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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.8 no.2 São Paulo dez. 2006

 

SEÇÃO ESPECIAL

 

Contribuições, participação, organização e representação da análise experimental do comportamento nos eventos e na organização da psicologia no Brasil: a ABPMC como condição e ponto de partida1

 

Contributions, participation, organization and representation of experimental analysis of the behavior in the events and organization of psychology in Brazil: the ABPMC as condition and starting point

 

 

Sílvio Paulo Botomé2

Universidade Federal de Santa Catarina

 

 


RESUMO

A atividade científica ocorre sob influências políticas científicas, acadêmicas e sociais. No Brasil, particularmente, o trabalho de produzir conhecimento científico depende intensamente dessas condições. As possibilidades de produzir conhecimento em Análise Experimental do Comportamento e suas decorrências, tanto científicas quanto tecnológicas e sociais, ainda estão muito limitadas por desconhecimento ou por preconceito. A organização dos analistas de comportamento, sua participação no sistema de desenvolvimento de ciência, tecnologia e ensino superior no país é uma condição importante para o desenvolvimento dessa área na psicologia. Uma organização apenas circunstancial, improvisada ou localizada em áreas geográficas ou em grupos não representativos correrá o risco de ser ineficiente e ter pouca força ou durabilidade. Organização e representação dependem de condições de representatividade. Isso tudo exige uma estrutura básica de relacionamento e de trabalho que sustentem a organização, a participação e a representatividade. Todas essas condições, por sua vez, dependem fortemente de uma progressiva capacitação e aperfeiçoamento dos analistas de comportamento, para que o desenvolvimento da AEC no país não seja avaliado apenas por quantidade de publicações, de eventos ou de participantes nos mesmos. O volume de produção e de atividade precisa expressar também um aperfeiçoamento na qualidade da produção, na formação de novos analistas, no permanente aperfeiçoamento, em uma profunda atualização dos já atuantes, na melhoria das condições de produção de conhecimento sobre o comportamento e sobre a divulgação e difusão desse conhecimento e na formação de novas gerações de psicólogos. Na primeira década do século XXI, já existem revistas, programas de pós-graduação e cursos voltados para esse conhecimento e para a atuação dos analistas de comportamento. Parece ser um bom momento para avaliar o que, historicamente, tem sido feito com as associações e tentativas de organização em âmbito nacional, regional ou local e começar um trabalho para construir uma organização, participação e representação maior da AEC no sistema de desenvolvimento de ciência, tecnologia e ensino superior no país, por mais precário que este ainda seja, ou por mais incipientes que os esforços iniciais possam ser para construir essas condições.

Palavras-chave: Análise do comportamento, Organização e política científica em análise do comportamento, Participação e representação da análise do comportamento, AEC no Brasil.


ABSTRACT

The scientific activity occurs under influences of scientific, academic and social politics. In Brazil, particularly, the work to produce scientific knowledge depends intensely on these conditions. The possibilities to produce knowledge in experimental analysis of the behavior and its results, either scientific or technological and social, are still limited by unfamiliarity or prejudice. The organization of the behavior analysts, their participation in the system of the country's science development, technology and higher education is an important condition for the development of this area in psychology. An only circumstantial organization, improvised or located in geographic areas or non representative groups will run the risk of becoming inefficient and have little force or durability. Organization and representation depend on conditions for representation. All this require a basic structure of relationship and work towards supporting the organization, the participation and the representation. All these conditions, in turn, strongly depend on a gradual qualification and perfectioning of the behavior analysts so that the development of the AEC in the country is evaluated not only by amount of publications, events or participation in them. The volume of production and activity needs to also express an upgrade in the quality of the production, the formation of new analysts, the permanent perfectioning, a deep update of the currently operating ones, in the improvement of the conditions of knowledge production on the behavior and the spreading and diffusion of this knowledge and in the formation of new generations of psychologists. In the first decade of the XXI Century, publications already exist, programs of post-graduation and courses directed toward this knowledge and the performance of the behavior analysts. It seems to be a good moment to evaluate what, historically, has been made with the associations and attempts to their organization in national, regional or local levels and to start a work to allow for more organization, participation and representation of the AEC in the system of development of science, technology and higher education in the country, regardless of how precarious it might still be or how incipient the initial efforts to construct these conditions.

Keywords: Behavior analysis, Organization and scientific politics in behavior analysis, Participation and representation of the behavior analysis, AEC in Brazil.


 

 

Na correspondência inicial dos organizadores deste debate sobre “participação, organização e representação da AEC” havia algumas considerações que parecem importantes como destaques e lembranças para orientar ou “iluminar” o que será examinado a seguir. As razões para realizar os debates indicavam a possibilidade de organizar duas “mesas-redondas” sobre organização, representação, difusão e participação da análise do comportamento na psicologia produzida e em produção no país. Foram apresentados como caracterização inicial do problema-objeto do debate de uma primeira dessas “mesas-redondas”, os seguintes aspectos: 1) há um grande desenvolvimento da produção de conhecimento em Análise Experimental do Comportamento no Brasil e da difusão desse conhecimento, 2) tal desenvolvimento requer algum tipo de organização dos cientistas, 3) e tal desenvolvimento exige a capacidade de intervir nos debates e políticas científicas para a psicologia no país. A proposta indicava, a seguir, o objetivo da “mesa –redonda”: reflexão sobre os modos de organização e de representação da análise experimental do comportamento no trabalho da psicologia no país.

Para a segunda “mesa-redonda”, de certa forma decorrência da anterior, havia uma outra constatação sobre isso tudo. O núcleo do debate estaria centrado em uma premissa: A Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental tem sido: 1) condição privilegiada de difusão da produção científica em análise experimental do comportamento e 2) condição privilegiada de proposição e coordenação de atividades em outros eventos da psicologia no país. E, a partir dessa constatação, a proposta de discussão indicou como objetivo para esta “mesa-redonda”: debater possibilidade de presença mais sistemática da ABPMC junto a entidades e foruns da Psicologia no Brasil.

