Servicios Personalizados
Revista
Articulo
Indicadores
Compartir
Psicologia: teoria e prática
versión impresa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.19 no.1 São Paulo abr. 2017
https://doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v19n1p164-175
ARTIGOS
DESENVOLVIMENTO HUMANO
Diagnóstico do autismo: relação entre fatores contextuais, familiares e da criança
Diagnóstico del autismo: relación entre factores contextuales, familiares y del hijo
Regina Basso ZanonI; Bárbara BackesII; Cleonice Alves BosaIII
IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil
RESUMO
Embora se reconheça que algumas dificuldades que caracterizam o Transtorno do Espectro Autista (TEA) possam ser identificadas na primeira infância, os resultados dos estudos mostram que muitas crianças não são diagnosticadas antes do período escolar, podendo retardar o ingresso delas em programas de intervenção precoce, assim como a orientação parental específica. O presente estudo objetivou investigar a idade de realização do diagnóstico do TEA em participantes brasileiros e a sua relação com variáveis contextuais, familiares e da criança. O estudo é de natureza transversal e correlacional, realizado com base em dados coletados em uma survey (on-line) e envolvendo 136 pais de indivíduos com TEA. Entre os principais achados, destaca-se a correlação moderada e positiva encontrada entre as variáveis idade do filho e idade da realização diagnóstico do TEA. As implicações dos resultados e as limitações metodológicas do estudo foram discutidas.
Palavras-chave: autismo; diagnóstico; survey; criança; família.
RESUMEN
Las dificultades que caracterizan el trastorno del espectro autista (TEA) se puede identificar en la primera infancia, pero los resultados de los estudios muestran que muchos niños no son diagnosticados antes de la edad escolar, lo que puede retrasar la entrada de ellos en programas de intervención temprana, así como la orientación de los padres. Este estudio tuvo como objetivo investigar la edad de finalización de diagnóstico de TEA en los participantes de Brasil y su relación con las variables contextuales, de la familia y del niño Este estudio tuvo como objetivo investigar la relación entre las variables de los niños, familiares y contextual a la edad de finalización del diagnóstico de TEA en participantes brasileños. Se realizó un estudio transversal y correlacional, basado en datos colectados en una survey (on-line). Los participantes fueron 136 padres de individuos con TEA. Entre los principales resultados destacan la correlación moderada y positiva entre las variables edad del niño y edad de finalización del diagnóstico de TEA. Se discuten las implicaciones de los resultados y las limitaciones metodológicas del estudio.
Palabras clave: autismo; diagnóstico; survey; niño; familia.
Introdução
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é definido por meio de comprometimentos precoces no desenvolvimento sociocomunicativo, assim como pela presença de comportamentos repetitivos e estereotipados (American Psychiatric Association, 2013). Embora se reconheça que algumas dificuldades que caracterizam o TEA possam ser identificadas na primeira infância, os resultados dos estudos mostram que muitas crianças não são diagnosticadas antes do período escolar (Daniels & Mandell, 2013; Noterdaeme & Hutzelmeyer-Nickels, 2010), o que pode retardar seu ingresso em programas de intervenção, assim como a orientação parental específica. Sob esse aspecto, Daniels e Mandell (2013), em um estudo de revisão da literatura sobre a Idade da Realização do Diagnóstico (IRD) do TEA, encontraram disparidades nos achados das 42 pesquisas analisadas. Vale dizer que, no estudo citado, a média de idade das crianças no momento de realização do diagnóstico de TEA variou de 32 a 111 meses. Os autores concluíram que essa idade pode ser influenciada por diversos fatores, que podem estar relacionados às características da criança (por exemplo, severidade dos comportamentos atípicos), da sua família (por exemplo, nível socioeconômico) e do contexto de saúde (por exemplo, características dos serviços de saúde), conforme relatado a seguir.
