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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho
Print version ISSN 1516-3717
Cad. psicol. soc. trab. vol.20 no.1 São Paulo Jan./June 2017
ARTIGOS ORIGINAIS/ORIGINAL ARTICLES
A percepção de jovens operários do setor informal calçadista sobre o trabalho: um estudo cartográfico
The perception of young workers in the informal footwear sector about work: a cartographic study
Elaine Cristina Vilioni de SouzaI,1; Daniela de Figueiredo RibeiroII,2; Antônio dos Santos AndradeI,3
IUniversidade de São Paulo (Ribeirão Preto, SP)
IICentro Universitário Municipal de Franca (Franca, SP)
RESUMO
Este estudo dedicou-se a investigar e compreender as percepções de jovens operários do setor informal calçadista sobre o trabalho. Participaram do estudo cinco jovens, com idade entre 16 e 24 anos, trabalhadores de bancas calçadistas localizadas em um bairro tipicamente operário de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Para isso, utilizou-se a carto(foto)grafia como um dos métodos investigativos. Os próprios participantes produziram fotografias de cenas acerca do seu trabalho e falaram sobre seus significados por meio das entrevistas individual e de grupo focal, que foram gravadas em áudio e literalmente transcritas. A avaliação dos dados foi orientada pelos princípios da categorização da análise de conteúdo, e a entrevista em grupo focal foi analisada a partir de categorias formadas e nomeadas pelos próprios participantes e discutida à luz do referencial teórico-conceitual adotado. Concluiu-se então que a maioria dos participantes vive em um universo com possibilidades cristalizadas, o que os impossibilita de construir novos modos de ser e existir no mundo, alojados na alienada lógica dominante, aprisionados à subjetividade capitalística. Alguns, ainda, mesmo que sutilmente, conseguem ver novas possibilidades e tecer algum desejo de transformação.
Palavras-chave: Jovens, Trabalho, Subjetividade, Cartografia, Desenvolvimento social e humano.
ABSTRACT
This study aimed to investigate and understand the meanings attributed to work by young workers in the informal footwear sector. Five students between the ages of 16 and 24 participated in this study, all of them were workers of small footwear industries located in a typical working-class district of a city in the state of São Paulo. The carto(photo)graphy was one of the investigative methods used. The participants themselves took photographs of scenes involving their work and talked about their meanings through individual and focus group interviews that were audio-recorded and transcribed verbatim. The data evaluation was done by a traditional content analysis, and the focus group interview was analyzed from categories formed and named by the participants themselves and discussed according to the chosen theoretical-conceptual framework. It was therefore concluded that most of the participants live in a universe with very limited possibilities, what makes it impossible for them to build new ways of being and existing in the world, living inside the alienating dominant logic, trapped in the capitalistic subjectivity. Some, though, even subtly, can see new possibilities and have a desire for transformation.
Keywords: Young, Work, Subjectivity, Cartography, Social and human development.
Introdução
Com o advento da industrialização, o trabalho passou a ter uma intensa valorização, num cenário em que o indivíduo se transformou em trabalhador livre e passou a vender sua força de trabalho (Enriquez, 1999). No entanto, as transformações decorrentes nesse cenário levaram à repressão da emoção no local de trabalho e a racionalização passou a ser a principal característica do mundo dos negócios (Ribeiro & Léda, 2004).
Ribeiro e Léda (2004) apontam a racionalização no mundo dos negócios, no qual o cronômetro entra na fábrica e dita regras de convivência para uma nova sociedade, passando, assim, a existir novos valores na vida e no trabalho, que são estabelecidos por meio de horários exatos para chegar e sair da fábrica. O tempo predeterminado para executar uma tarefa e até mesmo o tempo livre e a quantidade e formas de lazer devem ainda ser adequados para não interferir na disposição e produtividade do operário. Assim, ocorre um controle das vidas privadas por meio da submissão das pessoas às regras impostas pelas fábricas. O exercício do poder disciplinar atua por meio de instrumentos comuns, como a vigilância hierárquica, que propicia controle das operações dos corpos e implica uma relação de docilidade-utilidade (Foucault, 1983).
Na década de 1980 ocorreram mudanças marcantes na história do trabalho, em que, de um lado, tecnologia, automação e robótica invadiram o universo fabril, e de outro, surgiram novos processos de trabalho que promoveram flexibilização da produção (Antunes, 1997, p. 107).
Nessa perspectiva, Cocco (2000) afirma que, com a crise do fordismo, nas economias capitalistas avançadas, as dimensões espaciais do ciclo produtivo e reprodutivo do capital foram desestruturadas. Isso acarretou um enfraquecimento no desenvolvimento das grandes fábricas tayloristas e das grandes metrópoles industriais, possibilitando o surgimento de microatividades industriais (formais e informais), que são exercidas pelos operários que emergiram dos polos de industrialização metropolitana. O autor esclarece que as novas formas de empresariado surgidas em decorrência da descentralização produtiva são caracterizadas pelo trabalho em domicílio, precário e informal, e se espalharam nos diferentes setores industriais, bem como nos terciários avançado e atrasado. Nos dois casos, as formas de conflito e as inúmeras configurações da subjetividade operária "constituíram as dimensões genéticas da rearticulação espaço-temporal da produção industrial e da emergência dos territórios das redes que caracterizam o pós-fordismo" (Cocco, 2000, p. 97).
Segundo Dejours (1997), o trabalho propicia ao operário uma maneira de afirmar sua identidade, na medida em que dá significação para a realização de suas tarefas. Isso possibilita ao trabalhador um sentimento de realização e satisfação, além do sentimento de estar incluído em um grupo. A psicodinâmica do trabalho, na visão de Dejours (1997), defende a concepção de um sujeito responsável pelos seus atos e capaz de pensar, interpretar o sentido da situação em que se encontra, deliberar, decidir e agir. Assim, com o desemprego estrutural criado pela nova forma de acumulação, tanto os que têm emprego como aqueles que o perderam sofrem intensamente. A ameaça da demissão ronda a vida daqueles que permanecem empregados e, assim, devido a certas pressões sofridas no trabalho, muitos funcionários irão inevitavelmente sofrer patologicamente.
Segundo Giacomel, Ghisleni, Amazarray e Engelman (2003), na contemporaneidade surge uma flexibilização ao próprio conceito de trabalho que não enfatiza apenas o emprego, mas considera também outros modelos de contratos, como "o serviço de terceirização, o trabalho autônomo, informal, temporário, voluntário, as cooperativas e os estágios" (p. 138). Diante desses modelos surge a importância da qualidade não somente na produção de trabalho, mas também nas relações estabelecidas por meio do trabalho, o que propicia um controle nos modos de ser e agir dos trabalhadores.
Para Foucault (1999), o poder atravessa o indivíduo por meio de todas as relações que estabelece. Assim, o poder não está centrado no Estado, mas sim entre corpos, sendo espalhado em todas as direções, afetando, de uma maneira pouco perceptível, o cotidiano do homem, produzindo, assim, mecanismos disciplinares que modelizam os corpos. Na contemporaneidade, ocorreu a mudança do modelo de sociedade, em que se deu na transição da sociedade disciplinar para a "sociedade de controle" como foi identificada por Deleuze (1992). Para esse filósofo, o poder ultrapassa os espaços esquadrinhados e demarcados e afeta o indivíduo sutilmente, por meio de um contínuo controle, o que torna o homem prisioneiro em campo aberto. Segundo Giacomel, Ghisleni, Amazarray e Engelman (2003), a sociedade disciplinar se caracteriza pela manipulação dos indivíduos como corpos dóceis, enquanto a sociedade de controle vai além da docilização dos corpos e afeta subjetividade e vida dos homens. Nessa perspectiva, o trabalhador não vivencia apenas a docilização dos corpos em momentos de rigidez e regras dentro das instituições de trabalho, mas se encontra submetido ao poder em todas as situações da vida, numa dimensão subjetiva.
Segundo Guattari e Rolnik (1986), a subjetividade é um processo que se autoproduz, que atravessa indivíduos, grupos, sociedades, coletivos, corpos e máquinas. De acordo com Giacomel et al. (2003, p. 142), "a subjetividade é igualmente produção em processo e coletividade". Por outro lado, os processos de subjetivação acabam produzindo subjetividades singulares, em alguns casos, que são desarticuladas do modelo do indivíduo dócil e submisso. Essa desarticulação dá origem, segundo Guattari e Rolnik (1986), às linhas de fuga, que são rompimentos que os sujeitos fazem com os modelos subjetivos de manutenção do status quo, produzindo, dessa forma, novos espaços de criação, outras formas de existência que redimensionam o campo social, e que, para Foucault (1998), redefinem a forma de exercício de poder.
Nessa perspectiva, Guattari e Rolnik (1986) afirmam que a subjetividade circula em diferentes graus nos conjuntos sociais, pois "ela é essencialmente social, e assumida e vivida por indivíduos em suas existências particulares" (p. 33). A subjetividade pode ser explicitada a partir da busca da compreensão dos processos de produção de desejo, que, se estagnados, podem provocar, segundo Ramão, Meneghel e Oliveira (2005), a impossibilidade da construção de novos modos de ser e existir no mundo. Para os autores, "o desejo é potência, produção e criação" (p. 80) e pode provocar singularização se o sujeito estabelecer uma relação de expressão e criação.
Quanto aos jovens no mundo do trabalho, percebe-se que estes são os principais afetados com as significativas transformações no século XXI, pois sofrem fortes impactos em sua forma de se socializar, relacionar-se com a educação e o trabalho, produzir os seus modos de vida e perceber o mundo (Raitz & Petters, 2008). Assim, muitos jovens podem ter os seus sonhos e expectativas abalados, faltando-lhes, muitas vezes, perspectivas para o futuro.
Raitz e Petters (2008) afirmam que o conceito juventude não obtém uma única definição, pois é assinalado a partir do contexto social do período que em que se vive. Assim, os sujeitos se caracterizam pela influência da sociedade em que se inserem, produzindo diferentes maneiras de existir no mundo.
Dayrell (2003) afirma que o homem se estabelece na interligação de três dimensões, biológica, social e cultural, que se desenvolvem a partir das relações estabelecidas com o outro, no meio em que se insere. Acredita, ainda, que a qualidade dessas relações é determinante para o desenvolvimento ou não das potencialidades do ser humano. Assim, o jovem vai se construindo e sendo construído como sujeito a partir desse processo e, dessa forma, torna-se "um ser singular que se apropria do social, transformado em representações, aspirações e práticas, que interpreta e dá sentido ao seu mundo e às relações que mantém" (Dayrell, 2003, p. 44). Partindo dessas concepções, torna-se importante pensar sobre a vulnerabilidade social a que o jovem está exposto.
O estado de vulnerabilidade social é produzido na conjunção da precariedade do trabalho com a fragilidade do vínculo social, sendo uma categoria capaz de descrever a situação de uma grande parcela da população brasileira. São diversos os fatores que confluem para a dissociação social. Extrema desigualdade, migração para os grandes centros urbanos, precariedade de moradia e características históricas da formação da família nuclear brasileira, em um contexto de precarização do trabalho, levam, muitas vezes, a uma situação de rupturas da participação e coesão social (Lopes, Adorno, Malfitano, Takeiti, Silva & Borba, 2008, p. 64).
Dessa maneira, os jovens ficam socialmente vulneráveis na medida em que enfrentam situações de exclusão, podendo vivenciar situações de risco e rupturas na esfera social. Essas situações geralmente acontecem com a juventude dos setores mais empobrecidos da sociedade, que são os mais dramaticamente afetados com a redução do papel do Estado nas áreas sociais, pela reestruturação do trabalho, pelo desemprego estrutural e aumento do emprego informal (Laranjeira & Teixeira, 2008).
Nesse contexto, as oportunidades de trabalho para os jovens tendem a se concentrar nas pequenas e microempresas, que são conhecidas pelas condições precárias de trabalho, além dos baixos salários, instabilidade contratual e alta taxa de demissão (Pochmann, 1998).
Martins (2001) revela em sua pesquisa que a experiência de vida dos jovens é marcada pelo trabalho, sendo que a maioria deles iniciou essa experiência precocemente. Aponta, ainda, que os homens imergem nessa realidade bem antes que as mulheres. Laranjeira e Teixeira (2008) refletem também sobre o fato de que aproximadamente 49% do desemprego nacional corresponde à faixa etária entre 15 e 24 anos, totalizando 3,3 milhões de jovens desempregados no país (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2000).
O Brasil vivencia intensos conflitos sociais, nos quais os jovens são os principais afetados. De acordo com Negri e Cocco (2005), o país está entre as primeiras posições mundiais em taxas de mortes por homicídio, sendo que nas grandes metrópoles a violência atinge a mesma proporção que a Guerra Civil colombiana. Os autores afirmam que tal violência afeta principalmente os jovens negros e pardos entre 17-24 anos (57,1%), o que reforça a vulnerabilidade social dessa faixa etária.
Segundo Pochamann (2015), ao se comparar os seis primeiros meses de aplicação dos programas de ajuste econômico entre os anos 1980 e 2015, percebe-se que a recessão de 1990 foi a mais grave na elevação do desemprego, que cresceu quase 108% em seis meses. O segundo momento mais grave se deu em razão das medidas de ajuste econômico implantadas a partir de 1999, durante a crise do Plano Real. Nos primeiros seis meses, a taxa de desemprego no Brasil metropolitano acumulou aumento de 63,2%. O autor identifica 2015 como o terceiro momento de maior intensidade na elevação do desemprego. Em apenas seis meses, a taxa de desemprego do Brasil metropolitano subiu acumuladamente 60,5%. Segundo o autor, essa porcentagem segue bem mais elevada para trabalhadores situados na faixa etária de menor idade e cresceu mais acentuadamente para os setores de atividade econômica que absorvem o trabalho doméstico (72,2%), a construção civil (54,3%) e a indústria (45,2%) (Pochamann, 2015).
Martins (2001) aponta a importância de se ter conhecimento acerca da ameaça constante do desemprego, sendo que entre 1990 e 1995, o Brasil perdeu 2,1 milhões de empregos formais, dos quais 1,4 milhão (67%) referiam-se à trabalhadores com menos de 24 anos, dados apresentados pelo Ministério do Trabalho. Para a autora, o desemprego juvenil vai se tornando banalizado na medida em que os próprios jovens vão se familiarizando com a situação, já que a média de desemprego na juventude é sempre mais alta que na população geral.
Nesse cenário, os jovens, principalmente do sexo masculino, ficam expostos a múltiplas situações de risco e por isso têm a necessidade de receber um olhar peculiar sobre suas necessidades. Sendo assim, oportunizar aos jovens espaço para expor as suas vivências e concepções acerca desse campo é de fundamental importância para a compreensão dessa realidade e elaboração de novas propostas de intervenção e políticas públicas eficazes que venham suprir as necessidades desse público. Dessa forma, este estudo foi realizado com o objetivo de compreender as percepções de jovens operários do setor informal calçadista de uma cidade do interior do estado de São Paulo sobre o trabalho.
Método
Percurso teórico-metodológico
O estudo teve início a partir da imersão da pesquisadora em um bairro periférico tipicamente operário, onde pôde se aproximar e conhecer o cenário e os atores sociais dessa realidade. Assim foi possível efetuar a contextualização do cotidiano vivido pelos trabalhadores informais, moradores desse mesmo local.
A partir desse estudo foi possível perceber e definir a problemática da pesquisa e, então, realizar uma investigação específica sobre a percepção de jovens trabalhadores com idade entre 16 e 24 anos sobre seu trabalho e seu cotidiano. Para isso utilizou-se a carto(foto)grafia como proposta metodológica, realizada por meio de entrevistas individuais e entrevista em grupo focal.
A cartografia acontece como um dispositivo que transforma a forma tradicional de fazer pesquisa em uma nova forma de produzir conhecimento, envolvendo criação, arte e implicação do autor, artista, pesquisador ou cartógrafo, desencadeando, assim, um processo de desterritorialização (Mairesse, 2003). Utilizando a cartografia como um novo modo de produzir conhecimento, Orsolin e Torossian (2008), na realização de sua pesquisa, buscaram, ainda, entrecruzá-la com a fotografia. Essa junção foi denominada carto(foto)grafia, criação dos autores em busca de um novo dispositivo de pesquisa. Para eles, a carto(foto)grafia pode ser utilizada como dispositivo de encontro, no qual coloca-se o sujeito da pesquisa a problematizar suas vivências e dar significados a elas.
Os encontros e discussão se deram por meio de entrevista individual e entrevista em grupo focal. Vaughn, Schumm e Sinagub (1996) definem as entrevistas em grupo focal como um eficaz modo de investigação das perspectivas dos sujeitos, que possibilita a aquisição de respostas referentes às suas experiências. Dessa maneira, todos os participantes do grupo necessitam ter tido experiências similares concretamente. Essa abordagem tem como objetivo promover uma discussão livre, mas que consiga atingir com profundidade o tema abordado. Os autores acreditam que esse método possibilita reflexão e interpretação dos acontecimentos, sendo assim, utilizado na investigação dos motivos latentes.
Participantes
Os participantes desta pesquisa são operários provenientes do setor calçadista de uma cidade localizada no interior do estado de São Paulo, em especial das bancas de pesponto integradas às casas e estabelecidas em um bairro periférico do município.
O número de trabalhadores pesquisados foi cinco, do setor informal, sendo eles jovens trabalhadores do sexo masculino, de idade entre 16 e 24 anos, já que esse grupo, segundo a literatura, se encontra em situação de vulnerabilidade social.
Os participantes podem ser verificados no Quadro 1:
Descrição da coleta de dados
A coleta de dados aconteceu em três etapas, sendo elas captura de imagens, entrevista individual e entrevista em grupo focal. Na captura de imagens, os participantes produziram fotografias do seu cenário de trabalho e de vida, utilizando uma máquina fotográfica analógica. Em seguida, foram realizadas duas entrevistas individuais com cada participante, nas quais se buscou investigar o significado das fotografias capturadas e sua história de vida, assim como seus sonhos, suas expectativas e seus medos. A última etapa foi a entrevista em grupo focal, que contou com a presença de três dos participantes, que vivenciaram um momento de troca de experiências e ideias, reflexões e possíveis transformações a partir da discussão das fotografias e produção de painéis com grupos de imagens, confeccionados e nomeados por eles mesmos.
Inicialmente, para a realização dessa fase do estudo, uma das pesquisadoras entrou em contato com um morador do bairro, senhor Pedro, membro ativo da Associação de Moradores do Bairro, para ter indicação de pessoas que pudessem participar do estudo, jovens do sexo masculino de idades entre 16 e 24 anos. O senhor Pedro não só indicou, mas acompanhou a pesquisadora às residências para que o convite fosse feito. Todos os jovens inicialmente convidados aceitaram participar do estudo.
A primeira reunião do grupo aconteceu na casa dos irmãos Léo e Filipe, na qual todos os participantes estavam presentes. Nessa reunião a proposta do estudo foi apresentada e esclarecida, assim como foi entregue e lido em voz alta o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e distribuídas as máquinas fotográficas analógicas, sendo que cada um recebeu a sua própria máquina. O manuseio da máquina foi explicado por um amigo da pesquisadora, que esteve presente nesse encontro.
Após sete dias, a pesquisadora buscou as máquinas fotográficas e, em seguida, revelou os filmes. Assim que as fotografias foram reveladas, foram marcadas entrevistas individuais, realizadas no local de escolha de cada participante, sendo que em dois casos foram realizadas no interior da residência, já nos demais foram realizadas na calçada, em frente à casa ou ao local de trabalho. As entrevistas se nortearam pelas fotografias escolhidas pelos próprios participantes. Assim eles puderam falar sobre as imagens que mais os afetaram, explicando o significado de cada uma delas. As entrevistas foram gravadas e literalmente transcritas para posterior análise.
Após a etapa de entrevistas individuais, foi marcada uma entrevista em grupo focal, que foi realizada na capela do bairro, com a participação da pesquisadora, de uma ego-auxiliar e apenas três dos cinco participantes iniciais. Os faltantes, trabalhadores da mesma banca de pesponto, alegaram não poder participar do grupo devido ao excesso de trabalho que os estava obrigando a estender o expediente para o período da noite.
Nesse encontro, foram colocadas sobre o chão, no centro do círculo, todas as fotos produzidas e escolhidas pelos participantes durante as entrevistas. Eles tiveram alguns minutos para olhar, tocar, fazer comentários, dar risadas. Após um tempo, foi pedido a eles que separassem e relacionassem as fotos, formando diversos agrupamentos delas. Nesse momento, a pesquisadora e seu ego-auxiliar se afastaram do centro do círculo, deixando-os à vontade para interagirem. Os jovens conversavam, davam risadas, pensavam e, após alguns minutos, apresentaram cinco grupos de fotografias.
Assim que as fotografias já estavam separadas e reunidas em pequenos grupos, a pesquisadora abriu cinco papéis pardos sobre o chão e, com a ajuda do ego-auxiliar, fixou cada grupo de fotos em uma folha de papel, formando um painel. Em seguida, cada painel foi colocado sobre o centro do círculo para que os participantes pudessem ver como um todo e discutir sobre eles. Os participantes primeiramente falaram por que haviam agrupado as fotos daquela forma, qual a relação que viam nelas e, em seguida, promoveram uma discussão acerca de suas percepções. Por fim, criaram nomes para cada grupo de fotos, que foram os seguintes: "A hora do batidão", "Matéria-prima", "Liberdade", "A crise" e "Sexta-feira".
Procedimento de análise de dados
Os dados obtidos nas entrevistas individuais passaram por uma primeira organização segundo os princípios de categorização da análise de conteúdo. Os segmentos de relatos foram separados e classificados de acordo com seu conteúdo depois de repetidas leituras das entrevistas. Em seguida, categorias analíticas foram formadas por meio de uma revisão bibliográfica sobre o assunto, enquanto as categorias empíricas foram criadas de acordo com as releituras das entrevistas (Minayo, 1996). A análise da entrevista em grupo focal foi realizada a partir da construção e nomeação de categorias elaboradas pelos próprios participantes da pesquisa. Todas as categorias foram discutidas à luz do referencial teórico-conceitual adotado.
Resultados e discussão
O estudo ocorreu em um bairro periférico tipicamente operário da cidade, sendo todos os participantes jovens do sexo masculino, com idade entre 16 e 24 anos. Todos os participantes são moradores e trabalhadores do setor calçadista informal da própria comunidade.
Dois dos participantes são irmãos e sócios-proprietários de uma banca de serigrafia, que funciona em um cômodo na própria residência, e trabalham como serigrafistas. Dois outros participantes trabalham como aparador e revisor na maior banca de pespontos que existe no bairro, construída há aproximadamente um ano, em um barracão independente da residência. O outro participante trabalha como pespontador em outra banca de pesponto do bairro, que tem os ambientes de trabalho e domiciliar fundidos. Essa realidade confirma as afirmações apontadas por Antunes (1997) e Cocco (2000), ao apontarem as transformações no mundo de trabalho, que acarretaram a flexibilização da produção, assim como o surgimento de microatividades industriais, formais e informais.
A vida da maioria dos participantes é marcada pelo trabalho, sendo que todos eles tiveram seu primeiro emprego antes dos 16 anos. Dois dos cinco jovens tiveram sua primeira experiência no trabalho ainda na infância, entre as idades de 6 e 7 anos, e os demais vivenciaram essa experiência com as idades de 14, 15 e 16 anos, o que corrobora os dados revelados por Martins (2001) cuja pesquisa mostrou que os jovens tinham sua vida marcada pelo trabalho, sendo que a maioria deles experimentara essa experiência precocemente.
Os participantes vivenciaram suas trajetórias de trabalho de diferentes maneiras, o que caracteriza o modo de perceber o mundo do trabalho atualmente. Carlos, por exemplo, passou por várias experiências em uma cidade do interior do estado de Minas Gerais, e, por fim, mudou-se para a cidade onde mora atualmente, em busca de um emprego mais vantajoso e melhores condições de vida. No entanto, a partir da visão que tem sobre as inúmeras possibilidades que existem no mundo do trabalho, não se satisfaz com a realidade vivenciada no ambiente de banca de pesponto, o que lhe faz ter expectativas de mudança e acreditar que um dia será possível realizá-la. O que mais almeja em relação ao trabalho é passar em um concurso público, seja qual for, e trabalhar com estabilidade.
Vinícius, em divergência com as experiências de Carlos, sempre esteve envolvido com o trabalho domiciliar, costura manual de sapato. Começou, ainda na infância, a ajudar sua mãe a executar os serviços. Além desse trabalho, ajudou seu pai em serviços rurais, como apanhar café, que também experimentou precocemente. Aos doze anos de idade teve a oportunidade de trabalhar em uma banca de pesponto e até aos 14 anos ainda chegava à sua casa e ia ajudar a família com a costura manual. Desde que entrou para esse ambiente de trabalho, não fez mudanças significativas, permanecendo no mesmo ramo: o pesponto. O que se pode ver é que esse é o melhor trabalho que o jovem já teve. Além disso, é compreensível a aceitação e falta de perspectiva de Vinícius, na medida em que se conhece a sua história de vida e trajetória de trabalho. Essa realidade está em concordância com a afirmação de Raitz e Petters (2008), ao apontarem a possível falta de perspectivas dos jovens por conta das transformações no mundo do trabalho. O jovem, em uma de suas exposições, mostra o seu modo de encarar suas experiências:
Eu não mudaria nada não. Eu tô satisfeito lá. Eu não tenho vontade de trabalhar em outra coisa não, mas se precisar eu vou. Porque eu já trabalhei em muita coisa, ajudando o meu pai, trabalhei de servente, capinar na roça. Se aparecer assim, e eu precisar, eu vou. (Vinícius)
Já Filipe, a princípio, vivenciou experiências de trabalho distintas do ramo do calçado, no entanto, foi esse ramo que mais esteve presente em sua trajetória de vida. No interior de fábricas de calçados, ocupou variadas funções, mas, desde quando aprendeu o trabalho com serigrafia, o faz com prazer. Há sete anos ele o realiza e há dois tem o seu próprio negócio. Além dele, outros dois amigos, com quem trabalhava com serigrafia em uma das fábricas, abriram negócios próprios, o que o incentivou. Hoje se sente feliz com as conquistas obtidas no trabalho, principalmente com a recompensa financeira, mas pretende aumentar o negócio, visando o maior lucro possível. Filipe, em todas as entrevistas, expõe seu desejo de crescimento, principalmente financeiro, e seu reconhecimento profissional, referindo-se ao seu trabalho sempre com orgulho. Isso se evidencia em uma das exposições do jovem:
Então acho legal quando a gente faz um serviço diferente, legal. Eu comento com o Léo: esse serviço ficou bom. . . Quando o serviço sai legal, bonito, você vê ele montado, tira foto, faz catálogo, entendeu? É uma coisa legal. Foi a gente que fez, né? Porque a gente vê muita gente fazendo e não fazendo bem feito. Então você vê o seu melhor que o dos outros. O mais legal é isso. (Filipe)
Embora no mesmo ambiente, Léo já encara seu trabalho de um modo diferente. O jovem vivenciou apenas duas experiências de trabalho antes de trabalhar para si mesmo, ambas em fábricas. Além de suas próprias vivências, recebeu, ainda, influência do pai, que sempre trabalhou como montador de sapato, e do irmão, que passou a maior parte do seu tempo de trabalho dentro de fábricas de calçado. Embora em locais e com funções diferentes, a família sempre esteve inserida na economia do setor calçadista. Léo aproveitou as oportunidades que lhe apareceram nesse ramo e principalmente a oportunidade de montar seu próprio negócio, no entanto, não gosta do que faz, apesar de estar satisfeito com o retorno que tem tido. Nas falas de Léo pode-se perceber o quanto pensa na recompensa e no crescimento financeiro, como mostra em uma das conversas:
Eu não gosto de trabalhar com isso. Gostar, eu gosto, porque eu ganho, claro. Claro que a gente tem que agradecer a Deus pelo serviço, por ter saúde, mas não é minha área não. . . faço porque. . . é melhor que trabalhar na fábrica. Eu só gosto de tocar. . . (Léo)
Rafael, por sua vez, tem apenas uma experiência de trabalho, na qual está há dois anos. O trabalho atualmente, para ele, é importante para suprir suas próprias necessidades e realizar suas vontades, no entanto, tem expectativas de mudança. O jovem ainda estuda e não pretende parar, pelo contrário, pensa em cursar Direito e passar em um concurso público. Portanto, pode-se perceber que o jovem não tem esse trabalho como uma profissão, mas sim como um meio pelo qual pode conquistar algumas coisas que deseja. Em uma das entrevistas Rafael explicita seu desejo:
Eu não quero isso para mim não. . . Eu queria fazer Direito e prestar para promotor, oficial de justiça. Gosto dessa área ligada à justiça. Um professor meu me falou uma coisa, que me fez pensar bastante. Ele me disse: "O homem é do tamanho do seu sonho". Se ele sonha e busca aquilo, com certeza ele vai alcançar. Acho que é isso, a gente vive uma vida de sonhos. (Rafael)
O que se observa nessas diferentes experiências vivenciadas pelos jovens trabalhadores é que é a partir delas que cada um produz o seu próprio modo de perceber e existir no mundo, como afirmam Raitz e Petters (2008), enfatizando a relevância da sociedade na formação das identidades. Portanto, a subjetividade desses trabalhadores é produzida a partir das relações estabelecidas com o mundo, como apontam Guattari e Rolnik (1986).
Aqui vale a pena dizer que o foco último dos entrevistados parece sempre ser a recompensa financeira, não havendo reflexões sobre a realização ou sentido do trabalho. Dá para fazer pontes com a subjetividade capitalística, na qual o indivíduo vê seu valor naquilo que produz dentro dos valores dominantes, ou seja, obter o poder de compra, ascender socialmente, almejando ser um cidadão consumidor.
Em concordância com Martins (2001) ao enfatizar a importância de se pensar o desemprego, é relevante apontar a angústia e o medo que surgem nos jovens quando pensam sobre essa possibilidade ou relembram as experiências já tidas nessa perspectiva. Na entrevista em grupo focal, os três jovens participantes formaram um grupo de fotografias, intitulado "A crise", no qual ficou exposto o desespero que os atravessam quando são obrigados a passar por situações decorrentes de crise. Todos os jovens participantes já vivenciaram situações assim, principalmente pela instabilidade do setor informal. Um dos participantes relata:
Esse ano foi difícil. Ele falou que ia voltar no Carnaval e não voltou. Vai dando um desespero. Eu ficava o dia inteiro à toa, escutando falação, sem dinheiro para pagar as contas. (Vinícius)
Partindo dessa realidade, pode-se afirmar que os jovens trabalhadores do setor informal calçadista são socialmente vulneráveis, na medida em que possuem um trabalho precário e vivem numa constante instabilidade de emprego, o que confirma a pesquisa de Lopes et al. (2008). Esses jovens são pertencentes à camada popular da sociedade e são dramaticamente afetados pela falta de estabilidade financeira e insegurança em relação ao seu próprio trabalho, o que reforça a afirmação de Laranjeira e Teixeira (2008), ao apontarem que os principais atingidos com as transformações ocorridas nesse universo são os jovens dos setores mais empobrecidos da sociedade.
Outro importante aspecto que os jovens abordaram durante as entrevistas foi o tempo. Para eles o tempo está relacionado a todas as atividades, às lembranças, e até aos desejos que eles têm e não podem realizá-los pela sua falta. Na entrevista em grupo focal, ao se discutir esse assunto, emergiram sentimentos relacionados com suas próprias vivências dentro do ambiente de trabalho. O grupo de fotografias no qual havia um relógio foi nomeado por "A hora do batidão", o que já evidencia os movimentos aos quais se remeteram. Para eles, o relógio significou o horário em que todos estão imersos no seu ambiente de trabalho, produzindo sem parar. Esse controle do tempo, as metas a serem alcançadas e as responsabilidades que lhe são atribuídas confirmam as afirmações de Ribeiro e Léda (2004), ao concordarem que o tempo, dentro das instituições, na medida em que é controlado e cronometrado, vai promovendo maior alienação do trabalhador. Os jovens ainda trazem a angústia de fazer sempre o mesmo serviço, os mesmos movimentos:
Eu olho pra isso dá vontade de ir embora, dá desespero. O dia inteiro mexendo com sapato. (Vinícius)
Na área de trabalhar em banca, ter que passar cola, dobrar, aí eu já não gostei. Eu não achei uma coisa legal de fazer. . . Agora isso aí é o mesmo serviço o dia inteiro, todo dia. (Filipe)
Esses sentimentos expressos pelos participantes remetem à docilização dos corpos, ao pensar-se sobre o poder disciplinar (Foucault, 1999). Dentro das oficinas de trabalho, os jovens passam o dia repetindo os mesmos movimentos, fazendo os mesmos tipos de serviço. Em concordância com a sociedade de controle de Foucault (1999), essa disciplina, muitas vezes, atravessa as paredes das fábricas e das bancas e vai para além do corpo, afetando a subjetividade dos jovens. Isso é evidente nas falas de cada um deles durante as entrevistas realizadas.
Ainda que o interior dos locais de trabalho seja ditado por regras, enquanto o tempo é cronometrado, os trabalhadores mostraram encontrar maneiras de escapar por alguns instantes de sua rotina e viver momentos de descontração. Eles relataram momentos em que criaram oportunidades para brincadeiras, ou seja, criaram linhas de fuga dentro de seu ambiente de trabalho, como são chamadas por Guattari e Rolnik (1986). Essas linhas de fuga podem ser exemplificadas pelo seguinte relato:
Quando eu trabalhava na fábrica tinha muitos momentos de descontração, fazia bagunça também. . . tinha menos porque tinha alguém olhando, né? Mas o patrão saia. . . tinha coisa que. . . só de tocar uma música de alguma coisa que tinha acontecido no fim de semana, já ria. . . só de um olhar para o outro já tava rindo. Então tem muita coisa legal que acontece na fábrica também, só que. . . Desses momentos eu sinto saudade da fábrica. . . Na banca tá todo mundo nervoso, de repente já começa a conversar, rir. Fica o dia inteiro assim. . . (Filipe)
Como se pode perceber, os próprios jovens criam modos pelos quais podem sair por alguns instantes do estrato, da regra, da rotina, e vivenciar momentos de prazer dentro do ambiente de trabalho.
A realidade apresentada pelos jovens participantes mostrou que seu modo de vivenciar, perceber e existir no mundo acontece a partir das relações que estabelecem na sociedade, de modo que a subjetividade seja produzida em processo e coletivamente. Dessa maneira, a subjetividade dos jovens é produzida, construída a partir de encontros, no registro social, como afirmam Giacomel et al. (2003) e Guattari e Rolnik (1986).
Embora os participantes sejam todos trabalhadores do setor informal do calçado e estejam dentro de uma mesma faixa etária, possuem diferentes modos de existir, na medida em que cada um possui sua própria história de vida e suas próprias experiências, nas quais houve algum tipo de encontro. Essas singularidades que lhes são próprias acontecem a partir de um processo de subjetivação, que, muitas vezes, pode resultar em saídas para o processo de docilização, e os jovens encontram maneiras de criar linhas de fuga, como afirmam Guattari e Rolnik (1986).
Pensando nos momentos em que se pode escapar ou fugir dos momentos rígidos no interior das oficinas de trabalhos, surgiu, durante a entrevista em grupo focal, um conjunto de fotografias denominado "Liberdade". Na discussão desse aspecto, os jovens trabalhadores expuseram o aprisionamento no qual o trabalho os coloca e o desejo que às vezes surge de estarem além das paredes do barracão. Esses sentimentos são explicitados na discussão:
Poder tá ali, ainda mais de dia, com um solzão desse, só se for no sábado, ou no domingo, ou no feriado. . . só a vontade de estar ali debaixo daquela árvore. É uma coisa simples, né? Mas tem muita gente que não pode tá ali. Tem gente que tá no hospital, tem gente que tá preso, tem gente que tá doente, muita gente tá trabalhando. Então pra mim significa liberdade. (Vinícius)
Pra mim um solzão desse dá uma vontade tomar uma cerveja, ir pro campo ver o jogo. (Léo)
Na pesquisa, pôde-se perceber que nem todos os participantes são capazes de refletir sobre si, suas escolhas e seus desejos. Para Vinícius, por exemplo, embora em alguns momentos são criadas linhas de fuga dentro do seu ambiente de trabalho, fica claro que ele não vive em processo de produção de desejo, o que lhe impede de pensar sobre si e criar novos modos de perceber o mundo. Léo vivencia um trabalho no qual se satisfaz financeiramente mas tem as suas vontades cristalizadas, de modo que não gosta do que faz e ainda assim não almeja transformação. Filipe, por sua vez, gosta do que faz, no entanto, coloca o lucro e a boa recompensa sempre em primeiro lugar, em suas exposições, o que, aparentemente, é somente reprodução dos valores e ideais cristalizados socialmente. Carlos e Rafael, por outro lado, já aparentam viver em contato mais próximo com o processo desejante, de modo que, mesmo no interior de uma banca de pesponto, têm perspectivas para o futuro e sonhos a serem realizados, buscando alguma realização no trabalho. Ambos acreditam que podem mudar o rumo de suas vidas e um dia fazerem aquilo que realmente gostam.
As afirmações de Ramão, Meneghel e Oliveira (2005) corroboram a realidade relatada pelos jovens, na medida em que, se não houver produção de desejo, não existe possibilidade de produzir novos modos de ser e existir no mundo.
O atual estudo revelou, ainda, que a fotografia como método investigativo permitiu que cada participante entrasse em contato com o seu próprio mundo, descobrindo e revelando um pouco de si, como aponta Silva e Koller (2002).
No entanto, para compreender as imagens captadas foi necessário o conhecimento do meio em que os participantes estão inseridos, o que reforça as colocações de Tacca (2005), ao enfatizar a importância de conhecer o campo no qual o fotógrafo está imerso. Alguns feedbacks sobre o processo vivido foram dados pelos participantes, que expuseram o sentimento de ter fotografado cenas do seu cotidiano:
Foi bom tirar as fotos. . . O que eu mais gostei foi de tirar as fotos, porque eu pensei que não ia ter do que eu tirar, e teve de várias coisas. Foi legal! (Léo)
As fotos faz a gente pensar. Tem coisas que a gente passa no dia a dia que a gente não vê, mas na hora que você tá tirando e vendo as fotos, você consegue lembrar de alguma coisa, parar para pensar. (Filipe)
Assim como as fotografias foram importantes para entrar em contato com o seu próprio universo, as entrevistas, principalmente a entrevista em grupo focal, foram essenciais para a troca de experiências e reflexão acerca de seus modos de vida. Em concordância com Vaughn et al. (1996), a entrevista em grupo focal permitiu o contato direto dos participantes, que puderam conversar informalmente e revelar aspectos profundos de si, na medida em que houve espaço para partilha, trocas, afecções e consequente reflexão.
Conclusão
A partir da pesquisa realizada, pode-se concluir que a população estudada está inserida em uma realidade procedente de transformações ocorridas no mundo do trabalho, principalmente a partir da década de 1990. Os jovens trabalham no setor informal da indústria calçadista, vivenciando condições precárias de trabalho, má remuneração e constante instabilidade de emprego, o que aponta a vulnerabilidade social a qual estão expostos. Nesse âmbito, todos os jovens já vivenciaram experiências constrangedoras em relação à falta de trabalho e demonstram medo e angústia ao relembrar as situações pelas quais passaram.
Embora os jovens estejam inseridos em um contexto informal do trabalho, as atividades realizadas, por sua vez, são atravessadas por momentos rígidos, em que se deve produzir a maior quantidade em menor tempo, o que os impede, na maioria das vezes, de vivenciar um processo de produção de desejo, e ficam estagnados no mesmo modo de vida, reproduzindo modelos. No entanto, existem ainda, dentro das oficinas de trabalho, momentos em que os jovens criam espaço para descontração, o que escapa das regras e normas instituídas e originam as linhas de fuga.
Pode-se perceber também que os jovens reproduzem as relações estabelecidas com o seu universo, portanto, cada um deles apresenta um modo de perceber e dar sentido às suas relações de trabalho. Enquanto para um o trabalho informal nesse setor é o melhor emprego que já conseguiu, para outro esse é apenas um meio momentâneo de suprir suas necessidades, pois vê outras possibilidades e tem desejo de mudança. Assim, pode-se notar o quanto a influência da sociedade está presente na subjetividade do indivíduo, especialmente do jovem, que é produzido e modelado a partir do registro social.
Imersos em um determinado campo social, são poucos os jovens que ousam questionar sobre o sentido do seu trabalho e o seu modo de vida, na medida em que o trabalho é, para eles, primordialmente um meio de sobrevivência imposto pela vida. Os jovens, de certa maneira, não puderam escolher o trabalho que realizariam, e sim aproveitaram as oportunidades que lhe apareceram, persistindo nesse caminho pela longa trajetória de trabalho. Dessa maneira, a maioria dos participantes vive em um universo com possibilidades cristalizadas, o que os impossibilita de construir novos modos de ser e existir no mundo, alojados na alienada lógica dominante, aprisionados à subjetividade capitalística. Alguns, ainda, mesmo que sutilmente, conseguem ver novas possibilidades e tecer algum desejo de transformação.
Esses dados permitem destacar a necessidade de que sejam propiciados momentos de reflexão aos jovens, nos quais possam pensar sobre si mesmos e sobre as múltiplas possibilidades de vida que podem criar. Para tanto, é fundamental que existam espaços para trocas de experiências e exposição de sentimentos, pois, dessa forma, os jovens podem ser afetados com a vivência do outro e, assim, serem capazes de revitalizar os seus desejos, dar voz aos seus anseios, enfim, tornarem-se espontâneos e criativos para, então, se tornarem agentes de transformação.
É relevante esclarecer ainda que esse é um estudo preliminar, que possibilitou conhecimento e compreensão inicial acerca de uma limitada amostra de jovens trabalhadores do sexo masculino do setor informal calçadista. Para que as questões consideradas sejam ampliadas e aprofundadas, é importante que sejam realizados novos estudos sobre o tema.
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Endereço para correspondência
elainevilioni@yahoo.com.br
danifiribeiro@yahoo.com.br
antandras@ffclrp.usp.br
Enviado em: 21/03/2016
Revisado em: 16/12/2016
Aprovado em: 16/12/2016
1 Mestre em Ciência com ênfase em Enfermagem Psiquiátrica pela Universidade de São Paulo (USP).
2 Doutora em Psicologia pela USP. Docente no curso de Psicologia no Centro Universitário Municipal de Franca (Uni-FACEF).
3 Doutor em Psicologia pela USP e docente no programa de pós-graduação em Psicologia da mesma instituição.