É possível examinar e entender essas expressões todas (debate, reflexão, contribuição, participação, organização e representação) pelas atividades que usualmente nomeiam ou examiná-las, considerando as funções a que se referem tais expressões. Ou também, pelo que, eventualmente podem abranger a partir do núcleo conceitual que contêm. Os dois objetivos propostos referem-se à natureza das atividades (refletir e debater) e não propriamente a algum resultado específico delas, e isso possibilita várias orientações para esse debate. O que autoriza a examinar algumas necessidades (ou funções?) em torno de aspectos, talvez nucleares, dos conceitos “participar”, “organizar” e “representar” que poderiam ser objeto de reflexão e de debate como condições para aperfeiçoar os modos e os níveis de representação da análise experimental do comportamento na psicologia brasileira e a presença mais sistemática da ABPMC junto a entidades e foruns da psicologia no país. E essa será a orientação maior deste texto como uma — quem sabe? — possível contribuição para essa reflexão e esse debate proposto para a Reunião da ABPMC de 2006, na conturbada capital do país.

Para participar de tais debates, e talvez contribuir para efetivar sua função, parece necessário examinar um pouco da história de crescimento e de participação da análise experimental do comportamento na psicologia feita no país3. No começo da década de 1970, os fundadores da atual Sociedade Brasileira de Psicologia, anterior Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto, em boa parte eram pessoas próximas ou representantes dos que trabalhavam com análise do comportamento. Por isso, inclusive, uma forte preocupação com o trabalho científico em psicologia. Poucos anos depois, foi criada, em São Paulo, a Associação de Modificação de Comportamento (AMC), voltada para o trabalho de divulgação e de organização dos que se reuniam em torno dessa preocupação e com os pressupostos fundamentais da análise experimental do comportamento, pelo menos em São Paulo. Já havia uma organização própria dos Analistas de Comportamento, pelo menos daqueles que se identificavam com o nome e os objetivos da nova Associação. Um dos resultados do trabalho dos analistas de comportamento orientava o nome da Associação. Mais um tempo e vários participantes propunham que a AMC se constituísse em forum nacional e fizesse o trabalho de organização e participação da “modificação de comportamento” para uma amplitude maior no país e uma abrangência maior de contribuições na análise do comportamento. O nome da Associação enfatizava a utilização do conhecimento sobre comportamento em determinadas circunstâncias, e sua atuação era restrita a São Paulo. Surgiu, como continuação e ampliação do trabalho da AMC, uma associação nacional: a Associação Brasileira de Análise do Comportamento (ABAC). Era mais ampla nas expectativas de dedicar-se a um trabalho nacional e mais abrangente no nome. Procurava ou devia atender e acolher a todos os tipos de contribuições relacionadas à análise do comportamento, tanto no âmbito da pesquisa, inclusive a básica, quanto no âmbito de suas aplicações tecnológicas e das decorrências sociais do conhecimento sobre o comportamento e sobre os processos de sua criação ou modificação.

Nesse mesmo período, havia pessoas que trabalhavam com análise do comportamento como participantes dos órgãos de fomento e de orientação de política para o desenvolvimento da psicologia, seja no âmbito da pesquisa, seja no âmbito da profissão. Os planos de desenvolvimento da psicologia no país (ver os Planos Nacionais de Pós-Graduação na área, nas décadas de 1970 e 1980) enfatizaram a atenção a um efetivo trabalho científico e não apenas ao uso do conhecimento da psicologia produzido por outros agentes de diferentes países. Isso foi, em grande parte, também uma contribuição da análise do comportamento, embora, muitas vezes, tenha havido “escorregões” de colonização, colocando os esforços do país a reboque de determinados modelos, idéias ou iniciativas, a pessoas ou tendências não necessariamente as mais apropriadas ao estágio de necessidades e de desenvolvimento da análise do comportamento no país. O que fizemos nesse período e a partir dele? Onde ficou nossa organização, nossa participação e nossa representatividade no país com esses esforços todos? Vários analistas de comportamento participaram ativamente desse tipo de trabalho nos órgãos de fomento e de coordenação e articulação da psicologia no Brasil e isso precisa ser parte de nossa reflexão e debate hoje, ao retomarmos a necessidade de prosseguir, ampliar ou fortalecer um trabalho histórico que se iniciou com muitos de nossos colegas, há várias décadas.

A Associação Brasileira de Análise do Comportamento teve uma história peculiar. E, talvez, triste. Vários dos que a dirigiram afastaram-se dela assim que concluíram seus mandatos. Nos últimos tempos de sua existência, quatro convocações para proceder à eleição de uma nova direção tiveram apenas sua diretoria atendendo à convocação, com exceção da sempre eterna e presente professora Carolina M. Bori que, mesmo em tempos difíceis da ABAC, compareceu a essas convocações para ajudar a encontrar alternativas para a existência da Associação Brasileira de Análise do Comportamento. Terminamos sem continuidade de direção na ABAC, sendo seu último presidente responsável por sua extinção ou “desaparecimento”. Um preço caro a pagar pela participação nessa “organização”.

Nesse período, também voltava a haver uma nova mobilização em torno da criação de uma associação na mesma área. Surgia a Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, a atual ABPMC. E logo havia um engajamento na criação de uma nova entidade que poderia reunir parte dos analistas de comportamento, especialmente os voltados para a psicoterapia, agora acolhendo também os que se dedicariam à “medicina comportamental”, qualquer que fosse o significado e abrangência dessa expressão. A ABPMC fortaleceu-se progressivamente, mostrando que havia contingências provocando interesses, mobilização e disposição de participar de uma associação que reunisse os profissionais desse subcampo de trabalho em análise do comportamento. Rapidamente, as reuniões anuais da nova associação, a ABPMC, tornaram-se um sucesso, com grande volume de participação e de contribuições. A análise do comportamento, talvez impulsionada pela psicoterapia e pela “medicina comportamental”, tomou “impulso” de público e de quantidade de diferentes contribuições. Em pouco tempo, a diversidade de contribuições e de participação aumentou e ultrapassou os limites do próprio nome da Associação de Psicoterapia e Medicina Comportamental. Talvez a natureza dos trabalhos do que efetivamente seja análise experimental do comportamento exija sempre a fidelidade maior ao seu objeto – o comportamento – e menos ênfase a alguns de seus possíveis campos de atuação ou de uso do conhecimento sobre esse objeto. Isso precisa ser concebido como um permanente problema a ocupar e orientar a atenção, a reflexão e o debate ou, com freqüência, oscilaremos nos referenciais ao precisar definir os limites, a natureza e a abrangência de nossas organizações e representações. Tal preocupação está presente na repetição, nem sempre feita com precisão e clareza, das expressões “behaviorismo metodológico” e “behaviorismo radical”.

Passamos cerca de trinta e poucos anos nesses esforços. Hoje, voltamos a examinar e debater o mesmo problema, talvez num estágio diferente: o que podemos fazer para aumentar nossa participação e contribuições na psicologia do país? A pergunta também poderia ser: “o que pode ser feito para aumentar o poder dos analistas do comportamento ou de alguns analistas de comportamento no sistema acadêmico, político e científico do país?” Qual delas preferimos? Qual delas verdadeiramente está orientando os esforços por um “aperfeiçoamento” da organização e da participação da análise do comportamento na psicologia que é feita e produzida no país? Nossa participação e nossas contribuições para o país dependem mais de algumas condições que podemos criar ou alterar e talvez menos de um aumento de poder, pelo menos nesse momento da história da análise do comportamento no Brasil. Parece que o debate e a reflexão de hoje pode orientar para uma avaliação das condições que estamos criando, mesmo internamente, para a participação e contribuições da análise experimental do comportamento efetivamente acontecerem de maneira apropriada nas múltiplas instâncias em que isso for necessário e possível no país.

Parece importante, antes de tudo, ter presente a manutenção e o fortalecimento da ABPMC, o estágio mais avançado de participação e organização que tivemos no país até hoje entre os que se identificam ou se aproximam do que é conhecido como Análise Experimental do Comportamento. Mesmo que ainda seja mal ou imperfeitamente conhecido, pelo país, o que exatamente abrange ou deve receber esse nome. A análise do comportamento está em uma fase na qual, em vários lugares, os que dela se aproximam experimentam o “suave envolvimento de um modismo atraente”, mesmo sem saber exatamente o que é seu núcleo definidor e as exigências dessa maneira de trabalhar com os fenômenos ou processos psicológicos. A euforia dos congressos e a multiplicação de Jornadas e Encontros de Análise do Comportamento parecem indicar isso. Em alguns casos, a insatisfação com algumas possibilidades de conhecimento e de atuação da psicologia, até podem estar ajudando nisso, o que não nos deve deixar confiantes, satisfeitos ou animados. No entanto, este parece ser um bom momento para a análise experimental do comportamento: em vários lugares, há mais disposição e mais condições para trabalhar com o comportamento.

A necessidade de participação e de organização dos analistas de comportamento na psicologia do país é inegável. A necessidade de intervir ou de participar da proposição e elaboração de políticas científicas para a psicologia no país também é inegável - mas ainda são constatações genéricas. O problema parece estar na delimitação mais precisa de quais sejam as circunstâncias deste momento ou estágio e as possibilidades de qual passo a mais é apropriado na consolidação do que já foi construído. Não parece ser suficiente apenas mais atividades e institucionalizações que podem mais aumentar a dispersão e a fragmentação dos que trabalham com a análise experimental do comportamento ou enfraquecer o que já foi construído ou, até algum ponto, consolidado. Não parece valer a pena racionalizar concorrência e disputa e criar atenuantes desses processos comportamentais (concorrer e disputar) com nomes diversos e com razões que nem sempre dizem respeito a um efetivo aumento das condições para maximizar contribuições daqueles que tenham possibilidade de participar da construção do que receber o nome de Análise Experimental do Comportamento - principalmente como um movimento de contribuição para o desenvolvimento da Psicologia, especialmente no Brasil.

Não parece ser momento para propor novas entidades ou novas composições de entidades. Talvez seja necessário, efetivamente, fortalecer a produção de conhecimento e as experiências de valor com análise do comportamento, desenvolvendo a qualidade desse conhecimento e dessas experiências. Isso pode ser feito com participação, avaliação e difusão das contribuições de diferentes agentes e grupos de pessoas. A própria organização de pessoas que estão fazendo análise do comportamento (o que já existe no país, embora ainda seja precária) parece ser ainda desconhecida ou desconsiderada por muitos que, de alguma forma, abrigam-se sob o nome de “analistas do comportamento”. Para não estender essas considerações, é possível examinar de imediato algumas possibilidades de fortalecimento, desenvolvimento, organização, participação e difusão da análise do comportamento no Brasil que parecem ser mais especificamente necessárias na primeira década do século XXI. Talvez, especificamente, para dar maior identidade e força, até internas e no trabalho, aos que atuam com análise experimental do comportamento em qualquer âmbito a que se aplique essa denominação. A indicação de algumas possibilidades – e, talvez, necessidades – de atuação ajudarão a concretizar um pouco o que pode ser um pequeno conjunto de sugestões para todos examinarmos mais o que é possível fazer no país para fortalecer a presença, participação ou representação da análise do comportamento na psicologia brasileira.

 

1. É necessário e possível aumentar e aperfeiçoar o repertório relacionado aos comportamentos componentes da classe geral “propor políticas de desenvolvimento da análise do comportamento no país”

O que pode ser isso? Talvez precisemos examinar com mais atenção nosso repertório relacionado aos comportamentos de identificar, formular e propor diretrizes de trabalho comuns a todos para um efetivo desenvolvimento da análise do comportamento. Sem isso, e sem um repertório para fazer isso, o que significará representação ou participação de alguns em órgãos variados de gestão da psicologia no país?

Mais do que isso, parece necessário examinar nosso próprio repertório de comportamentos de manter contingências relacionadas ao que está existindo e atendendo as necessidades de desenvolvimento da AEC no país. Estamos efetivamente promovendo a análise do comportamento em suas múltiplas instâncias e tipos de trabalho com seus variados agentes? Ou estamos promovendo o que tem mais interesse de grupos, locais ou regiões? Como estamos garantindo contingências para integrar novas gerações, além de sua exposição a nossos próprios trabalhos e sua adesão ao que apresentamos e, eventualmente, propomos? Talvez seja necessário avaliar e aperfeiçoar os sistemas de interação entre nós hoje existentes e as contingências a eles relacionadas. Parece importante construir sistemas novos, mas baseados em políticas derivadas de uma boa avaliação das necessidades de aperfeiçoamento do que existe e da manutenção do que está garantindo, hoje, as contribuições importantes para o desenvolvimento da AEC no país.

Nem sequer temos, ainda e coletivamente, uma boa avaliação das bases de trabalho da AEC já existentes no país. Menos ainda uma avaliação de sua qualidade ou de contingências para mantê-las, consolidá-las, fortalecê-las, aperfeiçoá-las e difundir suas contribuições. Não seria isso um objeto de exame e de avaliação como base para a promoção de eventos de acordo com uma política de fortalecimento, aperfeiçoamento e qualidade crescente dos trabalhos de AEC? Ou bastará a demanda e a apresentação de pessoas como critério para a promoção de eventos? Como fazer isso de maneira coletiva e integrada?

 

2. Com alguma organização interna e políticas de desenvolvimento da análise do comportamento no país é importante realizar uma outra tarefa: integrar os trabalhos da AEC no desenvolvimento da psicologia no país.

Integrar os trabalhos da análise do comportamento no desenvolvimento da psicologia no país exige, de todos os analistas do comportamento, um trabalho e um repertório relacionados a avaliar e delimitar os diversos papéis (funções como contingências?) das sociedades científicas e profissionais da psicologia e das instâncias de administração ou gestão da psicologia no país e caracterizar a participação da AEC nessas várias instâncias. Sem isso a participação, presença ou representação de analistas do comportamento nessas instâncias levará a muito pouco como efetiva contribuição para o desenvolvimento do conjunto de esforços dos múltiplos agentes que se dedicam ao trabalho de análise experimental do comportamento no país. Não parece útil aumentar recursos, sua disponibilidade ou ampliar sua distribuição sem haver uma delimitação mais clara do que cabe a cada instância realizar nos seus papéis específicos, no conjunto de unidades organizativas existentes no sistema, mesmo que precário, da psicologia no país.

Não há clareza coletiva dos papéis (funções) de cada uma das instâncias e respectivos agentes envolvidos no que possa ser considerado, mesmo que imperfeitamente, a organização da psicologia no país. Isso exige uma avaliação dos papéis (novamente, funções como contingências?) das diferentes instâncias organizativas da psicologia e de nossa participação nelas: CFP, CRP´s, ANPEPP, Comissão de Psicologia na CAPES, SBP, ABPMC (geral e especialidades), SBPC e mesmo outras instâncias (como as de avaliação dos cursos de psicologia no MEC ou as comissões do CNPq). Ao participar dessas instâncias, cada um precisa ter claro de que forma pode atuar e contribuir para o desenvolvimento da psicologia em geral e da análise do comportamento de maneira específica. Hoje, porém, várias dessas instâncias organizativas até contam com a participação de analistas do comportamento que atuam sem ter o substrato de uma organização coletiva que os possa apoiar e receber deles o retorno do que está acontecendo com a psicologia e suas decorrências ou exigências para a análise experimental do comportamento. É útil ressaltar que a própria avaliação e proposição do que cabe a cada instância existente é um apoio fundamental para delas participar. Essa participação e a representação de analistas do comportamento nessas instâncias exigem uma articulação interna das instâncias organizativas da análise do comportamento. Ainda não parece haver isso como sustentação para qualquer participação ou representação em órgãos maiores do governo, o que parece ser necessário como sustentação de qualquer participante ou representante que possa estar presente nessas instâncias organizativas da psicologia no país.

A insatisfação de hoje exige propostas de mudanças viáveis e de ampliação de possibilidades de inclusão e participação. Isso, porém, exige alguma definição do que fazer em cada instância de participação possível, o que pode ser feito, desenvolvido e aperfeiçoado por analistas de comportamento nas próprias instâncias internas de organização da área. Isso parece ser uma condição para contribuir e participar de um sistema organizativo fortemente contaminado por variados interesses e participações que enfatizaram circunstâncias relacionadas a contextos particulares ou pessoas e que não parece mais constituir efetivamente um “sistema” de desenvolvimento da psicologia. Há uma dimensão política na preparação e desenvolvimento do próprio repertório de participação e representação que pode aumentar as possibilidades de haver uma dimensão mais ampla que apenas ativismo e presença nessas instâncias, sem o poder que o conhecimento dos agentes e das várias instâncias organizativas existentes pode ajudar a, efetivamente, obter.

 

3. Organização interna, políticas de desenvolvimento e integração dos trabalhos da AEC no desenvolvimento da psicologia no país precisam de uma política de comunicação entre analistas de comportamento como mais uma condição de organização, participação e representação da área.

Já temos publicações na área e próximas a ela. Não só de revistas como a Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva e a Revista Brasileira de Análise do Comportamento. Há também a publicação sustentada em grande parte pelas reuniões anuais da ABPMC (como a série Comportamento e Cognição). Além disso, aumentou muito o volume de diferentes tipos de publicações (livros de diferentes portes e em variados assuntos), alguns alocados em áreas diferentes da psicologia ou em campos variados de utilização do conhecimento e da tecnologia da análise experimental do comportamento. Esse volume, essa diversidade e a qualidade das publicações são mais do que motivo de comemoração ou de celebração. Envolve também uma exigência: elaborar uma política de publicações de AEC no país, integrando as múltiplas contribuições existentes. Ou, em outras palavras, parece necessário sistematizar a divulgação e a difusão da AEC para a psicologia no país e, em particular, para os próprios analistas de comportamento.

Os que estão envolvidos com essas publicações podem, com alguma facilidade, colocar o próprio comportamento de publicar em exame e avaliação constantes. Até por fidelidade ao termo “experimental” com parte do nome que abriga uma concepção de trabalho, parece importante que apresentemos pelo menos duas classes de comportamentos: avaliar normas e políticas das várias publicações que temos e integrar o que for possível como contribuições de aperfeiçoamento coletivo. Para isso, é possível organizar encontros de editores, elaboração de normas para publicação, políticas de publicação, de divulgação e de difusão em comum. Tais normas e propostas de políticas podem ser, inclusive, objeto de debate e avaliação coletivos nas próprias reuniões anuais da ABPMC. Os editores e conselhos editoriais podem realizar esse trabalho e, progressivamente, elaborar uma política de publicação e de acesso ao conhecimento produzido por analistas de comportamento no país, como uma condição para o desenvolvimento, a organização e a representação da área em múltiplas instâncias de participação nas quais os analistas de comportamento possam participar.

Não parece ser necessário, em curto prazo pelo menos, criar novas revistas ou tipos de publicação. Especificamente, como exemplo de algumas perspectivas de desenvolver uma política de publicação, é possível aumentar as possibilidades de publicação nas revistas atuais, com distinção entre os vários tipos de contribuições que podem ser oferecidos pelos múltiplos analistas de comportamento em diferentes estágios de desenvolvimento profissional ou em diferentes momentos de um trabalho ou em circunstâncias específicas. Relatos científicos, projetos de pesquisa ou de trabalhos, opiniões sobre algum acontecimento de interesse dos analistas de comportamento, trabalhos de iniciação científica ou profissional, notícias de interesse para a área, resenhas de obras importantes, notas técnicas, análise conceitual, sistematizações e revisões de conhecimento, textos didáticos e outras modalidades de publicação. Tudo isso poderia fazer parte das publicações existentes em seções variadas, o que possibilitaria atingir maior quantidade e diversidade de pessoas com a mesma revista, além de otimizar as possibilidades de leitores interessados na participação e aquisição desses veículos de informação de interesse para a área. A multiplicidade de contribuições em cada revista não atrapalha sua natureza científica se forem garantidas diferentes “seções” na revista com a respectiva caracterização dos variados tipos de contribuição. Ao mesmo tempo, isso parece otimizar a divulgação do trabalho dos analistas de comportamento, tanto na variedade do que fica disponível como no provável aumento de interessados que possam utilizar as informações existentes em cada tipo de publicação.

Há algumas condições que já fazem parte de iniciativas particulares e podem ser integradas como parte de uma política de publicação e acesso ao conhecimento de interesse dos analistas de comportamento. Sites e homepages de organizações já estão, inclusive, difundindo outras de organizações de outros países. Podemos fazer isso em relação a outras unidades do próprio país, criando uma rede de comunicação. As dissertações de mestrado, teses de doutorado e trabalhos de conclusão de cursos de graduação poderiam ser difundidos por meio dessas instâncias com grande possibilidade de tornar mais conhecidos e presentes os estudos de várias agências de produção e de trabalho com análise experimental do comportamento. A divulgação de eventos, de atividades, de recursos, da produção, de experiências e de informações poderia ser fortemente desenvolvida e, com isso, possibilitar um incremento nas condições para fortalecimento de uma organização de analistas de comportamento, de sua participação em diferentes instâncias e de uma representação melhor apoiada por mais informações sobre o que está acontecendo com os analistas de comportamento em diferentes lugares do país. A disponibilidade de trabalhos no sistema eletrônico pode incrementar muito o uso do conhecimento existente na elaboração de outros trabalhos, inclusive na elaboração de políticas para os que estão participando de órgãos de decisão e de representação da psicologia em várias instâncias e agências da psicologia e da ciência no Brasil. Hoje, o que acontece nesse âmbito é de iniciativa individual. Se fosse uma “política coletiva” de interação, facilitaria a participação de outras pessoas.

Mais do que criar outras publicações ou diversificar os tipos delas, talvez seja necessário e mais importante fortalecer e desenvolver as que já existem no âmbito da análise do comportamento. O risco de “pulverizar” recursos e instrumentos parece competir com a possibilidade de otimizar comunicação, participação e divulgação em relação ao que está acontecendo com a análise experimental do comportamento no país. A própria concepção das revistas pode ir além da oferta de artigos, é útil reiterar, ao provocar algumas outras contribuições dos analistas de comportamento como parte de uma política de publicações.

Para tudo isso, a condição básica parece ser alguma articulação entre os editores das revistas existentes e a elaboração de alguma política de publicação em análise experimental do comportamento. As concepções tradicionais enfatizam a concorrência e a iniciativa individual. Talvez seja possível e útil explorar outras possibilidades como condição para o fortalecimento da área no país. A organização, a participação e a representação dos analistas de comportamento, independentemente de no que ou de quanto formais forem, serão beneficiadas por essas outras possibilidades.

 

4. Organização interna, políticas de desenvolvimento, integração dos trabalhos da AEC, políticas de comunicação entre analistas de comportamento não dispensam aperfeiçoamento de instâncias organizativas dos analistas de comportamento como mais uma condição de organização, participação e representação da área.

Há uma grande diversidade de tipos de trabalho e de subáreas de investigação em vários subcampos de atuação dos analistas de comportamento já existentes no país. Isso pode ser uma indicação da necessidade de alguma organização para sistematizar isso que é feito por eles, possibilitando encontros e exames dessas várias experiências e produção de conhecimento nas várias frentes de trabalho em que estão engajados como profissionais de psicologia. Isso talvez seja uma das condições que pode propiciar algumas contingências que facilitarão o aperfeiçoamento desses tipos de atuação a partir da própria troca de informações entre os que estão realizando esses tipos de atividades.

Há pessoas trabalhando em diferentes tipos de pesquisa, desde a básica até as mais próximas à produção de tecnologia e em várias subáreas da análise do comportamento. Há analistas procurando formar novos analistas de comportamento trabalhando com ensino de graduação em vários tipos de disciplinas. Há muitos terapeutas que necessitam atualizar e aperfeiçoar suas atuações como analistas de comportamento no trabalho clínico. Há vários grupos, atualmente pelos menos uma meia dúzia, trabalhando em programas de pós-graduação, formando novos cientistas em análise experimental do comportamento. Existem, espalhados pelo território nacional, uma grande quantidade de pessoas trabalhando com vários tipos de atividades relacionadas ao comportamento das pessoas e que poderiam ser beneficiadas com oportunidades de trocar experiências, atualizar sua formação específica ou aperfeiçoar sua formação em análise do comportamento. Parece possível, com poucos recursos, realizar algumas atividades que podem fortalecer, em diferentes subgrupos de analistas de comportamento, a capacidade de trabalho de muitas pessoas.

A organização, presença e representação da análise do comportamento poderão ganhar muito se houver algum aperfeiçoamento de instâncias organizativas locais, regionais e até nacionais em quaisquer das possibilidades de atuação dos analistas de comportamento. Encontros de professores de AEC na graduação, encontro de programas de pós-graduação em análise do comportamento, cursos de atualização em terapia comportamental nos congressos da ABPMC, encontros de debates sobre experiências de formação científica de analistas de comportamento, encontros de pessoas que estejam trabalhando em diferentes subáreas do conhecimento ou em diferentes subcampos de atuação em análise experimental do comportamento são alguns exemplos de oportunidades ou instâncias organizativas que podem aumentar as condições de organização, participação e representação da análise do comportamento nas múltiplas circunstâncias em que existam pessoas atuando no país.

Encontros locais, regionais ou nacionais podem ser realizados a partir de iniciativas que surgidas nos próprios congressos e reuniões anuais da ABPMC. As diferentes experiências, dificuldades, limitações, descobertas, inovações e produções podem ser partilhadas, inicialmente a partir de simples notícias do que está sendo feito. Progressivamente, se isso for realizado de maneira sistêmica, poderemos ter, ao longo de alguns anos, maior segurança e maior qualidade na participação em diferentes instâncias de organização, participação e representação dos analistas de comportamento no país. Os programas de pós-graduação hoje existentes no âmbito da análise do comportamento poderiam ser pioneiros em organizar e trocar experiências a respeito da formação de novos cientistas e professores de ensino superior nessa área e nesse campo de atuação. Eles já constituem uma instância próxima em relação à participação política em órgãos que orientam a administração geral da psicologia como área de conhecimento e como campo de atuação profissional no país.

 

5. Além das quatro considerações anteriores sobre participação, organização e representação da análise experimental do comportamento, também podem ser criados critérios e procedimentos para um aperfeiçoamento das contribuições da AEC para o país.

Criar critérios e procedimentos para uma organização das contribuições da AEC para o país, nos próprios eventos promovidos pelos analistas do comportamento também pode auxiliar no desenvolvimento de uma presença e participação mais efetiva dos analistas de comportamento na produção e atuação da psicologia. Proposição e realização de eventos são importantes, mas também como condição de desenvolvimento, de “sustentabilidade” e de perenidade para o aperfeiçoamento de sistemas e condições de relacionamento que constituam efetivas contingências para inclusão, organização, representação e difusão do que há de melhor na AEC. Por exemplo, poderíamos ter prêmios e destaques para bons trabalhos em vários pontos de vista (inovação, descoberta, metodologia, qualidade geral, relevância etc.) nos congressos realizados e nas publicações a cada ano, tanto em âmbito local, como regional ou nacional. Títulos, como premiações, para os bons trabalhos podem ser uma forte contingência a favorecer o desenvolvimento da qualidade dos trabalhos e a indicar potenciais trabalhos a serem apresentados em instâncias mais amplas ou externas à análise experimental do comportamento como representantes do trabalho próprio da área. Isso fortaleceria, principalmente, os mais novos que já estão produzindo trabalhos de qualidade em análise do comportamento e os incentivaria a prosseguir, fortalecendo classes de respostas de produção e de comunicação de trabalhos.

Parece factível, com baixo custo e pouca dificuldade ou trabalho, organizar a indicação de contribuições em âmbito local para serem apresentadas em eventos de natureza regional, na área ou mesmo fora dela. Da mesma forma, indicar trabalhos de boa qualidade em eventos regionais para serem apresentados em eventos nacionais na área ou em eventos mais amplos da psicologia ou mesmo da ciência (como a SBPC). A participação credenciada por escolha de trabalhos em outras instâncias organizativas da psicologia (SBP, por exemplo) ou da ciência em geral (SBPC) pode ser uma excelente condição para apresentar o que constitui e realiza a análise experimental do comportamento no país. Isso também constitui uma parte da participação, organização e representação da AEC, com fortes dividendos políticos se for bem-feito, constante e de forma sistêmica. Isso, de certa forma, já é uma política de desenvolvimento ou aperfeiçoamento da AEC e de sua presença na Psicologia Nacional. Pelo menos é muito mais do que todos ficarem apenas com seus procedimentos, capacidades e iniciativas individuais, sem respaldo da área ou de algum grupo de colegas ou sem articulação ou comunicação com outras pessoas.

A maior dificuldade, se é que possa ser assim chamada, é a elaboração de critérios e procedimentos. Isso, porém, já foi feito por outras organizações e instâncias da ciência e da psicologia e não será difícil encontrar essas contribuições para começar a partir da experiência já existente. A orientação, inclusive na apresentação de critérios para apresentação de trabalhos em congressos e encontros, pode ser uma forte contingência para modelagem de repertórios progressivamente mais elaborados para a construção da análise experimental do comportamento. Os cuidados e avaliações necessários, como também as dificuldades, são apenas parte do problema e não uma razão para não se realizar nada disso, permanecendo com contingências aleatórias na construção desse repertório.

Se isso tudo for matéria para um exame das possibilidades de organização do trabalho de análise experimental do comportamento, é até possível construir um plano qüinqüenal de desenvolvimento da análise do comportamento no país. Um plano desses poderia incluir: avaliação das necessidades do país e da AEC, avaliação das necessidades dos cientistas e dos professores de AEC, além das necessidades de outros profissionais em diferentes campos de atuação na análise do comportamento: psicoterapia, outros subcampos da saúde, organização e trabalho, educação, comunidades etc. Os objetivos relacionados à superação dessas necessidades poderiam ser uma segunda parte do trabalho de construção de um plano desses. Um plano qüinqüenal também poderia indicar instrumentos, recursos (ou fontes deles) e procedimentos para realizar seus objetivos nas diferentes subáreas de conhecimento ou subcampos de atuação da análise do comportamento.

A sistematização e divulgação das principais fontes de recursos de apoio para iniciativas do trabalho de construção e desenvolvimento da AEC no país podem ser também uma parte de um plano desse tipo, facilitando a participação dos analistas de comportamento no compartilhamento dos recursos existentes para o desenvolvimento do trabalho da ciência e da psicologia. Isso tudo pode obrigar as atuais instâncias de organização a participar de um trabalho que cria condições para uma maior articulação nacional e viabiliza uma presença mais consolidada com bases fortes nos órgãos de representação e administração da Psicologia e dos recursos para seu desenvolvimento no Brasil. Uma organização nacional, integrando o que já existe, pode nascer de um trabalho desse tipo. Um nascimento que pode ser mais “natural” do que criar uma organização desse tipo a partir de um grupo ou de interesses ainda não partilhados em extensão e profundidade.

 

6. Finalizando... Já temos uma base organizacional que nos está possibilitando uma condição para participação e representação: vamos usá-la como ponto de partida para estudar, identificar e explicitar os próximos passos para nosso desenvolvimento no país, como direção e orientação de atuação para todos.

O debate e a discussão sobre instâncias de participação, organização e representação da AEC no país podem levar a muito mais do que apenas presença de alguém em instâncias de poder ou de controle no sistema existente na psicologia e na ciência no Brasil. Participação, organização e representação são nomes para processos comportamentais complexos e que exigem contingências poderosas e bem manejadas. Isso é uma forte exigência para acontecerem com conseqüências efetivas e de valor para todos os analistas de comportamento e para o futuro da análise experimental do comportamento. Assim como para o futuro das novas gerações que dependerão dela ou a utilizarão como forma de trabalho e como conhecimento para lidar melhor com as circunstâncias com as quais se defrontarão.

Nem mesmo uma sensação ou sentimento de “orfandade” por não ter representantes ou entidades para pertencer justificam pressa ou a ausência de um cuidadoso processo de construção de contingências para obter, de fato, participação, organização e representação duradouras, de valor e sustentáveis por longo tempo. Podemos construir tudo isso de forma adequada, sem necessariamente haver filiação ou “pertencimento a algo grande e poderoso”. Pressa ou insegurança e improviso (mesmo que seja pouco) podem ser desastrosos para elaborar e implementar políticas e exercer o poder de acordo com elas e com a concessão desse poder aos que dele dependerão de alguma forma.

Há, no processo de construção de participação, organização e representação muitas tentações. Uma delas: sacralizar tudo com o qual nos identificamos e satanizar o que se diferencia. Outra: simplificar algo complexo para torná-lo digerível e combinar com o que todos estão habituados a ouvir e fazer. Uma terceira tentação: subestimar a importância de todos repartirem e participarem, enfatizando a participação de alguns e a oferta dos que “sabem” para os que “não sabem”, diminuindo a probabilidade (o repertório e a capacidade também!) de escutar, de incentivar o outro no seu trabalho e de promover as iniciativas de outras pessoas. Mais uma tentação: atribuir-se um “papel importante” na participação, organização ou representação da AEC. Outra ainda: colocar o âmago dos debates, preocupações e objetivos no que “falta” e não nas possibilidades de aperfeiçoamento do que já está acontecendo e existindo. E todas essas tentações têm um perigo como corolário: criar mais “competição” por poder, recursos ou status e mais pulverizações nas condições necessárias para haver uma extensa participação, uma forte e apropriada organização dessa participação e uma efetiva representação de tudo isso que acontece nesses processos de participação de forma consistente com essa organização.

Francisco de Oliveira, um sociólogo brasileiro, indica que pode ser um desastre criar um movimento que recorre a um amálgama de conceitos rígidos para erguer muros (metafísicos) que separem e discriminem. Isso é um perigo em qualquer tentativa de participação, organização e representação como palavras de ordem genéricas e que podem tanto servir a uma elitização de grupos quanto a uma efetiva partilha do que existe como patrimônio de uma coletividade. Ele destaca que um programa político precisa ter objetivos claros e precisos (e, portanto, avaliáveis!) e procedimentos para atingi-los por etapas (ou metas), e isso precisa ser feito não para “caracterizar ou promover tribos” ou garantir o ingresso em “nichos de poder”, de status ou de benesses outras. De outra perspectiva, também não interessa transformar alguns conceitos como esses (participar, organizar e representar) em uma “moda” circunstancial a ser imediata e rapidamente adotada e seguida para produzir um efeito um tanto alucinógeno de sentir-se bem, forte ou “pertencente” ou de “não estar só”. Desse jeito, sempre será preciso cuidar da suposição de um eterno (e nebuloso) conflito com os diferentes...

Muitas vezes um conflito quase apocalíptico e urgente a favorecer a criação de agrupamentos que se autodefinem e delimitam por afinidades, sacralizando ou supervalorizando os próprios referenciais, satanizando ou desqualificando os “diferentes” e facilitando ou favorecendo preconceitos, estilos, tipos de discurso e preferências sobre algo de interesse. O que pode acontecer com a análise do comportamento ou com qualquer tipo de trabalho, conhecimento ou procedimento realizado sob seu nome. Tudo isso, para ser evitado, exige a maximização das interações de maneira minimamente orientada por alguns referenciais importantes para a coletividade de analistas do comportamento.

Acatar e definir-se por adesão a rótulos? Para pertencer a um “círculo de eleitos”? Não parece valer a pena... Muitas vezes ou em muitas circunstâncias, por exemplo, pertencer ao Behaviorismo Radical virou obrigatório... e muitos de nós nem sequer tem clareza razoável sobre o que significa esse “pertencimento”, principalmente nas suas decorrências comportamentais ao lidar com os fenômenos com os quais se defronta e com o conhecimento existente ou acessível. Aderir a consensos fáceis sempre traz consigo o perigo de criar hegemonias e dificultar a avaliação do que acontece. Houve tempos em que as religiões eram acusadas de serem “ópio do povo”. Hoje, os diferentes tipos de hegemonia, fechamento e segregacionismo também podem ser “alucinógenos” e criar a impressão de estarmos certos, ficarmos seguros, sermos fortes... Congressos, reuniões, quantidade de pessoas e de trabalhos, aparências pomposas ou simbólicas podem ter esse efeito também sobre analistas de comportamento. E isso tudo não parece ser bom passar despercebido ou sem uma constante e atenta avaliação.

Podemos debater, examinar, avaliar as necessidades e o que temos e construir ou aperfeiçoar um sistema de participação, organização e representação para a AEC no país. Ou podemos propor e defender instâncias isoladas, eventuais e até concorrentes com o que existe dentro e fora do que entendemos por AEC. Os próprios nomes existentes no passado para nomear as instâncias de organização e representação que criamos, várias vezes mudaram por não caracterizar nossas necessidades e as funções de nossas organizações (AMC, ABAC, agora ABPMC, assim como a SPRP virou SBP). Nem sequer debatemos e avaliamos, até hoje, os critérios ou circunstâncias que levaram a essas mudanças e no que elas efetivamente auxiliaram nas contribuições da AEC para o país e para a psicologia. Talvez seja útil aperfeiçoar nossas instituições aos poucos, mudando-as naquilo que for essencial, sem perder o que já conseguimos, bem ou mal, construir. Substituir entidades ou instituições ou criar concorrências, mesmo que fortuitas, não parece ser coerente com as condições que existem. Ainda temos que cuidar para não repetir os erros do passado ou de outras instâncias de organização e participação de cientistas e profissionais no país. Sempre há o risco de promover “lideranças vaidosas” mais do que “promover lideranças de valor”, especialmente as novas. Se tal risco não for cuidado, as decorrências podem ser fatais para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da AEC.

Salientamos que, apesar da forte relação das palavras “participação”, “organização” e “representação” com os cargos e instâncias de administração das agências que regulam a atividade dos pesquisadores e psicólogos, preferimos examiná-las em um âmbito mais abrangente de significados incorporando condições – e contingências – que se relacionam com aspectos maiores abrangidos por essas palavras: os processos comportamentais dos analistas de comportamento e os aspectos que constituem cada elo desses processos, tanto no que diz respeito ao que precisa ser considerado como condição ou situação antecedente, quanto ao que deve resultar desses processos, sem esquecer a explicitação também das classes de respostas que, eventualmente, possam fazer parte importante dessas relações comportamentais. A ABPMC parece ser uma excelente base, já construída, para realizar tudo isso. Que ela seja mais do que promotora de eventos e construa algumas condições para orientar o desenvolvimento da qualidade da produção, da participação, da organização e da representação dos analistas de comportamento na psicologia que é feita no Brasil.

É inegável que a produção de contribuições da análise experimental do comportamento cresceu. Em volume é evidente e já temos os dados. Quanto cresceu em qualidade proporcionalmente a essa quantidade ainda não sabemos. Sem dúvida, aperfeiçoar os processos e procedimentos de participação, de organização e de uma efetiva representação da AEC nas diferentes instâncias de articulação científica, profissional e social importantes, internamente para o desenvolvimento da AEC, menos internamente para contribuir com a psicologia e, externamente, para ajudar o país a desenvolver-se integralmente, é uma tarefa importante e necessária. As características desses processos e da construção das condições para que eles ocorram ainda parecem ser muito pouco conhecidas por nós, coletivamente. Mas, parece que é exatamente nisso que estão o desafio e a beleza da tarefa de construção de uma nova fase para o desenvolvimento da análise do comportamento no Brasil. Tomara que tudo isso seja, de fato, alguma contribuição para o país e para o desenvolvimento da psicologia e da ciência necessárias para nossa gente.

Nota - Este texto, originalmente era uma exposição na Reunião Anual da ABPMC, em Brasília, no ano de 2006, que não foi apresentado na integra naquela ocasião. Agora, há nele várias mudanças para adaptá-lo a um texto a ser publicado, embora ainda seja mantido um tom coloquial mais próximo a uma exposição direta a um público próximo e imediatamente interlocutor. Não citamos referências, mas, sem dúvida, o que está apresentado neste texto é fruto de contribuições e experiências vividas e partilhadas, ao longo de vários anos, com muitas pessoas a quem o autor deve a gratidão por uma preciosa base que possibilitou elaborar o que está escrito.

 

 

1 Texto escrito para ser apresentado na mesa redonda sobre “Relações da ABPMC com Outras Entidades" como parte dos debates sobre “Participação, organização e representação da AEC” na psicologia, durante a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, em Brasília (DF), em setembro de 2006.
2 Departamento de Psicologia da UFSC. E-mail: botome@cfh.ufsc.br
3 Alguns dados concretos sobre a participação da Análise do Comportamento na organização da Psicologia no Brasil e a importância de um debate sobre isso estão expostos, de maneira muito clara, no texto de Emmanuel Zagury Tourinho neste mesmo número da Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva.