Services on Demand
article
Indicators
Share
Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
Print version ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.9 no.2 São Paulo Dec. 2007
ARTIGOS
O comportamento verbal de Skinner: funções do citar em Verbal Behavior1
Skinners verbal behavior: functions of quoting in Verbal Behavior
Elizeu Borloti2
Universidade Federal do Espírito Santo
RESUMO
Verbal Behavior (VB) foi o mais importante trabalho de Skinner. Auto-análises genéricas do comportamento registrado no VB aparecem em seus trechos finais e em outros livros do autor. Este artigo descreve as funções de duas subclasses específicas de episódios de citar com transcrição de texto de outro autor emitidos por Skinner em VB. Trata-se de pesquisa histórica do VB como registro do comportamento verbal de Skinner. Da descrição geral do citar com transcrição, fez-se uma análise funcional das subclasses por sua moldura autoclítica, segundo a hermenêutica comportamental: método que instrui uma descrição dos controles sobre o interpretar. São informadas as variações formais-funcionais das subclasses: estímulos verbais acurados evocaram o citar argumentativo (emitido com autoclíticos descritivos) e os não acurados, o contra-argumentativo (emitido com qualificadores de negação e/ou manipulativos). Apesar da dificuldade em discriminar todos os controles do interpretar, o artigo mostra a consistência funcional de alguns dos artifícios de persuasão da retórica skinneriana.
Palavras-chave: Análise funcional de citações, História da psicologia, Comportamento verbal, Autoclítico.
ABSTRACT
Verbal Behavior (VB) was the most important Skinners work. Generic self-analysis of the behavior registered on VB appears in its final parts and in others of the authors books. This paper describes the functions of two specific under-classes of quoting episodes with transcription from other authors text emitted by Skinner on VB. It deals with a historical research of the VB as the register of Skinners verbal behavior. From the general description of quoting with transcription, it establishes a functional analysis of two distinct under-classes by its autoclitic frame, according to a behavioral hermeneutics: a method that instructs a description of the controls on the interpretation. The formal-functional variations of quoting are informed: accurate verbal stimuli evocated the argumentative quoting (emitted with descriptive autoclitics) and the non-accurate, the counter-argumentative ones (emitted with manipulative and/or negation autoclitics). Despite of the difficulty in discriminating all controls on the interpretation, the paper shows the functional consistency of some the devices of persuasion in the Skinnerian rhetoric.
Keywords: Functional analysis of quoting, History of psychology, Verbal behavior, Autoclitic.
Verbal Behavior (VB, Skinner, 1957) é, segundo Skinner (1978), o seu mais importante livro. Dougher (1993) considerou-o como a mais ambiciosa e compreensiva tentativa de uma análise contextualística do comportamento verbal (p. 216). De modo geral, o livro registra o que Skinner fez ao escrevê-lo: Eu acredito que meu comportamento ao escrever Verbal Behavior, por exemplo, foi precisamente o tipo de comportamento que o livro discute (Skinner, 1967/1970, p. 16).
Talvez por esta importância, muito se falou do VB em resenhas críticas (Bradbent, 1959; Chomsky, 1959; Dulaney, 1959; Farrell, 1960; Gray, 1958; Jenkins, 1959; Krasner, 1958; Mahl, 1958; Morris, 1958; Neimark, 1960; Osgood, 1958; Peel, 1960; Solley, 1958; Tikhomirov, 1959; Zehrer, 1959). Falaram especificamente do capítulo 18 (O comportamento verbal lógico e científico, Schnaitter, 1980), dos autoclíticos (Borloti, 2004; Catania, 1980), das condições históricas da escrita do livro e das extensões das suas análises (Day, 1980; Knapp, 1980), de problemas em certas partes (Place, 1981a, 1981b, 1982, 1983), de equívocos na compreensão do objeto que o livro analisa (Lee, 1984), da sua influência nas pesquisas empíricas (McPherson, Bonem, Green, & Orborne, 1984), do conceito de tato (Place, 1985), de erros e omissões nas referências bibliográficas (Morris & Schneider, 1986), da sua influência na lingüística (Andresen, 1990), das opiniões dos seus resenhistas (Justi & Araujo, 2004; Knapp, 1992; McCorquaodale, 1970) e da sua atualidade (Abib, 1994). Entretanto, o registro de respostas específicas no VB em especial o citar não foi analisado de um modo analítico-comportamental (Borloti, 2003).
Morris e Schineider (1986) chegaram a fornecer uma lista das referências bibliográficas usadas no VB dizendo que ela poderia mostrar algumas sugestões iniciais do material filosófico, científico e literário que pode ter agido como variável controladora na modelagem e manutenção da análise de Skinner do comportamento verbal como um todo (p. 40). Mas essa lista está incompleta, pois apresenta apenas as obras referenciadas nos rodapés de algumas páginas (citações formais) e as que não foram referenciadas e, no entanto, o nome dos seus autores aparece no index (citações informais).
Até mesmo as informações dadas por Skinner no próprio livro, dos controles sobre o escrevê-lo, parecem ser incipientes: na página 11 ele disse que ao escrever nenhum esforço foi feito para fazer um levantamento da literatura relevante (Skinner, 1957, p. 11) e, na página 454, disse que a busca das fontes de estímulos verbais para a composição do VB foi um processo iniciado em tempos muito remotos quando ainda era graduando de Letras na Hamilton College (Coleman, 1985). Por falta desse esforço, talvez, a descrição que ele fez dessas fontes é genérica:
Para começar, eu me expus a uma grande quantidade de material do campo do comportamento verbal. Isto foi o resultado de um interesse crescente pelo campo, interesse que surgiu de outras circunstâncias muito remotas para afetar o presente campo. As centenas de livros e artigos que li não foram uma exposição direta ao assunto comportamento verbal em si mesmo, mas geraram tendências verbais em relação a ele, tendências que revelam uma variedade enorme e uma inconsistência fabulosa. Eu também li livros, não pelo que eles diziam sobre o comportamento verbal, mas como registros do comportamento verbal. (Skinner, 1957, p. 454).
De modo a apresentar elementos funcionais específicos para somarem-se a esta descrição genérica, o objetivo deste artigo é descrever a função de duas subclasses de episódios de citar (tateadas como citar argumentativo e contra-argumentativo), nas quais Skinner reescreveu sentença(s) retirada(s) dos textos dos autores que citou. Assim, na primeira seção, é descrito o método empregado no alcance deste objetivo. Na segunda, como o resultado, há uma classificação funcional dessas duas subclasses de citar, depois de descritas suas formas. Partindo de dados do texto do VB e de seu impacto sobre o pesquisador, como leitor, cada classe analisada foi tateada a partir da discriminação de sua moldura autoclítica fundamental.
