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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.24 no.3 São Paulo  2022  Epub 10-Mar-2025

https://doi.org/10.5935/1980-6906/eptphd14136.pt 

Desenvolvimento Humano

Relações entre crenças e reações maternas às emoções negativas dos filhos

Nilton C. dos Anjos Filho1 
http://orcid.org/0000-0002-4901-2198

Patrícia Alvarenga1 
http://orcid.org/0000-0001-9079-4956

Carmem Beatriz Neufeld2 
http://orcid.org/0000-0003-1097-2973

1Instituto de Psicologia, Universidade Federal da Bahia (UFBA)

2Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP)


Resumo

Este estudo investigou relações entre crenças e reações maternas às emoções negativas dos filhos. Trinta e três mães com crianças entre 6 e 7 anos de idade preencheram o Questionário de Crenças Parentais sobre as Emoções das Crianças e a Escala de Reações Parentais às Emoções Negativas dos Filhos. As análises mostraram que as crenças no custo da positividade, referentes ao potencial prejuízo que emoções positivas podem causar, explicaram 18% da variância nas reações não apoiadoras da expressão de emoções negativas dos filhos. As crenças no valor da raiva, relacionadas ao reconhecimento da importância dessa emoção, explicaram 9% da variância nas reações que apoiam a manifestação emocional infantil. As cognições maternas acerca do valor de emoções positivas e negativas ajudam a explicar o comportamento materno diante da expressão emocional dos filhos. Incentivar nos pais a compreensão das funções das emoções no desenvolvimento infantil é crucial para promover práticas parentais eficazes.

Palavras-chave: crenças parentais; socialização emocional; emoções; Teoria dos Modos; práticas maternas

Abstract

This study investigated relationships between maternal beliefs and responses to children’s negative emotions. Thirty-three mothers with children aged between 6 and 7 years completed the Parents’ Beliefs about Children’s Emotions Questionnaire and the Coping with Children’s Negative Emotions Scale. The analyses revealed that beliefs in the cost of positivity concerning the potential harm of positive emotions explained 18% of the variance in non-supportive reactions to children’s expressions of negative emotions. Beliefs in the value of anger, regarding the recognition of its importance, explained 9% of the variance in supportive reactions to children’s emotional expressions. Maternal cognitions regarding the value of positive and negative emotions help explain the mothers’ behaviors toward children’s emotional expressions. Therefore, encouraging parents to understand the role of emotions in child development is essential to promote effective parenting practices.

Keywords: parents’; beliefs; emotion socialization; emotions; Theory of Modes; maternal practices

Resumen

Este estudio investigó las relaciones entre creencias y reacciones maternas a las emociones negativas de los niños. Treinta y tres madres con hijos de 6-7 años respondieron el Cuestionario de Creencias sobre las Emociones de los Niños y la Escala de Reacciones Parentales a las Emociones Negativas de los Hijos. Los análisis mostraron que las creencias sobre el costo de la positividad, que se refieren al daño potencial que pueden causar las emociones positivas, explicaron el 18% de la varianza en las reacciones que no apoyan la expresión de emociones negativas de los niños. Las creencias sobre el valor de la ira, relacionadas al reconocimiento de la importancia de esta emoción, explicaron el 9% de la varianza en las reacciones que apoyan la expresión emocional de los niños. Las cogniciones maternas sobre el valor de las emociones positivas y negativas ayudan a explicar la conducta de las madres hacia la expresión emocional de los niños. Estimular los padres a comprender el papel de las emociones en el desarrollo infantil es fundamental para promover prácticas parentales eficaces.

Palabras clave: creencias de los padres; socialización emocional; emociones; Teoría de Modos; prácticas maternas

Eisenberg et al. (1998) elaboraram um modelo teórico heurístico que define a socialização emocional como o processo pelo qual os pais ensinam os filhos a compreender, expressar e regular as próprias emoções e a lidar com as emoções que os outros expressam. Desde o surgimento do modelo, preditores das práticas parentais de socialização emocional, relações com desfechos desenvolvimentais na infância e processos de mediação e moderação têm sido investigados (Eisenberg, 2020).

Especificamente, a socialização emocional pode ocorrer por meio de diferentes mecanismos e contextos, sendo o principal deles as reações dos pais às emoções expressas pelas crianças, particularmente no que concerne às emoções negativas, como raiva, frustração, tristeza e medo. Segundo Fabes et al. (2002), as reações apoiadoras são aquelas que validam a resposta emocional da criança, de modo a confortá-la e auxiliá-la a entender a origem da emoção e encontrar possíveis soluções para os problemas vivenciados, possibilitando, portanto, um melhor desenvolvimento da competência socioemocional infantil (Havighurst & Kehoe, 2017). Por sua vez, as reações não apoiadoras invalidam, minimizam, punem ou ignoram a expressão das emoções por parte da criança, assim como também podem revelar o desconforto dos pais diante da manifestação emocional dos filhos (Fabes et al., 2002). Tais práticas não promovem o desenvolvimento da compreensão e da autorregulação emocional, estando correlacionadas à ocorrência de problemas de comportamento externalizantes e internalizantes nas crianças (Havighurst & Kehoe, 2017).

Muitos fatores afetam as reações que os pais adotam diante da expressividade emocional dos filhos, entre eles as crenças parentais sobre as emoções das crianças (Eisenberg et al., 1998; Halberstadt et al., 2013). Elas influenciam as reações, as conversas e a expressão das emoções dos próprios pais. Também podem refletir em comportamentos e atitudes menos conscientes que permeiam as interações cotidianas entre pais e filhos (Eisenberg et al., 1998; Garrett-Peters et al., 2017).

Ao contemplarem os efeitos das crenças parentais nos aspectos desenvolvimentais infantis, Gottman et al. (1996) desenvolveram o modelo teórico da Filosofia da Metaemoção Parental (FMP). Os autores propõem a existência de um conjunto organizado de pensamentos e sentimentos que os pais possuem acerca das próprias emoções e das emoções dos filhos, que configuraria filosofias ou estilos de metaemoção parentais. De acordo com a FMP, tanto os processos emocionais dos pais quanto os comportamentais que envolvem o exercício da parentalidade influenciam a regulação emocional das crianças. Desse modo, pais que acreditam que a expressão de emoções negativas por parte dos filhos é valiosa entendem que as situações que ativam as emoções infantis são oportunidades de se aproximar da criança e ajudá-la a se desenvolver. Os pais têm maior probabilidade de apresentar comportamentos responsivos, baseados na orientação e no incentivo à expressão emocional do que aqueles que não valorizam as emoções da criança (Gottman et al., 1996). Em um estudo de revisão, Katz et al. (2012) evidenciaram que pais com esse estilo de metaemoção são mais conscientes não só das emoções dos filhos, mas também das suas próprias, principalmente as de baixa intensidade. Ademais, eles geralmente validam as emoções da criança, ajudam-na a nomeá-las e a entender sua origem, além de auxiliá-la a solucionar problemas, discutindo objetivos e estratégias para o manejo da situação que ativou a emoção.

Investigações posteriores corroboraram a associação entre crenças parentais sobre a relevância das emoções negativas das crianças e o uso de práticas apoiadoras da expressividade emocional infantil. Por exemplo, mães que acreditaram que tanto as emoções positivas quanto negativas das crianças são valiosas relataram maior frequência de reações apoiadoras ou favorecedoras das emoções negativas infantis (MacCormack et al., 2020). Particularmente, no que se refere às crenças que valorizam a expressividade da raiva nas crianças, elas estiveram positivamente correlacionadas com reações apoiadoras das emoções negativas dos filhos (Thomassin & Seddon, 2019; Halberstadt et al., 2013).

Lozada et al. (2016) avaliaram um tipo específico de reação parental: o incentivo à exteriorização emocional. Os autores verificaram correlações positivas entre as crenças de que as emoções negativas das crianças são valiosas e o encorajamento à expressividade do mesmo tipo de emoções dos filhos. No entanto, Parker et al. (2012) evidenciaram que os pais com tais crenças, apesar de valorizarem tal manifestação emocional, acreditam que ela deve ser controlada pelos filhos de modo a ser apropriada e tolerável socialmente. Esse é um dado relevante, pois especificidades da expressão das emoções negativas podem repercutir nas práticas parentais de socialização emocional.

Por sua vez, pais que acreditam que as emoções, especialmente as negativas, são potencialmente problemáticas ou perigosas para as crianças tendem a reagir ignorando, punindo ou negando a expressão emocional da criança (Gottman et al., 1996; Halberstadt et al., 2013). Nesses pais, as emoções negativas dos filhos costumam causar certo desconforto devido à noção de que elas são dolorosas e podem causar prejuízos. Isso significa que os pais com esse tipo de crença tendem a apresentar, predominantemente, reações não apoiadoras diante da expressividade emocional dos filhos ou tentar modificar as emoções das crianças com maior rapidez (Gottman et al., 1996; Garrett-Peters et al., 2017).

Os pais podem ainda acreditar que as emoções positivas da criança, como a alegria, o entusiasmo e as expressões de amorosidade também, possam gerar consequências negativas por deixá-la “fora de controle” ou mais vulnerável ao sofrimento (Garrett-Peters et al., 2017). De acordo com Halberstadt et al. (2013), crenças desse tipo estão alinhadas à noção de que as emoções são perigosas ou problemáticas e são referidas na literatura como crenças no custo da positividade. Os autores evidenciaram que pais com esse tipo de crença relataram que expressam em menor frequência emoções positivas no contexto familiar, além de utilizarem mais reações não apoiadoras da expressividade das emoções negativas das crianças. Nessa mesma perspectiva, Lozada et al. (2016) verificaram que pais portadores de crenças no perigo e no potencial de gerar problemas que as emoções teriam nomeavam menos sua própria experiência emocional ou a dos filhos.

A formação das crenças parentais sobre as emoções das crianças sofre especial influência da conjuntura sociocultural. Raval e Walker (2019) propõem que esse conjunto de crenças é culturalmente fundamentado e orienta as reações dos pais às emoções dos filhos. Em um estudo recente sobre o Modelo da Socialização Emocional, Eisenberg (2020) enfatizou o papel da cultura em todo o processo devido à diversidade das normas culturais no que diz respeito à expressividade, à discussão e ao manejo das emoções. Para a autora, fatores culturais, características da criança e dos pais (incluindo as crenças) e aspectos do contexto específico da expressão emocional interagem e são preditores das práticas de socialização emocional. Fatores culturais também poderiam moderar a relação entre as práticas parentais de socialização emocional, a excitação emocional infantil e a resposta da criança e a relação entre a excitação emocional e os desfechos desenvolvimentais infantis (Eisenberg, 2020).

Tal concepção se aproxima do Modelo Cognitivo, mais especificamente da Teoria dos Modos (Beck & Haigh, 2014; Beck et al., 2020). Nessa perspectiva teórica, as crenças são definidas como representações abstratas dos conteúdos dos esquemas. Os esquemas são estruturas cognitivas complexas e relativamente duradoras apesar da possibilidade de serem flexibilizadas e processam as informações dos meios externo e interno do indivíduo, fornecendo significados e associando-se aos sistemas emocionais, comportamentais e motivacionais. Exemplos de crenças são as suposições, as expectativas e as atribuições de significados, as regras e as avaliações (Beck & Haigh, 2014). As expectativas e as atribuições de significados são tipos de crença formados fundamentalmente pela exposição do indivíduo às influências de um contexto sociocultural específico (Beck et al., 2020). Elas têm um papel importante na formação do modo, definido como uma construção interna específica da personalidade e formada por uma rede constituída pelas múltiplas relações entre os componentes afetivos, cognitivos, motivacionais e comportamentais (Beck & Haigh, 2014; Beck et al., 2020). O modo é ativado pela situação específica com a qual o indivíduo está lidando. Uma vez que a ativação tenha sido iniciada, processa-se uma reação em cadeia na qual o indivíduo experimentará todas as manifestações de forma condizente com o modo ativado (Beck et al., 2020). Assim, as expectativas dos pais sobre as emoções das crianças, que são crenças particularmente influenciadas pelo contexto sociocultural, têm um papel central na ativação do modo, que inclui as reações parentais às emoções expressas pela criança.

Em resumo, a articulação entre a Teoria dos Modos (Beck & Haigh, 2014; Beck et al., 2020), a FMP (Gottman et al., 1996) e o Modelo da Socialização Emocional (Eisenberg, 2020; Eisenberg et al., 1998) conduz à noção de que as crenças (incluindo as expectativas e as atribuições de significados) dos pais sobre os processos emocionais infantis medeiam a relação entre a expressividade emocional dos filhos, situação ativadora do modo, e as reações parentais de socialização emocional, que constituem a resposta comportamental para lidar com o evento. Todavia, a maioria das pesquisas existentes sobre a temática foi realizada em países da Ásia e da Europa e nos Estados Unidos, sendo ainda pouco investigada na América do Sul (Halberstadt et al., 2020). Somente um pequeno e crescente conjunto de estudos aborda aspectos da socialização emocional considerando outras culturas, etnias/raças, classes socioeconômicas e nacionalidades. Por exemplo, Halberstadt et al. (2020) examinaram as crenças de pais e professores mapuches e não mapuches sobre as emoções das crianças. Os achados revelaram semelhanças nos dois grupos com relação às crenças de que as emoções positivas podem ter consequências problemáticas quando a expressão delas não está sob controle.

No Brasil, o que se sabe acerca das crenças parentais relacionadas às emoções das crianças é insuficiente (Mendes et al., 2018). Ademais, compreender a associação entre as crenças e as reações dos adultos de referência das crianças no processo da socialização emocional parece ser um passo importante para o planejamento e aprimoramento de intervenções com foco no desenvolvimento da competência emocional infantil. Portanto, o objetivo do presente estudo foi verificar a relação entre as crenças sobre as emoções infantis e as reações à expressão de emoções negativas das crianças, ambas de um dos adultos de referência, especificamente as mães. Duas hipóteses foram testadas: 1. escores de crenças no valor da raiva estariam positivamente correlacionados aos escores de reações apoiadoras da expressividade emocional dos filhos; e 2. escores de crenças no custo da positividade estariam positivamente correlacionados aos escores de reações não apoiadoras da expressividade emocional dos filhos.

Método

Delineamento do estudo e participantes

Utilizou-se o delineamento correlacional. A amostra foi composta por 33 mães, recrutadas por conveniência em duas escolas da rede particular de ensino da cidade de Salvador, na Bahia, com mensalidades de até R$ 600,00. O critério de inclusão foi residir no mesmo domicílio com a criança e os critérios de exclusão foram a presença de doenças crônicas e síndromes genéticas nos filhos e transtornos mentais graves nas mães e nos filhos. As participantes tinham idade entre 24 e 45 anos [M = 35,15 (DP = 5,19)]. A média de escolaridade das mães em anos foi de 12,64 anos (DP = 2,31), o que corresponde ao ensino médio completo. Quanto aos filhos, eles eram de ambos os sexos, 69,70% (n = 23) feminino e 30,30% (n = 10) masculino, com idade de 6 e 7 anos [M = 6,39 (DP = 0,49)]. A renda média mensal das famílias foi de R$ 3.412,63 (DP = 2.284,69; Md = 2.700,00). A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas da amostra.

Tabela 1 Características sociodemográficas das participantes 

Variáveis Categorias Valores
n % M DP
Idade da mãe (em anos) 35,15 5,19
Etnia/raça da mãe Branca 3 9,10
Preta 20 60,60
Amarela 0 0
Parda 9 27,30
Indígena 1 3
Escolaridade da mãe (em anos) 12,64 2,31
Ocupação da mãe Trabalha fora 21 63,60
Não trabalha fora 10 30,30
Afastada pelo INSS 2 6,10
Problema de saúde materno Sim 12 36,40
Não 21 63,60
Idade do pai (em anos) 39,94 7,92
Escolaridade do pai da criança (em anos) 11,39 3,77
Ocupação do pai da criança Trabalha fora 25 75,80
Não trabalha fora 6 18,20
Não se aplica1 2 6,10
Coabitação da mãe com o pai da criança Sim 20 60,60
Não 11 33,30
Não se aplica1 2 6,10
Número de moradores na residência com a criança 4,69 1,29
Há quanto tempo a mãe reside com o pai da criança (em anos) 12,39 6,07
Renda familiar (em reais) 3.412,63 2.284,69
Sexo da criança Feminino 23 69,70
Masculino 10 30,30
Idade da criança (em anos) 6,39 0,49
Idade da criança (em meses) 83,03 6,72
Etnia/raça da criança Preta 12 36,40
Parda 12 36,40
Branca 6 18,20
Amarela 2 6,10
Indígena 1 3

Nota. M: média; DP: desvio padrão; n = 33; INSS: Instituto Nacional do Seguro Social;

1 pais que já faleceram.

Instrumentos

Ficha de Dados Sociodemográficos: a ficha foi utilizada para coletar dados que caracterizaram a amostra, tais como idade, nível de escolaridade, renda, quantidade de filhos, sexo das crianças e outras informações, bem como para a identificação de dados referentes aos critérios de inclusão e exclusão.

Questionário de Crenças Parentais sobre as Emoções das Crianças (Parents’ Beliefs About Children’s Emotions Questionnaire - PBACE): desenvolvido por Halberstadt et al. (2013) e composto por 33 itens com sete subescalas. Os pais avaliaram sua concordância com afirmações a respeito de crenças sobre as emoções das crianças em uma escala Likert de seis pontos (de 1 = discordo totalmente a 6 = concordo totalmente). O instrumento original avalia crenças agrupadas em sete subescalas: custo da positividade (mede as crenças sobre os aspectos negativos das emoções positivas), valor da raiva (avalia o grau em que os pais aceitam e valorizam a raiva da criança), manipulação (mede as crenças sobre o poder da criança em utilizar das suas emoções para manipular o ambiente e situações), conhecimento parental (avalia as crenças sobre a importância de os pais conhecerem as experiências emocionais da criança), controle (mede as crenças sobre o controle da criança acerca das suas emoções), autonomia (avalia as crenças relacionadas à capacidade da criança em poder aprender e administrar suas emoções) e estabilidade (avalia as crenças em termos de estabilidade das emoções da criança ao longo do seu desenvolvimento). O escore de cada subescala é obtido a partir do cálculo da média das pontuações dos itens correspondentes. Não há um escore total. Para o presente estudo, foi utilizada uma versão traduzida e adaptada à língua portuguesa (Anjos, 2019). Anjos (2019) verificou a consistência interna (alfa de Cronbach) da versão brasileira do instrumento. Somente duas das subescalas tiveram valores satisfatórios: custo da positividade (0,72) e valor da raiva (0,65), essas foram as duas subescalas utilizadas no presente estudo. Os demais índices foram: conhecimento parental (0,62), autonomia (0,57), manipulação (0,56), controle (0,33) e estabilidade (0,32).

Escala de Reações Parentais às Emoções Negativas dos Filhos (Coping with Children’s Negative Emotions Scale - CCNES): desenvolvida por Fabes et al. (2002) e adaptada para o português por Lins et al. (2017), baseia-se nos relatos dos pais e é composta por 12 situações hipotéticas comuns ao cotidiano de crianças em idades pré-escolar e escolar, envolvendo reações emocionais de frustração e desapontamento de crianças. Cada episódio é seguido por sete afirmativas sobre as reações parentais à expressão emocional negativa pelo filho. Cada uma delas refere-se a uma das sete subescalas: 1. reações de desconforto (referem-se às respostas caracterizadas pelo incômodo dos pais diante das emoções negativas expressas pelo filho); 2. reações punitivas (indicam punições ou recriminações utilizadas pelos pais com o objetivo de reduzir ou mesmo inibir a expressão emocional da criança); 3. reações que minimizam as respostas emocionais (indicam quanto os pais buscam reduzir a importância ou a seriedade da situação ou da emoção expressa pelo filho); 4. reações que ignoram as respostas (referem-se à não resposta dos pais às manifestações emocionais dos filhos); 5. reações de incentivo (buscam estimular e validar as expressões emocionais dos filhos); 6. reações centradas na emoção (indicam estratégias parentais que têm o propósito de auxiliar o filho a lidar com as emoções); e 7. reações centradas no problema (referem-se às estratégias parentais que ajudam o filho a resolver as situações que levaram à manifestação das emoções negativas). Os pais devem responder à probabilidade de reagir de forma semelhante à reação descrita em cada item com base em uma escala de cinco pontos que variam de nunca (1) a certamente (5). O escore de cada subescala é obtido a partir do cálculo da média das pontuações dos itens correspondentes (Lins et al., 2017). O agrupamento dos diferentes tipos de reação parental à expressão das emoções negativas dos filhos configura duas escalas: a de reações apoiadoras (subescalas de 5 a 7) e a de reações não apoiadoras (subescalas de 1 a 4). Segundo Lins et al. (2017), a análise de consistência interna revelou ser satisfatória. O agrupamento de reações não apoiadoras à expressão das emoções negativas pelos filhos obteve coeficiente alfa de Cronbach de 0,85, enquanto o agrupamento de reações que apoiam a expressão das emoções negativas pelos filhos apresentou coeficiente de consistência interna de 0,80.

Procedimentos de coleta dos dados

O projeto desta pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (CEP/IPS-UFBA) e devidamente aprovado, conforme Parecer nº 3.323.584. As mães foram convidadas a participar do estudo por meio de convites enviados na agenda escolar dos filhos, além de divulgação em cartazes e panfletos distribuídos na própria instituição de ensino. Após a aceitação do convite, a coleta de dados aconteceu no próprio estabelecimento educacional de acordo com a disponibilidade das mães. Todos os instrumentos foram aplicados individualmente e em formato de entrevista com o auxílio de cartões de resposta. Os pesquisadores responsáveis pela avaliação foram treinados para a administração das referidas medidas.

Procedimentos de análise dos dados

Os dados foram analisados por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0. Inicialmente, realizaram-se análises exploratórias e testou-se a distribuição de dados (teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov), bem como a identificação e correção de valores extremos dos dados associados à CCNES e ao PBACE. Especificamente, os valores extremos encontrados no banco de dados foram alterados para um valor equivalente a uma unidade de medida a mais ou a menos do que o valor mais alto ou mais baixo não extremo encontrado na amostra. Entretanto, a distribuição dos dados da subescala reações que ignoram as respostas pertencente à CCNES manteve-se assimétrica. O teste de correlação de Pearson foi realizado entre as variáveis normalmente distribuídas e o teste de correlação de Spearman foi utilizado quando foram encontrados dados com distribuição assimétrica. Posteriormente, realizaram-se análises de regressão simples.

Resultados

As análises de estatística descritiva demonstraram que as crenças maternas no custo da positividade tiveram média de 3,65 (DP = 1,28; IC = 3,19-4,10), levemente superior à média das crenças no valor da raiva com média equivalente a 3,03 (DP = 0,98; IC = 2,68-3,38). Quanto ao exame das respostas das mães à CCNES, entre os sete tipos de reação materna analisados, as reações centradas na emoção foram as que tiveram a maior média (M = 4,43; DP = 0,38; IC = 4,30 -4,57). Já a menor média foi referente às reações que ignoram as respostas emocionais da criança (M = 1,48; DP = 0,37; IC = 1,34-1,61). Quanto ao agrupamento dos diferentes tipos de reação parental, as reações apoiadoras tiveram maior média correspondente a 4,02 (DP = 0,31; IC = 3,90-4,13), enquanto as reações não apoiadoras tiveram média equivalente a 2,08 (DP = 0,53; IC = 1,88-2,27). A Tabela 2 apresenta as médias e os desvios padrão para cada variável, o intervalo de confiança e os valores mínimo e máximo para cada escore do PBACE e da CNNES.

Tabela 2 Média e desvio padrão, intervalo de confiança (95%) e valores mínimo e máximo das crenças sobre as emoções das crianças e das reações à expressão das emoções negativas dos filhos 

Variáveis Média (DP) 95% IC Mínimo Máximo
Crenças maternas sobre as emoções das crianças (PBACE)
Custo da positividade 3,65 (1,28) (3,19-4,10) 1,00 6,00
Valor da raiva 3,03 (0,98) (2,68-3,38) 1,83 5,33
Reações maternas à expressão das emoções negativas dos filhos (CCNES)
Reações não apoiadoras 2,08 (0,53) (1,88-2,27) 1,16 3,09
Reações punitivas 2,45 (0,77) (2,17-2,72) 1,00 4,33
Reações que minimizam as respostas 2,28 (0,85) (1,97-2,58) 1,00 4,25
Reações de desconforto 2,25 (0,82) (1,95-2,54) 1,00 4,38
Reações que ignoram as respostas 1,48 (0,37) (1,34-1,61) 1,00 2,18
Reações apoiadoras 4,02 (0,31) (3,90-4,13) 3,33 4,61
Reações centradas na emoção 4,43 (0,38) (4,30-4,57) 3,67 5,00
Reações centradas no problema 4,40 (0,33) (4,29-4,52) 3,75 5,00
Reações de incentivo 3,23 (0,44) (3,07-3,28) 2,42 4,33

Nota. DP: desvio padrão; 95% IC: intervalo de confiança de 95%; n = 33.

A Tabela 3 mostra as correlações verificadas entre as crenças e as reações maternas à expressão emocional negativa dos filhos.

Tabela 3 Correlações entre os escores de crenças sobre as emoções das crianças e os escores de reações à expressão das emoções negativas dos filhos 

Variáveis 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
1. Reações punitivas -
2. Reações de desconforto 0,59** -
3. Reações que ignoram as respostas1 0,34* 0,47** -
4. Reações que minimizam as respostas emocionais 0,76** 0,77** 0,51** -
5. Reações centradas no problema 0,10 -0,25 -0,28 -0,20 -
6. Reações centradas na emoção 0,26 0,05 0,18 0,12 0,47** -
7. Reações de incentivo -0,15 -0,31 -0,20 -0,23 0,48** 0,34 -
8. Reações apoiadoras 0,08 -0,23 -0,07 -0,12 0,79** 0,74** 0,80** -
9. Reações não apoiadoras 0,84** 0,83** 0,62** 0,93** -0,19 0,20 -0,28 -0,11 -
10. Crenças no custo da positividade 0,47** 0,27 0,35* 0,35* 0,02 0,17 0,04 0,11 0,45** -
11. Crenças no valor da raiva 0,18 0,09 -0,18 0,16 0,30 0,00 0,46** 0,35* 0,12 0,44** -

Nota.

1 Foi realizada análise de correlação de Spearman;

*p < 0,05;

**p < 0,01; n = 33.

Foram constatadas correlações positivas entre as crenças no custo da positividade e as seguintes subescalas das reações não apoiadoras da socialização emocional: reações punitivas (r = 0,47, p < 0,01), reações que minimizam as respostas emocionais (r = 0,35, p < 0,05) e reações que ignoram as respostas (p = 0,35, p < 0,05). O agrupamento das reações não apoiadoras às emoções negativas das crianças foi positivamente correlacionado com as crenças no custo da positividade (r = 0,45, p < 0,01). A partir do resultado das análises de correlação, realizou-se uma análise de regressão linear simples para examinar se as crenças no custo da positividade seriam preditoras do agrupamento de reações não apoiadoras das emoções da criança. O poder preditivo desse conjunto de crenças foi confirmado e explicou 18% da variância nas reações não apoiadoras [F(1,31) = 8,05; p < 0,01]. A cada desvio padrão a mais nas crenças no custo da positividade, verificou-se um aumento de 0,45 desvios padrão nas reações não apoiadoras (β = 0,45; t = 2,83; p < 0,01).

Ademais, averiguaram-se correlações positivas entre as crenças no valor da raiva e as seguintes subescalas das reações apoiadoras da socialização emocional: reações de incentivo (r = 0,46, p < 0,01), além do agrupamento das reações apoiadoras das emoções negativas (r = 0,35, p < 0,05). Uma análise de regressão linear simples foi usada para verificar se as crenças no valor da raiva seriam preditoras significativas do agrupamento das reações apoiadoras da resposta emocional da criança. O poder preditivo desse conjunto de crenças foi confirmado e explicou 9% da variância nas reações apoiadoras [F(1,31) = 4,44; p = 0,04]. A cada desvio padrão a mais nas crenças no valor da raiva, verificou-se um aumento de 0,35 nas reações apoiadoras (β = 0,35; t = 2,10; p = 0,04).

Discussão

O objetivo deste estudo foi examinar as relações entre as crenças maternas sobre as emoções infantis e as reações à expressividade das emoções negativas dos filhos. Os achados evidenciaram a relação entre as dimensões cognitiva e comportamental da parentalidade.

A primeira hipótese foi corroborada. Ela previa que os escores de crenças no valor da raiva estariam positivamente correlacionados aos escores de reações apoiadoras da expressão emocional infantil. Na análise de regressão, o valor preditivo desse tipo de crença foi confirmado. Esse achado apoia tendências apontadas pela literatura de que mães e pais, ao acreditarem que as emoções dos filhos são valorosas, estão mais propensos a promover um ambiente familiar emocionalmente positivo e utilizar reações apoiadoras (Halberstadt et al., 2013; Thomassin & Seddon, 2019; MacCormack et al., 2020), como o incentivo à exteriorização emocional (Lozada et al., 2016).

Tanto de acordo com os modelos da FMP (Gottman et al., 1996) e da Socialização Emocional (Eisenberg, 2020; Eisenberg et al., 1998) quanto com a Teoria dos Modos (Beck & Haigh, 2014; Beck et al., 2020), é provável que o tipo de crença mencionado estabeleça o interesse materno pelas experiências emocionais dos filhos, assim como o engajamento ativo no estado emocional da criança, por meio de reações que validam as emoções infantis de diferentes formas, desde o simples endosso até o auxílio na resolução de problemas associados à origem da emoção (Garrett-Peters et al., 2017). Nesse sentido, a expressão da raiva ou de outra emoção negativa por parte da criança ativaria o modo ou a filosofia metaemocional materna que reconhece a função e a importância desse estado interno em seu filho. Desse estilo ou modo, influenciado por fatores individuais, culturais e contextuais, derivariam reações apoiadoras, compatíveis com as crenças. Consequentemente, a criança se sentiria encorajada a expressar-se emocionalmente e perceber os benefícios de sentir e manifestar emoções negativas. Essa é uma oportunidade valiosa para a criança praticar habilidades como a identificação e a compreensão emocional e desenvolver a capacidade de autorregular as próprias emoções.

Outro dado importante diz respeito ao sexo dos filhos das participantes. Cerca de dois terços das crianças eram do sexo feminino. Há evidência de que mães percebem a expressão da raiva por parte das meninas como mais aceitável do que pelos meninos (Thomassin & Seddon, 2019). Portanto, é provável que o gênero da maioria das crianças tenha favorecido o relato de crenças no valor da raiva e de práticas de socialização emocional apoiadoras. Nessa mesma perspectiva, há evidências de que as reações das mães às emoções dos filhos sofrem influência do tipo de emoção experienciado pela criança (Eisenberg et al., 1998; Halberstadt et al., 2013). Assim, a especificidade da crença que esteve associada às reações apoiadoras no presente estudo, no caso, a crença no valor da raiva, indica a necessidade de que futuras investigações avaliem o papel de crenças maternas no valor de outras emoções negativas, como o medo e a tristeza.

A segunda hipótese também foi confirmada. Escores de crenças maternas sobre os possíveis prejuízos da manifestação de emoções agradáveis de se sentir (por exemplo, alegria, orgulho etc.) foram positivamente correlacionados aos escores de reações não apoiadoras da expressão das emoções negativas dos filhos. A análise de regressão ratificou esse conjunto de crenças como preditor do agrupamento de reações não apoiadoras. Tal achado respalda a concepção de que os pais que percebem as emoções das crianças como potencialmente problemáticas ou perigosas têm maior probabilidade de se engajar em uma série de comportamentos para modificar o estado emocional dos filhos, seja ignorando, minimizando, punindo ou sentindo desconforto diante de sua expressão (Halberstadt et al., 2013; Lozada et al., 2016; Parker et al., 2012).

A correlação verificada entre as crenças no custo da positividade e as reações não apoiadoras pode ser explicada pela intensidade da expressão das emoções positivas dos filhos, conforme evidenciado por Garrett-Peters et al. (2017). Além disso, o estudo de Lozada et al. (2016) mostrou que as crenças parentais referentes ao perigo e aos problemas das emoções estavam correlacionadas às reações não apoiadoras, como uma tentativa de regular expressões emocionais da criança que indicavam uma experiência intensa ou recorrente. Nesse sentido, tanto os modelos da FMP (Gottman et al., 1996) e da Socialização Emocional (Eisenberg, 2020; Eisenberg et al., 1998) quanto a Teoria dos Modos (Beck & Haigh, 2014; Beck et al., 2020) respaldam a hipótese de que, no contexto de uma expressão emocional intensa da criança (nesse caso de uma emoção positiva), as mães ativariam crenças de que essa intensidade representa um problema em potencial. Emoções negativas geradas nas próprias mães por causa da ativação desse modo ou filosofia metaemocional, influenciados também por aspectos situacionais e culturais, fariam com que elas agissem de modo a inibir ou conter a intensidade da emoção expressa pela criança pelo uso de reações não apoiadoras, como punir ou minimizar a emoção.

Portanto, compreende-se que os pais, ao pensarem que as emoções das crianças são potencialmente perigosas ou problemáticas, passam a mensagem para as crianças de que as emoções devem ser evitadas (Garrett-Peters et al., 2017). Para isso, podem conversar menos com seus filhos sobre as experiências emocionais, além de esconderem suas próprias emoções, o que promoverá um ambiente familiar que limitará a criança de aprender habilidades importantes para compreensão emocional, favorecer o surgimento de outras emoções, como a culpa, e lidar de forma disfuncional com situações relacionadas à ativação de emoções intensas, sejam negativas ou positivas.

Quando se analisam em conjunto os dois achados, ficam evidentes a relevância das crenças maternas e a pertinência da Teoria dos Modos (Beck & Haigh, 2014; Beck et al., 2020) para a compreensão do processo de socialização emocional infantil. Quando a criança expressa uma emoção negativa, os sistemas que constituem o modo da parentalidade da mãe são ativados para lidar com a situação. Portanto, o processamento das informações do evento e a produção de uma reação ocorrerão por meio do esquema cognitivo que contempla as crenças (expectativas e atribuições de significados), que tanto podem estabelecer o valor das emoções negativas quanto focalizar seu potencial de causar problemas. Em razão de o modo ser uma rede integrada de componentes, a mãe apresentará uma resposta complexa e síncrona à demanda que lhe foi imposta, exibindo reações emocionais, cognitivas, motivacionais e comportamentais, cujo aspecto manifesto mais saliente será apoiar a expressão emocional da criança ou então ignorá-la, minimizá-la ou puni-la.

Embora o aspecto mais saliente ou observável das reações apoiadoras ou não apoiadoras seja as respostas comportamentais, todos os demais componentes, como as crenças, motivações e reações emocionais e fisiológicas que acompanham a ação da mãe, desempenham um papel no modo ativado, mantendo-o e até mesmo reforçando-o. Nesse sentido, os achados do presente estudo apontam para a importância de que intervenções para promover a competência emocional infantil por meio das práticas dos pais ou outros cuidadores enfatizem e incluam estratégias de modificação desses outros componentes, sobretudo as crenças acerca das emoções infantis. Por exemplo, discussões que estimulem a crença de que expressar a raiva pode ser útil para solu­cio­nar problemas e que questionem a noção de que expressar a raiva pode causar problemas adicio­nais são fundamentais para estabelecer modos mais funcionais no que se refere à socialização emocional dos filhos. Como as crenças também estão associadas a motivações (por exemplo, sentir vontade de bater na criança) e reações fisiológicas (por exemplo, aumento da frequência cardíaca da mãe ao ver o filho furioso), é interessante que esse tipo de discussão também promova a consciência dos pais e das mães acerca dessas reações mais sutis, mas que também desempenham um papel na manutenção de modos disfuncionais. Ao entenderem que o desconforto sentido diante da expressão de raiva pela criança está relacionado a uma crença no “perigo representado pela raiva”, é mais provável que os pais sejam capazes de conter uma reação não apoiadora impulsiva e adotar uma abordagem apoiadora que ajude a criança a descrever e compreender o que está acontecendo.

Portanto, conforme a direção apontada pelos resultados da presente investigação, intervenções para promover a socialização emocional no contexto familiar devem empregar estratégias de reestruturação cognitiva que considerem a complexa rede de componentes que interagem para formar os modos (Beck et al., 2020). A reestruturação cognitiva tem como resultado uma flexibilização do modo como um todo (Beck & Haigh, 2014). Sendo assim, quando crenças sobre as emoções são flexibilizadas e novos repertórios comportamentais e de regulação emocional são aprendidos, existe uma alta probabilidade de que os indivíduos passem a se relacionar de forma distinta com o seu contexto, pois o conteúdo do modo como um todo foi impactado pelo processo de flexibilização, uma vez que todas as instâncias do modo se encontram interligadas e são influenciadas umas pelas outras (Beck et al., 2020).

Também é fundamental reconhecer o papel das variáveis sociais e culturais nesse processo. Embora esses aspectos não tenham sido avaliados no presente estudo, é possível ter como hipótese que pertencer a um grupo sociocultural influencia todos os elementos do tripé cognição-emoção-comportamento, retroalimentando-os e reforçando o modo de funcionamento dos pais. Ao integrarem um grupo sociocultural, os pais assimilam crenças (expectativas e atribuições de significados) que envolvem seus objetivos parentais e, consequentemente, conduzem suas reações para estar em conformidade com a comunidade na qual estão inseridos, que pode incluir familiares, colegas de trabalho, mídia, entre outros (Cole & Tan, 2015). Sem dúvida, intervenções que adotem a perspectiva cognitivista para promover a socialização emocional no contexto familiar, tal como foi exemplificado nos parágrafos anteriores, também deverão sondar o papel dessas influências nos modos observados nos pais e nas mães.

Este estudo tem limitações. Halberstadt et al. (2020) alertam para o risco de avaliar as crenças parentais por meio de questionários, como o que foi aplicado neste estudo. As afirmações que integram o instrumento podem não ser equivalentes às cognições dos respondentes de forma precisa, visto que eles podem ter a intenção de fornecer uma “resposta correta”, o que pode gerar um descompasso entre o que os participantes respondem e o que, de fato, pensam acerca das emoções das crianças. Quanto à CCNES, foram verificados maiores escores nas reações apoiadoras. Esse grupo de reações pode ter sido compreendido pelas mães como comportamentos aceitáveis socialmente, levando a uma maior concordância ao responderem sobre as situações hipotéticas. Assim, utilizar instrumentos mais sensíveis a aspectos contextuais, individuais e culturais, com questões abertas, por exemplo, parece ser importante para confirmar esses aspectos e acrescentá-los aos achados do presente estudo. Por fim, outro elemento limitador desta investigação foi o tamanho pequeno da amostra, que reduziu o poder estatístico das análises.

Em resumo, os achados deste estudo revelaram que as crenças maternas sobre as emoções das crianças ajudam a explicar o modo como as mães conduzem o processo de socialização emocional dos filhos. Portanto, abordar o sistema de crenças dos pais sobre as emoções infantis em intervenções clínicas e psicoeducativas é fundamental. Além de facilitar a compreensão da importância das emoções negativas para o desenvolvimento infantil, esse tipo de intervenção deve adotar estratégias capazes de alterar a rede complexa de relações entre aspectos cognitivos, emocionais, motivacionais e comportamentais subjacente às reações parentais não apoiadoras da expressão emocional infantil. Esse tipo de trabalho requer também a análise de aspectos individuais, contextuais e culturais que caracterizam as famílias. Para alcançar esse nível de complexidade teórica e técnica, a aproximação entre os modelos da FMP (Gottman et al., 1996), da Socialização Emocional (Eisenberg et al., 1998; Eisenberg, 2020) e a Teoria dos Modos (Beck & Haigh, 2014; Beck et al., 2020) pode ser um caminho promissor.

Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

REFERÊNCIAS

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Recebido: 01 de Novembro de 2020; Aceito: 07 de Outubro de 2021

Editora de seção: Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira.

Correspondências referentes a este artigo devem ser enviadas para Nilton C. dos Anjos Filho, Rua Aristides Novis, 197, Estrada de São Lázaro, Salvador, BA, Brasil. CEP 40210-730. E-mail: niltoncorreia_15@hotmail.com

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