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Psicologia: teoria e prática
Print version ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.19 no.3 São Paulo Dec. 2017
https://doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v19n3p287-301
ARTIGOS
DESENVOLVIMENTO HUMANO
Descrição cronológica das manifestações amorosas de adolescentes do sul do Brasil
Descripción cronológica de las manifestaciones amorosas de adolescentes del sur de Brasil
Bárbara BarthI; Adriana WagnerII; Daniela Centenaro LevandowskiIII
IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil
IIIUniversidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, RS, Brasil
RESUMO
A literatura brasileira sobre iniciação sexual e sexualidade na adolescência é vasta, no entanto, verifica-se uma escassez de investigações sobre as manifestações amorosas pré-sexuais. Objetivou-se descrever a idade de início de diferentes manifestações amorosas de adolescentes de Porto Alegre e de Canoas, no Rio Grande do Sul, buscando identificar uma possível cronologia. Adolescentes (n = 380) do sexo feminino (66,2%, n = 240) e masculino (33,8%, n = 123), estudantes de escolas públicas e privadas, com média de idade de 14,6 anos (DP = 1,47), preencheram uma ficha de dados sociodemográficos e o Romantic History Survey. Verificou-se o início do interesse romântico aos 10-11 anos de idade, e aos 14-15 anos a efetivação desse interesse em um relacionamento amoroso. Foi observada diferença significativa quanto ao início do interesse romântico e de encontros amorosos conforme o sexo, mais precoces para as meninas em comparação aos meninos. Estudos qualitativos e que incluem a perspectiva de familiares, amigos e parceiros amorosos permitiriam ampliar a compreensão do tema.
Palavras-chave: desenvolvimento do adolescente; adolescência; desenvolvimento emocional; namoro; desenvolvimento psicossocial.
RESUMEN
En Brasil, la literatura sobre la iniciación sexual y la sexualidad de los adolescentes es amplia. Sin embargo, investigaciones sobre las manifestaciones amorosas pre-sexuales son aún escasas. Ese estudio tuvo como objetivo describir la edad de inicio de diferentes manifestaciones románticas en adolescentes de Porto Alegre y Canoas/RS, buscando identificar una posible cronología. Adolescentes (n = 380) del sexo femenino (66,2%, n = 240) y masculino (33,8%, n = 123), estudiantes de escuelas públicas y privadas, con una media de edad de 14,6 años (DP = 1,47), llenaron una ficha de datos sociodemográficos y el Romantic History Survey. Se verificó el inicio del interés romántico a los 10-11 años de edad y a los 14-15 años, el establecimiento de una relación amorosa, concretizando ese interés. Se identificó una diferencia significativa relacionado con el inicio del interés y de los encuentros amorosos según el sexo, más precoces para las niñas en comparación a los niños. Estudios cualitativos y que incluyan la perspectiva de la familia, amigos y parejas amorosas, permitirían ampliar la comprensión del tema.
Palabras-claves: desarrollo de los adolescentes; adolescencia; desarrollo emocional; noviazgo; desarrollo psicosocial.
Introdução
A adolescência é um período de experimentação de diferentes papéis e de vivências diversas, como aquelas vinculadas ao âmbito amoroso e sexual (Feldman, Papalia, & Wendkos, 2013). Segundo Hebert, Fales, Nangle, Papadakis, & Grover (2013), nas relações de amizade, o adolescente encontra um espaço no qual pode desenvolver habilidades sociais necessárias para o sucesso em outros contextos com pares, como o das relações amorosas.
Nessa direção, Shulman e Seiffge-Krenke (2001) afirmam que as motivações para um relacionamento romântico provavelmente incluem desejo por intimidade, segurança emocional e apego, ao passo que as motivações para a realização sexual podem incluir prazer, estimulação, conquista e reforço da autoestima sexual. Diante desse panorama, percebe-se que a convivência em grupos de pares mistos, somada ao desenvolvimento físico e à emergência de desejos sexuais, conduz à atração romântica (Shulman & Sneiffge-Krenke, 2001) e que esta, por sua vez, pode conduzir à iniciação sexual.
