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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
Print version ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.9 no.2 São Paulo Dec. 2007
ARTIGOS
Efeito do reforçamento diferencial de resposta verbal referente à leitura sobre a duração da resposta de ler1
Effects of differential reinforcement of choosing phrases about reading upon the duration of reading behavior
Thais Cazati Faleiros2 ; Maria Martha Costa Hübner3
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
RESUMO
No âmbito de estudos que investigam o efeito de manipulação de antecedentes verbais sobre o comportamento não verbal a ele relacionado, o presente estudo avaliou o efeito do reforçamento diferencial de uma classe de respostas (escolha de frases pró-leituras, interpretadas como tatos com autoclíticos qualificadores positivos) sobre outra (a escolha do comportamento de ler), reforçando escolhas de frases verbais pró-leitura e observando seu efeito sobre a emissão do comportamento de ler. Foram registradas as atividades e fotografias escolhidas antes de depois do treino. Na fase de treino, quatro frases apareciam na tela do computador e apenas a escolha de uma delas (relacionada ao ler) era reforçada com pontos. Os resultados indicaram aumento na escolha da atividade de ler e no tempo de permanência nesta atividade para a maioria dos participantes e aumento para a escolha de fotografias relacionadas à leitura após o treino, quando comparados aos resultados da linha de base. Os resultados são interpretados de acordo com o conceito de comportamento governado verbalmente.
Palavras-chave: Comportamento verbal, Regras, Relação entre comportamento verbal e não verbal, Tato, Autoclíticos.
ABSTRACT
In the scope of studies that investigate the effects of manipulation in verbal antecedents upon the related non verbal behavior, the present study evaluated the effect of differential reinforcement of one response class (choice of phrases about positive aspects about reading, interpreted as tacts with positive qualifying autoclitics) upon other class (the choice of reading behavior), reinforcing choices of phrases about positive aspects of reading and observing its effects upon the emission of reading behavior. It were registered activities and photographs chosen before and after the training. During training, four phrases appeared in a computer screen and just the choice of one of them (related to reading) was reinforced with points. The results indicated an augment of the choices in reading behavior as well as in the time of reading for the majority of the participants and an augment of the choices of choosing photographs related to reading, when compared to the results of the baseline. The results are interpreted according to behavior verbally governed.
Keywords: Verbal behavior; Rules; Relations between verbal behavior and non verbal behavior; Tact; Autoclitics.
Introdução
Por meio do comportamento verbal, o homem estabelece uma nova relação com o ambiente: descreve o que ocorre nele e analisa contingências, indo além do modo direto e mecânico de alterá-lo e ser por ele alterado (Skinner, 1974). Esta alteração é sobre outros homens, configurando-o, assim, como um operante mantido pelas práticas de comunidades verbais. A sua conseqüência mais básica é que, por meio dele, o falante muda o comportamento do ouvinte (Catania, 2003).
Se um falante descreve contingências, este comportamento de descrever pode exercer controle sobre o comportamento do ouvinte. Se o falante e o ouvinte são a mesma pessoa (quando alguém "fala para si mesma", por exemplo), pode-se encontrar mudanças no comportamento de uma pessoa a partir de mudanças no seu próprio comportamento verbal.
Mas Skinner (1974) alerta para o fato de que as descrições de contingências só vão gerar respostas se estas descrições tiverem sido estabelecidas como estímulos discriminativos, o que implica numa história de reforçamento diferencial, na qual, diante de descrições, respostas coerentes a elas tiverem sido reforçadas.
Descrições de contingências têm sido definidas na literatura como regras (Matos, 2002). Catania (2003), entretanto, em função da ambigüidade do uso do termo, ora baseado em critérios funcionais ora em critérios estruturais, propõe o termo comportamento verbalmente controlado.
O comportamento verbalmente controlado pode ser verbal ou não verbal, controlado por antecedentes verbais, que podem ou não envolver uma descrição completa de contingências. Tal comportamento é mantido por conseqüências sociais (Matos, 2002).
