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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

Print version ISSN 1516-3717On-line version ISSN 1981-0490

Cad. psicol. soc. trab. vol.9 no.2 São Paulo Dec. 2006

 

ARTIGOS

 

Lesões por Esforços Repetitivos em bancários: reflexões sobre o retorno ao trabalho

 

Repetitive Strain Injuries among bank workers: reflections about the return to work

 

 

Marcia Elena Rodrigues Gravina; Lys Esther Rocha

Departamento de Medicina Legal, Ética Médica e Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da USP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Objetivo: analisar o retorno ao trabalho de portadores de lesões por esforços repetitivos (LER) de um banco em São Paulo, verificando aspectos que dificultam e facilitam o processo. Metodologia: trata-se de um estudo de caso em que foram realizadas entrevistas com 16 trabalhadores. A análise dos dados baseou-se no Discurso do Sujeito Coletivo. Resultados: Em relação à vivência das LER foram destacadas como dificuldades: presença constante da dor, incapacidades adquiridas e preconceito com relação à doença. Entre as situações de trabalho que desfavoreceram o retorno foram relatadas: metas irrealistas, pressão para venda de produtos, tarefas inadequadas frente às seqüelas da doença, impossibilidade de realização de pausas e obrigatoriedade no cumprimento de horas extras. Entre os aspectos que contribuíram para o retorno ao trabalho, foi citado o sentimento de inclusão social. O relacionamento interpessoal foi citado como fator que dificultou quando ocorreu a discriminação ou pressão dos colegas e chefias, mas como motivador nas situações em que houve o apoio da equipe. Conclusões: para o sucesso do retorno ao trabalho de portadores de LER, são necessárias algumas ações: o estabelecimento de tarefas de acordo com a capacidade do trabalhador e apoio dos colegas e chefias no desempenho das atividades.

Palavras-chave: Lesões por esforços repetitivos, Reabilitação profissional, Bancários, Organização do trabalho, Relacionamento interpessoal.


ABSTRACT

Aim: to analyze the return to work among bank workers with repetitive strain injuries (RSI) of a bank in São Paulo, checking the difficulties and the facilities in the process. Methodology: It is a study that applied interviews with 16 workers in such conditions. The data analysis is based on the Discurso do Sujeito Coletivo (Collective Subject Speech). Results: About the situation of living with RSI was pointed out: constant presence of pain, acquired incapacity and the prejudice caused by the disease. About situations at work that were unfavorable to the return were mentioned: too high goals and tasks, non &– stop workdays, over time and pression to sell. About the contributive aspect to the return to work was the feeling of social inclusion. Conclusions: to the success of returning to work by people with RSI some actions were proved to be essential, such as the establishment of occupational activities related with the worker’s capacities and support from co-workers and managers.

Keywords: Repetitive strain injuries, Occupational rehabilitation, Bank workers, Work organization, Interpersonal relationship.


 

 

Introdução

O trabalho enquanto atividade humana vem sofrendo variações em seu conceito e em seus sentidos ao longo da história. O mundo do trabalho ultrapassou as situações rudimentares, chegando à automação, forma em torno da qual o trabalho está organizado na presente época.

A atividade bancária também seguiu esse caminho, transpondo condições de intenso trabalho manual, como por exemplo, fazer manualmente toda a contabilidade, para as mais modernas tecnologias.

No Brasil, de acordo com Ely (1993), existiram três fases importantes nesse setor: a primeira fase foi a criação dos Centros de Processamento de Dados em 1964 e do Banco Central do Brasil em 1967, cujo objetivo era controlar a situação financeira do país. A segunda fase teve seu início na década de 70 com a introdução do sistema on line. A terceira fase, ocorrida no final dos anos 80, constituiu-se na intensificação da automação bancária. Nesta fase foram introduzidas no serviço bancário ações inovadoras tais como: criação de agências virtuais e caixas eletrônicos, cartões magnéticos, atendimento a clientes em casa ou no trabalho, compensação eletrônica, leitura ótica de cheques e a interligação entre bancos e empresas.

A automação imprimiu grandes modificações na categoria bancária. Além de diminuir postos de trabalho, introduziu novas tarefas ligadas à informática, aumentando o controle e a mecanização do processo de trabalho.

Atualmente, seguindo a tendência mundial, os bancos procuram ampliar o atendimento ao cliente e se concentram na realização de negócios, dando espaço para a diversificação de atividades como a administração de cartões de crédito, seguros, previdência privada, títulos de capitalização e vários outros produtos, cuja comercialização ficou a cargo dos trabalhadores bancários. Nesse sentido, houve uma incorporação ao trabalho bancário do papel de venda de produtos e de consultoria financeira.

A introdução dessas novas tecnologias, bem como dessas novas tarefas para o atendimento, gerou alterações na organização do trabalho e nas exigências impostas aos trabalhadores. Em estudo realizado por Blass (1989), a autora discutiu a expropriação do saber bancário:

...se ontem trabalhar em bancos significava uma espécie de ofício para o qual se exigia o domínio de conhecimentos em contabilidade, hoje, à medida que eles são incorporados às máquinas automáticas, o saber e a iniciativa estão subtraídos da maioria dos trabalhadores, que devem demonstrar habilidade no manejo dessas máquinas, rapidez nos gestos corporais e destreza manual na execução de tarefas rotineiras (p. 60).

Tanto a automação, quanto a mudança no perfil do trabalho bancário têm sido associadas com o adoecimento dos trabalhadores. Silva (1991) apresentou como principais queixas de saúde de bancários: reclamações generalizadas de estresse, nervosismo, ansiedade, gastrite, sem contar a tensão e a dor de cabeça crônicas.

As estatísticas oficiais do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social, MPAS, 2003), quanto às doenças do trabalho, registram que na maioria os casos o adoecimento é por LER. Na categoria bancária esse é o principal motivo de afastamento do trabalho. Atualmente essa síndrome é oficialmente denominada pelo INSS também como DORT/LER (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho/Lesões por Esforços Repetitivos); porém, neste estudo foi adotado somente o termo LER, por ser o modo como os trabalhadores denominam com maior freqüência a sua própria doença.

Em estudo realizado por Lima (1998) com bancários portadores de LER foram citados como principais fatores para a gênese da doença: a automação, o horário de trabalho, as condições ambientais, a sobrecarga no trabalho, os critérios de avaliação, a responsabilidade excessiva, as características pessoais e a impossibilidade de realização profissional.

Sato et al. (1993) chamaram a atenção para o fato de que circulam suspeitas de que as LER teriam como causa fatores de ordem psicológica, argumento carregado de uma conotação indevida, sendo entendido mais como se o portador fosse fraco, preguiçoso e sem vontade, ou pior, como se essa pessoa estivesse fingindo a dor.

Yu e Wong (1996), que estudaram distúrbios osteomusculares entre trabalhadores bancários que utilizavam VDU (visual display unit) em Hong Kong, relatam que esses trabalhadores associaravam suas queixas com: características pessoais, postura inadequada, movimentos repetitivos e posto de trabalho projetado de maneira inadequada.

No Brasil, Ferreira Júnior, Conceição e Saldiva (1997) publicaram pesquisa realizada com trabalhadores de telemarketing de um banco, encontrando associação entre os distúrbios osteomusculares dos membros superiores e a pressão do tempo, juntamente com a influência negativa das normas internas de trabalho.

Chaves, Valadares, Borges, Bussacos e Lino (1988), em estudo epidemiológico realizado com 296 trabalhadores de uma agência bancária, mostraram que a presença de sintomas era menor nos locais em que as queixas com relação à organização do trabalho também eram menores.

Em estudo feito por Ribeiro (1999), foi analisada a “violência oculta” na atividade bancária e a emergência das LER entre os trabalhadores dessa categoria e descreveu-se o percurso do adoecimento coletivo com base em depoimentos de 346 bancários portadores de LER. O principal resultado foi a revelação feita pelos sujeitos de sentimentos de perda e de medo da incapacidade, além do esforço para aceitar novos limites e a vontade de retornar ao trabalho para evitar a discriminação e a marginalização social e afetiva.

Além disso, como afirmaram Keyser, Quale, Wilpert e Quintanilla (1998), o trabalho é uma necessidade existencial para a maioria das pessoas porque, além de produzir o necessário para a subsistência nas questões materiais, traz satisfação pessoal, reconhecimento e prestígio social, tornando-se um fator contribuinte para a autoconfiança e para a identidade pessoal.

Quanto ao retorno ao trabalho de trabalhadores portadores de LER, alguns estudos têm relevado a importância da participação de uma equipe interdisciplinar de saúde em todo o processo, como exemplo, o estudo feito por Nordstrom e Moritz (1998) com pacientes de LER que comprovaram a eficácia do tratamento multiprofissional no retorno ao trabalho: 34 pacientes foram atendidos por uma equipe multidisciplinar e comparados a um outro grupo de sujeitos submetidos à reabilitação profissional da Unidade de Serviço de Saúde Ocupacional, seguidos entre 2 a 4 anos. Houve uma diferença significativa entre os dois grupos: 77% do grupo de intervenção retornaram ao trabalho com sucesso, enquanto somente 58% do grupo referência conseguiu esse resultado.

Em um outro aspecto, Maeno (2001) &– que estudou o processo de reinserção no mercado de trabalho de portadores de LER &– concluiu que a ocorrência da doença e as repercussões físicas e psicossociais tiveram profundo impacto nas vidas dos portadores e a adaptação a um novo cotidiano se deu às custas do apoio da rede familiar, reforçando a idéia da importância do relacionamento interpessoal no processo.

O retorno ao trabalho é uma das ações da reabilitação profissional que, no Brasil, está assegurada através da Constituição Federal. O Ministério da Previdência e Assistência Social administra a reabilitação através do INSS, tratando-se de um serviço que tem como objetivo “proporcionar aos segurados e dependentes incapacitados (parcial ou totalmente) os meios indicados para a (re)educação e (re)adaptação profissional e social, de modo que possam voltar a participar do mercado de trabalho” (MPAS, 2001, p. 64).

As funções básicas da reabilitação profissional foram determinadas através do Decreto nº 2172/97 e da Resolução/INSS/PR nº 424/97 e, resumidamente, são: avaliação da capacidade laborativa residual; orientação e acompanhamento da programação profissional; articulação com a comunidade para reingresso no mercado; acompanhamento e pesquisa de fixação no mercado.

No momento, a reabilitação vem sofrendo alterações em sua estruturação. O novo enfoque é que a perícia e a reabilitação devem trabalhar em conjunto, no sentido de diminuir o tempo de afastamento. Outra orientação é que seja repassada a responsabilidade pela reabilitação para as empresas, que ficam encarregadas de realizar o treinamento em serviço, sob o acompanhamento dos profissionais da reabilitação do INSS.

As ações de reabilitação no Brasil estão ainda em discussão. Haro (1998) publicou uma reflexão sobre o modelo de reabilitação profissional convencional, mostrando que esse aspecto ainda não foi incorporado ao campo das ações de saúde do trabalhador.

Em relação ao processo de reabilitação profissional de portadores de LER, Takahashi e Canesqui (2003) realizaram pesquisa analisando o programa implementado pela equipe de LER do Centro de Reabilitação Profissional de Campinas, onde foi instituído um serviço de atenção que procura resgatar a autonomia dos adoecidos, não só para o trabalho, mas para a vida. chegam à conclusão sobre a efetividade desse um atendimento quando organizado de forma interdisciplinar.

Assim, levando-se em consideração os aspectos acima abordados, o objetivo deste estudo foi analisar o processo de retorno ao trabalho de trabalhadores com diagnóstico de LER em um banco de São Paulo, procurando-se verificando a vivência das LER e os aspectos que dificultam e facilitam esse processo.

 

Metodologia

O banco estudado possui um programa de reabilitação profissional cuja finalidade principal é oferecer suporte técnico e administrativo ao gerente em seus esforços para o restabelecimento das condições laborativas dos trabalhadores, bem como fornecer acompanhamento especializado e apoio aos participantes. Ele tem uma coordenação regional e é composto por profissionais de saúde do quadro da empresa e por terceirizados.

O programa do banco é composto por três fases: triagem, atenção à saúde e a potencialização laborativa. A primeira fase objetiva definir se o trabalhador é mesmo público alvo do programa. Na segunda fase são desenvolvidas ações de conhecimento do quadro geral de saúde e orientação quanto a tratamentos possíveis. A última fase tem como objetivo recuperar a capacidade laborativa do trabalhador no que se refere aos aspectos de integração às atividades, ao processo de trabalho e à equipe da unidade que receberá o trabalhador em reabilitação. Esse programa de reabilitação acompanha os casos de afastamento por doença do trabalho. Entre os anos de 1999 e 2002, foram atendidos 539 trabalhadores, sendo 210 portadores de LER, 171 com diagnósticos de doenças psiquiátricas e 158 de outras patologias. Do total de 539 trabalhadores, até o terceiro trimestre de 2003, 382 pessoas concluíram o programa de reabilitação: 175 trabalhadores foram considerados readaptados (tendo tido sucesso no seu retorno ao trabalho); 96 foram aposentados; seis retornaram ao afastamento e 105 pediram licenças por diversas razões (acompanhamento de cônjuge, adesão ao Programa de Demissão Voluntária ou pediram transferência para outro estado).

É importante destacar que a presente pesquisa utilizou dados do programa do banco e os sujeitos entrevistados foram selecionados entre os participantes do referido programa.

Neste estudo foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com 16 trabalhadores que haviam participado do programa de reabilitação profissional do banco estudado. A seleção dos participantes buscou a variabilidade da situação dos trabalhadores no que diz respeito aos resultados do retorno ao trabalho (sucesso ou fracasso) e à diversidade de tarefas realizadas após o retorno. Portanto, os trabalhadores entrevistados pertenciam ao grupo dos 382 participantes (acima indicados) que concluíram o programa e, conforme explicado, com diferentes resultados (do total de 16 trabalhadores entrevistados 12 foram readaptados, um foi aposentado e 3 retornaram ao afastamento do trabalho).

Os entrevistados tinham características semelhantes à média da população atendida pelo programa de reabilitação com diagnóstico de LER (210 portadores de LER atendidos pelo programa, conforme informação acima) quanto a sexo, idade, grau de instrução, estado civil e tipo de tarefa realizada anteriormente ao afastamento.

Foram observados alguns cuidados para garantir a qualidade dos resultados: grau de instrução do trabalhador que permitisse o entendimento dos objetivos da pesquisa, a capacidade de expressão adequada e de compreensão da situação que estava sendo vivenciada e analisada.

Foi estabelecido um roteiro semi-estruturado que serviu de fator motivador para o entrevistado fornecer os dados necessários para a análise, cujas questões iniciais foram: depois do seu afastamento por causa das LER você voltou a trabalhar no banco, não é? Alguma coisa em especial atrapalhou na sua reabilitação profissional? Agora, o contrário, o que ajudou na sua reabilitação?

Para a análise dos dados colhidos nas entrevistas foi utilizado o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), metodologia baseada na teoria das representações sociais. Segundo Lefèvre, Lefèvre e Teixeira (1999), o DSC, enquanto instrumental, propõe a organização dos dados discursivos como uma maneira de ter-se acesso aos dados de realidade que se apresentam subjetivamente. Essa proposta implica na utilização de quatro “figuras metodológicas”: ancoragem, idéia central, expressões-chave e o discurso do sujeito coletivo.

Seguindo essa orientação, as entrevistas foram gravadas e transcritas literalmente. Em seguida, foram lidas diversas vezes, procurando-se identificar temas e subtemas dentro de cada uma das questões. O passo seguinte foi a construção do Instrumento de Análise do Discurso I, composto pelas expressões-chave agrupadas por semelhanças ou equivalências dentro de cada um dos temas e subtemas. Foram destacadas as idéias centrais e a partir desse conjunto houve a possibilidade da construção do DSC.

Nos resultados foram separadas as idéias principais com depoimentos sobre os seguintes aspectos: a vivência em relação às LER, os aspectos que dificultaram o retorno ao trabalho e os aspectos contributivos para o processo.

 

LER: a vivência que não se esquece

 

1ª Idéia Central: As pessoas atribuem diferentes causas para o adoecimento

O primeiro aspecto destacado pelos trabalhadores como influindo no resultado final do processo de retorno ao trabalho foi a vivência das LER, que permeou todas as ações. Em relação a esse aspecto, os trabalhadores destacaram que as pessoas atribuem diferentes causas para o adoecimento, o que inclui: a falta de informações sobre a doença, o papel de características pessoais como causa das LER e o papel das chefias.

Depoimento a respeito da falta de informações sobre as causas da doença:

Por mim, assim, foi até por falta de informações e... como posso dizer, assim poderia ter me prevenido mais... mas aqueles movimentos, às vezes a postura, talvez tudo isso tenha contribuído para eu estar desenvolvendo, talvez tenho tido uma propensão para isso... lá a gente digitava muito... fazer cálculos, você insere os dados todos no micro e é um monte de coisas, tinha dia que saía de lá com o braço duro...

Depoimento sobre as características pessoais associadas ao adoecimento:

E eu sou meio agitada. Então, meu ritmo, não sei se porque fui caixa, é meio acelerado... Eu já percebi que os mais propensos a ter LER são os mais agitados, eu mesma cheguei a esta conclusão de ver as pessoas que querem fazer tudo mais rápido. Além disso, as minhas coisas estão sempre em ordem... aonde eu ponho o meu visto e meu carimbo eu tenho certeza do que eu estou fazendo. Eu também não sou de ficar esperando nada dos outros, que aliás esse é um grande problema que eu tenho que eu acho que uma parte que eu fiquei doente é isso, querer fazer um monte de coisas, sem me preocupar comigo. Eu já melhorei muito do que eu era, antes de ficar doente foi por desconhecer o meu limite, eu quero passar além muitas e muitas vezes... tanto que eu acho que o que eu tive de LER, né, que eu desenvolvi porque eu era rápida, eu era canhota... eu me torcia toda para trabalhar e mesmo assim eu conseguia trabalhar com muita rapidez... eu sempre achei que eu poderia fazer tudo, tudo, tudo que aparecia na frente eu poderia fazer, só que vai sobrecarregando de uma tal maneira... e eu vivo me policiando, para isso não acontecer, mas isso acontece, de perceber que você passou uma tarde inteira sem ir dar uma arejada, sem ir ao banheiro, sabe eu sou muito envolvida no trabalho...

Depoimento que atribui ao gestor da unidade a responsabilidade pelo adoecimento:

Tudo que eu passei com a LER foi por causa do gerente. Foi a pior fase da minha vida, uma coisa que você não quer para ninguém. Eu passava noites e noites sem dormir, porque eu não queria acordar para trabalhar no dia seguinte. Naquela época não existia a palavra assédio moral. Depois de tanto ler a revista bancária eu descobri que tudo era um assédio moral. Mas olha, como é horrível, horrível, nossa você se sente assim, para baixo, eu queria morrer. E antes de sair de licença o gerente já tinha me tirado do caixa. Ele tinha me deixado no atendimento, porque antigamente, assim, atendimento era castigo, então, acho que ele queria me punir. Eu ficava reto direto, ficava filas e filas imensas...

 

2ª Idéia Central: Seqüelas, uma história de dor

Outro tema abordado foram as seqüelas resultantes do adoecimento, através de depoimentos sobre a presença da dor, da incapacidade para realização de atividades do cotidiano, acompanhadas da incompreensão dos colegas e das chefias a respeito do processo de adoecimento e das limitações dos portadores da doença.

Depoimento sobre o fato de que a dor incorporou-se na vida diária:

Nossa, tinha dia que eu não sei como eu conseguia ir trabalhar. Assim, eu acho que a dor não vai melhorar nunca... eu estou fazendo com que essa dor faça parte do meu cotidiano... Uma dor que não afete a minha vida. Como várias vezes já aconteceu de cliente falar: “- Nossa o que você tem?”, “- Ah, estou com muita dor!”, “- Ah, então fica aqui um pouquinho, finge que está me atendendo!”. Então, você vai nessa base, vai se enganando e enganando que está tudo bem... eu sinto muita dor, direto, mas a gente se acostuma com a dor... eu continuo levando ela... eu tenho dor...

Depoimento sobre a interferência das limitações no cotidiano:

Você vai se irritando, você não consegue pentear o cabelo... vai vestir o filho, não consegue, o braço cansado, isso é ruim... e ainda meu emocional não é redondo, redondo. Eu não faço mais supermercado sozinha, meu marido vai junto... eu não consigo escolher uma fruta, eu começo a pegar, daqui a pouco não dá mais... mas o que ficou, assim, dilacerado é uma coisa que eu preciso estar atenta, porque talvez eu não consiga assim... curar, né... você mesma não consegue entender que você tem limitações e que você tem que aprender... a gente vai criando, vai fazendo com certas limitações, com dificuldades.

Depoimento sobre a invisibilidade da doença:

A pessoa sente uma certa hostilidade quando ela voltou a trabalhar... quem nunca teve LER ou desconhece o tema pode até pensar que o empregado não está querendo contribuir, existe todo um lado místico... porque você olha, assim, o pessoal fala: parece que não tem nada... mas só você sabe, né, no seu dia-a-dia, o que limita ou não. Mesmo os vizinhos, os amigos, né, o pessoal fala: “- Ah, vou trabalhar no banco!”, porque eles vêm que você pode andar, não tem nada que está impedindo... assim, são pequenas coisas que você tem, né... Então, você já é discriminado por um monte de coisas, né, porque é uma doença que ninguém vê, então tem gente que não acredita que exista. Tem gente que fala “- Ah, mas eu também tenho dor!”. Sabe, tem dor de todos os tipos. Isso você tem que explicar, é um absurdo você ter que ficar discutindo sua dor com alguém.

 

Aspectos que dificultaram a adaptação no retorno ao trabalho

 

1ª Idéia Central: A interferência da organização do trabalho

A expectativa de retorno ao trabalho era grande para todos os trabalhadores e os resultados dependeram de vários fatores. Através da análise dos depoimentos, pôde-se construir dois discursos diferenciados, um contendo as dificuldades e, outro, os aspectos que contribuíram no processo (eles serão expostos mais adiante). Como uma das questões que dificultaram o retorno ao trabalho, os trabalhadores apresentaram a interferência negativa de alguns aspectos ligados à organização do trabalho: a realização de tarefas inadequadas em relação às restrições adquiridas, a falta de pausas para recuperação da fadiga e a necessidade de extrapolar a jornada diária.

Depoimento a respeito da inadequação das tarefas:

Então, assim, eu voltei com muita boa vontade... eu peguei uma fase de liquidação de contrato e comecei a vender seguro residencial... eu vendia bem. Mas, assim, foi por pouco tempo... porque de repente quiseram me colocar para fazer um trabalho manual, escrever envelopinho, preencher... sabe, eu não acho um serviço menor, mas eu acho que a minha capacidade era para muito mais que isso... Então, assim, eu não manuseei tanto, o que foi ruim foi ficar no atendimento, porque além de ficar em pé, e isso afetou minha coluna, as pessoas acham que você não usa o braço, mas não é verdade. Primeiro, tem gente que não sabe escrever, aí você vai escrever no balcão, não tem apoio; na hora de digitar, por exemplo, tem gente que não pode digitar... e eu comecei a fazer tudo naquela agência, eu resolvia problema dos caixas, resolvia problema de clientes e você precisa de um micro e aí ficou pior ainda, porque eu não tinha micro... e eu precisava usar o micro de alguém... então, eu fazia em pé, nas piores condições... E eles tentam ajudar, dizem: “- Ah, o atendimento acho que vai ser bom para você porque não precisa ficar digitando tanto!”. Mera ilusão, né. Porque eu estou no atendimento... eu ficava seis, sete, oito horas em pé andando aquela agência inteira...

Depoimento sobre a falta de pausas durante a jornada para recuperação da fadiga muscular:

Porque lá você não tem como parar. Estando com o público é diferente... no atendimento não tem como parar, é fila, fila, fila, não pára. A pausa que eu faço é quando tenho que descer, pegar talão de cheques para cliente... essa pausa que se faz, mas parar no conceito que eu vejo, parar e não trabalhar, descansar, isso não acontece, não dá para se abster do trabalho para uma necessidade. Então, quando eu falei para o gerente que precisava de pausa, ele falou: “- Mas pausa é só para caixa!”. Eu não sei se por falta de conhecimento... mas quem trabalha no atendimento não faz pausa... e eu acho que na minha condição de reabilitada eu tinha que fazer pausas...

Depoimento sobre a realização de horas extras:

No começo ainda estava fazendo tudo direitinho, mas com o movimento da agência, acabei largando o tratamento... porque o banco abre ao público às nove horas: para abrir às nove horas você tem que estar lá às oito horas, por causa de tudo isso: tem que abrir o cofre, abrir a agência, abrir os sistemas, conferir... aí depois tem que fechar, fecha às quatro horas, só que o pessoal continua lá dentro... então, a gente nunca consegue fazer seis horas, agora estou tentando fazer, né, porque eu perdi muito tratamento... eu estou trabalhando e eu continuo até acabar aquilo, né...

 

2ª Idéia Central: Perfil do trabalho bancário

Outro aspecto apontado pelos trabalhadores como dificultador do processo de retorno ao trabalho foram as mudanças ocorridas no perfil do trabalho bancário. Essas mudanças são, em linhas gerais, a incorporação de novas exigências quanto ao atendimento rápido ao público, a venda de produtos do banco e a habilidade com a nova tecnologia.

Depoimento sobre a pressão exercida pelos clientes:

...porque tem o serviço e tem todos os clientes para atender, né... e não tem como você enrolar... então se você pode atender, você vai atender ele, né. Aí você vai deixar todo o seu serviço e vai atender o cara, vai fazer o serviço do atendimento, só que aquele serviço que você deixou, você tem que fazer dentro daquele período, você vai ter que fazer dois, três, quatro serviços ao mesmo tempo... não tem muita digitação... eu acho que é assim: muita coisa para você dar conta, você tem que estar atenta porque tem uma fila assim, cliente esperando, o telefone não pára de tocar... é muito corrido, um ritmo acelerado...

Depoimento sobre as novas exigências quanto à venda de produtos:

...e você tem a pressão interna, que é aquela coisa de vamos, vamos, vamos... o pessoal quer te empurrar... e foram agregando atividades... e toda semana tinha reunião para cobrar vendas e eles sempre com aquela postura: olha, quem não quiser se adaptar à nova realidade, a porta da rua é a serventia da casa! E tem gente que fica empurrando seguro... Ah, sabe eu não tenho coragem. Eu, mesmo com pressão, eu não tenho coragem de fazer isso, nem ofereço... E tem que ter produção, tem que ter produção e a gente fica aí no meio dessa... coisa louca. Acho que o banco está no momento atual, está num momento de cobrança... essa coisa de venda, venda, venda, o empregado hoje é um vendedor...

Depoimento quanto à necessidade de saber lidar com a nova tecnologia sem ter o conhecimento ou treinamento adequado para tanto:

E também eu vejo o lado da empresa... realmente um banco não precisa de gente que não pode trabalhar, porque o que eu vou fazer hoje numa agência sem usar o micro, não tem o que fazer, porque tudo você precisa das mãos, o que você faz hoje sem usar o micro, sem ter que digitar alguma coisa? Hoje você não faz nada sem computador e quando eu cheguei eu não sabia como ligar o computador, eu fiquei procurando o botão para ligar o computador. O medo que eu senti foi ter percebido muita mudança que eu não acompanhei e eu fiquei com medo de não acompanhar. Além disso, eu não sabia dar informação... além de causar um mal estar com o cliente, fazendo ele esperar, que tem que correr atrás da informação e de gente que está na correria e talvez não possa te dar a informação...

 

3ª Idéia Central: As dificuldades no relacionamento interpessoal

Um outro fator apresentado pelos trabalhadores foi a dificuldade no que diz respeito ao relacionamento interpessoal tanto com chefias, quanto com colegas. No cotidiano do trabalho, as pessoas acabam esquecendo das limitações adquiridas no adoecimento e que ainda persistem.

Depoimento de trabalhadores quanto às dificuldades no relacionamento com as chefias:

Então para mim foi difícil este retorno... e a gerente que está lá agora, ela não se afina muito comigo... Essa gerente atual, ela é muito irônica, é uma coisa assim, ela faz as coisas, movimenta as coisas num momento que estava muito tumultuado, ela pôs mais lenha na fogueira e saiu de férias. E hoje na minha agência tem meta individual porque tem relatório que vai para o gerente dizendo o que cada empregado, o que ele fez... um dia que você fica sem fazer nada, é um dia que você vai embora estressada... e a gerente não ajudou, como a maioria, ela falava que eu não queria trabalhar, mas isso é normal, né, eu já vi com outros colegas também, isso é normal... foi um trabalho duro, foi um trabalho difícil, eu retornar e achar que eu tinha algum valor... então aquilo me deixou insegura...

Depoimento de trabalhadores a respeito das dificuldades com o relacionamento interpessoal entre colegas:

Eu voltei e fiz um acordo com a gerente lá, se eu poderia ficar um mês na retaguarda só para eu me ambientar... só que aí eu me dei muito bem na retaguarda, né... e aí começou a inadimplência, né. Aí diziam “- Ah! Vai precisar de alguém para fazer isso...”, “- Ah! Põe para ela fazer, ela não faz nada!”. E o relacionamento é diferente, porque na agência não dá tempo de se relacionar, você chega lá, mal fala bom dia, você não consegue conversar, entendeu? E eu voltei e fui trabalhar num setor que eu era a pessoa mais velha do setor... eu não sei se eu não consegui chegar até eles ou se eles me rejeitaram... mas eu me senti muito rejeitada naquele retorno!

Depoimento a respeito das limitações que ficaram e que acabam sendo esquecidas na rotina diária:

Acho que no começo foi bastante receptivo, mas no contexto geral isso é só no começo, depois você entra naquele rol. A gente retorna, o estágio é de um jeito e depois, quando acaba o estágio, aí a gente entra realmente, de pouquinho em pouquinho vai aumentando as coisas e a gente tem que fazer dentro da empresa... Então, durante uma semana todo mundo lembrou que eu estava voltando de uma licença, que eu tinha problemas, só que depois começa: “- Dá para fazer isso?”, “- Vai fazer aquilo”... só que a gente volta com muitas restrições, só que na hora que você está trabalhando, todo mundo esquece, até você esquece... eles deixam de acreditar que você precisa ter alguns cuidados... então você acaba engolindo um monte de coisas, além de estar morrendo de dor, né.

Como síntese das dificuldades sentidas pelos trabalhadores no retorno ao trabalho, encontra-se abaixo um Discurso do Sujeito Coletivo, que pode ser considerado como representante da presente categoria de análise:

Então, em banco não existe reabilitação, porque você acaba voltando, não tem o que fazer num banco, pela natureza do trabalho, tudo acaba envolvendo dentro do banco alguma coisa que você não pode fazer... não tem muita digitação... eu acho assim é muita coisa para você dar conta... é muito corrido, um ritmo acelerado... tem o público lá, que está te olhando e ele cobra... e tem a pressão interna... tem que ter produção... o que importa para eles é vender, não importa se você é uma ótima operacional... e é uma agência um pouquinho difícil... porque você ia pedir ajuda para outros e ninguém gostava de ajudar... então você não encontra pessoas preparadas para te receber...

 

Aspectos contributivos para o retorno ao trabalho

 

1ª Idéia Central: O trabalho e o sentimento de inclusão social

Os trabalhadores identificaram fatores facilitadores do processo de retorno ao trabalho. Havia uma grande expectativa quanto ao retorno, além disso, a percepção da importância do papel do trabalho nas suas vidas contribuiu no desenvolvimento de novas habilidades e no sentimento de utilidade e capacidade para o trabalho.

Depoimento dos trabalhadores quanto à preparação para o retorno:

Na época, gerou grande expectativa e eu vinha me preparando psicologicamente para isso; nesse meio tempo eu vinha fazendo os tratamentos, me cuidando, eu me preparei bastante. Então, eu acho que o meu retorno ao trabalho foi ótimo para mim e para a empresa. Eu não tive problema em nenhum momento. E eu acho que para mim é muito melhor trabalhar e agora que eu não estou mais no caixa, então, nossa, eu digito, uso o micro o dia inteiro, mas é diferente, você não fica o dia inteiro numa coisa, eu faço várias coisas.

Depoimento quanto à oportunidade do desenvolvimento de novas habilidades:

Porque quando você tem alguma restrição, isso incomoda, eu fiquei psicologicamente abalada, é uma sensação de inutilidade, a gente está impossibilitada de fazer as coisas. Mas eu me recusei a entrar em depressão e fui procurar as causas. E eu tive uma melhora acentuada e eu achei que eu tinha condições de retornar ao trabalho, de voltar a produzir... E eu acho que uma das coisas boas de voltar é saber que a gente tem que reaprender, porque quando a gente perde algum potencial, a gente consegue desenvolver outro.

Depoimento dos trabalhadores quanto ao sentimento de utilidade e inclusão social:

E também eu sempre trabalhei e você ficar parada não é bom. Você fica meio excluída socialmente, você perde o referencial, então, eu queria retornar ao trabalho. E aprendi muito: antes eu achava que eu era uma pessoa inútil, eu não mexia no micro e achava que eu nunca iria aprender. Hoje eu sei o quanto meu trabalho é útil para as pessoas. E eu volto a me considerar uma boa profissional, acho que eu sou competente.

 

2ª Idéia Central: O bom relacionamento interpessoal

Outro aspecto identificado pelos trabalhadores como importante fator motivador foi o apoio recebido de colegas e chefias, que compreenderam a situação pela qual eles estavam passando e colaboraram para que o retorno ao trabalho fosse o mais adequado possível.

Depoimento de trabalhadores sobre o auxílio de colegas que apoiaram e acreditaram no trabalhador:

Porque, assim, o mais legal foi a acolhida, né, que o pessoal, que eu tive do pessoal, né, eu fui muito bem recebida... é muito agradável você conviver com alguém que você gosta... os facilitadores que eu tive foram algumas pessoas que lidaram comigo na época do afastamento e... trabalharam comigo como profissionais antes da doença... acreditavam em mim e vivenciaram o problema que eu tive, né... sabiam do meu esforço para o retorno... essa acolhida foi determinante mesmo para eu continuar. O pessoal me recebeu bem, nunca tive problema, é legal até hoje.

Depoimento a respeito da atitude de gerentes que respeitaram as limitações dos trabalhadores em retorno ao trabalho:

Não tive problema, o gerente me recebeu muito bem. Desde a época em que comecei a trabalhar lá... sempre me dei bem com o gerente, então, para mim foi tranqüilo... e a gerente me recebeu muito bem... sempre se mostrou bem compreensiva, né... ela procurou respeitar meu ritmo e bem mesmo... tirar esta questão de vendas...

Como representação do Discurso do Sujeito Coletivo, a respeito dos facilitadores encontrados pelos trabalhadores, pode-se apresentar o seguinte:

Eu queria voltar... eu sinto falta do trabalho... o fato de você ficar muito tempo parada te dá uma sensação de inutilidade. Então, foi importante estar retornando ao trabalho para se sentir útil e mostrar que você ainda é capaz... e ter vindo para uma área diferente, acho que a vivência é diferente, então, eu acho que para o meu crescimento foi muito bom... e fazendo uma coisa que eu gosto de fazer, que eu sei que me dou bem... e é um relacionamento bom, a gente trabalha em equipe, tenta passar isso, a gente é uma equipe e um ajuda o outro... e tudo que eu passei no retorno acho que foi muito bom, porque eu vi, né, as coisas que estavam certas, as coisas que estavam erradas, até assim no meu comportamento mesmo, né... e uma coisa que ficou como muito bom foi ter participado do processo todo de reabilitação.

 

Discussão

O retorno ao trabalho dos trabalhadores portadores de LER se mostrou um processo complexo no banco estudado.

O primeiro aspecto destacado pelos trabalhadores como influindo no resultado foi a vivência das LER que permeou todo o processo. Os trabalhadores comentaram como possíveis causas para o seu adoecimento: a falta de informação, o mobiliário inadequado e a organização com intenso ritmo de trabalho. Os depoimentos coincidem com o estudo realizado por Lima (1998) com bancários portadores de LER, que citaram como principais fatores para a gênese da doença: a automação, a sobrecarga no trabalho, os critérios de avaliação, a responsabilidade excessiva.

O presente estudo mostrou características pessoais apontadas pelos trabalhadores como associadas ao aparecimento das LER: agitação, rapidez, aceleração, ordem excessiva, querer fazer todas as tarefas e não se organizar para realizar as pausas. Lima (1998), em reuniões entre bancários não portadores de LER visando conhecer as formas de proteções utilizadas para não adoecerem, percebeu que aqueles que mostraram maior disponibilidade para mudar ou para diversificar as tarefas, eram trabalhadores que preferiam não acelerar seu ritmo quando eram feitas exigências e que tinham uma relação diferente com o sistema de avaliação, optando pela qualidade do serviço, além de terem uma capacidade maior de descontração.

Outra dificuldade apontada na presente pesquisa pelos trabalhadores no retorno ao trabalho, associada à vivência das LER, foi a presença da dor, que é uma experiência individual e muito difícil de ser descrita. Essa é uma questão importante no caso das LER porque elas possuem uma complexa multiplicidade de causas e a dor, sua expressão mais forte, não traz a aparência necessária à pessoa para que ela seja considerada como adoecida. Essa invisibilidade provoca a não aceitação da realidade da doença, expressada pela discriminação e pelo preconceito, aumentando o nível de dor, chegando a ser um sofrimento moral, conforme também observado por Sato et al. (1993).

Os trabalhadores também expuseram suas dificuldades no retorno ao trabalho quando observavam o ritmo de seus colegas em comparação ao seu próprio, indagando-se: “Como dizer não?”. O receio era de que ninguém os compreendesse, situação ainda agravada pela dificuldade pessoal em aceitar as limitações impostas pela doença. Os trabalhadores referiram que após o retorno, com o passar do tempo, os colegas e chefias esqueciam das suas limitações.

Essa necessidade de mostrar a capacidade para o trabalho advém da subjetividade da doença expressa pela invisibilidade da dor. Na percepção dos entrevistados, os colegas e chefias muitas vezes desacreditam da presença da dor e acabam desconsiderando o portador de LER como um empregado com limitações profissionais.

Ribeiro (1997) em seu artigo analisou essa situação, afirmando que as limitações aumentam o sofrimento físico e mental, dificultando ainda mais a reinserção tanto no ambiente de trabalho, quanto entre familiares e amigos. Em sua pesquisa, assim como neste estudo, as pessoas já estavam em graus avançados da doença, o que denota a grande dificuldade em procurar auxílio médico e que pode indicar também a falta de informações, como até foi citado pelos próprios trabalhadores, mas também pode significar a negação do adoecimento pelo próprio adoecido, especialmente pelas limitações que a doença traz.

A questão da necessidade de apoio, inclusive de familiares, para garantir o retorno ao trabalho foi citada pelos trabalhadores neste estudo, citação também apresentada por Maeno (2001).

O relacionamento interpessoal foi considerado pelos trabalhadores tanto como um dificultador, quanto como um facilitador do processo, dependendo da situação vivenciada. A dificuldade esteve presente tanto na relação com a gerência, quanto na compreensão por parte dos colegas. Karasek et al. (1998) e Niedhammer (2002) identificaram em seus estudos a interferência negativa da falta de apoio social de chefias e colegas sobre a saúde dos trabalhadores.

Por outro lado, o trabalhador que foi bem recebido tanto por chefias, quanto por colegas, percebeu que este foi um fator decisivo no seu retorno ao trabalho. Gard e Sandberg (1997) publicaram estudo entre pacientes portadores de LER na Suécia no qual chegam à conclusão de que o relacionamento interpessoal é o fator de motivação mais importante na readaptação ao trabalho.

Um outro fator relatado pelos trabalhadores como facilitador no retorno ao trabalho foi o fato de, ao estarem trabalhando novamente, sentirem-se socialmente reconhecidos. Kaplan e Tansky (1974) realizaram uma pesquisa em alguns países sobre o significado do trabalho para as pessoas e algumas das respostas foram: o trabalho oferece status e prestígio; provê a renda necessária; mantém ocupado; provê contatos sociais interessantes; é um caminho para servir a sociedade; é intrinsecamente interessante e satisfatório.

O aspecto mais citado como uma dificuldade no retorno ao trabalho foi a organização do trabalho devido a: presença de atividades inadequadas para as capacidades dos trabalhadores, a falta de pausas para descanso e a realização de horas extras involuntárias.

Em primeiro lugar, as tarefas dos bancários, apesar de terem sido negociadas com a equipe que recebeu os trabalhadores, muitas vezes, no dia-a-dia, tornaram-se inadequadas, se consideradas as restrições adquiridas. Por exemplo, foi observado a realocação dos trabalhadores no atendimento, o que se mostrou inadequado pela permanência constante em pé e pela realização de movimentos repetitivos.

Os estudos em ergonomia têm analisado a distância existente entre o trabalho prescrito, que são as tarefas determinadas e normatizadas pela administração empresarial, e o trabalho real, que é a atividade desenvolvida na prática cotidiana, em que o trabalhador imprime o seu ajuste às prescrições. Para Dejours (1996), o trabalho prescrito deve sofrer ajustes e interpretações para se tornar operacional, aparecendo como um jogo contra o sofrimento que advém da organização do trabalho.

Desde as primeiras reflexões sobre as LER, os esforços repetitivos sempre estiveram associados ao desenvolvimento da doença. Dessa forma, tornou-se senso comum que a pessoa portadora de LER não pode realizar esforços repetitivos, como se essa fosse a única ou a mais importante restrição para o seu caso. Por isso, as tarefas muitas vezes são mal direcionadas, por evitar somente o esforço repetitivo, quando na verdade, as lesões são causadas por um conjunto de fatores, principalmente aqueles ligados à própria organização do trabalho, que se forem mantidos, poderão agravar o quadro.

A outra questão abordada foi a realização de horas extras e falta de pausas para descanso. A exigência de atendimento ao público compromete tanto o cumprimento da jornada de trabalho, quanto a realização de pausas, pois as agências estão constantemente com uma demanda intensa de clientes.

O trabalhador assume para si as exigências das tarefas, não importando o tempo que leve para cumpri-las. A prioridade é sempre o atendimento ao público, mas sobram tarefas que, na maioria das vezes, não podem ser postergadas. E por isso são sacrificadas as horas que deveriam ser dedicadas aos interesses pessoais (família, lazer, estudo, tratamentos etc.).

A pressão para a produção mencionada como uma dificuldade no retorno ao trabalho é conseqüência da automação bancária e do novo perfil exigido para o trabalho bancário. A pressão para a produção foi analisada por Bongers, de Winter, Kompier, e Hildebrandt (1993), que identificaram a associação entre a elevada percepção de sobrecarga de trabalho e a pressão do tempo com a presença dos sintomas osteomusculares.

Em relação à automação bancária, Sennett (1999) aponta que existe um ataque à rotina burocrática para tornar as instituições mais lucrativas e o poder aparece de forma diluída. O controle é exercido através do estabelecimento de metas de produção para os diversos grupos. Ocorre que é muito raro o estabelecimento de metas de fácil cumprimento: normalmente os grupos são pressionados a produzir muito mais do que está em sua capacidade imediata. Nesse contexto, os portadores de LER têm dificuldades para cumprir as metas estabelecidas pelos bancos.

Em relação ao perfil atual exigido dos bancários, Izumi (1997) expôs que, com vistas a seguir a nova tecnologia, houve uma redução nos postos de trabalho convencionais e passou-se a solicitar dos bancários requisitos funcionais voltados para a venda de produtos e a execução de novos serviços financeiros. Os portadores de LER não receberam treinamento e não tinham conhecimento técnico para realizar as tarefas de vendas.

Neste estudo discutimos o processo de retorno ao trabalho, a partir das observações dos próprios trabalhadores acometidos por LER. Nesse sentido, existe a limitação por não considerar depoimentos e idéias de outros atores envolvidos no processo: a equipe de profissionais de saúde que participam do programa e os trabalhadores das unidades que receberam estes readaptados.

 

Conclusões

As LER representam um modo de adoecimento complexo e essa situação se reflete no retorno ao trabalho. Neste estudo foi observado que, para a readaptação ao trabalho do portador de LER acontecer, é necessário um envolvimento efetivo das empresas (através da equipe de saúde e segurança no trabalho e recursos humanos) e dos trabalhadores.

No retorno ao trabalho, as LER ainda estão presentes na vida do trabalhador, mesmo com o seu quadro estabilizado existem características que não mudam: a presença da dor e as dificuldades no estabelecimento e no reconhecimento das limitações físicas.

Foram verificados fatores que dificultam o retorno ao trabalho: a organização do trabalho através das metas inatingíveis, das tarefas inadequadas, da pressão para a produção e da ausência de pausas para a recuperação da fadiga.

Como aspectos que facilitaram o processo de retorno ao trabalho foram destacados: o sentimento de inclusão social, a possibilidade de desenvolver novas habilidades e a sensação de ser útil.

As relações interpessoais do trabalho foram apontadas como facilitadoras e dificultadoras dependendo da situação vivenciada pelo trabalhador e da equipe que recebeu o bancário.

Concluindo, os programas de reabilitação profissional devem buscar compreender as limitações e restrições de desempenho dos trabalhadores e também adequar as tarefas, adaptando posto, ambiente e organização do trabalho às necessidades desses indivíduos. É importante também preparar as chefias e colegas para receber o trabalhador, além de promover o esclarecimento nos locais de trabalho sobre o que são as LER e sobre as suas seqüelas.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: marcia.gravina@caixa.gov.br

Recebido em: 17/03/2005
Pareceres enviados em: 27/06/2005
Revisão recebida em: 14/07/2005
Aprovado em: 14/07/2005

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