Particularmente no Brasil, Bretas, Ohara, Jardim, Aguiar Jr. & Oliveira (2011) afirmam que mais meninos do que meninas têm sua primeira experiência sexual, em média, aos 14 anos (91% e 60%, respectivamente). Esse dado foi corroborado por Baptista, Maciel, Caldeira, Tupinambás & Greco (2012) em investigação conduzida com adolescentes de Minas Gerais, no qual a média de idade na primeira relação sexual foi 14,18 anos (DP = 1.89). Da mesma forma, Vonk, Bonan & Silva (2013) encontraram a idade de 15 a 19 anos para a iniciação sexual de meninas, e de 12 a 14 anos para os meninos, no interior do estado do Rio de Janeiro. Ainda, Tronco e Dell'Aglio (2012) apontaram o fato de que adolescentes gaúchos de escolas públicas tendem a ter a primeira relação sexual com uma média de idade de 14,25 anos, sendo a média dos meninos significativamente menor (M = 13,94) que a das meninas (M = 14,57).
Para além da iniciação sexual, poucos estudos atuais são encontrados sobre a idade do primeiro beijo ou da primeira ocorrência do "ficar", que poderiam ser consideradas as manifestações amorosas iniciais dos adolescentes, precedendo o namoro e a relação sexual (Heilborn, Bozon, Aquino, Knauth, Rohden, & Cabral, 2008). Como exemplo, há o estudo de Borges e Schor (2007), realizado apenas com participantes do sexo masculino de 15 a 19 anos, na cidade de São Paulo, que indicou a idade média do primeiro beijo, do primeiro namoro e da primeira relação sexual como sendo, respectivamente, 11,5 anos, 13,2 anos e 14,9 anos. Já Heilborn et al. (2008), a partir de um estudo multicêntrico com mais de 200 participantes, indicaram 15 anos como a idade do primeiro namoro, ocorrendo a iniciação sexual por volta dos 16 anos para adolescentes de ambos os sexos. Nota-se, então, que as primeiras manifestações afetivo-amorosas e as primeiras experiências pré-sexuais, que normalmente estão presentes em relacionamentos de namoro, ocorrem predominantemente antes dos 15 anos de idade entre os brasileiros.
Contudo, com a existência de uma vasta literatura nacional com foco na iniciação sexual e na sexualidade dos adolescentes, ainda se verifica uma escassez de investigações sobre as manifestações amorosas pré-sexuais. Tais manifestações ainda são pouco conhecidas no que tange à idade e à ordem de ocorrência no Brasil, o que ficou confirmado por consulta realizada em bases de dados como SciELO e BVS Psicologia com os termos "Relações Amorosas" e "Adolescência" e "Relações Românticas" e "Adolescência", na qual foram encontrados apenas 23 artigos (SciELO = 5; BVS Psicologia = 18), entre os quais apenas um teve como foco as manifestações amorosas pré-sexuais (Melo & Mota, 2013). Dessa forma, constata-se uma importante lacuna na literatura, que aponta a necessidade de maior aprofundamento sobre o tema para que possam ser evidenciadas as diferentes etapas do desenvolvimento amoroso típico entre adolescentes brasileiros. Dessa forma, o presente estudo objetivou descrever a idade de início de diferentes manifestações amorosas de adolescentes de Porto Alegre e Canoas, no Rio Grande do Sul, buscando identificar uma possível cronologia do aparecimento dessas manifestações.
Método
O desenho do estudo foi transversal e a seleção da amostra seguiu critérios de conveniência, isto é, conforme a abertura para a realização do estudo em suas dependências.
Participantes
Adolescentes (n = 380) de ambos os sexos (sexo feminino: 66,2%, n = 240; sexo masculino: 33,8%, n = 123), com média de idade de 14,6 anos (DP = 1,47), estudantes de escolas da rede pública e privada das cidades de Porto Alegre e Canoas, no Rio Grande do Sul. Destes, 61,7% (n = 231) cursavam o ensino fundamental e 38,2% (n = 143) o ensino médio. A maioria da amostra (85,2%, n = 324) não trabalhava e não tinha filhos (97,3%, n = 370). A renda média familiar reportada pelos adolescentes foi de 4 a 6 salários mínimos (equivalente a R$ 3.110,00 em média no momento da coleta de dados) e, em média, eles residiam com 4,4 (DP = 2,12) pessoas. Quanto à religião, 51,8% (n = 197) reportaram o catolicismo, e 26,8% (n = 102) afirmaram ser "praticante eventual" da religião de escolha.
