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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.10 no.1 São Paulo jun. 2008

 

ARTIGOS

 

Dizer e fazer: a prática de exercícios físicos em portadores de diabetes mellitus tipo 21

 

Saying and doing: the practice of physical exercises in individuals with type 2 diabetes mellitus

 

 

Camila Ribeiro Coelho2 ; Amanda Wechsler; Vera Lúcia Adami Raposo do Amaral 3

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

 

 


RESUMO

Pesquisar sobre correspondência verbal pode auxiliar a identificar as variáveis que interferem na adesão ao tratamento, já que se verifica a relação entre o que o paciente diz e o que ele faz. Este estudo teve como objetivo descrever e analisar a correspondência dizer-fazer, em sua ocorrência natural, de três portadoras de diabetes mellitus tipo 2, sobre a sua prática de exercícios físicos. Foi perguntado aos participantes se eles iriam praticar exercícios físicos e, depois, esta prática foi filmada. Os dados revelaram que uma participante apresentou uma boa correspondência, outra apresentou correspondência parcial e a terceira não apresentou nenhuma correspondência Analisando-se os dados demográficos das participantes, levantou-se a hipótese de que variáveis como: escolaridade, nível sócio-econômico, idade e sedentarismo podem ter relação com o grau de correspondência verbal.

Palavras-chave: Correspondência verbal, Diabetes, Adesão.


ABSTRACT

Researches on verbal correspondence can help identifying variables that intervene in treatment adherence, since it is verified the relation between what the patient says and what he/she does. This study had the purpose to describe and analyze the correspondence say-do, in its natural occurrence, of three female adults, with type 2 diabetes mellitus, about their practice of physical exercises. It was asked to the participants if they would practice physical exercises. Later, this practice was filmed. The data show that one participant showed good correspondence, another one showed partial correspondence and the third one did not present any correspondence. Analyzing the demographic data of the participants, it was hypothesized that some variables, such as schooling, social-economic level, age and sedentariness may be related to the level of verbal correspondence.

Keywords: Adherence, Diabetes, Verbal correspondence


 

 

De acordo com a American Diabetes Association [ADA] (2004a), o diabetes mellitus é um grupo de doenças metabólicas que se caracterizam por problemas no metabolismo da glicose. É uma doença crônica resultante de uma deficiência na secreção de insulina, na ação da insulina ou ambos, que irá influenciar negativamente o metabolismo do organismo.

O diabetes do tipo 2 corresponde a cerca de 90 à 95% dos casos de diabetes e caracteriza-se por uma resistência à ação da insulina e por uma deficiência relativa de insulina que se exacerba no decorrer da doença (ADA, 2004a; Soares, Oliveira & Oliveira, 1999). Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes [SBD] (2006), o risco de desenvolver o diabetes mellitus do tipo 2 aumenta com a idade, a obesidade e a falta de atividade física.

Durante a evolução da doença, podem advir complicações agudas ou crônicas, sendo as principais delas: perda da visão, insuficiência renal, problemas cardiovasculares, risco de úlceras ou amputações nos pés, além de disfunção sexual. No entanto, o tratamento adequado pode evitar ou reduzir a intensidade destas complicações (ADA, 2004a; Oliveira, 1999).

Embora o diabetes seja uma doença associada especialmente à hereditariedade, sabe-se que determinados comportamentos do indivíduo contribuem para seu agravamento. Assim, a abordagem terapêutica envolve, além de medicamentos, uma série de mudanças de estilos e hábitos de vida dos pacientes (Assunção, Santos & Costa, 2002).

O tratamento do paciente portador de diabetes visa ao equilíbrio metabólico, procurando tornar os níveis de glicemia, da pressão arterial e o peso o mais próximos do normal. O tratamento inclui medidas medicamentosas e as não-medicamentosas (ADA, 2004b).