Até o momento, muitos estudos encontraram correlações negativas entre a quantidade e a gravidade dos sintomas específicos do TEA e a IRD (Wiggins, Baio, & Rice, 2006; Perryman, 2009). Além disso, alguns estudos vêm demonstrando que o histórico de regressão de linguagem também parece impulsionar a realização do diagnóstico precoce (Rosenberg, Landa, Law, Stuart, & Law, 2011; Valicenti-McDermott, Hottinger, Seijo, & Shulman, 2012). Embora ainda não haja um consenso na definição de regressão da linguagem, operacionalmente essa tende a ser definida como a perda do uso comunicativo de três a cinco palavras (com exceção de "papa" e "mama"), com duração da perda igual ou superior a três meses, sendo um fenômeno que acomete de 20% a 30% das crianças com esse diagnóstico (Backes, Zanon, & Bosa, 2013). Por exemplo, Rosenberg et al. (2011), em um estudo de levantamento realizado com base nos dados de 6.214 crianças com TEA, diagnosticadas nos Estados Unidos entre 1994-2010, encontraram associações significativas entre histórico de regressão moderada ou severa de habilidades sociocomunicativas, apresentado antes dos três anos de vida, conforme relato dos pais, e a realização do diagnóstico precoce. Do mesmo modo, Valicenti-McDermott et al. (2012), em um estudo realizado com 399 crianças, encontraram que a média da IRD do grupo de crianças que apresentou histórico de regressão de linguagem foi significativamente menor do que o grupo com TEA e sem regressão, sendo 34 e 40 meses, respectivamente.
A maioria das investigações não tem encontrado associações significativas entre a variável Gênero e a IRD (Noterdaeme & Hutzelmeyer-Nickels, 2010; Rosenberg et al., 2011). Entretanto, cabe ressaltar que os achados do estudo de Goin-Kochel, Mackintosh, & Myers (2006) demonstraram que meninos tendem a ser diagnosticados antes quando comparados às meninas. Todavia, Wiggins et al. (2006) encontraram que meninas tendem a receber o diagnóstico de TEA mais precocemente. Da mesma forma, grande parte dos estudos não encontrou associações significativas entre a raça da criança e a IRD do TEA (Goin-Kochel et al., 2006; Wiggins et al., 2006; Perryman, 2009; Adelman, 2010). Porém, destaca-se que algumas pesquisas demonstraram que crianças afro-americanas negras tendem a ser diagnosticadas depois da idade que as crianças brancas geralmente o são (Rosenberg et al., 2011; Valicenti-McDermott et al., 2012).
No entanto, um estudo desenvolvido por Mandell, Morales, & Xie (2010) demonstrou que as crianças brancas tendem a ser diagnosticadas com TEA depois da idade que as pertencentes a outros grupos raciais. Esses dados controversos nos levam a pensar que outros aspectos, além da raça, podem influenciar, por exemplo, a forma com que se define e se avalia uma determinada condição em uma dada cultura. Por tal razão, demarca-se a relevância de se realizar estudos envolvendo participantes oriundos de diferentes culturas e etnias.
Com relação ao nível socioeconômico, a revisão da literatura realizada nos mostrou que alguns estudos não encontraram associação entre essa variável e a IRD do TEA (Adelman, 2010; Noterdaeme & Hutzelmeyer-Nickels, 2010; Perryman, 2009; Valicenti-McDermott et al., 2012). Entretanto, a pesquisa de Goin-Kochel et al. (2006) mostrou que famílias com maior renda familiar tendem a receber o diagnóstico de TEA do filho antes do que aquelas com baixo poder aquisitivo, provavelmente porque tiveram rápido acesso a serviços especializados, vencidas as barreiras particulares de cada família e as barreiras contextuais (por exemplo, financeiras).
No que tange à ordem de nascimento, alguns pesquisadores não encontraram associações dessa variável com a IRD (Twyman, Maxim, & Leet , 2009; Valicenti-McDermott et al., 2012) e outros demonstraram que crianças que eram o primeiro filho do casal tendiam a receber o diagnóstico mais tarde (por exemplo, Rosenberg et al., 2011), talvez pela pouca experiência e conhecimento dos pais acerca dos marcos do desenvolvimento, entre outros fatores. Ainda, Adelman (2010) encontrou que a presença de um irmão mais velho com TEA na família antecipou, significativamente, a realização desse diagnóstico nos irmãos. No entanto, Twyman et al. (2009) não encontraram associação entre essas variáveis. Pesquisas também vêm demonstrando que o maior nível de educação parental relaciona-se significativamente com o diagnóstico precoce do TEA (por exemplo, Rosenberg et al., 2011). Destaca-se que essas variáveis (presença de irmão mais velho, com ou sem diagnóstico de TEA, e nível de escolaridade parental) podem refletir o maior conhecimento dos pais acerca do desenvolvimento típico e atípico, o que justifica a sua influência antecipatória na IRD.
Quanto à natureza dos primeiros sinais do TEA identificados, alguns estudos encontraram que as preocupações iniciais dos pais em relação aos sintomas não específicos do TEA (Adelman, 2010) tendem a retardar a idade da realização do diagnóstico do filho. No entanto, pais que se preocupam inicialmente com dificuldades no desenvolvimento social ou com comportamentos atípicos, específicos do TEA, receberam o diagnóstico mais cedo (Twyman et al., 2009). Além disso, Perryman (2009) encontrou associações importantes entre as crenças dos pais em relação à natureza dos primeiros sintomas do filho, mensuradas pelas atribuições do sintoma de autismo (Attributions of Autism Symptom - Aoas) (Perryman, 2009) e a realização do diagnóstico do TEA. Para exemplificar: pais que atribuíram aos primeiros sinais do transtorno motivos não específicos dessa condição (por exemplo, pensaram que o filho era uma criança desobediente; tinha personalidade difícil; era mimado) tenderam a receber o diagnóstico de TEA mais tarde.
Com relação às variáveis relacionadas às características do contexto, estudos demonstram que o fato de os pais consultarem um grande número de profissionais da área da saúde, durante a busca por um diagnóstico, também contribui para retardá-lo (por exemplo, Goin-Kochel et al., 2006). Por um lado, Adelman (2010) descobriu que crianças que trocaram de pediatras nos primeiros cinco anos receberam o diagnóstico mais tarde do que aquelas que não o fizeram. Por outro lado, o autor demonstrou que o fato de os pediatras, durante o processo de avaliação, realizarem perguntas aos pais a fim de rastrear sinais específicos do TEA influenciou significativamente na idade da realização do diagnóstico, antecipando-a.
Cabe ressaltar que, no Brasil, ainda não foi realizado nenhum estudo investigando, especificamente, as variáveis relacionadas à idade da realização do diagnóstico do TEA. Entretanto, imagina-se que diversos aspectos específicos da cultura brasileira podem igualmente interferir nesse processo, sobretudo se considerarmos a realidade do nosso contexto de saúde (escassez de profissionais qualificados para a identificação precoce do TEA, dificuldade de acesso aos serviços) e o baixo nível sociocultural e educacional da população. Conjetura-se que a situação de crianças com TEA e de suas famílias, no Brasil, pode ser ainda mais difícil do que a daquelas que vivem em países norte-americanos ou europeus, de onde provêm os achados da maioria das pesquisas sobre o tema. Reconhece-se que uma parcela muito pequena da nossa população é diagnosticada antes dos três anos de idade, e isso, na maioria das vezes, se restringe aos grandes centros onde existem especialistas na área. Assim, presume-se que famílias com baixo nível socioeconômico e que residem em cidades pequenas do interior dos Estados têm formas muito limitadas de acessar uma orientação profissional especializada. Aliás, em geral, demarca-se a escassez de profissionais da área da saúde qualificados para identificar e avaliar sinais de alerta para o TEA no Brasil (Fávero-Nunes & Santos, 2010).
Com base nessa justificativa, o presente estudo teve como objetivo estender os achados internacionais, investigando a IRD do TEA em crianças brasileiras e a sua relação com variáveis contextuais, familiares e da criança. Buscou-se também examinar a relação entre IRD e ocorrência de regressão da linguagem e entre IRD e consulta pediátrica com foco na avaliação de sinais de alerta para o transtorno, além dos demais aspectos de saúde. Espera-se que a ordem de nascimento do filho, o nível socioeconômico e a quantidade de sinais de alerta de TEA identificados pelos pais, se relacionem com IRD, em uma correlação negativa (ou seja, quanto maior o valor nessas variáveis, menor será a idade de realização do diagnóstico). Por outro lado, espera-se que a idade de reconhecimento dos primeiros sinais do TEA e a idade do filho se correlacionem com a IRD, porém em uma correlação positiva (ou seja quanto menor o valor nessas variáveis, menor será a IRD).
Método
Delineamento
O presente estudo é de natureza transversal e correlacional e foi realizado com base em dados coletados em uma survey realizada on-line, sendo parte de um projeto maior intitulado "A busca pelo diagnóstico e tratamento do filho com autismo: a influência do coping e do apoio social nos níveis de estresse de pais". Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em conformidade com a Resolução nº466, de 12 de dezembro de 2012, em 03/2013, sob o protocolo nº27134314.8.0000.5334.
Participantes
Participaram 136 genitores de crianças com diagnóstico de TEA, realizado por um médico de forma independente ao presente estudo, conforme relatos parentais. Os pais foram prioritariamente contatados a partir de instituições brasileiras que trabalham com crianças com TEA, bem como de associações de pais de indivíduos com esse transtorno, sendo os participantes oriundos das cinco regiões do Brasil. Foram incluídos pais (pai ou mãe) de pessoas com TEA de diferentes faixas etárias e que residiam com o filho no período referente à busca pelo diagnóstico e tratamento do filho. No caso de os pais serem casados ou estarem em união estável, foi solicitado que apenas um dos cuidadores preenchesse os formulários, ficando a seu critério essa escolha.
Instrumentos
Utilizou-se uma Ficha sobre dados sociodemográficos e dados sobre a criança com TEA e sua família, elaborada especialmente para o presente estudo, para fins de caracterização da amostra, confirmação dos critérios de inclusão dos participantes no estudo e para a investigação das seguintes variáveis: ordem de nascimento, escolaridade parental, presença de regressão de linguagem oral. Já o Questionário de Investigação do Processo Diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista, também elaborado especialmente para o presente projeto, foi utilizado para a investigação da idade de realização do diagnóstico do TEA, idade do reconhecimento dos primeiros sinais do TEA, número de profissionais da mesma especialidade consultados antes da realização do diagnóstico formal; e realização de perguntas específicas sobre os sinais do TEA durante a primeira avaliação médica. O modelo Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-CHAT) (Robins, Fein, Barton, & Green, 2001) foi utilizado para a caracterização dos sinais de alerta de TEA, avaliados quando o filho tinha entre 18 e 24 meses. Ressalta-se que já foi realizada a tradução e a adaptação do M-CHAT para o português brasileiro, sendo também apresentados indícios de validade do instrumento para a amostra brasileira, com Alfa de Cronbach satisfatório (0,95) para o escore total da escala (Castro-Souza, 2011). No presente estudo, empregou-se a versão do M-CHAT com os itens escritos no tempo verbal do passado, disponível em Castro-Souza (2011).
Resultados
Caracterização da amostra
Os participantes foram provenientes de 19 estados do Brasil, a maioria residente no Rio Grande do Sul (25%, n = 34), em São Paulo (22,8%, n = 31) e no Rio de Janeiro (8,8%, n = 12). A maior parte dos participantes residia na capital do seu estado (61,8%, n = 94) e a média de idade dos respondentes foi 39,25 anos (DP = 8,02). No que se refere ao nível socioeconômico, de acordo com o Critério Brasil de 2012, encontrou-se que a maioria dos respondentes enquadrou-se nas categorias B1 (31,5%; n = 43), B2 (22,8%; n = 31) e A2 (22,1%; n = 30). No que se refere especificamente à escolaridade, a maior parte dos pais tinha pós-graduação completa (36,8%, n = 50) ou ensino superior completo (26,5%, n = 36). Em relação aos seus filhos com TEA, observou-se que 87,5% (n = 119) eram do sexo masculino, com média de idade de 9,8 anos (n = 10,08). A maioria (60,3%, nn = 82) era o primeiro filho do casal e não possuía outra deficiência associada (87,5; n = 119). Além disso, observou-se que a maioria das crianças não apresentou regressão de linguagem oral (69,9%, n = 95).
Variáveis associadas à idade da realização do diagnóstico do TEA
No grupo estudado, a idade da realização do diagnóstico do TEA foi, em média, 60,14 meses (DP = 36,56), com o mínimo de 16 e o máximo de 204 meses. A exploração visual dessa variável, por meio do histograma e do diagrama de caixa, mostrou que os dados não estavam normalmente distribuídos, apresentando distribuição positivamente assimétrica. Além disso, observaram-se vários valores atípicos (outliers), justificando o alto valor do desvio padrão. O resultado do teste de Kolmogoroz-Smirnov para uma amostra comprovou que a distribuição dos dados não era normal, com KS = 2,34 e p < 0,05, indicando, portanto, a rejeição da hipótese nula de normalidade. Considerando o objetivo do presente estudo, optou-se por não excluir os outliers, assumir a não homogeneidade dos dados e realizar um teste não paramétrico.