Todos os participantes integraram um estudo maior, intitulado Relações Amorosas de Adolescentes Gaúchos: Avaliação e Intervenção Psicossocial (Levandowski & Wagner, 2010), do qual essa investigação deriva. Para tal pesquisa, os adolescentes foram contatados nas próprias escolas. As escolas (n = 13) escolhidas foram quatro da rede privada de ensino e nove da rede pública. Os participantes não deveriam apresentar retardo mental ou outra condição que os impedisse de responder aos instrumentos. Ainda, deveriam ter idade entre 12 e 18 anos e apresentar autorização de um responsável para a participação. Destaca-se que os jovens poderiam ou não estar envolvidos em um relacionamento amoroso no momento do estudo.
Instrumentos
Ficha de Dados Sociodemográficos: adaptada de Wagner e Mosmann (2010), teve como objetivo caracterizar a amostra em termos de idade, sexo, renda, escolaridade, religião, moradia, filhos e ocupação.
Romantic History Survey - RHS (Buhrmester, 2001): questionário que avalia a idade de ocorrência (idade de início) e a duração (em anos) de diferentes manifestações amorosas e sexuais dos adolescentes para um(a) parceiro(a) amoroso(a). Os itens do RHS (por exemplo, Com que idade estiveste romanticamente interessado(a) em garotos(as)?, Com que idade tiveste amigos íntimos do sexo oposto com os quais não estiveste romanticamente envolvido(a)?, Com que idade sentiste que estavas apaixonado(a) por alguém? etc.) são respondidos em uma escala likert de cinco pontos, contendo os seguintes intervalos etários: 8-9 anos, 10-11 anos, 12-13 anos, 14-15 anos e 16-17 anos. O participante deveria indicar a idade a partir da qual as afirmativas aconteceram consigo e as idades nas quais a afirmativa porventura tenha continuado a ocorrer (por exemplo, iniciou-se aos 8-9 anos e ocorreu até os 14-15 anos). Como o questionário avalia diversas manifestações possíveis relacionadas ao envolvimento amoroso na adolescência, pode ocorrer de o respondente não ter vivenciado alguns desses acontecimentos. Assim, no presente estudo, os participantes foram instruídos a não preencherem as questões cujos acontecimentos não haviam vivenciado. O RHS não fornece nenhum tipo de classificação, servindo para mapear os intervalos etários de início e fim de cada manifestação amorosa. Neste estudo, a análise teve como foco a idade de início dessas manifestações. Foi feito um processo de tradução-retradução do instrumento original (do idioma inglês para o português brasileiro), com professores de inglês e pesquisadores com domínio dos dois idiomas, visando garantir a adequação de conteúdo da versão empregada nesse estudo. Cabe ressaltar que não existem estudos de validação desse instrumento no Brasil ou no exterior.
Procedimentos
Coleta de dados: após a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UFCSPA, foram feitos contatos com diferentes escolas da rede pública (municipal e estadual) e privada de ensino de Porto Alegre e Canoas, no Rio Grande do Sul. Após a autorização da direção da escola, os pesquisadores divulgaram o estudo em diferentes turmas e retornaram à escola em novas ocasiões para a aplicação dos instrumentos apenas nos adolescentes que haviam apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelos responsáveis. Não houve desistência ou exclusão de participantes entre aqueles que trouxeram o TCLE assinado pelos pais. Entretanto, a taxa de retorno desses documentos assinados, permitindo a participação dos adolescentes, foi de aproximadamente 20%, variando em cada turma e escola.
A coleta foi feita em sala de aula destinada para esse fim. Os dois instrumentos foram organizados de modo a compor um único formulário e cada participante demorou em torno de 30 a 45 minutos para respondê-los. Ao final, o formulário era colocado pelo participante em um envelope pardo, lacrado e numerado, sendo esse o número de identificação no estudo. O registro de todos os dados foi feito no SPSS versão 16.0 e sofreu uma checagem dupla por pessoas cegas aos procedimentos de coleta, a fim de se eliminar erros de digitação.
Cabe esclarecer que, para um número pequeno de participantes (N = 26), a coleta de dados aconteceu no formato on-line. O estudo foi divulgado na rede de contato da equipe de pesquisa e nas escolas, conforme procedimentos anteriormente descritos e, de posse de um link, os adolescentes acessaram o formulário de suas casas, em horário de sua preferência.
