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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.13 no.3 São Paulo dez. 2011

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Episódios verbais como instrumento para a análise da relação terapêutica

 

Verbal episodes as instrument to analyze the therapeutic relationship

 

 

João JulianiI; Marcos Roberto GarciaII,*; Celso Apparecido Athayde NetoIII; Lívia Gabriela Selleti MassabkiIV; Marina Fonseca Carioba ArndtV

IDoutor em Psicologia e coordenador do projeto. Centro Universitário Filadélfia - UniFil
IIMestre em Psicologia e coordenador do projeto. Centro Universitário Filadélfia - UniFil
IIIEstagiário Bolsista. Centro Universitário Filadélfia - UniFil
IVEstagiária Voluntária. Centro Universitário Filadélfia - UniFil
VEstagiária Voluntária. Centro Universitário Filadélfia - UniFil

 

 


RESUMO

Identificar as variáveis que estão envolvidas no processo terapêutico contribui para a compreensão dessa relação. Esta pesquisa teve por objetivos verificar os operantes verbais que ocorrem na interação cliente-terapeuta, identificar a unidade de comportamento e delimitar o episódio verbal na relação terapêutica. Participaram da pesquisa uma cliente e um terapeuta do curso de Psicologia da UniFil. Duas sessões foram filmadas e transcritas delimitando cada episódio verbal. Os episódios identificados como tatos (55 episódios - 90,5%) eram controlados por estímulos específicos da vida cotidiana do falante/cliente dos quais 19 foram classificados como tatos impuros. A baixa frequência de mandos (6 - 9,5%) em relação à alta frequência de tatos pode estar relacionada com as consequências emitidas pelo terapeuta para as respostas de mando. O tratamento das verbalizações possibilitou descobrir os controles das respostas verbais e colocou o terapeuta em contato com variáveis importantes da relação terapêutica contribuindo para uma mudança no comportamento do cliente.

Palavras-chave: comportamento verbal; relação terapêutica; episódios verbais; operantes verbais; pesquisa de processo.


ABSTRACT

To identify variables in the therapeutic process contributes to a better comprehension of client-therapist relationship. The objective of this research are to verify verbal operants that occur in the client-therapist relationship, identify a behavior unit and define the verbal episode in the therapeutic relationship. Two therapeutic sessions were recorded and transcribed defining each verbal episode. The episodes identified as tacts (55 episodes; 90,5%) were controlled by specific stimulus of speaker/client everyday life of which 19 were classified as impure tacts. The low frequency of mands (6; 9,5%) compared to the high frequency of tacts may be related to the consequences displayed by the therapist to the mand responses. The verbal analysis of the speeches permitted a clear control of verbal responses and allowed the therapist a close contact with important variables of the client-therapist relationship, contributing to change the clients behaviors.

Key-words: Verbal Behavior; Client-therapist Relationship; Verbal Episode; Verbal Operants; process research.


 

 

Introdução

A relação terapêutica é construída dentro de um universo verbal. Análise dessa relação em episódios verbais, como sugere Skinner (1957), pode ser um caminho produtivo para o entendimento das sutilezas ocorridas na relação entre terapeuta e cliente. A relação terapêutica tem sido estudada de diferentes maneiras, como pode ser observado em Baptistussi (2001), Garcia (2001), Nardi e Meyer (2008), Vieira-Santos e Canaan (2008), Brandão e Silveira (2004) entre outros. Porém, nesses estudos o comportamento verbal é utilizado como recurso para outras análises, como, por exemplo, (1) identificação da frequência de respostas verbais do cliente e do terapeuta, (2) categorização estrutural do registro das sequências de respostas verbais, ou (3) medida indireta no entendimento desta relação. Apesar de ser relevante, o tratamento do comportamento verbal é diferente do que será apresentado nesta pesquisa.