Uma das medidas não-medicamentosas refere-se à realização de exercício físico. A prática de exercícios físicos regulares ajuda a diminuir ou manter o peso, melhora o controle glicêmico, reduz os fatores de doença cardiovascular, minimiza a necessidade de antidiabéticos orais e a resistência à insulina (Wajcberg, Aguiar & Oliveira,1999).

A SBD (2006) aponta algumas recomendações referentes à prática de exercícios físicos; são basicamente propostos exercícios aeróbicos, como: caminhada, ciclismo, natação, dança, entre outros, com freqüência de três a cinco vezes por semana, durante 30 a 60 minutos por dia ou 150 minutos por semana, em ritmo moderado.

Um dos problemas mais importantes no tratamento das doenças crônicas está no baixo índice de adesão ao tratamento. Vários estudos mostraram que pacientes portadores de diabetes mellitus dificilmente seguem o tratamento proposto pelos profissionais de saúde, sendo que as taxas de não adesão costumam variar de 40 a 90% (Gonder-Freederick, Julian, Cox, Clarke & Carter, 1988). Além disso, estes pacientes parecem aderir mais às medicações prescritas do que às mudanças no estilo de vida, entre elas a prática do exercício físico (Anderson, Fritzgerald & Oh, 1993).

A adesão ao tratamento pressupõe um envolvimento ativo, voluntário e colaborativo do paciente em emitir comportamentos que produzam resultados terapêuticos no sentido de controlar a doença (Delamater, 2006). Implica em o paciente assumir responsabilidades sobre o seu tratamento, tornando-se um participante ativo dentro de um processo que torna possível modular os estados biológicos por meio do comportamento humano.

De acordo com Wagner, Schnoll e Gipson (1998), o tratamento do diabetes contém todos os aspectos que tornam a adesão ao tratamento mais difícil, pois a baixa adesão geralmente ocorre com doenças que não apresentam um desconforto imediato ou risco evidente – o que é característico de doenças crônicas –, quando mudanças no estilo de vida são solicitadas, quando o tratamento é complexo e os comportamentos não podem ser diretamente supervisionados e, por fim, quando a meta é a prevenção ou controle dos sintomas, e não a cura da doença.

Malerbi (2000) aponta que uma das grandes dificuldades em se estudar a questão da adesão ao tratamento está na falta de procedimentos eficazes para avaliar o comportamento de adesão. Assim, este estudo concentrar-se-á num procedimento que vai além do relato verbal: a correspondência verbal. Ao se examinar a correspondência verbal, estar-se-á investigando se o que o indivíduo diz é coerente com o que ele faz.

Para entender a relação médico-paciente, na qual o médico dá uma instrução verbal para que o paciente emita um comportamento não-verbal, é necessário entender as relações entre comportamento verbal e não-verbal, ou seja, entre dizer e fazer (Catania, 1998/ 1999).

As pesquisas em correspondência dizer-fazer utilizam-se de treino de correspondências, ou seja, uma técnica para estabelecer, manter, diminuir ou extinguir comportamentos não-verbais por meio do controle do ouvinte sobre o comportamento verbal do falante (Karlan & Rusch, 1982). Os treinos de correspondência investigam a relação do controle dos estímulos antecedentes sobre a resposta verbal, ou seja, eles visam alterar a relação entre uma resposta verbal e uma resposta não-verbal (Lloyd, 2002). Esses treinos geralmente envolvem três fases: a linha de base, o reforçamento de verbalizações e o reforçamento da relação entre comportamento não-verbal e verbal (reforçamento da correspondência). Desta forma, Pérez (2000) afirma que o treino de correspondência pode ser tratado como um comportamento governado por regras, já que as contingências que estabelecem o comportamento governado por regras são efetivas porque fazem com que as conseqüências dependam da relação entre os antecedentes verbais e o comportamento subseqüente.

Deste modo, a correspondência verbal pode ser definida como a relação entre o comportamento verbal e o não-verbal de um indivíduo, entendendo-se como comportamento verbal aquele mediado por outra pessoa (Skinner 1957/ 1978).

A comunidade verbal mantém as correspondências entre o comportamento verbal e os eventos ambientais, porque somente quando o comportamento do falante for consistente é que ele fornece estímulos discriminativos para gerar um comportamento no ouvinte. Ao longo da vida do indivíduo, a comunidade testa intermitentemente a fidedignidade de um relato sobre um evento (Catania 1998/ 1999).

A correspondência verbal pode ser verificada em três seqüências: dizer-fazer, fazer-dizer e dizer-fazer-dizer. No treino dizer-fazer, o reforço é liberado quando a pessoa verbaliza o comportamento não-verbal futuro e depois o emite. No treino fazer-dizer, a pessoa emite um comportamento não-verbal, depois fala sobre ele e aí o reforço é liberado (Beckert, 2005). Já no treino dizer-fazer-dizer, a pessoa promete, faz, relata e só aí o reforço é liberado. Este estudo se concentrará na seqüência dizer-fazer, já que esta está relacionada com autocontrole e coerência (Herruzo & Luciano, 1994), o que é importante quando se fala em automonitoramento de pessoas portadoras de diabetes e como elas o relatam a seus médicos.

Diversas pesquisas que se utilizaram da seqüência dizer-fazer comprovaram o controle do comportamento verbal sobre o não-verbal, a chamada “regulação verbal do comportamento” (Catania, 1998/ 1999; Herruzo & Luciano, 1994; Risley & Hart, 1968; Sherman, 1964).

A pesquisa de Ribeiro (1989) foi considerada um “divisor de águas” nas pesquisas sobre correspondência, pois se preocupou em medir a correspondência antes dela ser treinada e constatou que 99% dos participantes de sua pesquisa já possuíam, em seu repertório, o comportamento de correspondência na linha de base, o que foi um avanço em relação aos estudos anteriores, que supunham que as crianças não apresentavam um repertório preciso de auto-relato anterior ao treino de correspondência. Brodsky (1967) encontrou resultados semelhantes anteriormente, porém sem fazer a discussão proposta por Ribeiro (1989).

Estudos mais atuais também corroboram os dados de Ribeiro (1989). Esses estudos, ao contrário da grande maioria das pesquisas em correspondência verbal, limitaram-se a descrever o fenômeno da correspondência e concluíram que esta pode surgir naturalmente, sem necessidade de treino (Baer & Detrich, 1990; Dihle, Bjolseth & Helseth, 2006; Guimarães, 2002; Hughes, Oliveto & Terry, 1996; Pergher, 2002; Sadi, 2002).

Hübner, Almeida e Faleiros (2006) realizaram estudo semelhante ao aqui proposto, porém com estudantes universitários sedentários. Nesse estudo, os autores se propuseram a realizar um treino de correspondência, porém somente com linha de base e reforçamento da verbalização de autoclíticos; isto é, os participantes eram reforçados socialmente quando verbalizavam algo positivo em relação a exercícios físicos. Os resultados demonstraram que o reforçamento da verbalização não aumentou o fazer, isto é, os participantes continuaram sem realizar atividades físicas. Quando lhes foi dada uma instrução explícita, eles fizeram; porém, somente alongamentos, no máximo. Somente quando foi colocada uma instrução com anúncio de contingência não-verbal (ganhariam 30 reais se fizessem os exercícios) é que o fazer foi alcançado.

Um estudo que teve como tema a questão da correspondência verbal aliada aos problemas de saúde foi a pesquisa realizada por Teixeira (2005), que buscou efetuar um treino de correspondência, com os comportamentos adequados referentes à alimentação e à realização de atividade física, que são aspectos fundamentais para o tratamento da Hipertensão Arterial Sistêmica [HAS]. Os participantes deste estudo foram quatro pacientes hipertensos atendidos pelo serviço de saúde de uma empresa do estado do Pará. Portanto, o objetivo do estudo foi fortalecer a seqüência dizer-fazer-relatar a partir da realização de três etapas: etapa pré-treino, que consistiu na identificação dos conhecimentos acerca da HAS e de seu tratamento, além das dificuldades em aderir ao tratamento anti-hipertensivo; etapa de treino, em que os participantes foram expostos a cinco atividades do treino de correspondência: na primeira delas, os participantes registraram os comportamentos relevantes para o tratamento, com o objetivo de treinar a seqüência fazer-relatar na segunda atividade do treino, a pesquisadora ofereceu dicas verbais para que os participantes relatassem as classes de comportamentos emitidas em casa e registradas na ficha que também deveria ser preenchida em casa; a terceira atividade do treino consistiu em os participantes compararem os desempenhos relatados na ficha preenchida em casa, com as instruções contidas no material informativo para hipertensos (informações sobre atividade física, peso ideal e alimentação); em seguida, cada participante estabeleceu que classes de comportamento do tratamento anti-hipertensivo seriam modificadas, e estabeleceu o que pretendia fazer com relação às metas estipuladas. Enfatizou-se, assim, a seqüência dizer-fazer; na penúltima etapa do treino os participantes relataram quais comportamentos deveriam emitir e quais emitiram efetivamente (seqüência dizer-relatar); e na última atividade do treino de correspondência, houve o registro de comportamentos adequados em relação ao tratamento e à comparação com comportamentos efetivamente emitidos. Por fim, na etapa de pós-treino, foi feita uma entrevista final com o intuito de comparar os relatos com a entrevista inicial. Os resultados demonstraram que os quatro participantes aumentaram a adesão ao tratamento, o que pôde ser inferido a partir do aumento da freqüência de relato de comportamentos alimentares adequados e da prática de atividade física após o treino de correspondência, aliados às modificações nos dados clínicos, como a redução da pressão arterial, do peso e/ou da dislipidemia.

Partindo da perspectiva em aliar os estudos de correspondência verbal ao contexto de saúde, o presente estudo teve como objetivo descrever e analisar a correspondência dizer-fazer, em sua ocorrência natural, de três adultos portadores de diabetes mellitus tipo 2 sobre a sua prática de exercícios físicos, a fim de contribuir com as pesquisas na área de adesão ao tratamento.

 

Método

Participantes: participaram do estudo três indivíduos adultos, do sexo feminino, portadores de diabetes mellitus tipo 2, com idades variando entre 48 a 70 anos e que realizavam acompanhamento médico em um centro de saúde da cidade de Campinas. A participante 1 (P1) tinha 48 anos, ensino fundamental completo, era vendedora, tinha renda acima de quatro salários mínimos e era sedentária. A participante 2 (P2) tinha 62 anos, ensino fundamental incompleto, era aposentada, tinha renda de um salário mínimo e não era sedentária. A participante 3 (P3) tinha 70 anos, ensino fundamental, era dona de casa, tinha renda de dois salários mínimos e era sedentária.

Materiais: foram utilizados halteres, tornozeleiras, step e colchonete, além da ficha de identificação, termo de consentimento livre e esclarecido e roteiro de entrevista semidirigida.

Local: Uma sala, equipada com os materiais citados acima, dentro de um centro de saúde, na cidade de Campinas.

Procedimento: Inicialmente, foi solicitado, à equipe médica do centro de saúde, o encaminhamento de pacientes com o diagnóstico de diabetes mellitus tipo 2. Após o encaminhamento, as pesquisadoras entraram em contato com as participantes do estudo, que foram orientadas, por telefone, a virem vestidas com roupas apropriadas para ginástica.

Na sala, foi dito o seguinte às participantes: “Aqui há alguns materiais para ginástica. Cada material tem uma função” (as pesquisadoras explicaram a função de cada um dos materiais e mostraram como se utilizava cada um deles). Esta explicação foi dada às participantes porque não se sabia o repertório anterior delas de praticar exercícios físicos com o material disponível.

Depois da explicação, foi realizada uma entrevista com cada uma das participantes, em que foi perguntado: “O que você pretende fazer na sala de ginástica?”, “Você irá usar algum material de ginástica da sala? Qual?” e “Quanto tempo, no total, você pretende se exercitar?”. As respostas das participantes a essas perguntas não tiveram nenhum tipo de conseqüenciação por parte das pesquisadoras; estas procuraram interferir o mínimo possível nas verbalizações das participantes, já que se pretendia observar a emergência de correspondência natural.

Após isto, as pesquisadoras foram, junto com as participantes, até o local onde estavam os materiais de ginástica e filmaram a prática dos exercícios físicos de cada participante individualmente, com o devido consentimento das mesmas. A realização ou não-realização de exercícios físicos também não sofreu nenhum tipo de conseqüenciação por parte das pesquisadoras.

O tempo disponível para a realização dos exercícios físicos variou de acordo com cada participante, pois ela mesma determinava o final da atividade. Assim, as pesquisadoras davam uma instrução geral: “Me avise quando você quiser encerrar” e a participante dizia quando gostaria de encerrar a atividade, por exemplo, “Estou cansada. Quero parar”.

 

Resultados e discussão

Os resultados foram analisados a partir das entrevistas e das filmagens dos exercícios físicos realizados, para cada participante, individualmente. Os dados são apresentados em tabelas, que se referem à entrevista e ao vídeo (correspondência dizer-fazer).

Como se pode ver na Tabela 1 abaixo, a participante 1 teve uma boa correspondência entre seus comportamentos verbal e não-verbal: usou as tornozeleiras e os halteres, como havia dito que iria fazer (apresentou correspondência dizer-fazer); entretanto, ficou mais tempo fazendo exercícios do que disse que iria fazer. Como o tempo em que ficou se exercitando foi aproximado ao tempo em que disse que iria fazer (“prometeu” 5 minutos e ficou 6 minutos e 43 segundos), considerou-se aqui que P1 apresentou uma boa correspondência verbal, já que ela não possuía relógio.

 

 

A participante 2 obteve uma correspondência verbal parcial entre seu dizer e o fazer. Isto porque a participante primeiramente disse que usaria os halteres, o que realmente aconteceu. Depois, ela disse que usaria todos os aparelhos, mas usou apenas os halteres em todo o tempo em que se exercitou. Já quanto ao tempo, a participante disse que se exercitaria de 15 a 20 minutos e ficou por 11 minutos, o que pode ser considerado correspondente, já que as participantes não dispunham de relógio e nem havia qualquer marcador de tempo na sala. Pelo fato de a participante ter dito que usaria todos os aparelhos disponíveis na sala e não os ter utilizado, considerou-se, aqui, que ela obteve correspondência verbal parcial, explicitada na tabela abaixo.

A participante 3 não apresentou nenhuma correspondência verbal. A participante, quando questionada na entrevista, disse que usaria todos os aparelhos disponíveis na sala, por 10 minutos, mas ficou, durante a filmagem, 13 minutos olhando para a câmera, em pé, sem fazer nada.

Considerando-se, então, os resultados das participantes e seus respectivos dados demográficos, pode-se propor a hipótese de que a emergência de correspondência verbal natural pode estar relacionada a algumas variáveis demográficas, como: idade, nível sócio-econômico e nível educacional. No caso da prática de exercícios físicos, inclui-se ainda a variável do sedentarismo. É interessante notar que as participantes apresentaram maior correspondência quanto menor era a sua idade, maior seu nível sócio-econômico, maior nível educacional e menor sedentarismo.

Assim, P1, que era mais nova, tinha melhor nível sócio-econômico e maior escolaridade, teve melhor correspondência. P2, era um pouco mais velha, tinha menor escolaridade e nível sócio-econômico, mas não era sedentária e teve uma correspondência parcial. Já P3 era a mais idosa, tinha pior nível sócio-econômico e escolar e era sedentária.

 

 

 

Estes dados corroboram os relatos de Araújo (2004) e Gleeson-Kreig (2006), que apontaram que, embora haja uma grande quantidade de informações científicas recentes a respeito dos benefícios do exercício físico para os diabéticos, a realização efetiva de atividade física ainda é muito pequena em adultos com diabetes do tipo 2. Um exemplo foram os dados obtidos no estudo realizado por Assunção et al. (2002) em centros de saúde da região de Pelotas, no Rio Grande do Sul, em que foi indicado que dentre 75% dos pacientes diabéticos que receberam orientações quanto à prática de atividades físicas, apenas 25% haviam realizado algum tipo de exercício físico. Outro dado que corrobora este estudo foi a pesquisa realizada por Anderson et al. (1993), que envolveu 1202 pacientes que foram divididos em dois grupos (baixa adesão e alta adesão) com base nas respostas a um questionário. Os resultados apontaram que apenas 57% dos pacientes que faziam parte do grupo de alta adesão realizavam exercícios físicos, demonstrando a dificuldade dos pacientes em incorporar os exercícios físicos na sua rotina diária.

Araújo (2004) ainda ressalta que existe uma tendência significativa para que haja a prevalência de sedentarismo nas faixas etárias mais elevadas, e que, na prática, observa-se que indivíduos diabéticos mais jovens respondem melhor aos benefícios que o exercício físico traz para o controle glicêmico.

Já uma revisão bibliográfica realizada por Valle, Viegas, Castro & Toledo Jr. (2000) constatou que o nível intelectual e a classe social não são claramente determinantes da adesão ao tratamento, uma vez que há discordância na literatura sobre o assunto -, de que o baixo nível intelectual e classes sociais menos favorecidas sejam fatores isolados que ocasionariam uma menor adesão ao tratamento. A relação médico-paciente e as características do esquema terapêutico também são variáveis que poderiam influenciar na adesão.

Assim, faz-se necessário avaliar outras variáveis importantes, como a história de vida do sujeito. Este pode ter uma história prévia de cuidados com a saúde ou ainda uma história de correspondência entre seus comportamentos verbal e não-verbal. Novamente, esta história prévia é aprendida naturalmente, tanto por meio de contingências quanto por meio de instruções fornecidas pela comunidade verbal (Catania, 1998/1999).

Quanto à P3, que não apresentou correspondência entre o seu dizer e o seu fazer, pode-se pensar em algumas hipóteses: a participante pode não ter ficado sob controle dos questionamentos das pesquisadoras, pode ter esperado que as pesquisadoras dessem alguma instrução explícita, pode ter ficado sob controle da contingência de estar sendo filmada ou não apresentou autocontrole. Como descreveu Beckert (2005), a seqüência dizer-fazer está relacionada ao autocontrole, pois o indivíduo precisa planejar suas ações futuras.

É fundamental observar também que a prática de exercícios físicos requer um alto custo de resposta, principalmente para indivíduos sedentários, que não têm este hábito. Assim, pelo fato de as participantes terem uma idade avançada e possuírem uma doença crônica (diabetes), a emergência de correspondência e o pouco tempo de prática de exercício podem ter sido prejudicados. Ao mesmo tempo, como a diabetes 2 geralmente aparece em pessoas mais idosas, não foi possível selecionar participantes mais jovens.

Do mesmo modo, pode-se verificar, pelos resultados apresentados pelas participantes deste estudo, que a correspondência verbal pode emergir de forma natural, sem necessidade de treino, como vinham fazendo pesquisas anteriores. Como alguns estudos sugerem (Baer & Detrich, 1990; Brodsky, 1967; Dihle & cols., 2006; Guimarães, 2002; Hughes & cols., 1996; Pergher, 2002; Ribeiro, 1989; Sadi, 2002), a correspondência verbal pode ser algo naturalmente aprendido, proveniente de uma longa história de reforçamento por fazer promessas e cumpri-las ou de apresentar relatos fidedignos (Baum, 2005/2006). A comunidade verbal mantém as correspondências entre o comportamento verbal e os eventos ambientais porque somente quando o comportamento do falante for consistente é que ele fornece estímulos discriminativos para gerar um comportamento no ouvinte (Catania, 1998/1999).

Pode-se, então, supor que o comportamento verbal das participantes P1 e P2 (considerando-se que P2 apresentou correspondência verbal parcial) controlou seu comportamento não-verbal, a chamada “regulação verbal”, como sugerem algumas pesquisas em correspondência que se utilizam da seqüência dizer-fazer (Catania 1998/1999; Herruzo & Luciano, 1994; Israel, 1973; Risley & Hart, 1968; Sherman, 1964). Na medida em que a comunidade verbal estabelece contingências para tais correspondências, pode-se modificar o comportamento modelando o que se diz acerca de si mesmo (Jonas, 1995). Assim, se forem reforçados tanto o dizer quanto a correspondência entre dizer e fazer, o fazer poderá ocorrer e o próprio comportamento verbal de cada um pode tornar-se eficaz como um estímulo instrucional (Catania, 1998/1999).

Desta maneira, se o comportamento verbal do próprio participante controla seu comportamento não-verbal, ele pode também vir a fazer com que o comportamento verbal do médico (instrução) controle o seu comportamento não-verbal (seguir as regras dadas pelo médico: fazer a dieta, mensurar a glicemia e realizar atividades físicas). Como afirmam Amorim e Andery (2002), é importante que o analista do comportamento seja capaz de prever as circunstâncias nas quais o fornecimento de um antecedente verbal, sob a forma de uma instrução ou regra, será capaz de controlar ou não a emissão de uma determinada resposta.

 

Considerações finais

É importante salientar que este estudo foi realizado com poucos participantes e, portanto, os dados aqui obtidos não podem ser generalizados.

A presença das pesquisadoras juntamente com a câmera de filmagem pode ter influenciado nos resultados apresentados pelas participantes, principalmente P3 que apresentou não-correspondência entre os seus comportamentos verbal e não-verbal. As participantes podem ter ficado sob controle desta contingência e não ter se comportado como se comportariam se não estivessem sendo filmadas, ou seja, este equipamento pode ter artificializado os resultados. Por outro lado, como era necessário algum tipo de mensuração do comportamento das participantes, optou-se pela câmera, que retrataria com a maior fidedignidade possível o que as mesmas fizeram na sala de ginástica.

Outro aspecto importante foi a idade das participantes. Aqui, utilizaram-se participantes mais velhas, porque era essa a realidade do ambiente no qual o estudo foi realizado. Em estudos futuros, recomenda-se a participação de indivíduos mais jovens para verificar se há diferença no grau de correspondência verbal apresentada pelos mesmos.

Também se sugere que mais estudos descritivos, analisando a correspondência verbal em sua ocorrência natural, sejam realizados, a fim de se obterem dados mais consistentes sobre suas variáveis controladoras. Entendeu-se por “correspondência natural” aqui, neste estudo, a emergência de correspondência verbal não treinada, ou seja, a não conseqüenciação de comportamentos de correspondência ou não-correspondência apresentados pelas participantes, visando verificar como estas relacionavam os seus comportamentos verbal e não-verbal, sem liberação de reforço, ao contrário do que geralmente ocorre nos treinos de correspondência.

Deve-se destacar a importância desta pesquisa tanto para estudos de adesão ao tratamento quanto para estudos de correspondência verbal. Desta forma, é importante que os analistas do comportamento identifiquem e considerem as variáveis de controle do comportamento a fim de buscar estratégias para lidar com as condições presentes, não só no contexto da saúde como também em todos os ambientes nos quais a presença de um psicólogo se faz necessária.

 

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Recebido em: 21/06/2007
Primeira decisão editorial em: 12/11/2007
Versão final em: 27/02/2008
Aceito em: 28/01/2008

 

 

1Esta pesquisa foi realizada como parte da dissertação de mestrado das duas primeiras autoras. As autoras agradecem ao CNPQ pelo financiamento da pesquisa.
2 E-mail: camilarico@terra.com.br
3Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo e professora do Curso de Pós-Graduação em Psicologia como Ciência e Profissão da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.