Análise de dados: optou-se por apresentar apenas os dados relativos à idade de início das diferentes manifestações amorosas e pré-sexuais dos adolescentes, desconsiderando-se as informações sobre a sua duração (intervalo de ocorrência). Análises estatísticas descritivas foram efetuadas para a caracterização dos participantes e a apresentação dos resultados de cada um dos itens do RHS. Análises estatísticas utilizando o teste de chi-quadrado foram realizadas para identificar eventuais diferenças de resposta nos itens do RHS conforme o sexo do respondente. Ainda, foi realizada uma análise de correlação bivariada entre os itens do RHS e outras variáveis sociodemográficas de interesse.
Considerações éticas: o estudo seguiu todas as recomendações éticas para a realização de pesquisas com seres humanos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre - UFCSPA (Parecer nº 1321/11) e também foi analisado pela equipe diretiva de cada uma das escolas e pela Secretaria Estadual de Educação do RS. Pais/responsáveis digitaram o CPF/CI na coleta on-line ou assinaram o TCLE na coleta presencial, e os adolescentes expressaram sua concordância com a participação em um Termo de Assentimento. Os instrumentos utilizados não representaram nenhum tipo de risco aos participantes.
Resultados e Discussão
A análise descritiva dos dados (Tabela 1) indicou que a maioria das primeiras manifestações amorosas dos adolescentes investigados ocorreu na faixa etária compreendida entre 12 e 13 anos, seguidas da faixa etária compreendida entre 14 e 15 anos. Os itens 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9 demonstram essa preponderância. Considerando todos os itens em que essa foi a faixa etária mais frequente, constata-se que esses variaram desde comportamentos - como ficar de mãos dadas (37,9% dos 272 respondentes afirmaram ter passado por isso, n = 103) - até sentimentos mais complexos - como estar apaixonado por alguém ou dizer a alguém que o ama, que foram assinalados por 41,9% de 313 respondentes (n = 131) e 40% de 240 respondentes (n = 96), respectivamente. Em conjunto, esses itens indicam manifestações amorosas anteriores a um relacionamento amoroso por parte dos adolescentes.
No entanto, é interessante observar (Tabela 1) que, na faixa de idade compreendida dos 8 aos 9 anos ou antes, a grande maioria de 280 respondentes (74,6%, n = 209) afirmou não ter tido nenhum encontro ou envolvimento amoroso (item 1). Além disso, uma porcentagem significativa, no item 2, respondeu ter estado romanticamente interessado na faixa de idade compreendida entre 10 e 11 anos (31%; n = 102). O mesmo acontece no item 4, sobre "estar a fim de alguém", em que, dos 317 respondentes, 34,7% (n = 110) assinalaram a faixa de idade de 10 a 11 anos, e 36,3% (n = 115), a de 12 a 13 anos.
Dessa forma, os dados sugerem que as primeiras manifestações começaram, para a amostra estudada, entre os 10 e 11 anos, e não antes disso, e que a grande maioria dos adolescentes já se encontrava romanticamente interessada entre os 12 e 13 anos. Além disso, observa-se que os comportamentos e os sentimentos variam em intensidade e complexidade nesse período da vida, conforme indicado pelos itens do RHS, que abordaram desde comportamentos simples a mais complexos, como estar apaixonado e dizer a alguém que o ama. Esses achados concordam com estudos realizados com amostras brasileiras, que indicam que as primeiras manifestações afetivo-amorosas e as primeiras experiências pré-sexuais ocorrem predominantemente antes dos 15 anos de idade (Borges & Schor, 2007; Heilborn et al., 2008). Outros estudos brasileiros apontam que o início da prática sexual na adolescência, uma consequência direta do interesse romântico e das experiências pré-sexuais, ocorreria entre os 14 e 17 anos (Santos, Albuquerque, Bandeira, & Colares, 2015), corroborando a ideia de que o interesse e o envolvimento romântico fariam parte de uma sequência desenvolvimental, que culminaria no envolvimento sexual dos adolescentes.
Os achados do presente estudo também concordam com a literatura revisada sobre a construção de rede mista de amigos prévia ao envolvimento amoroso, uma vez que, em relação ao item 3 (ter amigos íntimos do sexo oposto sem estar romanticamente envolvido), dos 258 respondentes, 31,4% (n = 81) assinalaram a faixa de idade de 8 a 9 anos ou antes como o início desse comportamento. Também no item 5 (encontros em grupo nos quais alguém em quem a pessoa estava interessada participava), dos 275 respondentes, 49,1% (n = 135) assinalaram a faixa de idade de 12 a 13 anos como o início desse comportamento. Tais resultados evidenciam a importância da rede de amigos na construção dos relacionamentos amorosos na adolescência, uma vez que os adolescentes parecem utilizar essa rede como um ambiente propício para as suas primeiras interações amorosas. Desse modo, confirma-se a ideia veiculada na literatura internacional acerca do papel facilitador do grupo de pares no envolvimento amoroso, por possibilitar a socialização no papel romântico, promovendo comportamentos e pensamentos nesse âmbito (Hebert et al., 2013).
Além disso, os achados também ilustram a sequência desenvolvimental teorizada por pesquisadores canadenses e norte-americanos, qual seja: envolvimento dos adolescentes em grupos de pares formados por amigos do mesmo sexo, seguido de envolvimento em grupos de pares formados por amigos de ambos os sexos, por sua vez seguida pelos primeiros comportamentos de interesse amoroso e, posteriormente, do envolvimento amoroso (Connolly et al., 2004). Concordando com essa perspectiva, Shulman e Sneiffge-Krenke (2001) indicaram a existência de uma fase de iniciação, seguida por uma fase de afiliação. Estas se caracterizam, respectivamente, por sentimentos de atração e pouco contato com a pessoa de interesse e por um maior contato com a pessoa de interesse através de grupos mistos, o que é corroborado pelos achados do presente estudo.
Já no que diz respeito aos relacionamentos amorosos em si, evidencia-se na Tabela 2 os itens correspondentes a manifestações de envolvimento amoroso. No item 10, em que foi indagada a idade em que ocorreram encontros regulares com uma pessoa, a maioria (42,4%, n = 89) dos 210 respondentes indicou a faixa de idade compreendida entre 14 e 15 anos como momento de início desse acontecimento. Porém, é interessante ressaltar que, também nesse item, 41% dos respondentes (n = 86) assinalaram a faixa compreendida entre 12 e 13 anos como aquela em que esse comportamento iniciou, o que indica que, para uma parte expressiva dos adolescentes pesquisados, esse comportamento já aparece em momento anterior. Contudo, nas respostas dos adolescentes a outros itens, tais como o 11, 12 e 15, que demonstram características de comprometimento com um relacionamento, a maioria considerou o período de 14 a 15 anos como idade de ocorrência, corroborando a ideia de que é a partir dos 14 anos que as manifestações amorosas de cunho mais interativo e relacional (em contraposição àquelas de caráter mais subjetivo) são realmente mais frequentes para os adolescentes.
De maneira geral, os achados dessa investigação estão alinhados àqueles encontrados na literatura brasileira, que aponta os 15 anos como a idade em que costuma ocorrer o primeiro namoro (Heilborn et al., 2008). Igualmente, esses resultados corroboram a literatura internacional, já que, conforme os estudos revisados por Gembeck (2002), a média de idade do primeiro encontro para meninas brancas norte-americanas seria de 15 anos, e para as negras, de 16 anos.
Ainda nessa direção, no item 13, em que os adolescentes foram indagados sobre a vivência de um rompimento emocionalmente intenso, 40,8% dos respondentes (n = 62) assinalaram a faixa de idade de 14 a 15 anos, indicando que eventuais repercussões do envolvimento amoroso também acontecem nessa faixa etária. Tal repercussão só pode ocorrer no momento que o adolescente considera que estabeleceu alguma forma de relação amorosa. Também é interessante notar, complementando esse achado, que, no item 14, em que foram indagados sobre terem terminado um relacionamento, 43,6% (n = 75) registraram de forma mais frequente o intervalo de 12 a 13 anos como início dessa ocorrência.
Em conjunto, esses dados fazem pensar que é a partir dos 14-15 anos que, de fato, os relacionamentos amorosos parecem se estabelecer e assumir um caráter de compromisso para os adolescentes, em contraposição ao período anterior, marcado pelo aparecimento do interesse romântico e encontros mais casuais, sem continuidade. Assim, fica evidenciada uma sequência desenvolvimental, já que as manifestações vão se apresentando em um crescente em termos de qualidade e de foco (de algo puramente individual e subjetivo para relacional e intersubjetivo). Esses achados concordam com a literatura internacional, que indica a ocorrência de fenômenos dessa natureza em um processo de desenvolvimento amoroso na adolescência (Shulman & Sneiffge-Krenke, 2001). Entretanto, uma limitação do presente estudo é não ter investigado, entre as manifestações, a ocorrência da primeira relação sexual, que seria o desfecho esperado desse segundo grupo de fenômenos, pelo seu caráter interpessoal/intersubjetivo.
Em um segundo momento, visando verificar eventuais diferenças nas respostas dos itens do RHS conforme o sexo do respondente (masculino ou feminino), foram realizadas análises de Chi-Quadrado, para as quais foram considerados apenas casos válidos para a variável sexo e para os itens do instrumento. Conforme exposto nos itens da Tabela 3, foram encontradas diferenças significativas entre as frequências de resposta categorizadas por sexo, havendo uma preponderância de respondentes do sexo feminino na faixa etária dos 12 aos 13 anos. Sendo assim, as meninas demonstraram um início antecipado em comparação aos meninos de diferentes manifestações amorosas, tais como o surgimento do interesse romântico e a vivência de um encontro amoroso. Outro dado que corrobora esse achado é a diferença significativa (x2[4] = 11.936, p < .05) encontrada entre meninos e meninas, porém na faixa etária entre 14-15 anos, no item 11 "Com que idade tiveste um relacionamento exclusivo por, no mínimo, dois meses, em que vocês só se encontravam um com o outro, mas sem necessariamente planejar noivar/casar ou morar juntos?". Dos 176 respondentes, 76% (f = 56) eram meninas e 24% (f = 18) eram meninos.
Esses achados podem estar relacionados, em alguma medida, ao início da puberdade, que também é mais precoce para o sexo feminino (Shaffer, Kipp, Wood, & Willoughby, 2013), levando as meninas a demonstrarem interesse romântico antes que meninos, já que o desenvolvimento físico e o surgimento de desejos sexuais levam à atração romântica (Shulman & Seiffge-Krenke, 2001). De fato, a média de idade da amostra do presente estudo foi 14,6 anos, idade média em que os meninos atingem a espermarca. Já as meninas atingem a menarca em média aos 12 anos e meio (Shaffer et al., 2013), o que coaduna com o exposto. Nesse sentido, Skoog & Özdemir (2015), em estudo com meninas suecas, encontraram que o surgimento de características sexuais secundárias foi o principal componente explicativo para assédios sexuais indesejados sofridos pelas adolescentes. Dessa maneira, pode-se pensar que o surgimento precoce da puberdade em meninas pode levá-las a uma maior exposição sexual, algo que também pode contribuir para o início do interesse romântico.
Nessa perspectiva, Kindelberger e Tsao (2014) apontaram diferentes motivações para o engajamento em um relacionamento amoroso, que estão pautadas em diferentes necessidades e sistemas (biológico, filiação, apego e cuidado). Assim, conforme os autores, necessidades biológicas poderiam direcionar a motivação para o envolvimento em relações amorosas na adolescência inicial. Contudo, um relacionamento amoroso também poderia satisfazer o sistema de filiação, uma vez que umas das principais vantagens demonstradas por eles para se envolver afetivamente com alguém são o suporte e a companhia (Kindelberger & Tsao, 2014).
Os achados do presente estudo também podem ser compreendidos a partir das afirmações de Volpe, Morales-Alemán, & Teitelman (2014), derivadas de estudo qualitativo com 14 adolescentes estadunidenses. Os autores identificaram uma pressão social para o envolvimento das meninas em um relacionamento amoroso, seja por status social, seja pela compreensão desse envolvimento como uma norma do seu grupo de pares. Também o assédio por outros homens foi identificado como uma influência para a iniciação amorosa mais precoce das meninas. Dessa maneira, tanto questões biológicas quanto sociais parecem estar presentes na iniciação amorosa precoce de meninas. Embora não tenha sido foco do presente estudo, a consideração desses aspectos auxilia a compreensão dos achados.
Por fim, foi realizada análise de correlação bivariada entre os itens do RHS e outras variáveis sociodemográficas, como renda familiar média, número de pessoas com quem o adolescente residia, religião e ser praticante de alguma religião, status conjugal dos pais, ter filhos ou não e status ocupacional do adolescente (trabalhar ou não). No entanto, não foram encontradas associações significativas. Cabe destacar, ainda, que não foram encontradas diferenças significativas entre os participantes que responderam aos instrumentos na modalidade presencial ou na on-line em relação a todos os aspectos investigados.
Conclusão
Este estudo objetivou descrever a idade de início de diferentes manifestações amorosas de adolescentes de Porto Alegre e Canoas, no Rio Grande do Sul, buscando identificar uma cronologia. Os achados permitem concluir que os adolescentes começaram a se interessar romanticamente por outras pessoas na faixa de idade de 10-11 anos e que, aos 12-13 anos, a grande maioria já havia demonstrado comportamentos de interesse romântico em relação a alguém. Ainda, segundo os dados coletados, tal interesse tende a apresentar uma evolução na faixa de 14-15 anos, quando se efetiva em um envolvimento amoroso. Dessa maneira, os adolescentes partem de encontros amorosos, que começam a acontecer ainda na faixa de idade de 12-13 anos, para namoros ou relacionamentos mais estáveis a partir dos 14-15 anos. Por fim, os achados indicaram uma diferença significativa, conforme o sexo do adolescente, quanto ao momento de ocorrência de algumas manifestações amorosas, com as meninas demonstrando maior precocidade em relação ao interesse e à vivência de um encontro amoroso.
Esses resultados permitem ampliar o conhecimento sobre as relações amorosas na adolescência no contexto brasileiro. Embora tenham derivado de pesquisa realizada com adolescentes de duas cidades do Rio Grande do Sul, retratam a realidade encontrada entre adolescentes de ambos os sexos e diferentes níveis socioeconômicos. A limitação em relação ao contexto da amostra poderia ser ultrapassada em estudos futuros, de caráter multicêntrico e com jovens que não se encontram mais frequentando a escola, para os quais a cronologia aqui identificada pode não corresponder.
Cabe ressaltar que algumas limitações foram encontradas em relação à utilização de um instrumento ainda inédito no país, o RHS (Buhrmester, 2001). Uma delas seria a inexistência de uma validação do RHS para a população brasileira, o que impossibilita comparações. Também foram verificadas dificuldades no preenchimento. Por exemplo, os participantes não deveriam preencher os itens ainda não vivenciados por eles, o que impede uma adequada distinção entre aquelas questões que os participantes não preencheram porque não haviam experienciado e aquelas que não preencheram por algum erro de compreensão. Com relação à duração dos eventos descritos, os adolescentes foram instruídos a assinalar todas as faixas etárias em que estes ocorreram. Porém, pela forma como se apresentaram as respostas, pode ter havido uma falha na interpretação dessa instrução, tendo os adolescentes reportado, em sua maioria, apenas a idade de início do evento, o que inviabilizou esse segundo tipo de análise. De qualquer maneira, pensa-se que o RHS possibilitou resultados interessantes e que seus itens, que focam a evolução do sentimento romântico até o envolvimento amoroso, poderiam ser complementados com outras afirmativas, que abordassem o interesse sexual e até mesmo as experiências sexuais, para as quais convergem os fenômenos aqui estudados.
Estudos que incluíssem coleta de dados com familiares, amigos e parceiros amorosos complementariam a compreensão do processo de desenvolvimento amoroso típico de adolescentes brasileiros. Também poderiam mitigar um possível viés de coleta do presente estudo, que contou somente com o autorrelato dos adolescentes, especialmente em se tratando de um tema delicado e socialmente envolto em tabus. De qualquer maneira, mesmo com as limitações apontadas, os achados do presente estudo trazem subsídios relevantes para a elaboração de intervenções com esse público, demonstrando as janelas etárias mais relevantes para se implementar ações educativas no que tange à sexualidade e à saúde conjugal, por exemplo.
Referências
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Endereço para correspondência:
Barbara Barth
Instituto de Psicologia
Rua Ramiro Barcelos, nº 2600, sala 6
CEP: 90035-003 - Porto Alegre - Brasil
55 (51) 9 9994 4101
E-mail: ba.barth@gmail.com
Submissão: 14.12.2016
Aceite: 18.8.2017