Descrições de objetos ou eventos ou de propriedades de ambos podem ser interpretadas como tatos, na medida em que sejam controladas pelo objeto, evento ou propriedades de ambos (dizer "Eu leio", por exemplo). Avaliações, qualificações de objetos, de eventos ou de suas propriedades podem ser interpretadas como autoclíticos, na medida em que modificam a parte a que se referem (dizer, por exemplo, "Eu leio e gosto muito").
Os autoclíticos são operantes verbais que têm como principal conseqüência a modificação do comportamento do ouvinte em relação à resposta verbal emitida (Skinner, 1957; Hübner, 1998, Bandini & De Rose, 2006). De acordo com Skinner (1957), uma das funções dos autoclíticos é aumentar a precisão do controle sobre o comportamento do ouvinte. Se o falante é o próprio ouvinte, poder-se-ia esperar que a emissão de tatos com autoclíticos qualificadores positivos aumentassem a precisão do controle verbal sobre o comportamento não verbal do falante. Se a qualificação for positiva, poder-se-ia aumentar o valor reforçador da ação à qual a qualificação se refere (Hübner, Austin & Miguel, no prelo).
Dias e Hübner (2003) obtiveram um aumento do tempo de engajamento em leitura a partir do reforçamento diferencial de tatos com autoclíticos qualificadores sobre o ler, em falas de crianças com histórico de baixo interesse em leitura. O reforçamento diferencial ocorria através de elogios e acenos de cabeça que se seguiam a cada frase que a criança emitisse valorizando a leitura. Em um delineamento de pré e pós-teste (A-B-A-B), com retorno à linha de base, cinco de seis participantes aumentaram o tempo de leitura após o treino que reforçava diferencialmente falas sobre leitura. Os resultados são instigantes no tocante à "motivação" para a leitura. Muitos estudos na Análise do Comportamento, por meio do paradigma de equivalência e procedimentos de ensino de leitura generalizada, investigaram procedimentos para gerar a competência em leitura, ou seja, leitura com precisão e compreensão. Os estudos indicam que, em pouco tempo e com procedimentos que minimizam erros, populações diversas, incluindo-se aqui crianças com história de fracasso escolar, podem adquirir repertórios de leitores competentes (De Souza & De Rose, 2006, Hübner, 2006, Sidman, 2000, dentre outros). O estudo de Dias e Hübner (2003) caminha na direção complementar: para os que já sabem ler, como aumentar o tempo de engajamento na leitura, verificando se respostas verbais alteram as não verbais relacionadas.
Nesta direção de verificar se uma história de reforçamento diferencial de determinada classe de comportamento poderia fazer emergir uma outra classe de resposta, Simonassi, Borges e Loja (2000) buscaram investigar, em crianças, se o tocar o nome de animais em uma tela de computador geraria a resposta de escrever nomes de animais após o mando do experimentador para que escrevessem palavras. Todos os participantes apresentaram a resposta de escrever nomes de animais após o treino com reforçamento diferencial da resposta de tocar nomes de animais na tela do computador.
O presente estudo procurou avaliar se o reforçamento diferencial de descrições verbais que qualificam a atividade de ler (que podem ser interpretadas como tatos com autoclíticos qualificadores positivos) pode exercer efeito sobre a emissão e a duração do comportamento de ler propriamente dito e sobre a escolha da fotografia referente à atividade de ler.
Método
Participantes
Participaram do estudo seis crianças cursando o segundo ano do ensino fundamental, da rede pública de ensino, todas com oito anos de idade e pertencentes à mesma sala de aula.
Material
Foi utilizado um computador laptop, equipado com mouse e um software especialmente construído para a pesquisa, programado na linguagem Delph por Andrade, Barros e Carnevale 4.
Nas sessões de escolha de atividades, foram utilizados lápis de cor, papel sulfite, livros infantis, massinha de modelar e jogo da memória.
Procedimento
O procedimento foi dividido em cinco etapas: Linha de Base I, Linha de Base II, Treino, Teste I e Teste II.
Quadro I: Apresentação das etapas em que o procedimento foi dividido.
Linha de Base I - Escolha de Atividades
Na primeira etapa do procedimento, os participantes escolhiam atividades dentre aquelas predeterminadas pelo pesquisador. O objetivo desta fase foi verificar que tipo de atividades a criança escolhia, se havia alguma preferência entre as atividades disponíveis e quanto tempo permanecia em cada uma delas.
Três sessões foram realizadas, com duração de 20 minutos cada. As sessões foram realizadas com intervalo de 24 horas entre elas, totalizando quatro dias, uma por dia. Os objetos disponíveis para escolha eram: livros infantis, lápis de cor, papel sulfite, massinha e jogo de memória.
Linha de Base II: Escolha de Fotografias sem Reforçamento
Esta etapa era composta de três sessões, nas quais a criança escolhia uma dentre quatro diferentes fotografias que apareciam na tela. As fotografias ilustravam atividades tais como: ler, desenhar, jogar, e modelar. Havia um conjunto de fotografias para os participantes do sexo feminino (com uma menina fazendo alguma atividade) e um conjunto para os participantes do sexo masculino (com um menino fazendo alguma atividade).
O objetivo desta fase era verificar se a criança apresentava alguma preferência na escolha das fotografias. Além disso, as escolhas das fotografias nesta fase foram comparadas com as escolhas após o treino, para verificar se houve alguma mudança na freqüência de escolhas realizadas pelos participantes.
Três sessões de Linha de Base II foram realizadas em seqüência, totalizando 36 tentativas ao longo das três sessões.
Treino: Reforçamento Diferencial de Escolhas de Frases referentes a Ler.
Na tela do computador apareciam quatro frases diferentes compostas por verbo no infinitivo, verbo ser no presente e adjetivo.
O treino era constituído por três sessões, totalizando, no mínimo, 36 tentativas. Apenas as tentativas com frases contendo o verbo Ler acarretavam em pontos. A cada acerto, dez pontos eram somados ao contador e um som era produzido para alertar, ao participante, que pontos estavam sendo adicionados. O contador estava localizado na parte superior e central da tela. Os pontos eram contabilizados no final da sessão e o participante poderia trocá-los por brindes que variavam de acordo com os pontos obtidos.
O objetivo do treino era verificar se o reforçamento diferencial (pontos), dispensado para as escolhas das frases que continham o verbo LER com os autoclíticos qualificadores positivos, seria eficiente para selecionar estas respostas e não outras até que o critério de 100% de acertos nas escolhas das frases contendo o verbo LER com os autoclíticos qualificadores positivos fosse atingido.
O critério para passar para a fase seguinte era de 100% de acerto, ou seja, que o participante atingisse a pontuação máxima, que era de 360 pontos. Portanto, o treino era repetido até que o critério fosse atingido.
Teste I: Efeitos do Treino de Reforçamento Diferencial de Escolha de Frases sobre a Escolha de Atividades
Esta etapa era realizada após o Treino de Escolha de Frases e era idêntica à Linha de Base I. Tinha a função de verificar o possível efeito do treino de reforçamento diferencial de escolha de frases sobre as escolhas de atividades. Três sessões eram realizadas, uma a cada dia.
Teste II: Efeitos do Treino de Reforçamento Diferencial de Escolha de Frases sobre a Escolha de Fotografias
O Teste II realizado era idêntico à realizada na Linha de Base II e tinha a função de verificar se o Treino de Reforçamento Diferencial sobre Escolha de Frases exercia algum efeito sobre as escolhas das fotografias, que retravam as quatro atividades (ler, desenhar, jogar e modelar).
Resultados
Ao comparar os dados obtidos nas sessões da Linha de Base I (as primeiras coluna de cada atividade) com os dados obtidos nas sessões de Teste I (as segundas colunas de cada atividade), representadas nas Figuras 1, pode-se observar mudanças para a maioria dos participantes. Todos os participantes apresentaram aumento na escolha da atividade de ler e no tempo de permanência nesta atividade.
Na Linha de Base I, o participante LV escolheu a atividade de ler nas três sessões, com permanência de 20 minutos na primeira sessão, de 10 minutos na segunda e 13 minutos na terceira. Já durante o Teste I, o participante permaneceu nessa atividade por 20 minutos durante as três sessões de escolha, o que demonstrou o aumento no tempo de permanência na atividade de ler.
A participante IC apresentou, nas sessões da Linha de Base I, escolhas variadas de uma sessão para outra. Contudo, a atividade de ler esteve presente nas três sessões da Linha de Base I, representadas pelas primeiras colunas de cada atividade. Nas sessões do Teste I, representadas pela segunda parte da figura, à direita, a atividade de ler foi escolhida nas três sessões de Teste I e o tempo de permanência nesta atividade aumentou para 20 minutos nas três sessões.
O participante LA escolheu a atividade de ler apenas na segunda sessão da Linha de Base I, permanecendo na atividade por nove minutos. Nas demais sessões, escolheu a atividade de pintar. No entanto, nas sessões de Teste I, a atividade de ler foi escolhida nas três sessões, sendo que o tempo de permanência foi de 20 minutos, na primeira sessão, e de 15 minutos nas demais sessões.
A participante JS escolheu a atividade de ler nas duas primeiras sessões da Linha de Base I e por tempo variando de 15 minutos, na primeira sessão, a cinco minutos na segunda sessão. Na terceira sessão, não escolheu a atividade de ler. Na primeira sessão de Teste I, o tempo de permanência na atividade de ler foi de 15 minutos, mas na segunda esse tempo diminuiu para dois minutos. Na terceira sessão, o tempo de leitura foi de seis minutos. O tempo de permanência na atividade foi alto na primeira sessão, mas não se manteve assim nas demais sessões de Teste I.
O participante FA escolheu a atividade de ler apenas na primeira sessão da Linha de Base I, permanecendo nesta atividade por cinco minutos apenas. Nas demais sessões da Linha de Base I, não escolheu a atividade de ler. Nas três sessões de Teste I, no entanto, FA escolheu a atividade de ler. Mas o tempo de permanência na atividade foi de 12 minutos na primeira sessão, dois minutos na segunda e a oito na terceira sessão. A atividade de jogar foi a preferida nas sessões de Teste I.
A participante LF não escolheu a atividade de ler em nenhuma das três sessões da Linha de Base I, sendo que sua atividade favorita foi pintar. No entanto, nas três sessões de Teste I, LF escolheu a atividade de ler, embora o tempo de permanência tenha variado entre 11 minutos na primeira sessão, a 12 minutos na segunda e oito minutos na terceira sessão. Novamente, o tempo de permanência na atividade de ler foi variando a partir da primeira sessão de Teste I, não se mantendo ao longo das sessões.
De maneira geral, o que se observa é que a atividade de ler foi a atividade mais escolhida na Teste I e o tempo de permanência nesta atividade aumentou para todos os participantes.
A Figura 2 apresenta os dados da Linha de Base II e das sessões do Teste II, juntamente com os dados obtidos na Linha de base II. Comparando-se a Linha de Base II com o Teste II, percentual de escolha pela fotografia da atividade de ler aumentou, em relação à Linha de Base II, para quatro dos seis participantes (IC, LA, JS e LF), embora o percentual de aumento tenha sido variado; por exemplo: enquanto para LA o aumento foi de 18% para 50%, para JS, o aumento foi de 20% para 40% e para LF o aumento foi de 20% para 90%". Para dois deles (FA e LF), não se observou um aumento no percentual de escolha das fotografias referentes à leitura no Teste II.
Discussão
O objetivo proposto para a presente pesquisa foi alcançado: verificar se a conseqüenciação diferencial de descrições verbais sobre leitura teria efeito sobre a emissão do comportamento de ler e sobre a escolha de fotografias relacionadas.
No entanto, identificar os processos comportamentais responsáveis pelo aumento na freqüência da escolha pela atividade de ler e no tempo de permanência nesta atividade, bem como no aumento das escolhas de fotografias que retratavam o ler, é um objetivo mais audacioso e difícil de ser completamente atingido. Sendo assim, a presente discussão apresenta possibilidades de interpretação dos dados.
O aumento, tanto na freqüência da escolha pela atividade de ler, observado na Figura 1, como das escolhas por fotografias relacionadas à atividade de ler (Figura 2), pode ser função não apenas do reforçamento diferencial das descrições verbais, mas da própria descrição verbal "Ler é gostoso (importante, divertido)", que pode ter se tornado um estímulo antecedente condicional para a atividade de ler.
Primeiramente, o reforçamento diferencial desta classe de resposta (tocar frases qualificadoras da atividade de ler, que podem ser interpretados como tatos com autoclíticos qualificadores positivos), nas sessões de treino, pode ter sido importante, uma vez que, como afirma Skinner (1957), qualquer procedimento que clarifica ou melhora a qualidade de um estímulo tem uma função discriminativa importante e possibilita a produção de uma resposta. Neste caso, o fornecimento de pontos a cada escolha correta pode ter aumentado o efeito discriminativo do estímulo verbal envolvido.
Outro processo que pode ter clarificado e melhorado a qualidade do estímulo verbal é o autoclítico qualificador "é gostoso", "é importante", "é divertido", presentes nas frases. Como já apontado, os autoclíticos são operantes verbais que têm como principal conseqüência a modificação do comportamento do ouvinte em relação à resposta verbal emitida (Skinner, 1957; Hübner, 1997, Bandini & De Rose, 2006).
No entanto, para afirmarmos com maior segurança que os autoclíticos exerceram efeitos, precisaríamos ter medido tal variável de um modo mais específico: talvez tendo dois procedimentos, um utilizando frases com autoclíticos e outro utilizando apenas a palavra "Ler", por exemplo. Como essa medida não foi realizada, podemos apenas supor a influência dos autoclíticos qualificadores na emissão do comportamento de ler e do comportamento de escolher fotografias relacionadas ao ler. Por outro lado, dados da literatura foram aqui replicados (Dia & Hübner, 2003), indicando que o autoclítico pode contribuir para tornar a descrição da contingência mais "atraente" ou "motivadora" e, assim, fazer o comportamento ocorrer.
Uma outra forma de descrever este processo é concluir que a descrição verbal, produto do comportamento textual de "Ler é gostoso", funcionou como um estímulo antecedente verbal da resposta de ler, caracterizando-o como um comportamento governado verbalmente. Tal função da descrição verbal pode ser devida a uma possível história de reforçamento na qual, diante de descrições verbais desse tipo, respostas coerentes foram reforçadas.
Schingler (1993) define regras como operações ambientais alteradoras de função, isto é, que alteram a função comportamental de outros estímulos. Os estímulos alteradores de função não evocam os estímulos discriminativos, apenas alteram a função de outros eventos, inclusive dos estímulos discriminativos. São eventos antecedentes que alteram outro evento, os estímulos discriminativos que evocam determinadas respostas. Isto significa dizer, de um outro modo, que o estímulo verbal "Ler é gostoso" alterou a função do estímulo discriminativo "livro".
Além disso, a presença da experimentadora nas sessões de Escolha de Atividades, logo após as Sessões de Treino, pode ter influenciado na escolha da atividade de ler, uma vez que a experimentadora era a mesma pessoa que levava as crianças até o computador e aplicava as sessões de reforçamento diferencial. A presença da experimentadora em ambas as sessões pode ter adquirido função discriminativa para a emissão do comportamento de ler.
Crianças têm, em geral, história de reforçamento de obedecer a pais e professores em sala de aula. A semelhança entre estas situações e a situação experimental pode ter favorecido o controle verbal. Dessa forma, a presença da experimentadora é um ponto a ser manipulado em experimentos futuros, para que se possa ter mais clareza a respeito dessa variável.
Outra possibilidade de análise dos resultados envolve explicar o porquê ler o texto "Ler é gostoso" e não apenas escolher este texto, dentre outros com funções semelhantes, pode ter tido o efeito observado na resposta de ler propriamente dita. Em outras palavras, pode-se inferir que as crianças do presente estudo, pela idade escolar que têm, compreenderam o que leram e, em seguida, emitiram uma resposta relacionada ao que foi lido. O processo de ler com compreensão se relaciona ao conceito de relações de equivalência de estímulos (Sidman, 2000; Hübner, 2006).
Se considerarmos que tanto a frase "Ler é gostoso" como o livro tornaram-se estímulos discriminativos, podemos dizer que ambos ocasionaram, ora a resposta de ler propriamente dita, ora a resposta de escolher fotografias que retratavam a atividade de ler (uma criança com livro).
As relações entre as palavras e os eventos são, como diz Catania (1999), estabelecidas pela comunidade verbal em ambas as direções; nomeamos coisas que vemos e localizamos as coisas que nomeamos, assim como, sob determinadas condições, além de nomear e localizar, fazemos o que dizemos e dizemos o que fazemos.
Pela história já estabelecida da comunidade verbal, as crianças, ao discriminarem a frase "Ler é gostoso", passam a responder diferencialmente à relação envolvida entre o livro e a atividade de ler. Assim, selecionam fotografias contendo criança lendo um livro, mesmo sem serem reforçadas por esta escolha. E, ainda, diante da presença do livro, emitem o comportamento de ler propriamente dito, indicado na frase.
A frase "ler é gostoso", as fotografias e o livro podem ter se tornado, ao longo da vida da criança, membros da mesma classe de estímulos, e respostas a eles podem também ter se constituído parte da classe (Sidman, 2000). Entretanto, tal explicação não invalida a anterior sobre o controle discriminativo que o presente procedimento possa ter instalado, pois a linha de base revela que a reposta de ler não ocorria em freqüência tão alta como aquela observada após os treinos.
A formação de classes de estímulos equivalentes contribui, talvez, para entender porque tais tipos de estímulos (textos, fotografias, objetos e ações) puderam ser relacionados em tão pouco tempo. A história de vida de formação de classes, acrescida daquela de se comportar sob controle verbal podem, juntas, explicar a rapidez do efeito do treino.
Novas pesquisas são importantes para aumentar a generalidade, isolar variáveis (tais como os autoclíticos, a presença do experimentador, a prévia formação de classes de equivalência, o comportamento prévio de responder sob controle verbal, dentre outros) bem como elaborar estratégias experimentais que possam permitir análises mais conclusivas e interpretações mais seguras.
Finalmente, o presente estudo, pelas manipulações experimentais que realizou, não pretendeu propor um procedimento de ensino (ou "motivacional") que se limitasse ao comportamento verbal; pretendeu demonstrar experimentalmente que, bem arranjados os estímulos verbais e não verbais e conseqüenciadas positivamente as respostas diante deles, podem fazer emergir, de modo econômico e rápido, um comportamento relevante - o de ler. Fundamental, entretanto, é que, após ter surgido, seja mantido pelas contingências de reforçamento em sala de aula e na vida.
Referências Bibliográficas
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Recebido em: 08/11/2007
Primeira decisão editorial em: 21/01/2008
Versão final em: 26/03/2008
Aceito em: 26/03/2008
1 Este trabalho foi parte da dissertação de mestrado da primeira autora, sob orientação da segunda autora e contou como apoio da CAPES e do projeto FAPESP/PRONEX , 2003/09928-4, 479436/2003-7.
2 Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia Experimental da USP-SP. E-mail: tcazati@hotmail.com
3 Doutora e docente do departamento de Psicologia Experimental da USP-SP. E-mail: martha@hubner.org.br
4 Professores de informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie que elaboraram o programa em parceria com a USP, sob a supervisão do professor Ubirajara Carnevale.