Inicialmente, as correlações entre as variáveis contínuas e ordinais foram testadas por meio do teste Rô de Spearman, e o nível de significância adotado foi de 0,05. Para a interpretação da magnitude das correlações foi adotada a seguinte classificação dos coeficientes de correlação: coeficientes de correlação <0,4 (correlação de fraca magnitude); de >0,4 a <0,5 (de moderada magnitude); e >0,5 (de forte magnitude) (Hulley et al., 2003). Os resultados das correlações podem ser visualizados na Tabela 1. Encontrou-se uma correlação moderada entre as variáveis Idade da realização do diagnóstico e Idade cronológica do filho (r = 0,49; p < 0,05) e correlações de fraca magnitude entre as variáveis Sinais de autismo (quantidade dos sinais reportados no M-CHAT) e Idade do reconhecimento dos primeiros sinais (r = 0,38; p<0,05), bem como entre Ida-de do reconhecimento dos primeiros sinais e Idade cronológica do filho (r = 0,16; p<0,05). Ressalta-se que, nesse estudo, os primeiros sinais do TEA foram identificados quando a criança tinha, em média, 22,9 meses (DP = 12,69).
No que se refere às variáveis nominais, cujas respostas dos pais foram dicotômicas, verificou-se a existência de diferença entre as médias da IRD do TEA nos grupos de crianças (1) com e sem histórico de regressão de linguagem oral e (2) que passaram por uma avaliação específica dos sinais do TEA ou não durante a avaliação médica com o primeiro profissional consultado. Os resultados do teste Kruskal Wallis para amostras independentes mostraram que não havia nenhuma diferença estatisticamente significativa na média da idade da realização do diagnóstico do TEA entre os grupos de crianças com e sem regressão de linguagem oral (p = 0,87), bem como nos que passaram ou não por uma avaliação específica rastreando sinais de TEA (p = 0,59). Vale dizer que a média da IRD do TEA no grupo com regressão foi 56,63 meses (DP = 38,7) e, no grupo sem regressão, foi 58 meses (DP = 40,3). A média da IRD no grupo que passou por uma avaliação médica específica para TEA foi 54,79 (DP = 35,4) e no grupo que não passou por essa avaliação, foi 58,14 (DP = 40,6). Ressalta-se que, no grupo estudado, apenas 25,7% (n = 35) ficou satisfeita com a avaliação diagnóstica realizada e que, considerando o grupo de cuidadores que ficou insatisfeito com a avaliação do filho (74,2%; n = 101), 36% (n = 49) deles reportou ter trocado de profissional por tal motivo.
Discussão
O presente estudo objetivou investigar se diferentes variáveis (relacionadas à criança, a sua família e ao contexto de saúde) estão correlacionadas com a IRD do TEA no Brasil. Os resultados das análises realizadas mostraram que, ao contrário das expectativas iniciais, o único aspecto que pareceu estar associado com essa variável foi a Idade do filho, em uma correlação moderada e positiva. Isso significa que quanto mais nova era a criança, mais cedo ela recebeu o diagnóstico, conforme os relatos parentais. Essa informação nos remete a pensar que, pelo menos em populações com as características deste estudo (por exemplo alta escolaridade), a IRD do TEA parece estar se modificando ao longo do tempo. Sobre esse aspecto, cabe ressaltar que, nos últimos anos, têm aumentado o número de ações promovidas referentes à identificação precoce dos sinais de alerta do transtorno, como os programas governamentais, o trabalho de divulgação de ONGs de grupos de famílias e pesquisas acadêmicas (Brasil, 2014; Zanon, Backes, & Bosa, 2014).
Entretanto, vale registrar que a IRD do TEA no grupo de crianças brasileiras investigado, parece ser tardia quando comparada com outros países. Por exemplo, um estudo realizado nos Estados Unidos, envolvendo 399 crianças com idades entre um e seis anos, constatou que o diagnóstico foi realizado quando a criança tinha em média 38 meses (Valicenti-McDermott et al., 2012). Este estudo indicou que as crianças brasileiras, cujos pais se voluntariaram a participar da presente pesquisa, tendem a ser diagnosticadas aos cinco anos (ou seja M = 60,14; DP = 36,56 meses). Considerando que os primeiros sinais do TEA foram identificados quando o filho tinha, em média, 22,9 meses (DP = 12,69), percebeu-se um intervalo de aproximadamente três anos entre as primeiras preocupações e a confirmação formal do diagnóstico. Ressalta-se que o reconhecimento dos sinais de risco para o TEA e a realização do diagnóstico precoce do transtorno é importante por permitir o acesso da criança a programas de intervenção, o que, por sua vez, pode promover ganhos significativos em seu desenvolvimento. Esses ganhos se devem muito à imaturidade cortical própria da faixa etária, o que torna o desenvolvimento de habilidades bastante maleável nesse período. Sabe-se que o desenvolvimento do córtex pré-frontal tem início na primeira infância, progredindo rapidamente na idade pré-escolar e, mais lentamente, até a adolescência. Essa evolução gradativa e lenta o torna particularmente sensível às influências externas (Pellicano, 2012).
De modo geral, a média de idade de reconhecimento dos primeiros sinais do TEA encontrada no presente estudo corrobora outros já realizados sobre o tema. Por exemplo, pesquisas retrospectivas, realizadas com base em relatos parentais, demons-tram que os primeiros sinais do TEA são identificados entre os 12 e os 24 meses, na maioria das vezes pelos próprios cuidadores, sendo as dificuldades no desenvolvimento sociocomunicativo os sinais mais frequentemente reportados (Zanon et al., 2014).
Além disso, encontrou-se que a quantidade de sinais de alerta para TEA identificados entre os 18 e os 24 meses da criança correlacionou-se, embora com uma magnitude fraca, com a idade do reconhecimento dos primeiros sinais do TEA. Esse aspecto também se aproxima dos achados reportados na literatura internacional (Wiggins et al., 2006; Perryman, 2009). Por exemplo, Perryman (2009), em um estudo de levantamento envolvendo 168 crianças norte-americanas encontrou que a severidade dos sintomas característicos do TEA associou-se com a precocidade do diagnóstico do transtorno.
Por outro lado, o nível socioeconômico dos pais, a presença de regressão de linguagem oral, a ordem de nascimento do filho e a realização de uma avaliação específica investigando sinais do TEA, por parte do primeiro profissional consultado, foram aspectos que neste estudo não pareceram estar relacionados com a IRD do TEA. Embora esses achados sejam diferentes daqueles inicialmente esperados, reconhece-se que al-guns deles corroboram estudos internacionais, e outros podem ser entendidos com base nas características dos participantes, do contexto onde o estudo foi desenvolvido e nas limitações metodológicas. Sobre a relação entre o nível socioeconômico e a IRD, Adelman (2010), em um estudo envolvendo pais de 654 crianças norte-americanas, também não encontrou influência das variáveis Renda anual e Nível educacional na idade do diagnóstico do TEA. Quanto à presença de regressão de linguagem oral no filho, ela tem sido identificada por alguns estudos como um potencial indicador precoce do TEA por ocorrer de forma significativamente mais frequente em crianças com esse transtorno, e por se tratar de um sinal de alerta importante (Zanon et al., 2014). Contudo, no presente estudo, entre as primeiras preocupações parentais e a formalização do diagnóstico, foi observado um período longo, envolvendo mobilização familiar e investigação diagnóstica, presumindo que, nesse grupo de participantes, a regressão da linguagem oral possa estar relacionada mais com a variável IRPS do que com a IRD. Além disso, embora a regressão desenvolvimental no TEA acometa uma parcela importante de crianças com esse transtorno (Backes et al., 2013), o desconhecimento dos profissionais acerca desse fenômeno pode fornecer uma explicação do fato de as variáveis Presença de regressão e IRD não terem se relacionado no presente estudo. Entretanto, análises complementares seriam necessárias para confirmar essas hipóteses.
Por outro lado, os resultados relativos às variáveis (1) Realização de uma avaliação diagnóstica específica para TEA por parte do profissional e (2) IRD podem ter decorrido de limitações metodológicas do presente estudo, sendo influenciado, por exemplo, pela heterogeneidade do grupo de pais que se voluntariou a participar da pesquisa (por exemplo, nível socioeconômico, localidade de residência e escolaridade) e das características dos seus filhos (alguns com deficiências associadas), bem como pela maneira com que as variáveis foram investigadas, ou seja, por meio de instrumentos autoadministrados e preenchidos exclusivamente on-line e pelo tamanho reduzido da amostra.
Certamente, o conhecimento dos aspectos que interferem na idade do diagnóstico do TEA é importante e pode servir de alerta para os profissionais que trabalham com crianças pequenas e suas famílias, tendo em vista que, no Brasil, esse diagnóstico ainda é tardio. Cabe ressaltar que, embora se reconheça que receber o diagnóstico de TEA é algo, inicialmente, difícil e impactante para os pais, muitas famílias relatam uma reação de alívio, pois a própria comunicação do diagnóstico, quando realizada adequadamente e de forma interdisciplinar, os auxilia a compreender o porquê de a criança apresentar comportamentos atípicos (Fávero-Nunes & Santos, 2010; Osborne & Reed, 2008). De fato, alguns pais relataram que, antes de receberem o diagnóstico, se sentiam culpados pelos comportamentos da criança, considerando-se, inclusive, "maus pais" (Osborne & Reed, 2008). Sobre essa questão, Semensato (2013), com base em um modelo teórico sobre o papel da narrativa na comunicação médico-paciente, explica que "ouvir um nome" para o que o filho apresenta parece auxiliar os pais a construírem novos sentidos para o comportamento do filho, auxiliando no que acredita ser a elaboração parental do diagnóstico. Assim, entende-se que a maneira como o diagnóstico é comunicado pelos profissionais e é elaborado pelos pais parece influenciar nos próximos passos dados pela família na busca pelo tratamento.
Conclusão
Os resultados do presente estudo, embora em parte contrários às expectativas iniciais e aos achados internacionais, trazem contribuições importantes: a) crianças brasileiras tendem a ser diagnosticadas quando têm cerca de cinco anos; b) há um intervalo de aproximadamente três anos entre os primeiros sinais de alerta identificados pelos pais e a confirmação formal do diagnóstico, apontando para a necessidade urgente de redução desse tempo pelas implicações da intervenção precoce para o desenvolvimento da criança. Sobre os resultados contrários aos anteriores e as expectativas iniciais, demarca-se a importância de que estudos futuros sejam desenvolvidos utilizando instrumentos específicos para mensurar cada uma das variáveis investigadas, bem como envolvendo amostras maiores e probabilísticas que, por sua vez, possam influenciar na normalidade da distribuição, permitindo assim a utilização de testes paramétricos e estatisticamente mais robustos.
Considera-se também que a modalidade de coleta de dados adotada no presente estudo (exclusivamente on-line) possa ter influenciado na constituição da amostra (por exemplo, nível de escolaridade e sociocultural) e esse viés, consequentemente, afetando os achados dessa investigação. Apesar do aumento do uso da Internet, boa parte da população brasileira ainda não possui endereço eletrônico e/ou não participa dos grupos e comunidades nos quais o link da pesquisa foi divulgado. Além disso, reconhecem-se limitações referentes a não mensuração de variáveis que podem influenciar no desenvolvimento infantil, para além dos sinais característicos do TEA, como é o caso da deficiência intelectual que pode antecipar a realização do diagnóstico do transtorno (Noterdaeme & Hutzelmeyer-Nickels, 2010). Entretanto, o fato de pais, das diferentes regiões brasileiras, terem voluntariamente contribuído para a realização de um estudo acerca de uma temática ainda pouco investigada no país, agrega valor aos seus achados. Assim, ao mesmo tempo em que se valoriza a realização desse estudo, salienta-se que todos os dados aqui apresentados são preliminares e não são passíveis de generalização.
Referências
Adelman, C. R. (2010). Factors that influence age of identification of children with autism and pervasive developmental disorders NOS. Unpublished master's thesis, University of Houston, Texas. [ Links ]
American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (5th ed.). Arlington, VA: American Psychiatric Publishing. [ Links ]
Backes, B., Zanon, R. B., & Bosa, C. A. (2013). A relação entre regressão da linguagem e desenvolvimento sociocomunicativo de crianças com transtorno do espectro do autismo. CoDAS, 25(3),268-273. [ Links ]
Brasil. (2014). Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Brasília: Ministério da Saúde: Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. [ Links ]
Castro-Souza, R. M. (2011). Adaptação brasileira do M-CHAT (Modified Checklist for autism in toddlers). Dissertação de mestrado não publicada, Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal. [ Links ]
Daniels, A. M., & Mandell, D. S. (2013). Explaining differences in age at autism spectrum disorder diagnosis: a critical review. Autism, 0(0),1-15. [ Links ]
Fávero- Nunes, M. A., & Santos, M. A. (2010). Itinerário terapêutico percorrido por mães de crianças com transtorno autístico. Psicologia: Reflexão e Crítica, 23(2),208-221. [ Links ]
Goin-Kochel, R. P., Mackintosh, V. H., & Myers, B. J. (2006). How many doctors does it take to make an autism spectrum diagnosis?. Autism: The International Journal of Research and Practice, 10(5),439-451. [ Links ]
Hulley, S. B., Cummings, S. R., Browner, W. S., Grady, D., Hearst, N., & Newman, T. B. (2003). Delineando a pesquisa clínica: uma abordagem epidemiológica (2a ed.). Porto Alegre: Editora Artmed. [ Links ]
Mandell, D. S., Morales, K. H., Xie, M., Lawer, L. J., Stahmer, A. C., & Marcus, S.C. (2010). Age of diagnosis among Medicaid-enrolled children with autism, 2001-2004. Psychiatric Services, 61(8),822-829. [ Links ]
Noterdaeme, M., & Hutzelmeyer-Nickels, A. (2010). Early symptoms and recognition of pervasive developmental disorders in Germany. Autism: The International Journal of Research and Practice, 14(6),575-588. [ Links ]
Osborne, L. A., & Reed, P. (2008). Parents' perceptions of communication with professionals during the diagnosis of autism. Autism, 12(3),309-324. [ Links ]
Pellicano, E. (2012). The development of executive function in autism. Autism Research and Treatment. Special issue: Autism: Cognitive Control across the Lifespan, 1-8. [ Links ]
Perryman, T. (2009). Investigating disparities in the age of diagnosis of autism spectrum disorders. PhD Dissertation, The University of North Carolina at Chapel Hill. [ Links ]
Robins, D. L., Fein, D., Barton, M. L., & Green, J. A. (2001). The modified checklist for autism in toddlers: an initial study investigating the early detection of autism and pervasive developmental disorders. Journal of Autism and Developmental Disorders, 31(2),131-44. [ Links ]
Rosenberg, R. R., Landa, R. J., Law, J. K., Stuart, E. A., & Law, P. A. (2011). Factors affecting age at initial autism spectrum disorder diagnosis in a national survey. Autism Research and Treatment, 1-11. [ Links ]
Twyman, K. A., Maxim, R. A., & Leet, T. L. (2009). Parents' developmental concerns and age variation of diagnosis of children with autism spectrum disorders. Research in Autism Spectrum Disorders, 3(2),489-495. [ Links ]
Valicenti-McDermott, M., Hottinger, K., Seijo, R., & Shulman, L. (2012). Age at diagnosis of autism spectrum disorders. Journal of Pediatrics, 161(3),554-556. [ Links ]
Wiggins, L. D., Baio, J., & Rice, C. (2006). Examination of the time between first evaluation and first autism spectrum diagnosis in a population-based sample. Journal of Developmental and Behavioral Pediatrics: JDBP 27(Suppl. 2),79-87. [ Links ]
Zanon, R. B., Backes, B., & Bosa, C. A. (2014). Identificação dos primeiros sintomas do autismo pelos pais: um estudo retrospectivo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 30(1),25-33. [ Links ]
Endereço para correspondência:
Regina Basso Zanon
Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Rua Ramiro Barcelos, 2600
90035-003 - Porto Alegre, RS, Brasil
Telefone: +55 51 3308-5261
E-mail: rebzanon@gmail.com
Submissão: 14.6.2015
Aceitação: 21.10.2016