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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho
Print version ISSN 1516-3717
Cad. psicol. soc. trab. vol.21 no.1 São Paulo Jan./June 2018
https://doi.org/10.11606/issn.1981-0490.v21i1p33-43
DOI: 10.11606/issn.1981-0490.v21i1p33-43
ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES
O sentido do trabalho no contexto da atividade do catador de material reciclável: um estudo de caso
The meaning of labor within the context of the activity of a recyclable material collector: a case study
Maria Elizabeth Antunes LimaI,1; Indira Barreto TrindadeI,2
ICentro Universitário Unihorizontes (Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil)
RESUMO
O artigo apresenta a trajetória de uma trabalhadora que encontrou na catação de material reciclável sua própria sobrevivência e a de seus familiares. Por meio de um estudo de caso baseado no Método Biográfico, conforme foi proposto por Louis Le Guillant (2006), buscou-se apreender o sentido que essa catadora atribui ao seu trabalho. Foram realizadas entrevistas em profundidade, além de uma pesquisa documental, visando conhecer a história da associação à qual ela está vinculada. Os resultados oferecem uma maior visibilidade ao catador e ao trabalho que realiza, concluindo que, apesar de ser pouco valorizado socialmente, para além da garantia da sobrevivência, esse trabalho pode ser fonte de reconhecimento e de identidade, permitindo a emergência de novas perspectivas de vida e a projeção de um futuro melhor. Os resultados apontam ainda que a atividade de catação, embora realizada sob condições adversas, não se reduz à luta contra o sofrimento, podendo ser percebida também como fonte permanente de recriação e de novas formas de viver.
Palavras-chave: Catadores, Sentido do Trabalho, Materiais Recicláveis.
ABSTRACT
This article presents the trajectory of a worker who found hers and her relatives' survival in the collection of recyclable material. Through a case study based on the Biographical Method, within the perspective proposed by Louis Le Guillant (2006), it was sought to apprehend the sense that this waste picker attributes to her work. Several in-depth interviews were carried out, in addition to a documentary research, aiming to know the history of the association. The results of the study offer a greater visibility to the waste picker and to the work she does, concluding that, despite being little valued socially, beyond guaranteeing survival, this work can be a source of recognition and identity, allowing the emergence of new perspectives of life and the projection of a better future. The results also pointed out that, although carried out under adverse conditions, the activity of waste picking is not limited to the struggle against suffering, and can also be perceived as a permanent source of recreation and new ways of living.
Keywords: Waste Pickers, Recyclable Materials, Sense of Work.
Introdução
O trabalho tem sido tratado sob as mais diversas perspectivas teóricas que debatem entre si sobre sua importância e significado para o ser humano. Desde já, expressamos nossa adesão àquelas que consideram essa atividade como central e fundamento da própria condição humana. Desde seus primeiros escritos em torno do tema, sem jamais abandonar esta ideia, Marx já pontuava que o trabalho está no centro do processo de hominização, sendo a categoria que possibilitou o salto ontológico das formas pré-humanas para o ser social (Marx, 1971; Marx & Engels, 2007). Nessa perspectiva, somos responsáveis pelo nosso processo de autoconstrução, uma vez que, agindo sobre o meio, alteramos nossa própria natureza em uma dinâmica de transformação recíproca que converte o trabalho social em um elemento central para o nosso desenvolvimento (Marx, 1971; Marx & Engels, 2007).
Portanto, ao considerar que, por meio do trabalho, o ser humano transforma o mundo ao mesmo tempo em que cria a si próprio, o teórico alemão permitiu uma reavaliação do lugar ocupado por essa atividade na vida de cada um de nós, propondo uma nova forma de defini-la e conferindo-lhe essencialidade.
É nesta direção que Morin (2004) dirige suas reflexões, ao dizer que o trabalho integra a construção da identidade do sujeito e seu processo de socialização, determinando, em grande medida, o valor que atribui a si próprio, suas representações e o lugar que ocupa no mundo.
Por fim, entendemos que essa atividade possui um papel insubstituível no desenvolvimento da sociedade como um todo e do sujeito em particular, sobretudo, na contribuição que este pode oferecer para a formação do patrimônio histórico-cultural humano (Clot, 2006). Nesse sentido, oferece um senso de realidade, de utilidade e de pertencimento que é fundamental e não pode ser alcançado por meio de qualquer outra atividade (Clot, 2006; Overell, 2009).
No campo da psicologia, esta categoria tem sido tratada de diferentes formas, cada teórico designando-lhe um lugar na determinação dos processos de construção dos sujeitos, das formas de sociabilidade e das relações sociais. A clínica da atividade é uma dessas vertentes, sendo que um dos seus pressupostos básicos é o de que o trabalho possui uma função psicológica particular, sobretudo, ao proporcionar aos seres humanos um sentimento de utilidade que não se observa em outros contextos (Clot, 2006, 2010; Lima, 2006).
O caso que será exposto a seguir permite refletir sobre os aspectos acima. Trata-se da história de Dona G, cujo trabalho, apesar de ser desvalorizado socialmente e percebido de modo geral como algo incômodo, degradante e cansativo, tornou-se fundamental para ela ao permitir que construísse sua identidade, se reconhecesse como cidadã e descobrisse o verdadeiro sentido da sua existência.
Trata-se de uma senhora de 66 anos que, aos oito anos de idade, começou a catar papel nas ruas de Belo Horizonte como forma de sobrevivência. Ela se apresenta como semianalfabeta, ex-alcoólatra e ex-fumante, ressaltando que adquiriu esses hábitos no seu trabalho de catadora, abandonando-os graças às mudanças que ocorreram na sua vida, especialmente na forma de realizar essa atividade. Fala sobre seu passado de miséria e de extrema dificuldade, dizendo que retirava das "sobras" e dos "restos", sua dignidade, mas reconhece que só passou a se sentir realmente digna e a se perceber como cidadã após passar a fazer parte de uma associação de catadores de materiais recicláveis.
É sabido que a ocupação de catador se encontra na chamada "economia marginal", caracterizada pelas condições precárias de trabalho, com pouco ou nenhum reconhecimento da sociedade pelos possíveis benefícios que possa trazer para a limpeza pública e para o meio ambiente, de modo geral. Em decorrência disso, observa-se uma tendência dos catadores de materiais recicláveis de se organizarem em cooperativas e associações como alternativa de trabalho, renda, autonomia e reconhecimento social (Kemp & Crivelllari, 2008; Oliveira et al., 2012).
O resgate da história de Dona G. permite vislumbrar a possibilidade de realização e renascimento que o trabalho em uma associação de catadores pode proporcionar, apesar de todas as dificuldades que ele impõe aos associados. Seu caso traz elementos importantes que permitem elucidar a seguinte questão: é possível que o trabalho com o "lixo" permita resgatar o sentido da vida, proporcionando o sentimento de pertença e satisfação a um indivíduo?
Se considerarmos o que foi exposto acima, podemos pensar que é pelo trabalho que o homem se sente parte da sociedade em que vive, se autoproduzindo, desenvolvendo suas habilidades e expandindo seus limites, sem jamais permanecer o mesmo, pois, ao intervir no seu meio, modifica continuamente a si próprio. Contudo, quando esse trabalho é visto como inferiorizado, precário, exaustivo, sendo objeto de preconceitos e mal remunerado, ainda assim pode ter um sentido positivo? Apesar de tudo, ele contribuiria para o desenvolvimento de indivíduo e para o alcance de um maior equilíbrio emocional? Em suma, é possível entender o trabalho com o "lixo" como expressão de cidadania ou como forma de realização pessoal? Ao expor a história de Dona G., esperamos trazer algumas respostas a essas questões.
Percurso metodológico
Este estudo de caso faz parte de uma pesquisa mais ampla realizada junto à Asmare e serviu de base para a elaboração de uma dissertação de mestrado (Trindade, 2017). Os primeiros contatos junto à associação foram feitos por intermédio da Dona G., a quem as autoras conheceram na ocasião de uma palestra que realizou no centro universitário onde ambas atuam. O rico depoimento que ela trouxe naquele momento serviu de estímulo para a busca de um conhecimento mais profundo da sua história, em especial, do sentido que o trabalho na associação assumiu na sua vida.
O estudo de caso baseou-se em entrevistas semiestruturadas e em profundidade, realizadas mediante o consentimento da Dona G., que aceitou fornecer as informações e autorizou sua divulgação. Os encontros ocorreram na própria sede da Asmare, em um local que permitia total privacidade. Foram sugeridos, de início, alguns temas para nortear as entrevistas, no entanto, durante todo o processo, ofereceu-se à entrevistada a oportunidade de discorrer o mais livremente possível a respeito de cada assunto, além de trazer outros que julgasse relevantes. Mediante sua autorização, as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas, sendo transformadas em documentos escritos que facilitaram a organização das informações na forma de um estudo de caso. As falas foram analisadas, tanto a partir dos seus conteúdos manifestos quanto latentes, tendo sido considerados também os lapsos de linguagem, as manifestações não verbais e as ideias inacabadas.
No decorrer do processo, foi realizado também um levantamento de documentos sobre a associação e de pesquisas realizadas em torno da atividade do catador. Neste sentido, o estudo de caso foi realizado por meio de uma tentativa de articulação de dados subjetivos e objetivos, conforme a perspectiva do Método Biográfico, desenvolvida por Le Guillant (2006). Ou seja, ao mesmo tempo em que se resgatava a história da associação, realizava-se um levantamento minucioso da trajetória de Dona G., considerando todas as etapas da sua vida, desde seu nascimento até o momento atual. Os acontecimentos marcantes da sua história foram trazidos por ela e, posteriormente, realizou-se uma análise visando articular suas experiências de vida e as transformações subjetivas que vivenciou em relação ao sentido atribuído ao trabalho, à sua identidade e à compreensão do seu papel social.
Sobre o método, cabe esclarecer ainda que, apesar de algumas posições exclusivamente favoráveis ao que se convencionou chamar de "ciência do geral", considerando como cientificamente inválidos os estudos voltados para a "compreensão dos processos singulares", deve-se considerar a impossibilidade de compreensão do singular sem se remeter ao coletivo (Vieira et al, 2010). Em outros termos, propõe-se aqui que o conhecimento efetivo se expressa, sobretudo, "na concretude dos casos singulares" (Vieira et al, 2010, p. 163), sendo que a história aqui relatada reflete, em grande medida, a condição social na qual vivem os catadores e os processos de individuação que esta possibilita, expressando as concepções que prevalecem na sua categoria.
Breve história da Asmare
A Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (Asmare) foi fundada em 1º de Maio de 1990, sendo a mais antiga de Minas Gerais e uma das primeiras do Brasil. Sua origem pode ser creditada, sobretudo, ao trabalho de mobilização e capacitação dos catadores realizado pela Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte. Após a construção do primeiro galpão pela prefeitura, a organização dos catadores se consolidou, expandindo-se por vários lugares do estado de Minas Gerais e do país. Desde 2001, o Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável (MNCR) possibilitou seu reconhecimento como uma nova categoria de trabalhadores pela Classificação Brasileira de Ocupação (CBO) (Oliveira & Lima, 2018). Por intermédio de uma comissão de articulação criada naquele momento e com o apoio de outras instituições parceiras, os catadores "passaram a construir estratégias para obtenção de recursos para sua organização política e social, bem como para a estruturação dos empreendimentos e a construção de políticas públicas que assegurassem a participação desse segmento nos sistemas de coleta seletiva" (Oliveira, 2016)3.
A proposta de profissionalização dos catadores, em Belo Horizonte, surgiu após uma experiência vivida em São Paulo com a população em situação de rua, sendo esta experiência conduzida pela Pastoral de Rua. O projeto consistia, inicialmente, em incluir os catadores e suas famílias nas políticas públicas sociais, oferecendo a eles assistência social, trabalho e renda. Não havia, neste período, políticas bem estruturadas que garantissem e defendessem estes direitos, estando ausente uma preocupação do município em relação ao tratamento da questão dos resíduos sólidos. Ademais, os catadores ainda não se encontravam organizados de modo a poderem questionar as atitudes violentas do poder público e reivindicar melhores condições de vida e trabalho.
Com o passar do tempo, outros movimentos sociais se juntaram à causa, o que permitiu um início de profissionalização e uma melhor organização dos catadores. No entanto, nesse estágio inicial, os embates entre os catadores, a Prefeitura e a polícia continuaram, uma vez que ainda prevalecia a visão higienista em torno das pessoas em situação de rua, segundo a qual estas deveriam ser colocadas em abrigos ou outros espaços a fim de manter "limpo" o centro da cidade (Oliveira, 2017). Uma das estratégias de luta consistia em organizar passeatas visando sensibilizar a sociedade em torno da causa dos catadores. Conseguiu-se com essa e outras ações fazer com que a Lei Orgânica Municipal fosse alterada, orientando "a implantação da coleta seletiva com destinação dos materiais recicláveis para as cooperativas de trabalho" (Oliveira & Lima, 2018). Foi também graças a esse trabalho intenso de mobilização que se tornou possível fundar a Asmare em 1º de maio de 1990. A assembleia de fundação ocorreu no dia 27 de abril do mesmo ano no salão do Círculo dos Trabalhadores Cristãos, localizado no centro da capital. Nesse dia, dezoito catadores deliberaram pela fundação, aprovaram o estatuto social que vinha sendo discutido havia algum tempo e elegeram a diretoria, composta por cinco associados: presidente, vice-presidente, tesoureiro, vice-tesoureiro e secretário (Asmare, 2013).
Pode-se dizer, portanto, que a Asmare é fruto de um intenso processo de mobilização por meio de atos populares, caminhadas, ocupações de espaços públicos para triagem de recicláveis e ações junto à Câmara de Vereadores (Freitas, 2005). Em 1993, um ano após a criação do primeiro galpão, com a mudança do governo municipal, uma nova equipe da prefeitura, favorável ao trabalho realizado pelos catadores, elaborou e materializou o convênio entre a Asmare, a Pastoral e a Prefeitura, assegurando repasse de recursos, transporte para a coleta e vale-transporte para os associados (Dias, 2002).
A Prefeitura, por sua vez, desenvolveu importantes campanhas educativas visando divulgar o trabalho da Asmare e convocar as pessoas a separar adequadamente os recicláveis para a coleta seletiva. Elas tinham também por finalidade conquistar a simpatia do público em relação ao trabalho desenvolvido pela associação. Nesse sentido, além da Pastoral de Rua, a prefeitura de Belo Horizonte passou a ser vista como uma parceira, gerando um modelo para outros municípios (Dias, 2002).
Em 2002, foi disponibilizado um segundo galpão equipado com escritório, espaços para triagem, enfardamento, lugar de estoque dos materiais, banheiro e cozinha. Posteriormente, foram adquiridos prensas, balanças, triturador de papel e vidro (Dias, 2002). A consolidação e o crescimento da associação acarretaram resultados positivos, sendo que o número de associados aumentou progressivamente, chegando a 210 em 1997. A produção, que era de 9 toneladas em 1993, passou para 242 toneladas no mesmo ano, ou seja, sete anos após sua criação (Jacobi & Teixeira, 1997). Atualmente, ela conta com 91 associados (Oliveira, 2017), um número bem menor do que em 1997, mas a média mensal da produção é de 310 toneladas, segundo informação da Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Material Reciclável (ANCAT)4.
Apesar destes sinais de sucesso, a trajetória da Asmare tem sido repleta de dificuldades, sendo a mais recente o encerramento do convênio com a Prefeitura de Belo Horizonte, em 2014, afetando o repasse de recursos. A associação tem tentado reagir por meio de uma reorganização interna, tanto em termos econômicos quanto administrativos (Oliveira, 2017). A despeito disso, tem adquirido certa importância social, sendo vista como uma auxiliar no combate aos problemas de saúde pública e ambientais decorrentes da disposição inadequada do lixo na cidade (Santos & Silva, 2009). Contudo, uma boa parcela da sociedade ainda possui uma visão preconceituosa a respeito dessa atividade, percebendo-a como marginal e degradante. A catação de "lixo" continua a ser considerada como algo excludente, ainda que se constitua como uma possibilidade de inclusão social de uma parcela de trabalhadores. Nesse sentido, pode-se dizer que o catador de materiais recicláveis é incluído ao ter a oportunidade de trabalhar, mas é excluído pela atividade que realiza, pois trata-se de um trabalho precário, executado sob condições inadequadas, sem garantias trabalhistas, com alto grau de insalubridade e sem reconhecimento social (Barros et al., 2002).
Logo, tentar apreender o sentido do trabalho para o catador de material reciclável torna-se relevante, uma vez que se trata de uma atividade complexa, repleta de contradições e que faz parte de um "mundo em que a dimensão profissional ainda tem papel fundamental para a formação da identidade e para o bem-estar das pessoas" (Cavazotte, Lemos, & Viana, 2012, p. 165). Foi isso que nos motivou a reconstituir a trajetória de uma catadora que teve um papel fundamental na origem e consolidação da Asmare.
A história de Dona G5
Dona G. nasceu na cidade de Belo Horizonte, no aglomerado Pedreira Prado Lopes, em 1951. Ela relata que não é filha única, mas não sabe bem o número de filhos que seus pais tiveram, dizendo que todos os irmãos que nasceram antes dela morreram de desnutrição e nem chegou a conhecê-los.
Seus pais eram lavradores na cidade do Serro (MG), cidade onde nasceram, mas decidiram se mudar para Belo Horizonte na década de 1950 em busca de melhores oportunidades. Ela ficou órfã de pai aos três meses de idade, mas não sabe bem a causa da sua morte. A mãe, sem ter parentes na capital, sem moradia, sem renda e com a filha para cuidar, passou a mendigar pelas ruas da cidade.
Passaram-se os anos, mas não a condição de miséria que as duas viviam. Para sobreviver e ajudar a mãe, apesar de estar com apenas oito anos, Dona G. começou a catar papel junto com outras cinco meninas que moravam no mesmo aglomerado. Esta decisão, segundo ela, foi pelo mal-estar que sentia quando via sua mãe sendo humilhada ao pedir esmolas. Além disso, percebeu nessa atividade a chance de obter uma renda, melhorando a vida de ambas.
Apesar da penúria, considera que sua infância foi boa. Frequentava muito o Parque Municipal de Belo Horizonte para brincar e relata que pegava carona nas traseiras dos ônibus para chegar até lá. A despeito do perigo, adorava a experiência. De manhã, catava papel e, à tarde, brincava, pois não frequentava a escola.
Ela preferiu não se estender nos pormenores dessa fase da sua história, dizendo apenas que, apesar de toda a dificuldade, da falta de recursos, da discriminação que sofria e dos perigos aos quais se expôs, considera que foi um período muito bom. Da mesma forma, não se deteve nos detalhes da sua adolescência, mencionando apenas que foi nessa época que conheceu o seu marido, Sr. J. Este era um trabalhador terceirizado de uma grande empresa e o seu trajeto para o trabalho passava pelo local onde Dona G. catava papel. Ela diz que ele se aproximou com muito cuidado, tentando conversar, mas ela não lhe deu "abertura", pois o achava "muito chato e inconveniente".
O Sr. J. era bem mais velho e lhe dava conselhos para que saísse das ruas, parasse de beber, fumar e pegar carona em traseiras de ônibus. Todos esses comentários a incomodavam, pois achava que ele era atrevido ao dar palpites sobre sua vida, mesmo sem conhecê-la. Até que um dia, após muita insistência, ela decidiu aceitar seu convite para irem ao cinema. No entanto, achou melhor não ir sozinha, levando quatro amigas que também catavam papel com ela, para defendê-la, caso fosse necessário. A partir desse encontro, continuaram a sair com frequência e, aos 16 anos, foi morar com ele. Mas essa decisão não mudou seus hábitos, continuando a trabalhar nas ruas, além de beber e fumar. Ou seja, manteve sua rotina de sair bem cedo de casa e voltar ao cair da tarde, fato que incomodava o companheiro.
O relacionamento permanece até hoje, sendo que o casal já completou 50 anos de união. Tiveram doze filhos e nove sobreviveram, sendo que Dona G. sente muito orgulho por tê-los criado e educado com o dinheiro proveniente da catação de papel. Ela comenta que, inicialmente, sua preocupação era a de que não passassem fome, não se importando muito com vestimenta, calçado ou mesmo com a escola. Assim, toda a sua dedicação e esforço inicial em relação ao trabalho era no sentido de garantir que as latas de mantimento estivessem cheias e a família não passasse fome como aconteceu na sua infância.
Ela avalia que durante certo tempo, sua concepção a respeito da maternidade era bem limitada e se restringia à questão da alimentação, sendo que, somente após o nascimento da filha caçula, considera ter descoberto o sentido e a responsabilidade de ser mãe, começando a enxergar o seu papel de forma diferente. Desde então, passou a observar mais os filhos e, além de colocar o alimento dentro de casa, descobriu o "verdadeiro amor de mãe" e a importância do bom exemplo dado por ela e pelo marido. Percebeu também que a educação e a frequência à escola eram importantes, pois era o que poderia dar a eles a possibilidade de conquistar melhores condições de vida.
Assim, segundo ela, foi a partir do nascimento da filha que passou a entender melhor o seu papel de mãe e a exercê-lo de uma forma que qualifica como "verdadeira", preocupando-se com aspectos que, anteriormente, achava irrelevantes, mas que fariam toda a diferença na vida dos filhos. É nesse sentido que relata com grande orgulho que todos tiveram a oportunidade de estudar e se formar no ensino médio, estando trabalhando atualmente e com suas famílias constituídas.
A relação com a Asmare
Ao resgatar sua história, Dona G. percebe o forte entrelaçamento entre seu crescimento pessoal e a história da fundação da Asmare, pois foi a partir desse momento que, segundo ela, passou a se sentir reconhecida e verdadeiramente "cidadã". Quando menciona os momentos importantes de sua vida adulta, sempre remete à criação da Asmare, lembrando-se do trabalho que passou a desenvolver na associação, ao qual atribui um profundo significado.
No período que antecedeu a associação, ela se recorda somente das dificuldades que um catador de papel enfrentava nas ruas de Belo Horizonte, envolvendo discriminação, espancamentos, xingamentos e hostilidade por parte da sociedade ou do poder público. Relatou, inclusive, um fato que a marcou muito, quando os fiscais da Prefeitura atearam fogo em um galpão onde os catadores guardavam os carrinhos e os papelões. Ela relatou com muita tristeza esse episódio, dizendo: "a gente só queria trabalhar, ter o nosso sustento".
Foi após esse episódio e com o auxílio da Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte que os catadores começaram a se organizar, sendo que, de início, passaram a separar o lixo debaixo dos viadutos e na Praça Sete6.
Como já foi dito, foi somente em 1990 que alguns catadores, juntamente com a Pastoral de Rua, tiveram a ideia de criar a Asmare. Dona G. conta que eram muitos os envolvidos na atividade de catação à época, mas apenas aproximadamente vinte acreditaram na ideia da associação, sendo que ela se encontrava entre eles. Desde então, percebe mudanças importantes na sua visão de mundo, atribuindo todas elas à nova experiência. Isso ficou ainda mais evidente quando foi convidada para ocupar um cargo importante na associação, gerando uma grande mudança em sua vida, pois se sentiu mais forte e motivada em todos os aspectos, inclusive em interromper o uso da bebida alcoólica e do fumo. Ou seja, fazer uso dessas substâncias perdeu o sentido, já que passou a se considerar responsável pelas pessoas que aderiram ao projeto, sendo que algumas delas também eram dependentes químicas.
A partir desse momento, ela passou a atuar na gestão da associação, mas sem abandonar as atividades operacionais, que passaram a se limitar à triagem do material coletado por outros membros da associação. Aderiu também às atividades políticas, passando a defender a causa dos catadores, a participar das negociações com o poder público e a fazer uma ampla divulgação da experiência da Asmare por meio de palestras e entrevistas na mídia. Tudo isso deu uma grande visibilidade à associação e a ela própria, proporcionando a ambas um reconhecimento e respeito jamais imaginados, conforme suas próprias palavras.
Assim, após muitos anos nas ruas sendo marginalizada, excluída, sofrendo preconceito, passando por todo tipo de necessidade e sem saber explicar bem o que fazia ou qual era realmente seu papel na sociedade, a entrada para a associação provocou uma verdadeira transformação em sua vida. A partir daí, começou a ver mais sentido no trabalho que realizava e no fato de ser catadora de papel, sentindo-se socialmente aceita e se considerando como uma verdadeira "cidadã", um termo que aparece frequentemente em seu discurso. Ele se considera uma pessoa feliz agora, especialmente por ter compreendido que, por meio da associação, presta um serviço a si mesma e aos associados, mas também está sendo útil à sociedade em geral.
Ao perceber, enfim, o real sentido do seu trabalho, melhorou sua autoestima, passando a se perceber como alguém de valor e que tem um papel relevante na sociedade. O fato de passar a exercer suas atividades de forma organizada e socialmente reconhecida permitiu que recuperasse e renovasse suas esperanças.
A vulnerabilidade social à qual esteve exposta durante anos já faz parte do passado e, atualmente, ela reside em uma casa própria, situada em um bairro de classe média baixa, em Belo Horizonte. Seu trabalho é reconhecido nacional e internacionalmente, tendo sido premiada pela Ford Foundation e pela Fundação Getúlio Vargas. No ano de 1999, ganhou um prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e foi eleita, em 2009, uma das cinco mulheres do ano por uma revista da grande circulação no Brasil. Teve sua história e seu trabalho reconhecidos internacionalmente ao ser convidada pela ONU para relatar a experiência do catador brasileiro, em 1999.
Como já foi mencionado, para Dona G., seu trabalho na associação não só lhe proporcionou um meio de sobrevivência, mas lhe conferiu o status de cidadã, permitindo que fossem reconhecidos seus direitos e lhe proporcionando respeito, reconhecimento e aceitação por parte da sociedade. Segundo ela, foi por seu intermédio que passou a se sentir verdadeiramente humana e digna. Apesar de saber que o trabalho com materiais recicláveis ainda é visto por muitos com preconceito, percebe a atividade que realiza como socialmente importante, além de ocupar um lugar essencial em sua vida, conferindo-lhe identidade, direitos e a possibilidade de ter uma vida decente.
Em alguns momentos, chegou a admitir que a Asmare a resgatou da morte, dizendo que se não fosse por ela talvez não tivesse sobrevivido e não seria a pessoa que é agora. Assim, embora saiba que boa parte da sociedade ainda considera seu trabalho como degradante, Dona G. o percebe não apenas como essencial para si mesma, mas como uma atividade fundamental para a preservação do meio ambiente.
Atualmente, apesar de continuar a ocupar uma posição importante na gestão da Asmare, ela se sente tão realizada com seu trabalho que ainda continua a fazer a triagem de material e, mesmo aposentada pelo INSS, permanece na associação por amor ao trabalho e aos colegas, conforme ressaltou no seu relato. Afirma ainda que, devido à natureza da atividade, é impossível manter o local limpo e organizado, mas, embora tudo pareça "desorganizado e cheio de lixo", trata-se, na verdade, de "renda e de trabalho".
Atualmente, sua rotina consiste em chegar à Asmare por volta das 09:00 horas da manhã, realizar as atividades administrativas, em seguida auxiliar na triagem de material, fazer as refeições na própria associação e retornar à sua casa por volta das 17:00 horas.
Ao relembrar sua trajetória, prefere não se aprofundar nos detalhes a respeito do período anterior à Asmare, dando a entender que "nasceu" no momento em que a associação foi criada. Um aspecto importante é que o trabalho só adquiriu sentido para ela naquele momento, ao perceber seu valor social. É por isso que costuma frisar que não trabalha com lixo e sim com material reciclável, o que, para ela, tem os sentidos de vida, cidadania, dignidade, respeito e autoestima. Fica evidente que o "lixo" não é percebido por ela como algo inútil, possuindo, ao contrário, o sentido de trabalho e renda.
Discussão do caso
Se partirmos da perspectiva vygotskyana, o sentido se refere a uma experiência singular, sendo uma formação dinâmica, variável e complexa que tem por gênese a experiência individual, isto é, as vivências concretas e específicas de cada um na sua particularidade (González Rey, 2004; Vygotsky, 1991). Ao nos referirmos a essa questão no contexto do trabalho, o ponto de partida é o fato de que o indivíduo não age apenas sobre o seu meio, transformando-o, mas também sobre si mesmo, uma vez que o ato de trabalhar não é mera reação, mas uma espécie de filtro subjetivo que proporciona um sentido para a vida (Clot, 2006).
Sobre isso, vimos no relato de Dona G. como ela avalia seu trabalho na associação, dizendo que este não só lhe proporcionou um meio de sobrevivência, mas permitiu-lhe resgatar sua humanidade e dignidade. Por meio da sua atividade na Asmare, desenvolveu seu "poder de agir", isto é, ampliou seu "raio de ação" e seu "poder de recriação", o que lhe permitiu descobrir novos caminhos e, sobretudo, o sentimento de realização por um "trabalho bem feito", "aquele em que é possível reconhecer-se individual e coletivamente, sintonizando com uma história profissional que se persegue e pela qual cada um se sente responsável" (Clot, 2010, p. 14). Vejamos como ela mesma expressou isso:
Sinto muito orgulho do meu trabalho, sabe?. . ., sinto que sou cidadã, . . . me deu um novo sentido para a vida. Asmare foi tudo para mim! Tudo, tudo⦠é cidadania, autoestima. Se não tivesse a Asmare, eu já tinha morrido, eu ia morrer mesmo de cirrose, né? Que eu bebia muito e por causa disso eu já fui muito discriminada. Você, sem trabalho, sem moradia, você não é cidadã. . . . Sim, meu trabalho tem muita importância, pra mim e pro meio ambiente. Cinquenta quilos de papel é menos uma árvore cortada, né?. . . Porque não trabalho com lixo, trabalho como material reciclável.
Portanto, para conhecer o sentido que os trabalhadores atribuem às atividades que realizam, é preciso considerar, em primeiro lugar, a relação que mantêm com as mesmas. Só assim torna-se possível entender como a Dona G. percebe seu trabalho de forma tão positiva, enquanto boa parte da sociedade o vê como degradante. Nos termos de Clot (2010, p. 10), o sentido da atividade realizada só se efetiva quando aqueles que a realizam percebem "a relação entre os objetivos que lhes são impostos, os resultados a obter obrigatoriamente e o que é verdadeiramente importante para eles".
Assim, foi todo esse continente escondido no interior da sua atividade que, ao ser descoberto, adquiriu sentido para Dona G., levando-a a percebê-la como benéfica à sociedade e ao meio ambiente, o que é bem diferente de lidar com dejetos inúteis:
. . . . muita gente discriminava a gente, nunca pegou na minha mão, acha que aqui não é trabalho. É sim. . . . E nós estamos aqui com 250 a 300 toneladas de material/mês e é muita coisa que nós tira do meio ambiente, né? E eles não vê isso. Olha⦠cê não vê mais a garrafa pet entupindo o bueiro porque a gente cata, né? A Lagoa da Pampulha quando chovia, eu me lembro, ficava boiando uns pets em cima dela. Hoje, não boia mais. Por quê? Nós cata. Nosso trabalho é muito importante, não é lixo, é material reaproveitável. . . . Quando vem alguém aqui, eu falo: 'oh, tá preparado prá poder ver que isso aqui não é lixo?!' Isso aqui é trabalho, é renda nossa, e sempre foi, né? Não é lixo.
Por meio do seu depoimento, é possível entender a relação entre a ação do sujeito no mundo e seu processo de autoconstrução, permitindo a (re)descoberta da sua própria essência e o desenvolvimento de suas potencialidades (Vieira, Barros, & Lima, 2007):
Tenho muita autoestima hoje. Antes, não tinha, eu não era cidadã. . . . (Hoje) sei quem sou, sou cidadã. Ocê sem trabalho não é cidadão. . . . Aprendi, descobri o outro também, né? Quem é o outro? . . . Porque muita gente discriminava. . . . Eu não sabia nem quem era eu. Eu só sabia correr de polícia e beber dois litros de pinga por diaâ¦. Não sabia de nada⦠eu estava no mundo⦠eu estava vivendo no mundo, mas não sabia que mundo é esse⦠Depois da Asmare, hoje, eu sei que mundo é esse! Quem eu sou, quem é o outro. . . . Por causa do meu trabalho. . . .
Ao tentar compreender essa dimensão do trabalho, Clot (2006, p. 78) concluiu que, enquanto atividade simbólica e genérica, é também a "atividade mais humana que existe", sendo fundamental na construção do valor que o indivíduo atribui a si mesmo e ao outro. Ou seja, ele possui uma dupla significação, sendo inseparável o trabalho sobre si e aquele realizado no mundo dos outros e das coisas.
Nessa perspectiva, trabalhar envolve a capacidade de "estabelecer engajamentos", podendo perder o sentido quando não permite a realização das "metas vitais e dos valores que o sujeito extrai dos diferentes domínios da vida", pois é também um meio de "invenção dessas vidas" (Clot, 2006, p. 14). É apenas assim que ele cumpre sua função psicológica, ao permitir que se possa contribuir para a "conservação e renovação" do patrimônio construído pela humanidade. Trata-se, portanto, de uma função vital, envolvendo atividade de conservação e de transmissão, de invenção e de renovação, sendo que cada um se percebe "no interior da divisão de trabalho, simultaneamente, como sujeito e como objeto dessa conservação e invenção" (Clot, 2006 p. 51).
Considerações finais
De modo geral, as trajetórias ocupacionais dos catadores são marcadas pela precariedade, sendo que boa parte deles nasceu no campo e seu aprendizado para o trabalho consistiu nos afazeres da agricultura ou pecuária. Ao migrarem para as grandes cidades, acabam desempenhando ocupações que não exigem qualificação profissional, passando frequentemente a viver uma vida de miséria, abandono, realizando trabalhos marginais e sendo vistos com desdém pela sociedade. Nada disso parece impedi-los de buscar uma forma de inserção social por meio de um trabalho que acabou por se tornar relevante para a sociedade e para o meio ambiente (Bosi, 2008; Kirchner, Saidelles, & Stumm, 2008; Silva, 2011; Trindade, 2017).
Foi o que vimos no caso estudado, o qual evidenciou o processo de construção de sentido para uma catadora que realizava essa atividade desde sua infância. A importância do trabalho realizado pela Pastoral de Rua em conjunto com a Asmare no sentido de permitir que ela resgatasse sua autoestima foi essencial, mas tal resgate só ocorreu efetivamente graças ao seu engajamento no projeto.
Para entendermos o trabalho, seu sentido e seus impactos na subjetividade, é preciso colocar no centro da discussão o saber construído pelos trabalhadores, pois somente por meio dele teremos acesso à sua experiência. Foi por esse motivo que tentamos resgatar aqui a trajetória da Dona G. a partir do seu próprio ponto de vista, buscando entender também como ela participou na construção da história de sua vida e da sua categoria.
Mas o que ficou evidente, acima de tudo, é que a relação entre trabalho e subjetividade não é centrada exclusivamente na luta contra o sofrimento, pois o trabalho pode ser percebido também como fonte permanente de recriação e de novas formas de viver. Vimos que Dona G. conseguiu se transformar por meio da sua atividade, passando a não se ver mais como uma simples catadora e, sim, como agente ambiental. Com o passar dos anos, sobretudo a partir da criação da Asmare, seu trabalho tornou-se uma fonte inesgotável de renovação e enriquecimento da sua subjetividade.
Dessa forma, parece claro que, sob certas circunstâncias, até mesmo um trabalho pouco valorizado socialmente, para além da garantia da sobrevivência, oferece sentido à vida, confere identidade, resgata a cidadania, promove reconhecimento, respeito, oportuniza sonhos, favorece a emergência de novas perspectivas e a projeção de um futuro melhor. Enfim, ele torna possível a materialização de projetos inicialmente intangíveis, permitindo aos que o realizam o alcance de uma vida melhor.
Referências
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Endereço para correspondência
antuneslima15@gmail.com
indirabarreto@hotmail.com
Enviado em: 19/05/2018
Avaliado em: 06/11/2018
Aprovado em: 01/03/2019
1 Psicóloga, mestre em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais, doutora em Sociologia do Trabalho pela Universidade de Paris IX (Paris-Dauphine) e pós-doutora em Clínica da Atividade pelo Conservatoire National des Arts et Métiers â CNAM (Paris-França). É professora titular aposentada pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente, é professora do quadro permanente do Mestrado do Centro Universitário Unihorizontes, em Belo Horizonte-MG.
2 Assistente social, pós-graduada em gestão estratégica de negócios e em gestão estratégica de pessoas. Mestre em Administração pelo Centro Universitário Unihorizontes. Atualmente é professora da graduação e pós graduação do Centro Universitário Unihorizontes em Belo Horizonte-MG.
3 Desde então, alguns momentos importantes nesse processo foram: a) a criação, em 2003, do Comitê Interministerial de Inclusão Social de Catadores de Lixo (CIISC), renomeado, em 2010, como Comitê Interministerial de Inclusão dos Catadores de Materiais Recicláveis, cuja finalidade era a articulação de "políticas públicas de apoio e fomento ao segmento dos catadores de materiais recicláveis", além de ser o responsável pelo monitoramento do Programa Pró-Catador; b) financiamento de um projeto de capacitação dos catadores, em 2004, pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à fome (MDS), possibilitando uma melhor articulação entre os catadores, "a estruturação das bases orgânicas do MNCR em todas as regiões do país" e resultando na produção de cartilhas que "abordavam a história e os princípios do MNCR, os direitos dos catadores, as questões econômicas e tecnológicas relativas ao trabalho"; c) fundação de uma entidade representativa própria, a Associação Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (ANCAT), que passou a gerir vários projetos antes realizados por instituições parceiras, tal como a Expo-Catador, "que se constituiu como um espaço de capacitação dos catadores, de comunicação e divulgação do MNCR e de articulação com parceiros"; d) realização anual, a partir de 2002, do Festival Lixo e Cidadania, em Belo Horizonte, pelo Fórum Estadual Lixo e Cidadania de Minas Gerais e a ASMARE; e) Decreto Presidencial n° 5.940, em 2006, determinando a implantação da coleta seletiva nos órgãos públicos da esfera federal e a destinação dos recicláveis às cooperativas e associações de catadores; f) em 2010, a política nacional de resíduos sólidos (PNRS), lei n° 12.305, foi sancionada "depois de um longo processo de discussões, que durou mais de 20 anos e foi marcada por conflitos entre diversos interesses do setor privado (geradores de resíduos, importadores), setor público e catadores" (Oliveira, 2016).
4 Em 1997, existiam outros projetos, além da coleta e da triagem, o que ajuda a entender essa diferença no número de associados.
5 Conforme já foi dito, o estudo de caso foi realizado com o consentimento da Dona G., que autorizou também sua divulgação por meio deste artigo. Ela se mostrou sempre disponível a participar das entrevistas e a fornecer as informações, revelando certo orgulho pela oportunidade de relatar sua trajetória. Ademais, todos os aspectos tratados aqui são, frequentemente, expostos por ela durante as palestras que realiza, visando apresentar o trabalho da ASMARE e sua própria história, já que ambos são fortemente interligados.
6 Marco zero do hipercentro de Belo Horizonte, a Praça Sete está no cruzamento das principais avenidas da cidade (Afonso Pena e Amazonas).