Segundo Borloti, Iglesias, Dalvi e Silva (2008, p. 105), os autoclíticos são os processos envolvidos no estilo verbal, aquilo que interessa aos estudiosos da Retórica. Por esta razão, optou-se pela descrição funcional de parte do discurso de Skinner aquela contendo o citar a partir da análise dessas unidades, uma vez que elas dependem dos operantes básicos escritos no VB e, portanto, explicam os arranjos especiais que Skinner fez nesses operantes durante a sua auto-edição, iniciada na década de 30 (Borloti, 2003).
Em suas funções, os autoclíticos emitidos por Skinner modificam os efeitos desses operantes sobre o leitor do livro (Catania, 1998; Skinner, 1957) ao: 1) informar sobre os tipos de operantes escritos no contexto do citar; 2) descrever o estado de força da emissão desses operantes nesse contexto; 3) descrever as relações entre esses operantes e os operantes escritos pelo autor citado; 4) descrever a condição emocional ou motivacional de Skinner ao escrever; 5) descrever que o que o leitor lerá deve produzir o mesmo efeito do que acabara de ler; 6) qualificar os operantes emitidos pelo autor citado de modo a alterar a direção ou a intensidade do comportamento do leitor; 7) instruir o leitor a arranjar e relacionar suas reações ao que escreveu o autor citado do modo como Skinner julgou mais adequado; 8) indicar ou a propriedade da escrita de Skinner ou as circunstâncias responsáveis por essa propriedade; 9) instruir o leitor a compor uma leitura com propriedades específicas; e 10) impelir o leitor a comportar-se de um modo particular, de acordo com as relações entre os operantes básicos escritos por Skinner no contexto do citar.
A relevância deste tipo de análise pode ser apontada por algumas de suas propriedades. Conforme dito, o alvo da análise é um livro importante para a Análise do Comportamento; um livro considerado difícil de ler pelos próprios analistas (Day, 1980) e erudito, por alguns críticos (Solley, 1958; Neimark, 1960). Além disso, este tipo de análise é raro na Análise do Comportamento: desde que o VB foi publicado, em 1957, muito tempo se passou para que os pesquisadores usassem as categorias funcionais lá descritas (McPherson et al., 1984), especialmente a categoria autoclítico e seus subtipos, tidos como de difícil discriminação dado a causação múltipla (Borloti, 2004) que torna complexo o controle de estímulo atuando sobre elas (Skinner, 1957, p. 147).
Ainda, esta análise pode permitir vislumbrar o matiz do behaviorismo radical na análise do discurso, método amplamente usado em pesquisas qualitativas na Psicologia e nas Ciências Sociais. A análise pode ser considerada uma estratégia comportamental de compreensão do que se chama discurso (Borloti et al., 2008) e pode, assim, contribuir com as pesquisas historiográfica e social.
Sob o enfoque da Análise do Comportamento, um documento histórico escrito é produto do comportamento verbal de seu autor. Nisto, duas premissas comportamentais sobre a História são adotadas e tornam este artigo relevante: 1) a investigação histórica não lida nem com os eventos passados e nem com a relação entre esses eventos e seus documentos; lida com a interação do pesquisador com os registros verbais desses eventos de modo a, assim, se dissertar uma história (Parrot & Hake, 1983, p. 123). 2) O relato dessa história é o efeito geral que o produto verbal produz no repertório do pesquisador; uma história emerge quando o pesquisador descreve esse efeito (Skinner, 1957, p. 452).
Outra contribuição deste artigo pode ser para um método de estudo tradicional chamado análise de citações, o qual foi tratado diferente aqui. Como método de pesquisa em História da Ciência, a análise de citações avançou ao considerar uma citação como uma variável dependente no estudo das relações entre referências, autores e disciplinas do conhecimento. Garfield (1979) sugeriu que a análise de citações seria útil como método porque forneceria uma visão funcional da característica acumulada do conhecimento científico. Entretanto, Skinner disse que, ao escrever VB, não quis cobrir o acúmulo da literatura relevante sobre o fenômeno verbal, pois a julgou tradicional. Mas, inevitavelmente, citou autores e obras que julgou relevantes por outras razões. Portanto, a análise de citações, para ser pragmática, precisa descrever a função das citações relacionadas tanto à acessibilidade que Skinner teve a um autor (McPherson et al., 1984), quanto à visibilidade desse autor no contexto social da escrita do VB (Smith, 1981).
Em termos gerais, este artigo descreve uma maneira de fazer análise funcional de texto (de ficção ou de não ficção) ou de discurso, um desafio que já fora apontado no final dos anos 90 por alguns analistas de comportamento (Knapp, 1998; Leigland, 1998; Mabry, 1998; Michael, 1998; Schlinger, 1998; Sundberg, 1998).
Método
O registro verbal ou o documento escrito que forneceu os dados verbais para este estudo foi o VB, considerado como documento primário ou fonte primária. Outras fontes secundárias foram usadas: autobiografias de Skinner (1967/1970; 1979), o texto escrito por Skinner (1948) para as Conferências William James (de fato, o manuscrito preliminar do VB) e os sumários dos trabalhos citados no VB.
O comportamento de interesse ou o dado, propriamente dito é o citar autores e obras ao longo do texto do VB, focado pela sua forma e função básica. O citar foi escolhido porque muitas das citações, especialmente as literárias, tornam o VB uma obra científica erudita (Solley, 1958, por exemplo, achou-o excêntrico e Neimark, 1960, identificou em suas páginas um forte ranço de esnobismo intelectual).
Etapas do procedimento
Etapa 1: os episódios do citar foram discriminados durante a leitura do VB sob controle verbal da sua descrição: qualquer forma de referência a autor(es), obra(s), passagem(ns), palavra(s) ou personagem(ns) de obra(s), com o propósito de referir ou transcrever um texto desse(s) autor(es) (ou escrever o que ele[s] teria[m] dito ou escrito) em apoio ao que foi afirmado por Skinner em VB. Esta definição, portanto, permitiu a discriminação de outras formas do citar desconsideradas por Morris e Schineider (1986). Nas leituras repetidas, a definição controlava a discriminação da emissão dos citares em um contexto específico. Cada episódio foi especificado com informações (trabalho citado e ano da publicação, autor citado, informações contextuais sobre o autor e o trabalho, nacionalidade e área do conhecimento do autor) contidas: a) na rede mundial de computadores; b) nas bibliotecas da Universidade de Harvard e da Fundação B. F. Skinner; c) nos prefácios das obras citadas e d) na Enciclopédia de Literatura da Merriam-Webster (1995).
Etapa 2: tendo sido discriminados 488 episódios do citar, a observação de suas propriedades permitiu agrupá-los em duas grandes classes: citar com transcrição (respostas de citar que produziram um registro tipográfico no VB contendo uma transcrição de um grupo de palavras escritas pelo autor citado por Skinner) e citar sem transcrição (respostas de citar cujo registro tipográfico é uma seqüência contínua de operantes escritos emitidos por Skinner). A grande classe citar com transcrição foi escolhida para a análise funcional, pois ela mostra mais claramente como ocorreu o reforçamento do comportamento verbal de Skinner no diálogo da tese que ele defendeu ao longo das páginas do VB.
Etapa 3: depois, o pesquisador lia repetidamente todos os episódios do citar com transcrição sob controle instrucional da hermenêutica comportamental (Dougher, 1993, p. 216-217), uma técnica interpretativa que instrui em quatro passos a ação analítica: 1) registrar cada episódio e dos eventos escritos antecedentes que parecem estar funcionalmente relacionados ao episódio; 2) analisar a função do registrar tais eventos antecedentes, refinando as discriminações feitas; 3) selecionar as relações verbais discriminadas e agrupamento das mesmas em subclasses funcionais; e 4) descrever a experiência de ser controlado pelo documento o VB descrevendo o que e porquê foi selecionado.
No passo 1, o pesquisador anotou em um quadro o episódio e seus possíveis antecedentes. As leituras que permitiram isto foram feitas a partir de seguimentos mais amplos do registro verbal iniciado e terminado em pontos próximos ou distantes da transcrição, em parágrafos, subtítulos e, às vezes, títulos no VB.
No passo 2, nesse mesmo quadro, ele tomou notas de estímulos textuais de outras das fontes de dados, descritas anteriormente, que afetaram a discriminação dos antecedentes.
O seguimento do passo 3 permitiu a discriminação de quatro subclasses funcionais do citar com transcrição: argumentativo, contra-argumentativo, exemplificador e analítico. A descrição assim gerada é a análise da função das subclasses, consideradas modalidades do estilo verbal de Skinner escrever. As unidades autoclíticas fundamentais sobre o comportamento do pesquisador indicavam subclasses funcionais nesse estilo. Elas foram tateadas seguindo o procedimento descrito por Borloti (2004), que instrui como distingui-las a partir dos seus efeitos sobre o leitor, listados anteriormente.
O passo 4 consistiu numa análise funcional do comportamento verbal do pesquisador, pois instruiu informar os efeitos do VB sobre a interpretação em cada passo anterior. De fato, a hermenêutica implica em uma descrição das fontes da causação múltipla do interpretar, advinda das várias fontes usadas, e que produz uma combinação de efeitos no repertório verbal do pesquisador.
Também, na confirmação das discriminações feitas, foi usado o procedimento de inferência de variáveis controladoras relevantes em registros verbais estáticos. Tal procedimento instrui a variação na modulação da altura, energia e velocidade da leitura do registro verbal em VB, conforme sugerido por Skinner (1957, p. 26). Uma descrição do desempenho analítico verbal encoberto do pesquisador pode ser feito pela descrição de algumas perguntas que ele próprio se fez: Aqui Skinner me pareceu presunçoso. Por que será?, Esta afirmação de Skinner me parece irônica. Por quê?, Qual resposta minha ele parece estar querendo antecipar? são amostras dessas perguntas.
Por fim, as discriminações descritas foram corroboradas por mais de um leitor.
Enfim, todo o material verbal lido e citado com transcrição durante o processo de composição do VB afetou Skinner na emissão de quatro subclasses do citar com transcrição: citar argumentativo, contra-argumentativo, exemplificador e analítico. A seguir, são apresentados e discutidos os resultados da análise funcional dos citares argumentativo e contra-argumentativo, pela sua importância no reforçamento dos argumentos de Skinner e/ou na contraposição que ele fez entre a nova abordagem funcional e aquelas julgadas tradicionais. (Para acessar uma análise de todas as classes e subclasses do citar, veja o trabalho de Borloti, 2003).
Resultados e discussão
Do total de 488 citações no VB, 147 compõem a grande classe citar com transcrição. As funções autoclíticas importantes que acompanharam e foram concorrentes ao citar com transcrição indicam um tipo de controle específico sobre a escrita do VB.
Uma leitura dos episódios dessa classe permite a discriminação de certas consistências funcionais no citar em VB, a despeito de Skinner (1957) ter dito que sua escrita teria sido emitida com uma inconsistência fabulosa (p. 454). Mesmo as obras literárias, quase sempre clássicas, muito bem conhecidas por ele (pois havia estudado Letras na Hamilton College) e, supostamente, conhecidas por um leitor genérico, foram usadas em geral, ou para ilustrar o conteúdo, ou como registro a ser analisado, ampliando, segundo a intenção de Skinner, o poder de influência do seu comportamento verbal, emitido com o objetivo expresso de fortalecer um repertório verbal particular (p. 455) nos seus leitores.
Consideradas as justificativas para o uso de citações (McPherson et al., 1984), Skinner pode ter escolhido os materiais acessíveis ou os produzidos por autores que eram visíveis nas discussões sobre linguagem antes da publicação do VB, em 1957. Entretanto, outro critério pode ter sido indicado por propriedades particulares de cada produto: alguns produtos verbais eram mais convincentes que outros. Quando assim, compuseram a subclasse citar argumentativo e foram emitidos com a moldura autoclítica ...como (alguém) disse: ... ; outros, nem tanto, e compuseram a subclasse citar contra-argumentativo, emitida com a moldura ...(alguém) disse que ..., mas.... (O trecho transcrito é indicado entre parênteses nas molduras e as partes sublinhadas indicam a sua unidade autoclítica fundamental). A seguir, são discutidas as propriedades funcionais destas duas subclasses.
1. ...como (alguém) disse: ...
Tomando a definição de crença no escritor (Skinner, 1957, p. 159-160), alguns textos transcritos no VB são estímulos verbais que, na avaliação de Skinner (inferida pela forma e pela conseqüência da sua escrita), foram o efeito de um controle de estímulo relativamente acurado e que, por isso, afetou suas ações diante dos fenômenos verbais sendo analisados durante a escrita do VB. Por isso, reforçaram o argumentar.
Numa categorização funcional, essas transcrições fazem parte da subclasse citar argumentativo (CITAR): respostas nas quais parte do produto é uma transcrição do produto verbal de um autor que foi creditado por Skinner. Nesse sentido, CITARs foram emitidos com a função de fortalecer um repertório particular na mediação do leitor, na mesma direção do fortalecimento provido pelo argumentar de Skinner registrado em algum outro ponto do texto do VB.
Como exemplo, considere o citar um trecho do livro Letter to Dr. Stone, do escritor Charles Dickens, na página 393 do VB. O argumento de Skinner de que os escritores costumam atribuir suas produções a outra pessoa (ao discutir as explicações dadas ao escrever que não é retroalimentado no momento da emissão) é somado ao argumento de Dickens: A linguagem tem um grande papel nos sonhos. Penso que, ao acordar, a cabeça está cheia de palavras. [Language has a great part in dreams. I think, on waking, the head is usually full of words.].
Foram discriminados 40 episódios de CITARs. A topografia das respostas variou assim: 17 episódios de transcrição do texto de outro autor entre aspas, representados e indicados na Tabela 1, a seguir, como ... ; 17 episódios de transcrição destacada do texto, indicados como (...); 4 episódios de transcrição entre aspas, no texto, em itálico e em francês: */*/*/; 1 episódio de transcrição com aspas em nota de rodapé: ... e 1 episódio de transcrição em itálico, como epígrafe o lema do primeiro epílogo pessoal: ///. A Tabela 1 mostra a citação em inglês, a sua tradução para o português, a página do VB onde está a citação e a área de conhecimento a qual pertence o citado, cujo nome aparece escrito em letras maiúsculas (entre colchetes aparece o nome do autor de texto dito por um personagem de uma de suas obras de ficção, ou do crítico literário que comentou o trecho de um escritor ou poeta citado ou do autor não citado no corpo do texto do VB).
Considerando todas as 40 respostas a subclasse com função argumentativa, em 20 episódios Skinner usou produtos de comportamento verbal de autores da literatura para suportar argumentos. Em 9, ele usou textos de críticos da literatura (Housman, Finney, Pearson, Pater, Bridges, Ridley, Graves e Boswell) e em 6 ele usou a obra de Tooke, The Diversions of Purley. Três dos livros sobre crítica literária citados foram publicados na década de 30 [The Name and de Nature of Poertry (1933), Keats Craftsmanship: a Study in Poetic Development (1933) e The Evolution of Keats Poetry (1936)].
O citar Quine (CITAR 1) foi reforçado pela similaridade entre algumas propriedades do trabalho do filósofo e propriedades da consideração de Skinner sobre a análise comportamental da lógica. Em uma parte da sua autobiografia, Skinner (1983) reafirmou essa similaridade com a afirmação [Quine] chegou perto do que eu queria (p. 395).
O citar o psicólogo A. P. Weiss é justificado pela história do behaviorismo no estudo da linguagem. Powell e Still (1979) incluíram-no na lista dos behavioristas que antecederam Skinner no estudo dos processos verbais. Citá-lo num diálogo argumentativo encontra justificativa nas palavras dos autores: o tipo de esquema classificatório proposto [por Weiss], em termos das características comportamentais das categorias de fala, sugere o esquema proposto por Skinner (1957) (Powell & Still, 1979, p. 78).
A Tabela 1 mostra a amplitude da forma escrita da função argumentativa na escrita do VB. As estruturas textuais postas na tabela como no original em língua inglesa contêm muitas das formas escritas dos processos autoclíticos típicos da concordância. Portanto, é possível afirmar que os CITARs foram acompanhados basicamente pela resposta as [como], pelas relações gramaticais de tempo passado, por artigos, pronomes, advérbios e, como disse Catania (1980), por conjuntos de respostas das quais nenhuma parte pode ser designada como uma resposta autoclítica unitária (p. 176). Neste sentido, uma mesma conseqüência foi produzida por várias respostas que, por essa razão, constituíram essa subclasse.
Uma vez que na comunidade verbal inglesa a resposta as [como] é reforçada também sob circunstâncias com propriedades de comparação ou similaridade, fica claro o reforçamento dessa resposta no contexto argumentativo do VB. Same [mesmo], similar [similar] e todas as suas desinências tiveram seu fortalecimento nessas mesmas condições e isso justifica a sua emissão nessa subclasse de respostas. A conexão entre autoclíticos é percebida na emissão de quantificadores (the present point, the same, a similar phenomenon, the process, the same spirit, this point, this case) [o presente ponto, um fenômeno similar, o processo, o mesmo espírito, este ponto, este caso], unidades de tato das propriedades de similaridade entre as propriedades do comportamento de Skinner e as da transcrição, reforçando a discriminação daquelas propriedades.
Skinner também emitiu algumas unidades de discriminação do seu próprio comportamento verbal controlado por propriedades do texto transcrito em alguns CITARs mostrados na Tabela 1. Assim, os autoclíticos descritivos cynically [cinicamente], similarly [similarmente] e essencially [essencialmente] indicam uma possível condição do autor ao transcrever os textos de Allan Poe, Finney e Housman, respectivamente. Essas unidades modificaram (e continuam a modificar) todo o trecho referente à transcrição e indicam, por isso, as condições motivacionais ou emocionais em que cada um desses episódios pode ter sido emitido. Essa função pode ter atuado, e atua hoje, quando Skinner citou E. A. Poe, após argumentar sobre as formas que aqueles que escrevem com os recursos da retórica clássica encontraram para utilizar certas práticas na geração de um novo comportamento. Sintam-se as prováveis condições motivacionais de Skinner (1957): M. Dupin, de Edgar Allan Poe, colocou isto cinicamente: O grosso das pessoas considera como profundo apenas aquele que sugere penetrantes contradições da idéia geral. [Edgar Allan Poes M. Dupin put it cynically: The mass of the people regard as profound only him who suggests pungent contradictions of the general idea.] (p. 408).
Os autoclíticos que acompanharam a transcrição de trechos do poeta Emerson e do etimólogo Tooke também têm a mesma função do grupo acima, no sentido de serem discriminações que Skinner fez do seu próprio comportamento, evocadas em função de propriedades dos textos dos autores citados. Porém, eles são de outros tipos.
No caso de Emerson, Skinner iniciou o capítulo 14, A composição e seus efeitos, citando-o ao mesmo tempo em que admitia a existência de relações entre as propriedades sobre as quais ele estava escrevendo naquele capítulo e aquelas descritas na transcrição de Emerson: Estamos interessados pelo que Emerson chamou de embarralhamento, ordenamento, ligadura e cartilagem das palavras [We are concerned here with what Emerson called the shuffing, sorting, ligature and cartilage of words.]. O autoclítico we are concerned with [estamos interessados pelo] indicou uma discriminação de propriedades do comportamento verbal de Skinner controlada por propriedades da transcrição e, por isso, fortaleceu o argumentar de Skinner emitido logo em seguida: O falante não apenas emite respostas verbais apropriadas a uma situação ou a sua própria condição, ele clarifica, arranja e manipula seu comportamento. [The speaker not only emits verbal responses appropriete to a situation or to his own condition, he clarifies, arranges, and manipulates his behavior.].
Outros dois descritivos também indicaram o tato de propriedades de similaridade entre os produtos verbais dos comportamentos de Skinner e de Tooke e serviram, particularmente, para apontar as condições emocionais e motivacionais de Skinner ao citar o livro de Tooke, adjetivando-o como extraordinário (Skinner, 1957, p. 340). We may let [Podemos permitir] indicou uma autorização educada para que Tooke falasse por Skinner; e is worth reproduzing [é valoroso reproduzir] emitido na nota de rodapé da página 341 do VB, indicou o reconhecimento e a importância do livro de Tooke para a análise dos autoclíticos contida no VB.
Num dos casos únicos dos CITARs, no primeiro epílogo pessoal, Skinner seguiu a sugestão do seu amigo Henderson e adotou (citou) uma linha do poema Brahma, de Emerson, como lema para o VB: When me they fly, I am the wings uma tradução com uma intromissão grosseira poderia ser Quando [eu observo que] eles voam, eu sou as asas). Uma interpretação possível do citar esta linha poética é evocada a partir da leitura do título escrito logo antes da epígrafe (A validade do comportamento verbal do autor) e, logo depois, quando aparece a transcrição da colocação de Russell acerca do falso ar de objetividade nas observações feitas por behavioristas. Skinner reconheceu como justa a crítica de Russell e apontou algumas questões não consideradas por ele. Dentre essas, a crucial era a validade das observações acerca do mundo. Depois, ele escreveu que VB oferece um caso em relação a esta questão, e o caso é este: o livro é uma descrição sobre certos fenômenos do mundo e a validade de tal descrição deverá ser julgada pelo fato de suas sentenças descreverem contingências ainda não descritas pelos leitores; e esses deverão encontrar uma correspondência entre o mundo e o que está especificada no livro.
Então, Skinner passou a descrever o que esteve fazendo ao escrever e o que ele esperou dos leitores do VB ao escrever, como efeito do seu comportamento. Nesse momento, ele assumiu que não estava neutro. Ou seja, considerando o verso de Emerson, o VB de Skinner constitui descrições verbais de fenômenos verbais. Algo (o eles da linha de Emerson, que poderia ser fenômenos verbais) foi observado e descrito (o voam). O argumento poético de Emerson somou-se ao argumento (possível e implícito) de Skinner: VB tem um paradoxo inerente a asa (o verbal) é a descrição do vôo (os fenômenos verbais). Esta explicação para a transcrição do verso como epígrafe aparece no primeiro manuscrito do VB, redigido para ser apresentado nas Conferências William James. Na ocasião, Skinner (1948) disse que o lema contido no verso era bastante apropriado para explicitar a dificuldade de falar de palavras usando palavras.
2. ...(alguém) disse que ..., mas...
Em outros tantos textos que leu sobre linguagem ou produção literária, produzidos por filósofos, lingüistas e outros, Skinner discriminou que o comportamento verbal que os produziu foi afetado por um controle de estímulo não acurado. Mesmo os considerando como produtos de comportamento verbal não acurado, Skinner transcreveu-os em VB possivelmente porque eles afetaram suas ações diante dos processos verbais. Esses tipos de textos fazem parte da subclasse tateada como citares contra-argumentativos (CICAs): respostas cuja parte transcrita não era creditada em um ou mais aspectos por Skinner. CICAs também foram emitidos por reforçarem o argumentar de Skinner. Diferente do reforço provido pelos CITARs, os CICAs reforçaram o comportamento de contrastar o estímulo verbal transcrito (ou lido) ou os pressupostos da transcrição com o argumento de Skinner, escrito sob controle de estímulo supostamente acurado.
A transcrição de trechos do livro Inquiry into Meaning and Truth, de Russell, exemplifica o processo: ao escrever sobre os autoclíticos qualificadores de negação, Skinner criticou o argumento de Russell de que a razão para dizer, por exemplo, não, não está chovendo, está no estímulo verbal anterior, ou seja, na pergunta está chovendo?. Perceba-se, na página 322 do VB, o contraste produzido entre o texto de Russell (Assim, as proposições negativas surgirão quando você é estimulado por uma palavra e não por aquilo que usualmente estimula a palavra. [Thus, negative propositions will arise when you are stimulated by a word but not by what usually stimulates the word.]) e o argumento de Skinner (o estímulo que controla a resposta a qual se acrescenta o não é frequentemente não verbal. [the stimulus which controls a response to which no or not is added is often nonverbal.]) .
Os elementos do texto de Skinner indicam as formas mais comuns para que os CICAs produzissem os efeitos típicos de sua função. Foram discriminadas 25 ocorrências de CICAs, conforme mostra a Tabela 2, a seguir. A topografia das respostas variou assim: 11 episódios de transcrição do texto de outro autor entre aspas: ..., 11 episódios de transcrição destacada do texto: (...), 2 episódios de transcrição em itálico no texto: /// e 1 episódio de transcrição com aspas em nota de rodapé: ....
Os alvos preferidos da contra-argumentação de Skinner em citações com transcrição foram as argumentações do filósofo da linguagem Bertrand Russell, em Inquiry into Meaning and Truth, publicado em 1940, as do crítico literário William Empson, em Seven Types of Ambiguity, publicado em 1947 (Skinner contra-argumentou especificamente as interpretações que Empson fez de um fragmento do soneto LXXIII de Shakespeare, e de uma linha do poema The Rime of the Ancient Mariner, de Coleridge) e as contidas no livro Language: its Nature, Development and Origin, publicado em 1922 pelo lingüista Otto Jespersen.
Outros alvos menos preferidos foram obras: também sobre linguagem (The Teory of Speech and Language, publicada em 1932 por A. H. Gardner); sobre crítica literária (Lectures on Poetry, publicada em 1911 por G. W. Mackail); sobre filosofia da linguagem da matemática [The Nature of Mathematics, de P. Jourdain (1956)]; e sobre filosofia da linguagem (An Essay Concerning Human Understanding, de Locke, 1947).
Skinner também contra-argumentou trecho do livro Behaviorism, de Watson (1924), e foi veementemente contra a afirmação do grande escritor francês de comédias Molière, de que o significado das palavras é encontrado em dicionários (a sentença está na página 450 do VB, em nota de rodapé): Molière levou o argumento formalístico [sobre significado] bem próximo do ridículo. Tudo o que há de mais belo na literatura, argumenta um de seus personagens, é encontrado em dicionários. É apenas as palavras as quais são transpostas. [Molière carried the formalistic argument [on meaning] one step nearer the ridiculous. All that is most beautiful in literature, one of his characters argues, is to be found in the dictionaries. It is only the words which are transposed.]. O ataque é justificado: para Skinner, o significado do comportamento verbal não está na palavra (nem num dicionário de palavras); está nas circunstâncias que controlam a emissão das palavras.
Embate verbal semelhante em relação à animosidade da crítica ocorreu na transcrição de trecho do livro Mathematical Creation, de Poincaré (1913) e de uma frase infeliz contida em Prometheus Unbound, em que o escritor P. B. Shelley (1908) afirma ser o pensamento uma criação da fala; e de uma outra, de Poincaré, que afirmou ser o esclarecimento ocasional um sinal manifesto de um longo trabalho inconsciente. A Tabela 2, a seguir, mostra os detalhes funcionais destas e das outras respostas da subclasse CICA.
Confira-se na Tabela 2, entre as 25 respostas que compõem os CICAs, que Bertrand Russell foi contra-argumentado 9 vezes no VB. Em 5 episódios, Skinner criticou opiniões de lingüistas (Jespersen, Tooke & Gardner) e em outros 5, de críticos da literatura (Pater, Mackeil & Empson). Novamente, há uma variedade de indicadores de processos autoclíticos que podem ter caracterizado a escrita daquelas partes do escrever VB, nas quais a emissão de CICAs foi reforçada. Muitas dessas formas incluíram advérbios, conjunções e verbos no passado e presente. De modo geral, é significativo que mais da metade dos CICAs foram acompanhados pela resposta but [mas]. Também é marcante o fato de os registros mostrarem unidades autoclíticas de negação (o sufixo -less e o not [sem e não]) quando comparados com a amostra dos registros dos CITARs. A função integradora das unidades autoclíticas dos CICAs está diretamente ligada ao significado que os textos transcritos neles possam ter tido no repertório de Skinner.
Talvez but [mas] seja o autoclítico manipulativo mais emitido na língua inglesa. Ele é uma abreviação das antigas respostas separadas be out [fique fora] que preservou a função de mando das originais desconectadas, segundo Tooke (1857, citado por Skinner, 1957). Em sua função, os autoclíticos manipulativos são unidades verbais que, na situação de contraste entre dois argumentos, instruem o leitor do VB a arranjar suas reações a ambos os argumentos de um modo mais eficiente, em direção ao comportamento verbal mais acurado da contrasteação (obviamente, o de Skinner).
Nessa perspectiva, although [embora] e however [entretanto] também são manipulativos. Although parece ter sido a junção de all e though [tudo e posto que] e carrega o sentido de despeito após tudo ser analisado; possivelmente, um desgosto ou decepção de Skinner após considerar tudo o que havia, por ventura, de bom para ser considerado (na transcrição). Although [embora] indicou contingências da ocasião de emissão dos CICAs que se aproximariam daquelas do significado de but [mas], com uma pequena e importante diferença: a moldura de emissão do manipulativo although [embora] indica que Skinner valorizou partes do conteúdo transcrito, emitido geralmente antes dessa unidade e lastimou outras partes.
Considera-se, por exemplo, o citar Jespersen na página 44 do VB. Antes, Skinner havia argumentado que as abordagens tradicionais se equivocaram na análise do mando ao apontarem que o seu reforço seria o objeto que se segue a ele. Depois, ele comparou a análise funcional com a análise sintática da relação de mando. Em seguida, iniciou o parágrafo da transcrição dizendo que a escolha entre as duas abordagens não deveria considerar a inteligibilidade que algumas das abordagens clássicas podem transmitir. Ele, então, transcreveu o trecho de Jespersen e manipulou o consequenciador a reconhecer os méritos da transcrição e, ao mesmo tempo, lastimar aquilo que Jespersen não considerou. O autoclítico qualificador not [não] abriu a análise da transcrição intensificando a direção esperada do comportamento verbal a ser reforçado na mediação: Esta não é a consideração mais vantajosa para todos os aspectos envolvidos, pois os termos psicológicos que ela contém trazem à tona muitos problemas. [It is not the most advantageous account for all concerned, for the psychological terms it cointains raise many problens.]. For all concerned [para todos os aspectos envolvidos] aparece em itálico no texto do VB com a função autoclítica de tornar mais precisa a discriminação pretendida originalmente.
However [entretanto] é uma combinação de how e ever [como e sempre] e teve a função de qualificar operantes essenciais tateando uma circunstância de repetição envolvendo o conteúdo do que disse o citado no episódio (poderia equivaler ao como sempre do português, emitido em um contexto de decepção). Na ocorrência da página 448 do VB, do citar Locke, por exemplo, Skinner elogiou Locke com o autoclítico was aware of this [estava consciente disto] ao afirmar que ele [Locke] estava consciente da função de alguns termos gramaticalmente classificados como substantivos. Depois indicou sua decepção à análise que Locke fez do termo triumphus [triunfo]: ...entretanto, para Locke, o termo simplesmente suportou a idéia da qual fez parte. [...however, the term merely supported the idea for which it stood.]. Ainda hoje, o autoclítico however [entretanto] afeta a leitura indicando as circunstâncias responsáveis por um tipo de decepção tateada por Skinner e instrui uma reação rearranjada à transcrição, de modo a evitar tal decepção.
Os autoclíticos descritivos típicos dos episódios dos CICAs estão integrados aos demais numa coerência funcional. O significado-padrão atual da resposta admittedly [reconhecidamente] informa as contingências que deram significado a este operante quando ele foi emitido: Eu devo aceitar, mesmo que eu não queira. Assim, a unidade permite inferir que Skinner discriminou sua condição emocional e motivacional controlada pelas propriedades da transcrição (na página 446 do VB) do argumento do poeta Percy B. Shelley, em Prometheus Unbound (1820): Ele deu ao homem a fala, e a fala criou o pensamento, que é a medida do universo. [He gave man speech, and speech created thought, which is the measure of the universe.]. A modulação da leitura permite a inferência da emoção de Skinner ao escrever: mesmo que eu não queira, eu tenho que aceitar que esta tem sido uma noção atraente.
Na mesma rede de relações verbais estão as respostas unfortunately[infelizmente] e merely [simplesmente]. O autoclítico sob a forma do sufixo -ly [-mente] afetou a emissão global de todos os episódios que o contém, indicando as condições de Skinner na emissão dos CICAs. Na primeira resposta, este fragmento funcional autoclítico indicou a condição motivacional de Skinner no contato com as propriedades de falta na resposta verbal de Jespersen (possivelmente, em relação a um inacurado controle de estímulo, Skinner teria lastimado: Estaria Jespersen sem sorte [unfortune]?).
No mesmo espírito está a análise da resposta merely [simplesmente], que indica as condições de emissão do CICA envolvendo o texto do crítico literário Empson. O citar Empson, particularmente, foi emitido numa combinação de although [embora] com merely [simplesmente] e os indicadores do primeiro são exacerbados na desqualificação (mere = nothing more than [mero = nada mais que]) da análise crítica que Empson fez de uma linha de um poema de Coleridge.
O citar Horatio Pater, na página 282 do VB, ilustra os efeitos de um autoclítico de composição (according to [de acordo com]) combinado com elementos de um tipo de artifício para o fortalecimento do repertório conseqüenciador por parte do leitor do VB. Skinner iniciou a sentença contendo a citação instruindo uma combinação verbal que continha as propriedades específicas da transcrição de Pater: [Estilo é] certa absoluta e única maneira de expressar uma coisa, em toda a sua intensidade e cor. [Style is a certain absolute and unique manner of expressing a thing, in all its intensity and color.]. E, em seguida, acrescentou que a definição de Pater: representa uma tentativa de lidar com o problema como uma questão de expressão bem sucedida [represents an attempt to deal with the problem as a matter of successful expression.]. A discriminação evocada disto é que Skinner quis antecipar uma objeção a sua concordância, fornecendo elementos para uma definição funcional de estilo a serem acrescidos à definição literária de Pater. A contra-argumentação foi focalizada no manipulativo but [mas], que instruiu uma adequada posição reflexiva em relação ao ponto central da definição funcional de estilo: a preparação antecipada das respostas do leitor.
Em resumo, os CICAs emitidos por Skinner foram marcadas por manipulação da mediação do leitor do VB. Autoclíticos relacionais foram controlados por relações entre propriedades da transcrição e do comportamento verbal de Skinner, como um reconhecimento de mérito (this is recognized, was aware of this, as pointed out, has tried, put a similar point this way [isto é reconhecido, foi consciente disto, apontou, tentou, colocou uma questão similar deste modo]), num jeito educado de preparar a emissão do contra-argumentar. Os descritivos informaram sobre o próprio comportamento de Skinner diante dos estímulos textuais transcritos e os operantes ridiculous, neglect, objection, against e appealing [ridículo, negligenciar, objeção, contra e apelador] foram emitidos complementando a coerência funcional contra-argumentativa.
Conclusão
Conclusões são possíveis nas dificuldades deste estudo. A identificação de classes funcionais verbais em registros estáticos não é tarefa fácil, principalmente quando um dos critérios para a sua identificação é o efeito desses registros no interpretar do pesquisador. Retomando Empson, pode-se ter a impressão de que se voa muito porque o verbal é a asa. Entretanto, o procedimento da hermenêutica comportamental, especialmente o quarto passo, procura calibrar o tamanho da asa à altura do vôo ou não escorregar na maionese, como diriam os estudantes. A limitação deste exercício interpretativo refinado impôs a importância de testar se os episódios verbais argumentativos e contra-argumentativos produziriam efeitos semelhantes em outros analistas, aqueles que julgaram a pesquisa que deu origem a este artigo. De todo modo, como em qualquer pesquisa histórica, a interpretação apresentada aqui é uma dentre as possíveis.
É importante lembrar que o domínio da língua inglesa favorece o desenvolvimento de intraverbais mais eficientes à interpretação. Mesmo assim, o fato de o pesquisador ter o inglês como língua secundária dificultou a análise em alguns pontos. Sem dúvida, o bom leitor de Skinner com o inglês como língua primária poderia variar mais facilmente a modulação da leitura para a discriminação das propriedades dinâmicas dos registros estáticos do comportamento verbal de Skinner. De fato, não é fácil para o pesquisador refinar discriminações tendo como crivo o padrão do efeito do verbal sobre o seu verbal. Por isto, não é possível tornar claras todas as discriminações feitas e as razões para tê-las feito, uma vez que o comportamento verbal tem limitações inexoráveis na descrição de todas as variáveis controladoras em atuação (Skinner, 1957, p. 451, citando o filósofo Emmanuel Kant). Uma forma de minimizar esta limitação foi conversar com falantes fluentes do inglês para testar sentidos em unidades autoclíticas que definem o estilo skinneriano de escrever VB.
O estilo é produto de atividade autoclítica e sua análise funcional direciona a investigação para unidades mínimas que modificam os efeitos de operantes de primeira ordem no repertório do consequenciador (leitor), compondo a retórica. A complicada tarefa de destacar os registros estruturais de autoclíticos fora apontada por Catania (1980), pois o processo pode estar presente em fragmentos de elementos textuais gramaticalmente definidos como palavras, em elementos definidos como formatação (sublinhar, negritar, etc.) e até em conjuntos de palavras. A despeito disto, a importância desse processo na pesquisa histórica é indiscutível, uma vez que a análise dos autoclíticos culmina na discriminação do comportamento verbal do pesquisador na interpretação da adequação do comportamento do falante ou escritor diante das demandas do contexto amplo definido como audiência (Catania, 1998).
Como um produto pessoal, VB é um retrato do seu autor. As classes funcionais argumentativas e contra-argumentativas descritas neste artigo mostram o intelectual-cientista lutando pela defesa de sua tese contrastando a abordagem funcional nova com a abordagem tradicional velha (Woodward, 1996). Não se pode dizer, como Woodward (1996), que Skinner esteve consciente das audiências do VB. Também não se pode dizer, pelo menos com os dados que este artigo apresentou e discutiu, que os os artifícios de argumentação e persuasão que Skinner usou foram realmente espúrios, como ele mesmo disse ao final do livro (Skinner, 1957, p. 455). Pode-se dizer que os recursos verbais da argumentação e da contra-argumentação responderam ao contexto histórico dos estudos da linguagem e dos produtos da linguagem nos anos em que VB foi escrito e, nesta perspectiva, eles não foram espúrios: são próprios do autor e, por isto, legítimos e genuínos.
Referências Bibliográficas
Abib, J. A. D. (1994). A atualidade do livro Verbal Behavior de B. F. Skinner: um comentário. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 10, 467-472. [ Links ]
Andresen, J. T. (1990). Skinner and Chomsky thirty years later. Historiographia Linguistica, 17, 145-165. [ Links ]
Borloti, E. B. (2003). O Discurso de Skinner: uma análise funcional do citar no Verbal Behavior. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Psicologia (Psicologia Social). São Paulo-SP. [ Links ]
Borloti, E. B. (2004). As relações verbais elementares e o processo autoclítico. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 6, 221-236. [ Links ]
Borloti, E. B., Iglesias, A., Dalvi, C. M., & Silva, D. M. (2008). Análise comportamental do discurso: fundamentos e método. Psicologia: Teoria e Pesquisa 24, 101-110. [ Links ]
Bradbent, D. E. (1959). Review of Verbal Behavior. British Journal of Psychology, 50, 371-373. [ Links ]
Catania, A. C. (1980). Autoclitic process and the structure of behavior. Behaviorism, 8, 175-186. [ Links ]
Catania, A. C. (1998). The taxonomy of verbal behavior. In K. A. Lattal & M. Perone (Ed.). Handbook of research methods in human operant behavior (pp. 405-433). New York: Plennum Press. [ Links ]
Chomsky, N. (1959). Review of Verbal Behavior by B. F. Skinner. Language, 35, 26-58. [ Links ]
Coleman, S. R. (1985). B. F. Skinner, 1926-1928: from literature to psychology. The Behavior Analyst, 8, 77-92. [ Links ]
Day, W. (1980). Some comments on the book Verbal Behavior. Behaviorism, 8, 165-173. [ Links ]
Dougher, M. J. (1993). Interpretative and hermeneutic research methods in the contextualistic analysis of verbal behavior. In S. C. Hayes, H. W. Reese, & T. R. Sarbin (Eds.). Varieties of Scientific Contextualism (pp. 147-159). Reno, NV: Context Press. [ Links ]
Dulaney, D. E. (1959). Review of Verbal Behavior. Science, 129, 143-144. [ Links ]
Farrell, B. A. (1960). Review of Verbal Behavior. Quarterly Journal of Experimental Psychology, 12, 124-125. [ Links ]
Garfield, E. (1979). Citating indexing its theory and application to science. Technology and humanities. New York: John Wiley. [ Links ]
Gray, G. W. (1958). Review of Verbal Behavior. Quarterly Journal of Speech, 44, 196-197. [ Links ]
Jenkins, J. J. (1959). Review of Verbal Behavior. Jouranl of Speech and Hearing Disorders, 24, 73-74. [ Links ]
Justi, F., Reis, R. dos, & Araujo, S. de F.. An evaluation of Chomskys review of Verbal Behavior according to behaviorists replies. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20, 267-274. Recuperado em 30 novembro, 2007, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722004000300008&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0102-3772 [ Links ]
Knapp, T. J. (1992). Verbal Behavior: the other reviews. The Analysis of Verbal Behavior, 10, 87-95. [ Links ]
Knapp, T. J. (1980). Beyond Verbal Behavior. Behaviorism, 2, 187-194. [ Links ]
Knapp, T. J. (1998). Current status and future directions of operant research on verbal behavior: baselines. The Analysis of Verbal Behavior, 15, 121-123. [ Links ]
Krasner, L. (1958). Review of Verbal Behavior. Human Biology, 30, 350-351. [ Links ]
Lee, V. L. (1984). Some notes on the subject matter of Skinners Verbal Behavior. Behaviorism, 1, 29-40. [ Links ]
Leigland, S. (1998). The methodological challenge of the functional analysis of verbal behavior. The Analysis of Verbal Behavior, 15, 125-127. [ Links ]
Mabry, J. H. (1998). Something for the future. The Analysis of Verbal Behavior, 15, 129-130. [ Links ]
MacCorquodale, K. (1970). On Chomskys review of Skinners Verbal Behavior. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 13, 83-99. [ Links ]
Mahl, G. F. (1958). Review of Verbal Behavior. Psychoanalytic Quarterly, 27, 595-597. [ Links ]
McPearson, A., Bonem, M., Green, G., & Osborne, J. G. (1984). A citation analysis of the influence on research of Skinners Verbal Behavior. The Behavior Analyst, 7, 157-167. [ Links ]
Merriam-Webster (1995). Encyclopedia of Literature. Springfield, Massachusetts. [ Links ]
Michael, J. (1998). The current status and future directions of the analysis of verbal behavior: comments on the comments. The Analysis of Verbal Behavior, 15, 157-161. [ Links ]
Morris, C. (1958). Review of Verbal Behavior. Contemporary Psychology, 3, 212-214. [ Links ]
Morris, E. K., & Schneider, S. (1986). References citations in B. F. Skinners Verbal Behavior. The Analysis of Verbal Behavior, 4, 39-43. [ Links ]
Neimark, E. D. (1960). Review of Verbal Behavior. Psychological Record, 10, 63-66. [ Links ]
Osgood, C. E. (1958). Review of Verbal Behavior. Contemporary Psychology, 3, 209-212. [ Links ]
Parrot, L. J., & Hake, D. F. (1983). Toward a science of history. The Behavior Analyst, 6, 121-132. [ Links ]
Peel, E. A. (1960). Review of Verbal Behavior. British Journal of Educational Psychology, 30, 89-91. [ Links ]
Place, U. T. (1981a). Skinners Verbal Behavior I why we need it. Behaviorism, 1, 1-24. [ Links ]
Place, U. T. (1981b). Skinners Verbal Behavior II what is wrong with it. Behaviorism, 2, 131-152. [ Links ]
Place, U. T. (1982). Skinners Verbal Behavior III how to improve parts I and II. Behaviorism, 2, 117-136. [ Links ]
Place, U. T. (1983). Skinners Verbal behavior IV how to improve part IV Skinners account of syntax. Behaviorism, 2, 163-186. [ Links ]
Place, U. T. (1985). Three senses of the word tact. Behaviorism, 13, 63-74. [ Links ]
Powell, R. P., & Still, A. W. (1979). Behaviorism and the psychology of language: an historical reassessment. Behaviorism, 7, 71-89. [ Links ]
Schlinger, H. D. Jr (1998). The current status and future directions of the analysis of verbal behavior: introductory remarks. The Analysis of Verbal Behavior, 15, 93-96. [ Links ]
Schnaitter, R. (1980). Science and verbal behavior. Behaviorism, 2, 153-160. [ Links ]
Skinner, B. F. (1948). Verbal Behavior The William James Lectures. Western Michigan University: The Association of the Experimental Analysis of Behavior. [ Links ]
Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts. [ Links ]
Skinner, B. F. (1967/1970). B. F. Skinner an autobiography. In P. B. Dews (Ed.). Festschrift for B. F. Skinner (1-21). New York: Appleton-Century-Crofts. [Reprinted from A History of Psychology in Autobiography, vol. V, by E. G. Boring, & G. Lindizey, 1967]. [ Links ]
Skinner, B. F. (1978). Reflections on Behaviorism and Society. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall. [ Links ]
Skinner, B. F. (1979). The Shaping of a Behaviorist. New York: Alfred A. Knopf. [ Links ]
Smith, L. C. (1981). Citation analysis. Library Trends, 30, 83-106. [ Links ]
Solley, C. M. (1958). Review of Verbal Behavior. Bulletin of the Menninger Clinic, 22, 111. [ Links ]
Sundberg, M. L. (1998). Realizing the potential of skinners analysis of verbal behavior. The Analysis of Verbal Behavior, 15, 143-147. [ Links ]
Tikhomirov, O. K. (1959). Review of Verbal Behavior. Word, 15, 362-367. [ Links ]
Woodward, W. R. (1996). Skinner and Behaviorism as cultural icons: from local knowledge and reader reception. In L. D. Smith, & W. R. Woodward (Ed.). B. F. Skinner and Behaviorism in American Culture (72-92). London: Associeted University Press. [ Links ]
Zehrer, F. A. (1959). Review of Verbal Behavior. American Journal of Orthopsychiatry, 29, 429-430. [ Links ]
Recebido em: 30/10/2007
Primeira decisão editorial em: 06/11/2007
Versão final em: 28/01/2008
Aceito em: 02/03/2008
1 Este artigo é parte da tese de doutorado do autor, defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da PUC-SP, sob a orientação da Doutora Maria do Carmo Guedes, com parte realizada na West Virginia University e na The B. F. Skinner Foundation, sob orientação da Doutora Julie S. Vargas. O autor agradece a especial orientação dada por ambas. Agradece também as sugestões dadas pelos membros da banca composta para a defesa da tese: Maria Amália Pie Abib Andery, Maria Martha Hübner e Rachel Nunes da Cunha.
2Doutor em psicologia e professor da Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: borloti@hotmail.com