, K. (2005). Nocturnal enuresis at 7.5 years old: prevalence and analysis of clinical signs. British Journal of Urology International, 96(3), 404-410.         [ Links ]

Butler, R. J., & Holland, P. (2000). The three systems: a conceptual way of unders­tanding nocturnal enuresis. Scandinavian Journal of Urology and Nephrology, 34(4), 270-277.         [ Links ]

Butler, R. J., & McKenna, S. (2002). Overcoming parental intolerance in childhood nocturnal enuresis: a survey of professional opinion. British Journal of Urology International, 89(3), 295-297.         [ Links ]

Daibs, Y. S., Pereira, R. F., Silvares, E. F. M., & Emerich, D. R. (2010). Enurese: impacto em crianças e adolescentes e a tolerância dos pais. Interação em Psicologia, 14(2), 175-183.         [ Links ]

De Salvo, C. G., Toni, P. M., & Silvares, E. F. M. (2008). Análise fatorial e unidimensionalidade da escala de impacto à enurese. Psico, 39(2), 240-245.         [ Links ]

Emerich, D. R., Sousa, C. R. B. D., & Silvares, E. F. M. (2011). Estratégias de enfrentamento parental e perfil clínico e sociodemográfico de crianças e adolescentes com enurese. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 21(2), 240-250.         [ Links ]

Ferrari, R. A. (2014). Acompanhamento à distância do tratamento com alarme para enurese: efeitos dos problemas de comportamento. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.         [ Links ]

Hashem, M., Morteza, A., Mohammad, K., & Ahmad-Ali, N. (2013). Prevalence of nocturnal enuresis in school aged children: the role of personal and parents related socio-economic and educational factors. Iranian Journal of Pediatrics, 23(1), 59-64.         [ Links ]

Hirasing, R. A., Van Leerdam, F. J. M., Bolk-Bennink, L. F., & Koot, H. M.(2002). Effect of dry bed training on behavioural problems in enuretic children. Acta Pediatrica, 91(8), 960-964.         [ Links ]

Hjalmas, K., Arnold, T., Bower, W., Caione, P., Chiozza, L. M., Von Gontard, A.,& Yeung, C. K. (2004). Nocturnal enuresis: an international evidence based management strategy. The Journal of Urology, 171(6), 2545-2561.         [ Links ]

Houts, A. C. (2003). Behavioral treatment for enuresis. In A. E. Kazdin & J. R Weisz (Eds.). Evidence based psychotherapies for children and adolescents (pp. 389-406). New York: Guilford Press.         [ Links ]

Joinson, C., Heron, J., Emond, A., & Butler, R. (2007). Psychological problems in children with bedwetting and combined (day and night) wetting: a UK population-based study. Journal of Pediatric Psychology, 32(5), 605-616.         [ Links ]

Morgan, R. T., & Young, G. C. (1975). Parental attitudes and the conditioning treatment of childhood enuresis. Behavior Research and Therapy, 13(2), 197-199.         [ Links ]

Nevéus, T., Gontard, A., Hoebeke, P., Hjälmås, K., Bauer, S., Bower, W., Jørgensen, T. M., Rittig, S., Walle, J. V., Yeung, C., & Djurhuus, J. C. (2006). The standardization of terminology of lower urinary tract function in children and adolescents: report from the Standardisation Committee of the International Children's Continence Society. The Journal of Urology, 176(1), 314-324.         [ Links ]

Pereira, R. F. (2010). Variáveis moderadoras do resultado da intervenção com alarme para a enurese noturna. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.         [ Links ]

Rocha, M. M., Rescorla, L. A., Emerich D. R., Silvares, E. F. M., Borsa, J. C., Araújo, L. G. S., Bertolla, M. H. S. M., Oliveira, M. S., Perez, N. C. S., Freitas, P. M., & Assis, S. G. (2013). Behavioural/emotional problems in Brazilian children: findings from parents' reports on the child behavior checklist. Epidemiology and Psychiatric Sciences, 22(4), 329-338, 1-10.         [ Links ]

Santos, E. D. O. L., & Silvares, E. F. M. (2006). Crianças enuréticas e crianças encaminhadas para clínicas-escola: um estudo comparativo da percepção de seus pais. Psicologia: Reflexão e Crítica, 19(2), 277-282.         [ Links ]

Schober, J., Lipman, R., Haltigan, J., & Kuhn, P. (2004). The impact of monosymptomatic nocturnal enuresis on attachment parameters. Scandinavian Journal of Urology and Nephrology, 38, 47-52.         [ Links ]

Silvares, E. F. M. (2012). Enurese em crianças e adolescentes: a importância do tratamento. In E. F. M. Silvares & R. Pereira (Eds.). Enurese noturna: diagnóstico e intervenção (pp. 15-27). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Theunis, M., Van Hoecke, E., Paesbrugge, S., Hoebeke, P., & Walle, J. (2002). Self-image and performance in children with nocturnal enuresis. European Urology, 41, 660-667Links ] Arial, Helvetica, sans-serif" size="2">.

 

 

Endereço para correspondência:
Edwiges Ferreira de Mattos Silvares
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Departamento de Psicologia Clínica
Avenida Professor Mello Moraes, 1.721, Prédio F, sala 30, Cidade­ Universitária
São Paulo – SP – Brasil. CEP: 05508-030
E-mail: efdmsilv@usp.br

Submissão: 15.11.2013
Aceitação: 10.4.2014

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons