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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.26 no.2 São Paulo  2024  Epub Dec 02, 2024

https://doi.org/10.5935/1980-6906/eptppa15356.pt 

Avaliação Psicológica

Avaliação dos Parâmetros dos Itens da Varieties of Sadistic Tendencies via TRI

Germano Gabriel Lima Esteves1 
http://orcid.org/0000-0002-1851-4603

Josemberg Moura de Andrade2 
http://orcid.org/0000-0002-2611-0908

1Universidade de Rio Verde (UniRV)/ Universidade de Brasília (UnB)

2Universidade de Brasília (UnB)


Resumo

O presente estudo teve como objetivo estimar os parâmetros dos itens da Varieties of Sadistic Tendencies (VAST) por meio da Teoria de Resposta ao Item (TRI), em específico utilizando o modelo de resposta graduada de Samejima. Para tanto, contou-se com 396 participantes, de ambos os gêneros, com média de idade de 26,93 (DP = 8,91). Os participantes responderam aos seguintes instrumentos: (1) Varieties of Sadistic Tendencies e (2) questionário sociodemográfico. Inicialmente realizou-se uma análise fatorial confirmatória (AFC) que identificou um modelo de duas dimensões com indicadores de ajuste adequados (CFI= 0,97; TLI= 0,97; RMSEA= 0,04). Desse modo, os parâmetros dos itens foram calculados para cada dimensão separadamente. Os resultados indicaram que os itens das dimensões mostraram boa discriminação, amplitude de informação e boa variação dos limiares de resposta. Diante dos resultados, conclui-se que os parâmetros dos itens da VAST fornecem informações para melhores interpretações dos seus escores.

Palavras-chave: sadismo; teoria de resposta ao item; dark tetrad; validade; confiabilidade

Abstract

This study aimed to estimate the item parameters of the Varieties of Sadistic Tendencies (VAST) through Item Response Theory (IRT) using Samejima’s Graduated Response Model. Hence, 396 participants of both sexes, aged 26.93 (SD=8.91) on average, were included. The participants completed the (1) Varieties of Sadistic Tendencies and a (2) Sociodemographic questionnaire. Confirmatory Factor Analysis (CFA) was performed, which identified a two-dimensional model with appropriate goodness of fit indicators (CFI= .97; TLI= .97; RMSEA= .04). Thus, the item parameters were calculated for each dimension separately. The results indicated that the dimension items showed good discrimination, information breadth, and a good range of response thresholds. The conclusion is that the item parameters of VAST provide information that allows a better interpretation of its scores.

Keywords: sadism; item response theory; dark tetrad; validity; reliability

Resumen

Este estudio tuvo por objetivo evaluar los parámetros del Varieties of Sadistic Tendencies (VAST) a través de la Teoría de Respuesta al ítem (TRI), específicamente usando el Modelo de Respuesta Graduada de Samejima. Para este propósito, fueron incluidos 396 participantes de los dos sexos, con una media de edad de 26.93 años (DE = 8.91). Los participantes respondieron a los siguientes instrumentos: (1) Varieties of Sadistic Tendencies y (2) cuestionario sociodemográfico. Inicialmente, el Factor de Análisis Confirmatorio (FAC) fue realizado, el que identificó un modelo bidimensional con indicadores adecuadamente ajustados (CFI= .97; TLI= .97; RMSEA= .04). Así, los parámetros fueron calculados para cada dimensión separadamente. Los resultados indicaron que la dimensión ítems mostró buena discriminación, amplitud de información y un buen rango de umbrales de respuesta. Considerando estos resultados, se concluyó que los parámetros de los ítems del VAST suministran información para mejor interpretar sus puntajes.

Palabras-clave: sadismo; respuesta al ítem; tétrada oscura; validez; fiabilidad

A dark triad agrupa três traços socialmente aversivos da personalidade, sendo eles: o maquiavelismo, voltado para manipulação e baixa empatia; a psicopatia, que compreende baixa empatia, elevada impulsividade e busca de sensações; e o narcisismo, que abarca uma elevada grandiosidade, baixa empatia, senso de direito e superioridade (Jonason & Webster, 2010; Paulhus et al., 2011; Paulhus & Williams, 2002). No entanto, novas evidências apontaram que um quarto traço de personalidade indesejável deveria ser incluído, o sadismo cotidiano, que é caracterizado pelo prazer em ver ou causar o sofrimento em outras pessoas (Paulhus, 2014). Com a inclusão do sadismo, convencionou-se chamar esse cluster de dark tetrad, que não é um substituto do cluster anterior (Chabrol et al., 2009; Neumann et al., 2021; Paulhus & Buckels, 2011).

Na dark tetrad, dois traços - psicopatia e narcisismo - apresentam-se como variantes subclínicas do Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA) (301.7/F60.2) e do transtorno da personalidade narcisista (301.81/F60.81), respectivamente (American Psychological Association [APA], 2014). Nesse contexto, a diferenciação do aspecto clínico e subclínico é importante pela compreensão de que tais características existem em maior ou menor medida em indivíduos sem nenhum diagnóstico, ou seja, que apresentam um padrão adaptativo dessas características.

Já o sadismo cotidiano, assim como o maquiavelismo, aparenta ser um fenômeno distinto do sadismo sexual e do sadismo existentes em amostras forenses (Foulkes, 2019). Ademais, o sadismo cotidiano também tem sido referenciado na literatura internacional como everyday sadism para descrever a propensão a sentir prazer em ver ou causar o sofrimento de terceiros por meio de comportamentos que não são ilegais ou beiram a ilegalidade em diversos contextos (Buckels et al., 2013; Foulkes, 2019). Dessa forma, as evidências disponíveis no âmbito internacional indicam associações entre níveis mais elevados de sadismo cotidiano com mais condutas de maus-tratos no local de trabalho (Min et al., 2019), preferência por jogar videogames violentos (Greitemeyer, 2015; Greitemeyer & Sagioglou, 2017), um maior desejo de controle em relacionamentos amorosos (Hughes & Samuels, 2020) e o uso problemático de redes sociais para comportamentos como cyberbullying e cyberstalking (Kircaburun et al., 2018).

No contexto internacional diversas medidas apresentam evidências de validade para avaliação do sadismo cotidiano, a saber: Short Sadistic Impulse Scale (SSIS) (O’Meara et al., 2011), a Assessment of Sadistic Personality (ASP) (Plouffe et al., 2017), a Comprehensive Assessment of Sadistic Tendencies (CAST) (Buckels & Paulhus, 2014) e a Varieties of Sadistic Tendencies (VAST) - (Paulhus et al., 2011). Nessa perspectiva, diversos instrumentos foram elaborados para a avaliação do sadismo cotidiano, o que impulsionou o desenvolvimento de pesquisas que exploraram esse traço em amostras não clínica e não forense. Contudo, alguns instrumentos não relatam todas as propriedades psicométricas e apresentam variações significativas sobre a definição do sadismo cotidiano e sua operacionalização (Foulkes, 2019).

Todavia, no contexto brasileiro, a presença de apenas duas medidas com parâmetros psicométricos adequados para avaliação desse construto configura-se uma possível explicação para a escassez de estudos explorando o sadismo. Assim, uma das medidas disponíveis no Brasil é a CAST. Originalmente elaborada por Buckels (2018), essa medida apresentou três dimensões indicando a avaliação do sadismo verbal, físico e vicário (χ2 = 352,70, gl = 130,50; p < 0,001; RMSEA = 0,06, CFI = 0,93). Porém, no Brasil, foi reportada uma estrutura unifatorial para a CAST. Contudo, vale destacar que os autores não apresentaram os índices de ajuste do modelo e não identificaram qual dos métodos Hull foi utilizado, o que dificulta a replicação do estudo (Monteiro et al., 2020). Assim, a CAST é a única medida que apresenta o sadismo físico e verbal como dimensões distintas, mas a que a sustentação empírica desses fatores no contexto brasileiro apresenta-se limitada.

A outra medida disponível para avaliação do sadismo cotidiano, e alvo do presente estudo, é a VAST (Paulhus et al., 2011). A VAST foi elaborada por meio de entrevistas com indivíduos do público geral, compostas por 16 itens agrupados em duas dimensões, sendo elas: (1) o sadismo direto, que compreende o sentimento de prazer de prejudicar outras pessoas física ou verbalmente e; (2) o sadismo vicário, que corresponde ao prazer em observar outras pessoas sendo prejudicadas (Paulhus & Jones, 2015). Essa medida apresenta adaptações para a Sérvia (Dinić et al., 2020) e Japão (Shimotsukasa & Oshio, 2016), sendo que a última versão não está disponível em bases de dados científicas. No contexto brasileiro, a VAST apresentou evidências de validade de uma estrutura bifatorial (χ2 =130,50, gl = 89; p < 0,001; RMSEA = 0,04; CFI = 0,98; TLI = 0,98), bem como adequados índices de consistência interna, a saber: sadismo vicário com alfa de Cronbach (α) igual a 0,72 e confiabilidade composta (CC) igual 0,87; já o sadismo direto com α igual a 0,68 e CC igual a 0,89 (Esteves et al., 2024).

A disponibilidade de medidas válidas e fidedignas facilita a exploração dos construtos psicológicos, bem como permite a operacionalização das teorias psicológicas. Ainda, as evidências de validade e informações adequadas sobre as medidas possibilitam aos pesquisadores identificar a robustez e a quantidade de informações que podem ser extraídas dessas medidas. Desse modo, uma das técnicas estatísticas que mais possibilita extrair informações sobre um instrumento é a Teoria de Resposta ao item (TRI). Em comparação com a Teoria Clássica dos Testes (TCT) (Andrade et al., 2019), a TRI apresenta algumas vantagens práticas, acrescentando informações sobre os parâmetros e curvas de informação dos itens (Andrade et al., 2010; Andrade et al., 2021; Embretson & Reise, 2000; Peres et al., 2019). Assim o presente estudo tem como objetivo estimar os parâmetros dos itens da VAST por meio da TRI, em específico utilizando o modelo de resposta graduada de Samejima (Samejima, 1969).

Método

Participantes

Contou-se com uma amostra não probabilística de conveniência de 396 participantes, que convidados aceitaram tomar parte, de diversos Estados do Brasil (AL, MG, GO, TO, DF, BH, PE, MT), com idades variando de 18 a 65 anos (Média = 26,93; DP = 8,91), sendo a maioria, 66,1% (ƒ = 262), do gênero feminino, solteira, 69,4% (ƒ = 275). Os dados foram coletados no período de janeiro de 2021 a novembro de 2021.

Instrumentos

Para a realização do estudo, os participantes foram requeridos a responder dois instrumentos de pesquisa, sendo eles:

  • (1) Varieties of Sadistic Tendencies (VAST) elaborada por Paulhus et al. (2011) e com evidências de validade para o contexto brasileiro (Esteves et al., 2024). Tal instrumento é composto por 16 itens divididos entre duas dimensões, sendo elas: sadismo vicário (por exemplo, item 7 “Eu amo os vídeos de Youtube de pessoas lutando”) composto por sete itens; e sadismo direto (por exemplo, item 13 “Eu aprecio machucar meus parceiros durante o sexo (ou pretendo machucá-los”) composto por nove itens. Os itens são respondidos em uma escala de cinco pontos que varia de 1 (Descreve-me muito mal) a 5 (Descreve-me muito bem).

  • (2) Questionário sociodemográfico: com a finalidade de caracterizar a amostra de respondentes, o questionário foi formulado a partir de perguntas como idade, gênero, estado civil e escolaridade do participante.

Procedimentos

Inicialmente, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) por meio da plataforma Brasil, tendo sido aprovado (CAAE: 09453919.3.0000.5077398.042/2013). A aplicação dos instrumentos sucedeu-se por meio de questionário eletrônico divulgado via e-mail e redes sociais. Foi garantido o consentimento livre esclarecido, o anonimato e o sigilo das respostas por meio do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE).

Análise dos dados

Para a análise dos dados, utilizaram-se os softwares JASP (v. 0.13.0.0) e R (v. 4.0.2). Inicialmente, foram realizadas estatísticas descritivas (frequência, percentual, média, desvio padrão e intervalo de confiança de 95%), por meio do JASP (v. 0.13.0.0), para descrever o perfil amostral quanto aos dados demográficos. Ainda utilizando o JASP (v. 0.13.0.0), realizaram-se Análises Fatoriais Confirmatórias (AFC) com o método de estimação Unweighted Least Squares (ULS). Consideraram-se os seguintes indicadores de ajuste de modelo para comparação de um modelo bifatorial e unifatorial: Comparative Fit Index (CFI), Tucker Lewis index (TLI) e Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA). Tais índices apresentam como indicadores de ajuste valores superiores a 0,95 e 0,95 e inferiores a 0,08, respectivamente (Bandalos & Gerstner, 2016; Hu & Bentler, 1999). Para a confiabilidade dos fatores foram usados o coeficiente de alfa de Cronbach (α) e o índice de Confiabilidade Composta (CC). Em um segundo momento, buscou-se estimar os parâmetros dos itens por meio da Teoria de Resposta ao Item (TRI), utilizando-se o software R (v. 4.0.2) e o pacote mirt. Em específico, empregou-se o modelo de resposta graduada (Samejima, 1969).

Resultados

Inicialmente, para atender ao pressuposto da unidimensionalidade da TRI (Peres et al., 2019), realizou-se uma AFC, comparando o modelo de duas dimensões com um modelo unidimensional, utilizando o método de estimação ULS. Para essa análise, os itens 04, 06 e 09 foram invertidos por avaliarem o sadismo cotidiano no sentido inverso (Esteves et al., 2024). Assim, o modelo de duas dimensões relacionadas apresentou os seguintes indicadores de ajuste do modelo com evidências de adequação psicométrica: CFI = 0,97; TLI = 0,97 e RMSEA (IC90%) = 0,04 (0,03 - 0,06). As cargas fatoriais apresentaram um valor médio de 0,69 (DP = 0,02), variando de 0,30 (Item 09: “Eu nunca humilharia alguém de propósito”) a 0,89 (Item 01: “Nos videogames, eu gosto dos jatos de sangue realistas”). Os resultados podem ser visualizados na Tabela 1. De modo contrário, os índices de ajuste do modelo unidimensional apresentam-se insatisfatórios: CFI = 0,93; TLI = 0,92 e RMSEA (IC 90%) = 0,08 (0,07 - 0,08). Em ambas as AFCs, o item 15 (“Eu nunca disse coisas más para meus pais”) foi excluído por apresentar carga fatorial inferior a 0,30 (-0,26).

Tabela 1 Descrição dos Lambdas, Parâmetros e da Quantidade de Informação dos Itens 

λ a b1 b2 b3 b4 I (θ; -3/+3)
Sadismo Vicário 28,09
Item 1 0,89 2,59 0,69 0,97 1,38 1,87 5,13
Item 2 0,64 2,43 1,10 1,40 1,79 2,23 4,59
Item 3 0,69 2,38 0,78 1,15 1,62 2,33 5,15
Item 4 0,84 1,26 -0,60 -0,03 0,60 1,14 2,18
Item 5 0,36 1,41 1,36 2,02 2,91 3,34 2,68
Item 6 0,40 0,65 -3,14 -2,06 -0,13 1,46 1,27
Item 7 0,81 2,96 0,58 1,07 1,59 2,08 7,06
Sadismo Direto 35,50
Item 8 0,53 2,29 1,23 1,73 2,16 2,79 4,88
Item 9 0,30 0,32 -0,93 0,29 1,58 3,08 0,41
Item 10 0,73 1,62 0,80 1,40 1,99 2,47 3,06
Item 11 0,53 1,57 0,99 1,58 2,17 2,90 3,09
Item 12 0,56 2,79 0,81 1,48 2,06 2,82 7,46
Item 13 0,50 2,67 1,19 1,83 2,45 2,80 6,23
Item 14 0,45 2,94 1,30 1,75 2,26 2,73 6,75
Item 16 0,35 1,91 1,57 2,17 2,80 3,00 3,58

Nota. λ - lambda; a - parâmetro de discriminação; b1-4 - parâmetro de limiares de dificuldade; I (θ; -3/+3) - informação no intervalo de θ de -3 a +3.

Além disso, as análises de confiabilidade indicaram que as dimensões de sadismo vicário (α = 0,72; CC = 0,85) e sadismo direto (α = 0,63; CC = 0,72) obtiveram índices satisfatórios, corroborando também a interpretação bidimensional da VAST. Assim, em consonância com esses resultados, os parâmetros dos itens por meio da TRI foram estimados separadamente para cada dimensão.

Ao considerarem-se as evidências de unidimensionalidade das dimensões sadismo vicário e sadismo direto, estimou-se os parâmetros dos itens por meio do modelo de resposta gradual, descritos na Tabela 1. Para os itens da dimensão sadismo vicário, a média de discriminação foi de 1,91 (DP = 0,30). Os itens 7, 1, 2 e 3, em ordem decrescente, apresentaram discriminação superior a 2,0, indicando elevada capacidade de discriminação, seguido dos itens 5 e 4, com discriminação entre 1,0 e 2,0. Já o item 6 apresentou discriminação abaixo de 1,0, o que indica que o item tem a menor capacidade de diferenciar pessoas em função do nível de sadismo vicário. No geral, essa dimensão apresentou 28,09 de informação, sendo o item 7 (“Eu amo os vídeos de Youtube de pessoas lutando”) o que proporcionou maior quantidade de informação para a dimensão [I (θ; -3/+3) = 7,06]. Já o item 6 (“Há muita violência nos esportes”) foi o que forneceu menor quantidade de informação para a dimensão [I (θ; -3/+3) = 1,27]. Ademais, como pode ser observado na Figura 1, a dimensão de sadismo vicário cobre um intervalo de theta (θ) entre -1,5 e 4,0.

Figura 1 Curva de informação da dimensão sadismo vicário 

Com relação ao parâmetro de dificuldade, os itens da dimensão sadismo vicário apresentaram quantidade média de θ de 2,06 (DP= 0,70) para serem endossados no ponto mais elevado da escala de resposta. Nessa dimensão, o item 5 (“Em corrida de carros, são os acidentes o que eu mais aprecio”) foi o que exigiu uma maior quantidade do traço mensurado para endossar o ponto mais elevado da escala de resposta (b4 = 3,34). Entretanto, o item 4 (“Eu às vezes desvio o olhar em filmes de horror”) foi o que exigiu menor quantidade do traço mensurado para endossar o ponto mais elevado da escala de resposta (b4 = 1,14).

Para os itens da dimensão sadismo direto, a média de discriminação foi de 2,01 (DP = 0,86). Os itens 14, 12, 13 e 8, em ordem decrescente, apresentaram uma discriminação superior a 2,0, indicando elevada capacidade de discriminação, seguido dos itens 16, 10 e 11, em ordem decrescente, com discriminação entre 1,0 e 2,0. Já o item 9 apresentou uma discriminação abaixo de 1,0, o que indica que tem menor capacidade de diferenciar pessoas em função do nível de sadismo direto. No geral, a dimensão apresentou 35,50 de informação, sendo o item 12 (“Eu domino os outros usando o medo”) o que proporcionou maior quantidade de informação para a dimensão [I (θ; -3/+3) = 7,46]. Já o item 9 (“Eu nunca humilharia alguém de propósito”) foi o que forneceu menor quantidade de informação para a dimensão [I (θ; -3/+3) = 0,41]. Ademais, como pode ser observado na Figura 2, a dimensão de sadismo direto cobre um intervalo de θ entre 0 e 4.

Figura 2 Curva de informação da dimensão sadismo direto 

Com relação ao parâmetro de dificuldade, os itens da dimensão sadismo direto apresentaram uma quantidade média de θ de 2,82 (DP= 0,18) para serem endossados no ponto mais elevado da escala de resposta. Nessa dimensão, o item 9 (“Eu nunca humilharia alguém de propósito”) foi o que exigiu maior quantidade do traço mensurado para endossar o ponto mais elevado da escala de resposta (b4 = 3,08). Contudo, o item 10 (“Eu era cruel de propósito com alguém no ensino médio”) foi o que exigiu menor quantidade do traço mensurado para endossar o ponto mais elevado da escala de resposta (b4 = 2,47).

Discussão

A presente pesquisa teve como objetivo estimar os parâmetros dos itens da VAST por meio da teoria de resposta ao item, em específico utilizando o modelo de resposta graduada. Estima-se que esse objetivo tenha sido alcançado, reforçando também as propriedades psicométricas desse instrumento.

Nesse contexto, indicou-se, por meio da AFC, evidências de uma estrutura fatorial composta por duas dimensões, o que corrobora estudos anteriores (Paulhus et al., 2011; Esteves et al., 2024). Contudo, nesta análise, o item 15 foi excluído por conta da baixa carga fatorial apresentada (<0,30), o que pode ter ocorrido por conta de uma dificuldade dos participantes em compreender a escrita do item. Além disso, também foi avaliada a fidedignidade da medida por meio da CC e do α, que também atestou níveis aceitáveis (Hair et al., 2009; Nunnaly, 1991).

No que se refere aos parâmetros, a maioria dos itens da VAST apresentou discriminação elevada (Baker, 2001), considerando que esses itens conseguem diferenciar, de modo apropriado, os avaliados em função da quantidade de traço latente. No entanto, os itens 6 (“Há muita violência nos esportes”; parâmetro a = 0,65) e 9 (“Eu nunca humilharia alguém de propósito”; parâmetro = 0, 32) apresentaram índices de discriminação moderado e baixo, respectivamente (Baker, 2001). Esses baixos índices de discriminação indicam que os comportamentos expressos talvez não sejam adequados para diferenciar níveis de sadismo cotidiano no contexto brasileiro. Índices moderados de discriminação também são encontrados nos itens 9 (parâmetro a = 0,92) e 16 (parâmetro a = 0,94) no estudo dos parâmetros da CAST, uma versão mais abrangente da VAST (Monteiro et al., 2020). Porém, como os autores do estudo que avaliou os parâmetros da CAST não disponibilizaram os itens do instrumento, a comparação da semântica torna-se limitada.

Com relação ao parâmetro de dificuldade, os itens relativos ao sadismo vicário, em comparação aos do sadismo direto, exigiram um nível mais baixo de traço latente para serem endossados no ponto mais elevado da escala de resposta (“Descreve-me muito bem”). Nessa dimensão o item com maior índice de dificuldade foi o 5 (“Em corridas de carros, são os acidentes o que eu mais aprecio”), registrando uma necessidade de um maior nível de traço latente para assinalar o ponto mais elevado da escala. Já com relação a dimensão sadismo direto, os itens exigiram um nível mais elevado de traço latente para serem endossados no ponto mais elevado da escala de resposta, sendo o 10 o mais difícil (“Eu era cruel de propósito com alguém no ensino médio”). Nesse sentido, observando as curvas de informação das dimensões, a VAST apresenta uma avaliação mais precisa dos níveis moderados e elevados do traço de sadismo cotidiano. Comparativamente, a VAST evidencia uma abrangência de avaliação do sadismo cotidiano semelhante à CAST (Monteiro et al., 2020).

No contexto brasileiro, poucos estudos utilizaram-se da avaliação do traço de sadismo cotidiano, o que pode ser explicado pela baixa disponibilidade de medidas psicometricamente adequadas para o contexto brasileiro. É nesse cenário que as evidências aqui reportadas são relevantes, sendo a segunda medida com parâmetros psicométricos adequados. A outra medida disponível para o contexto brasileiro é a CAST, que originalmente é composta de três dimensões, sadismo físico, sadismo verbal e sadismo vicário (Buckels, 2018). Conforme já explicitado, no contexto brasileiro, a estrutura fatorial encontrada foi de uma única dimensão, sugerindo que o aspecto central do sadismo é o prazer oriundo da crueldade e que as dimensões da CAST diferenciam contextos, e não características psicológicas (Monteiro et al., 2020). No entanto, não foram apresentados índices de ajuste desse modelo. Contrariamente, as evidências aqui trazidas, mediante análises robustas, indicam que o traço de sadismo pode não ser unidimensional, o que é corroborado por outros estudos (Buckels, 2018; Esteves, 2024; Paulhus et al., 2011). Assim, os benefícios de utilizar a VAST como medida para o sadismo cotidiano é a avaliação de diferentes aspectos desse traço, bem como a presença de itens invertidos que pode facilitar o controle da aquiescência (Valentini & Hauck-Filho, 2020).

Com as evidências indicadas por este estudo, resultando em instrumento com propriedades psicométricas adequadas ao contexto brasileiro, espera-se que novas pesquisas investiguem antecedentes de comportamentos socialmente indesejáveis e/ou cruéis (violência doméstica, comportamento sexual violento, entre outros) possam utilizar o sadismo cotidiano como explicadores dessas condutas. Ainda, é necessário enfatizar que este é o primeiro estudo que utilizou a TRI para avaliar a VAST no contexto brasileiro e que, apesar das contribuições, apresenta também limitações. Apesar de não ser o objetivo da presente pesquisa, os resultados reportados não podem ser generalizados por conta do procedimento amostral utilizado. Ademais, nesta pesquisa não foi realizado um controle da desejabilidade social.

Por fim, presume-se que pesquisas futuras busquem aprofundar e refinar a medida aqui proposta por meio de novas evidências de validade e confiabilidade. Esses trabalhos podem explorar a compatibilidade da VAST com a CAST (Monteiro et al., 2020), suas relações com instrumentos que mensurem os componentes da dark triad (Jonason & Webster, 2010; Jones & Paulhus, 2014) e marcadores comportamentais (Longpré et al., 2019). Como assinalam Bandeira et al. (2021), a mensuração, especificamente, permite a ampliação das redes nomológicas dos construtos de interesse. A adequada mensuração do construto sadismo cotidiano favorecerá seu entendimento na pesquisa psicológica.

Financiamento: Este estudo recebeu financiamento do edital nº 19/2021 de auxílio à execução de projetos de pesquisas científicas - discentes de mestrado e doutorado do PPG-PSTO/UnB.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 24 de Abril de 2022; Aceito: 31 de Agosto de 2023

Editor de seção:

André Braule Pinto.

Correspondências referentes a este artigo devem ser enviadas a Germano Gabriel Lima Esteves, Universidade de Rio Verde - UniRV, Laboratório de Avaliação Psicológica (LAPRV) - campus Rio Verde, Fazenda Fontes do Saber, Rio Verde, Goiás, GO, Brasil. CEP 75901-970. Email: germanoesteves@unirv.edu.br

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