Kohlenberg e Tsai (1991) abordam o comportamento verbal como um instrumento suplementar para a identificação de comportamentos clinicamente relevantes dentro do contexto clínico. Meyer, Oshiro, Donadone, Maver, Starling (2008), através do estudo teórico dos conceitos de causalidade múltipla, autoclíticos e edição, enfocam, ainda, que a terapia analítico-comportamental pode ser aprimorada através da utilização dos conceitos e taxonomias proposta por Skinner (1957).

Muito embora esteja firmada a importância da proposta de Skinner (1957) para o entendimento da relação terapêutica analítico-comportamental, um compêndio teórico e prático envolvendo essa relação ainda se apresenta tímido.

O modelo de análise do comportamento verbal proposto por Skinner (1957) busca esclarecer que nada é transmitido de um para o outro e que o significado do que é falado só pode ser encontrado nas relações do indivíduo com o seu mundo (história de vida) verbal e não verbal. Toda essa análise é pautada na ideia de seleção pelas consequências.

O comportamento verbal é um operante selecionado por contingências que envolvem outro indivíduo da mesma comunidade verbal. Skinner (1957) definiu, inicialmente, comportamento verbal como um tipo de comportamento cujas consequências são mediadas por outras pessoas (ouvintes). Mais tarde, em sua obra, acrescenta que essa mediação só ocorrerá se a comunidade, em que o operante foi selecionado, tiver sido treinada para fortalecer este comportamento.

A interação entre os homens se tornou complexa ao longo da evolução da espécie a ponto de produzir um ambiente verbal que pode ser descrito, reorganizado, especificado de acordo com o nível de privação, estimulação aversiva e do contato com o ambiente não verbal. Skinner (1957) organiza esse campo em dois grupos: formal e temático. O primeiro inclui os operantes ecoar, copiar, ler, tomar ditado, que apresentam correspondência, ponto a ponto, entre o estímulo e a resposta. O segundo agrupa os operantes mandar, tatear, intraverbalizar e o rearticular/organizar (autoclítico), que não apresentam correspondência, ponto a ponto, entre o estímulo e a resposta (MATOS, 1991). Uma forma de descrever o mundo e colocar o ouvinte em contato com ele é o papel fundamental do operante verbal denominado tato. Definido por ser evocado por um estímulo particular e mantido por reforçamento generalizado, é "o mais importante operante verbal, por causa do controle único exercido pelo estímulo anterior" (SKINNER, 1957 p. 83). Esse operante verbal é de especial importância na psicoterapia por colocar o ouvinte (no caso o terapeuta) em contato com situações às quais somente o falante (cliente) teria acesso (comportamentos privados ou públicos ocorridos fora do contexto clínico).

Uma característica importante do operante tato é a relação direta da resposta verbal com seus estímulos antecedentes, porém, segundo Skinner (1957), condições especiais afetam o controle de estímulos, produzindo um tipo de tato denominado como impuro.

Os tatos impuros são mantidos por reforçadores não generalizados, pois as consequências específicas produzidas por esse tipo de comportamento são mais importantes do que as consequências generalizadas usualmente dispostas pela comunidade verbal. Para Skinner (1957), o tato impuro é o resultado da mistura das relações de controles características do tato e do mando. Em outras palavras, são tatos com impurezas de certas funções de mando. O autor relata que a maior parte dos tatos são impuros, pois estes não teriam sobrevivido sem uma medida especial de reforço. Tatos puros são mais comumente encontrados nos processos de aquisição de comportamento verbal.

Diferentemente do tato, o mando é um operante verbal que ocorre em condições de privação e/ou estimulação aversiva. Esse operante é fortalecido por estímulos especificados na instrução dada pelo falante. Não mantém relação especial com o estímulo anterior, permitindo ao ouvinte inferir algo sobre a condição de privação e aversividade do falante, beneficiando pouco, ou quase nada, o ouvinte, no sentido de descobrir as relações entre os eventos.

Na definição de comportamento verbal proposta por Skinner (1957), a análise do mando recai sobre o comportamento do falante, porém não é descartada a importância de um ouvinte para que se constitua o que ele chamou de episódio verbal.

Um episódio verbal é definido como trocas entre falante e ouvinte de tal forma que o comportamento de um afete o comportamento do outro.

"Numa descrição completa de um episódio de fala, precisamos mostrar que o comportamento do ouvinte proporciona de fato as condições que tínhamos suposto na explicação do comportamento do falante. (...) As trocas entre eles [falante e ouvinte] devem explicar todas as condições assim assumidas. A descrição do episódio total está então completa". (SKIN-NER, 1957 p. 34)

Segundo Hübner (1999, p. 386), "requer-se, para que haja o comportamento verbal, um falante e um ouvinte, conjunto que é denominado, por Skinner, de 'episódio verbal'".

A pesquisa relatada aqui teve como objetivos verificar os operantes verbais na interação cliente/terapeuta, identificar a unidade de comportamento (descrever a resposta, o antecedente e a consequência) e delimitar o episódio verbal na relação terapêutica, avançando no entendimento do processo psicoterápico e contribuindo para a clareza desta relação e na formação de novos terapeutas.

 

Método

Participantes: Uma cliente do Serviço de Psicologia da UniFil, solteira, com formação superior, 27 anos, desempregada, que apresentava como queixa dificuldade de relacionamento interpessoal, denominada na pesquisa de cliente/falante.

Um aluno do quinto ano do curso de Psicologia da UniFil, que atendeu a cliente como requisito de um estágio extra curricular. O aluno recebeu supervisão de acordo com o procedimento normal da clínica escola, denominado na pesquisa de terapeuta/ouvinte.

Seleção de Participante

A cliente/falante foi selecionada a partir de uma triagem padronizada pelo serviço de psicologia. Foram conduzidas seis sessões durante o período de realização da pesquisa. As quatro sessões iniciais foram conduzidas e supervisionadas dentro da rotina do serviço de psicologia. As duas sessões seguintes (5ª. e 6ª.) foram objetos de análise desta pesquisa e foram denominadas 1ª e 2ª sessão. Ao final da 4ª sessão, a cliente foi convidada a participar do estudo, após uma avaliação feita pelo supervisor, na qual se verificou que o procedimento da pesquisa não traria prejuízos ao processo psicoterápico. Ainda como requisito da conduta ética da pesquisa, a cliente foi mantida em atendimento, pelo mesmo aluno, ao término da coleta de dados. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, consentido pela participante, assegurava o seu anonimato, bem como o acesso restrito do material aos pesquisadores e a destruição dos registros ao término da pesquisa. Da mesma forma, assegurou-se a possibilidade da cliente desistir da participação da pesquisa sem interrupção do processo psicoterápico.

O terapeuta/ouvinte foi convidado a participar da pesquisa e informado que a sua participação ou desistência da mesma não acarretaria nenhum prejuízo ao estágio extra curricular. Foi garantido ao terapeuta/ouvinte o acesso restrito do material aos pesquisadores.

Local e equipamento: Foram utilizadas duas salas de atendimento, separadas por um espelho com visão unidirecional (sala de atendimento e de observação). A sala de atendimento continha 10,6 m2, três cadeiras, uma mesa, um divã e duas microcâmeras. A cadeira do terapeuta e o divã estavam diametralmente opostos, assim como as duas microcâmeras (embutidas na parede), dispostas de tal forma que uma focalizava o terapeuta e, a outra, a cliente. A microcâmera que focalizava o terapeuta estava a uma distância de 1,9 m do mesmo, enquanto a que focalizava a cliente estava a 4 m dela. Na sala de observação, havia um videocassete e uma televisão acoplados às microcâmeras. As sessões eram registradas em fitas áudio e videoteipe - Video Home System (VHS).

Tratamento de dados

O tratamento dos dados envolveu a transcrição dos relatos do terapeuta/ouvinte e da cliente/falante. Em uma tabela, foram alocadas as respostas verbais do cliente, como falante, na linha superior e as do terapeuta, como ouvinte, na linha inferior. A duração de cada "fala"do falante/cliente e do ouvinte/ terapeuta, bem como as pausas do "diálogo" foram cronometradas e os dados foram alocados na forma de episódio verbal como proposto por Skinner (1957). Tomaram-se como critérios para delimitar cada resposta verbal (Rv) (1) as pausas acima de um segundo, e (2) a intervenção verbal do ouvinte/terapeuta. A Figura 1 exemplifica este tratamento dado às duas sessões.

Nos episódios verbais, cada sequência de resposta (falante/cliente) e consequência (terapeuta/ouvinte) foi classificada de acordo com as categorias funcionais temáticas propostas por Skinner (1957). A unidade de análise foi delimitada utilizando dois critérios: (1) a mudança de assunto em um contínuo, (2) as pausas entre uma fala e outra.

Para Johnston e Pennypacker (1993), a unidade de análise de uma pesquisa é "a parte constituinte do fenômeno inteiro que serve de base do estudo experimental" (p. 66). As falas do terapeuta/ouvinte e da cliente/falante foram agrupadas arbitrariamente em classes de respostas de acordo com o que falavam em sessão.

Ainda citando Johnston e Pennypacker (1993)

"o conceito de classe de resposta como uma unidade de análise não há um significado único dentro de um contínuo molar-molecular que constitua como uma única ideia de análise. Separando uma resposta de todo o restante de um repertório de um organismo é sempre arbitrário em algum grau" (p. 84).

Seguindo o que os autores consideram, o ato de selecionar uma classe de resposta é metaforicamente como o ajustar a lente de um microscópio; com isso, o foco dependerá do que o pesquisador estiver procurando.

As sessões terapêuticas foram realizadas semanalmente e tinham duração aproximada de 50 minutos. A coleta de dados ficou submetida às características da clínica escola: atraso, falta ou remarcação de sessão por parte do cliente/falante.

 

Resultados e Discussão

Os episódios verbais da primeira sessão foram classificados em 29 Tatos (94%) e 2 Mandos (6%). Enquanto que, na segunda sessão, 26 episódios verbais (87%) foram classificados Tatos e 4, Mandos (13%). Os dados podem ser visualizados na Figura 2.

A alta frequência de tatos dentro da sessão é notória. Esse operante possibilita ao ouvinte maior contato com as variáveis antecedentes do comportamento do falante e é considerado benéfico para o processo psicoterápico (Kholenberg e Tsai, 1991). Por outro lado, episódios envolvendo operantes do tipo mando também fizeram parte do contexto terapêutico, em menor quantidade. Apesar da frequência alta de tatos apresentados durante as sessões, é importante salientar que estão diluídos em tatos impuros, cuja definição reside na consequência, ou seja, são mantidos por uma medida especial de reforço; tatos distorcidos, tatos de eventos privados e os tatos de eventos passados, que se referem às condições diferentes em relação à estimulação antecedente específica. A Figura 3 representa a frequência dos tatos em relação à variação na consequência, e a Figura 4 representa a frequência de tatos frente às diferenças no controle de estímulo antecedente, nas duas sessões.

 

 

 

 

Sendo assim, os dados exigem uma análise minuciosa dos operantes e de suas particularidades, bem como o momento em que eles ocorrem durante o processo.

A análise da relação terapêutica envolvendo os episódios acima sequenciados permitiu entender que a baixa frequência de mandos em relação à alta frequência de tatos (envolvendo os diferentes tipos de tatos) pode estar relacionada às consequências emitidas pelo ouvinte/terapeuta diante das respostas de mando, como, por exemplo, silêncio ou mudanças de assuntos. É importante ressaltar que a primeira sessão analisada não equivale à primeira sessão de atendimento e, provavelmente, nas sessões anteriores, dadas as características de serem investigativas, o ouvinte/terapeuta tenha fortalecido com maior frequência respostas verbais relacionadas a descrições de situações que ocorrem na vida cotidiana do falante/cliente.

A análise dos episódios verbais será realizada considerando, inicialmente, os episódios de mando ocorridos nas duas sessões e, em seguida, os episódios de tato.

MANDO

Os episódios verbais classificados como mandos constituíram-se em sua maioria (M1; M4; M5; M6) de perguntas do falante/cliente. Tais perguntas enfatizavam o esclarecimento das colocações, opiniões e dúvidas emitidas ao ouvinte/terapeuta. Nas Figuras 5 e 6, observam-se exemplos:

Nesses episódios, o mando emitido pela falante/ cliente permitiu (1) tornar o estímulo discriminativo (resposta verbal do ouvinte/terapeuta) mais explícito, que é o equivalente ao falante/cliente dizer "repita!", "fala novamente, agora melhor!" e (2) ganhar tempo para editar uma resposta que, possivelmente, não traria consequências aversivas.

O Mando é um operante verbal que especifica a consequência e que ocorre em condições de privação ou de estimulação aversiva. Assim, o mando é definido:

"como um operante no qual a resposta é reforçada por uma consequência característica e está, portanto, sob controle funcional de condições relevantes de privação ou estímulo aversivo. (...) a resposta não tem uma relação específica com o estímulo anterior" (SKIN-NER, 1957, p. 35).

O autor afirma, ainda, que (p. 83) "os resultados mais eficientes são obtidos quando se rompe qualquer conexão com o estímulo anterior, deixando assim a privação ou estimulação aversiva no controle da resposta". Também acrescenta que um mando (p. 36) "caracteriza-se pela relação especial e única entre a forma da resposta e o reforço caracteristicamente recebido numa dada comunidade verbal." É conveniente acrescentar que um mando especifica o comportamento de um ouvinte e o reforço final, (p. 83) "o mando permite que o ouvinte infira algo acerca da condição do falante, independentemente das circunstâncias externas (...)".

TATO

Os episódios de tatos prevaleceram em frequência sob os episódios de mando. Dos 55 episódios de tato encontrados nas duas sessões, 35 episódios parecem seguir o mesmo padrão: o controle característico deste operante eram os aspectos e os eventos da vida cotidiana do falante/cliente ou do seu passado, em outras palavras, estímulos discriminativos ocorridos fora da sessão terapêutica (identificados no Quadro 1 com a sigla [ft]). Exemplo dessa ocorrência se observa na Figura 7.

A topografia da resposta verbal que o falante/ cliente emite está sob controle de uma condição antecedente, logo permite ao ouvinte/terapeuta ampliar o contato com o ambiente do falante/cliente. As condições antecedentes envolvidas neste tipo de tato (e lembrando que estímulos não verbais é que controlam a resposta verbal do falante/cliente) assemelham-se às apontadas por Skinner (1957), quando as respostas verbais emitidas pelo falante estão sob controle não dos eventos atuais, mas sim dos comportamentos passados. "Estes fazem parte da história do falante (...) responder ao nosso próprio comportamento passado é apenas um caso especial de resposta a acontecimentos passados em geral" (p.142). A capacidade de responder a eventos passados, segundo o mesmo autor, é adquirida sob contingências explícitas de reforço, propositalmente mantida pela comunidade verbal, isso implica em que, de alguma maneira, o ouvinte/terapeuta possua características semelhantes a essa comunidade. O episódio de Tato 35 é outro exemplo de tato de eventos passados e pode ser observado na Figura 8.

Outra característica importante nesses dois exemplos de tatos de eventos passados (Figuras 7 e 8) e que também aparece com frequência alta nos episódios de tato, é a pergunta emitida pelo ouvinte/terapeuta que antecede ao tato. Skinner (1957) explica que o tato é mais provável quando antecedido de perguntas do ouvinte.

Há outra variação que também é encontrada com certa frequência nos episódios de tato, a esta Skinner deu o nome de tatos de eventos privados. Foram identificados 11 episódios caracterizados como tato de eventos privados, pois o evento antecedente à resposta verbal do falante/cliente parecia constituir-se de um evento ao qual apenas ele tinha acesso. A Figura 9 exemplifica um desses episódios.

O episódio verbal classificado como tato ilustrado na Figura 9 parece ser controlado por uma estimulação que ocorre na sessão. O ouvinte/terapeuta fica sob controle do comportamento do falante/cliente "É parece que você tá mais calma..." propiciando ao falante/cliente entrar em contato com variáveis não acessíveis ao ouvinte/terapeuta que se relacionam às propriedades do comportamento do falante/ cliente discriminadas. Neste trecho, o ouvinte/terapeuta emite uma resposta verbal que, por sua forma, parece ser tato, diferente dos outros episódios em que prevalecem mandos. A resposta verbal do falante/cliente parece ser controlada por um evento privado, porém ocasionada pela resposta verbal do ouvinte/terapeuta.

Importante ressaltar que, ao analisar as respostas verbais do falante, quando estão relacionadas a tatos de eventos privados, deve-se levar em consideração que os eventos considerados privados, como irritabilidade, medo, etc., não podem ser identificados como tais, uma vez que, ao responder a uma estimulação interna. passa a ser diferente de relatar sobre ela (Skinner, 1974). Afirmar que relatos de eventos privados sejam necessariamente tatos não é seguro, já que em se tratando de tatos, o relato de eventos privados só pode ocorrer quando o falante também estiver sob controle destes eventos. Quando o falante/cliente disse, por exemplo, "Não!... na verdade eu tô revoltada... (...) tô... aliviada..." o ouvinte/terapeuta não tem acesso ao que a falante/cliente está sentido de fato por estar sendo controlado "(...) por um estado de coisas com o qual só o falante pode ter certo tipo de conexão" (p. 63).

Numa sessão terapêutica, quando o falante/cliente se refere a eventos privados, seria necessário identificar quais estados internos estão ocorrendo naquele momento e ter acesso à história de reforçamento que modelou o relato de tais eventos. O que se torna importante no relato de eventos privados é a análise que se pode estabelecer com os eventos antecedentes e consequentes da resposta verbal do falante/cliente. Portanto, os relatos de eventos privados podem ter funções diferentes de um tato de tais eventos.

Uma característica dos tatos de eventos passados, frequentemente ocorridos dentro das duas sessões filmadas, foi a distorção do controle de estímulos. Não raro, o falante/cliente fazia uma afirmação sobre algo e, imediatamente após a afirmação, seguia se contradizendo. O episódio de tato, exemplificado na Figura 10, mostra essa distorção da estimulação antecedente do tato.

O fato do falante/cliente voltar atrás dizendo que em Rio Claro não fez bons amigos parece ser suficiente para determinar que seus amigos não sejam um estímulo que controla eficazmente o comportamento verbal do falante/cliente. Outro indício de que o controle exercido por suas amizades não é claro fica explícito nos trechos onde a falante/cliente diz que tem "facilidade de fazer amizade" e quando diz que os "amigos se contam nos dedos". Skinner (1957) explica que medidas especiais de reforço podem causar a distorção do controle de estímulo, conclui-se então que o tipo de consequência obtida na emissão da resposta verbal "(...) Rio Claro não, porque o povo lá é muito falso." parece distorcer o controle de estímulos de respostas verbais que se referem a amigos do falante/cliente que moram em Rio Claro.

A distorção do controle de estímulos também foi verificada na primeira sessão. A falante/cliente, durante o episódio verbal de tato (T15), começa a avaliar seu comportamento de opinar sobre as atitudes de outras pessoas. Esse momento está ilustrado na Figura 11.

Verifica-se ainda na Figura 11 que a medida especial de reforço que afeta o controle de estímulo é claramente a aprovação do ouvinte/terapeuta sobre a avaliação que a cliente faz. O comportamento do ouvinte/terapeuta parece ser um estímulo discriminativo distorcido a ponto do comportamento verbal do falante/cliente variar muito no que diz respeito a sua topografia "Eu tô errada de me intrometer [...] mas é um assunto que me interessa". Outro ponto importante para esta análise é o trecho final da fala da falante/cliente "Ah eu não sei, não sei de mais nada". Esta topografia comportamental pode ser útil para evitar possíveis punições para o comportamento verbal da falante/cliente uma vez que os estímulos discriminativos não são claros a ponto de precisar a ocorrência de um reforço ou uma punição contingente à resposta.

Além dos episódios T15 e T30 citados acima, foi verificada uma distorção no controle de estímulos do tato nos seguintes episódios: T4, T15, TI7, T26, T29, T30; os três últimos episódios foram ocorridos na segunda sessão.

Em um episódio de tato, segundo a definição de Skinner (1957), os eventos antecedentes são específicos e as consequências, para as respostas verbais, generalizadas. No caso do tato distorcido, uma resposta verbal pode ocorrer na ausência de circunstâncias nas quais foi caracteristicamente reforçada, portanto o controle de estímulos desta resposta não é apenas "exagerado", mas, como afirma o autor, pode ser "inventado". Em uma sessão terapêutica, o controle das respostas verbais do falante/cliente, muitas vezes, fica subentendido e até mesmo desconhecido para o ouvinte/terapeuta, o que pode levar à conclusão de que aquilo que está sendo emitido pelo falante/cliente pode estar relacionado a condições ocorridas, porém distorcidas. No caso desses episódios, a classificação de tatos distorcidos ocorreu em função de a falante/cliente ter descrito uma situação para o ouvinte/terapeuta, naqual não estava motivada a executar aquilo que o seu colega pedia, porém, ainda em seu relato, encontram-se indicações de que a frequência do comportamento do colega era alta, mostrando que, de alguma forma, não relatada para o ouvinte/terapeuta, o falante/cliente fortalecia tais comportamentos do colega. Isto parece ocorrer quando a falante/cliente dizia ter deixado explícita as suas intenções de relação ao colega: "(...) eu deixei isso bem claro pra ele, só que ele é tão burro que ele não entende... falei pra ele... falei 'F. é o seguinte! vamos pará com essa coisa de você vir pra cá,ou eu ir pra aí.... não sei o quê... Porque eu acho que não vai dá em nada mesmo'", porém o comportamento do colega (relatado pelo falante/ cliente) parece mostrar o contrário "Ah! eu acho que ele vai ligar!".

O operante tato é definido pelo controle antecedente de estímulos não verbais e como consequência das respostas verbais à ocorrência de reforços generalizados. Em algumas condições especiais de reforçamento, a ação do ouvinte é mais importante que o reforço generalizado, embora a topografia da resposta do falante seja uma descrição de objeto ou evento, o que corresponde ao operante verbal tato. Skinner (1957) nomeia essa relação de "tato impuro" e afirma que é produto de "(...) uma mistura de relações de controle características tanto do tato como o do mando" (p. 151).

Nas sessões gravadas, a frequência do operante tato impuro (aproximadamente 35% em relação ao total de episódios verbais classificados como tato) se constitui em um aspecto relevante. A quantidade e funcionalidade destes tatos nas sessões revelam um padrão consistente (ver Quadro 1), indicando um valor prático de manipulação de variáveis pelo falante/cliente da relação terapêutica. O falante/ cliente deixa de emitir mandos diretos (porque provavelmente foram punidos pelo seu uso frequente), e suaviza o caráter do mando em outra forma funcionalmente parecida, na de tato impuro.

No início da primeira sessão, observa-se uma verbalização do falante/cliente "Pode grava que eu vô xingar pouco!". A resposta verbal tem como antecedente a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Deita-se no divã da sala de atendimento e há, como consequente, um período de silêncio enquanto o ouvinte/terapeuta prepara-se para iniciar o atendimento. A parte da frase "pode gravar" equivale ao que Skinner (1957) considerou como um mando direto do tipo permissão, cancelando uma ameaça inerente à situação, a sessão gravada pelo ouvinte/terapeuta sem seu consentimento. A outra parte "(...) vô xingar pouco" além da topografia descrever ao ouvinte/terapeuta um estado interno produto de estimulação aversiva, irritabilidade, também apresenta uma tendência de como irá se comportar futuramente, tateando as variáveis que controlam o comportamento de xingar. A nomeação desta resposta como um tato impuro foi por que ela deixa subentendido ao ouvinte/terapeuta como ele deveria se comportar, esperando dela um repertório verbal de xingamentos e punições, como, por exemplo, ser xingado. Outra possibilidade de análise é o fato de essa resposta fazer com que o terapeuta dê início aos assuntos relacionados às sessões anteriores, parecendo um mando: "inicie a sessão!". Outro exemplo de tato impuro pode ser visto na Figura 12.

O trecho acima representa um momento da sessão em que o ouvinte/terapeuta está buscando levar o falante/cliente a tatear estados privados relacionados ao que o ouvinte/terapeuta havia proporcionado com uma pergunta feita de um ex-namorado. Diante da pergunta do ouvinte/terapeuta, a falante/cliente nega e não se reporta aos estados internos, descreve situações em que poderia agredir o ex-namorado de diversas formas. A descrição pode assemelhar-se ao operante tato de eventos passados, porém o ouvinte/terapeuta passa a responder ao que foi descrito e deixa de lado a tentativa de solicitar a descrição de estados internos que poderiam estar ocorrendo no presente momento. O tato impuro tem a função de esquiva da falante/cliente dentro da sessão.

A descrição apresentada pela falante/cliente do quarto da amiga, observada na Figura 13, embora apresente características de um tato, tem como função colocar o ouvinte/terapeuta em contato com as dificuldades de relacionamento dela com a amiga, e assim solicitar ao ouvinte/terapeuta que a auxilie na resolução dos problemas descritos. O tato que é modelado e mantido por reforçamento generalizado, neste caso, está sendo mantido por reforçamento específico. No final deste episódio, o ouvinte/tera-peuta consequencia com um parecer sobre o comportamento da amiga, minutos depois da falante/ cliente descrever a condição de viver em uma casa com uma pessoa pouco cuidadosa com a limpeza.

"É não sei o que dizer pra você na verdade, deve te uma consequenciação dessa... desse comportamento... de bagunçar...".

Outro indício da função do tato impuro nesse episódio pode ser o tempo dispensado pela cliente/falante na descrição da situação aversiva - no caso, um pouco mais de um minuto. A descrição detalhada da situação e o tempo gasto para tal descrição pode colocar o terapeuta/ouvinte numa condição em que é mais provável que ele emita uma consequência específica para essa descrição - no caso, a instrução de como a cliente/falante pode lidar com a situação.

Por que usar tipos de categorias funcionais do comportamento verbal para analisar uma sessão terapêutica passa a ser importante? Para poder responder a essa pergunta, torna-se imprescindível o entendimento da seleção de cada episódio verbal em sua sequência. O que fez com que um tato passasse a ter a função de um tato impuro e vice-versa?

Durante as duas sessões, o operante tato ora aparecia como uma descrição de eventos públicos da vida cotidiana da falante/cliente, ora como descrição de eventos privados, como os seus sentimentos. Em alguns momentos, esse tipo de operante passava a se referir a eventos públicos ou privados, porém o tipo de consequência emitida pelo ouvinte/terapeuta era específico em relação ao tipo de assunto desenvolvido pela falante/cliente. As verbalizações de tatos considerados "puros" ocorriam quando o ouvinte/ terapeuta perguntava sobre eventos específicos. Um exemplo pode ser visto na Figura 14.

 

 

A descrição que a falante/cliente faz das atividades praticadas na ioga parece ser mantida por um reforço generalizado. Essa especulação é possível, pois nenhuma resposta vocal do ouvinte/terapeuta foi omitida, o que dá margem à suposição de que consequências verbais gestuais (como balançar a cabeça em sinal de aprovação), bem como a não reincidência da questão posta pelo ouvinte/terapeuta, devem ter reforçado generalizadamente esse tato.

Os tatos impuros, por sua vez, eram evocados por perguntas que, inicialmente, eram negadas e, em seguida, transformadas em descrição de uma situação e, aos poucos, ia-se mudando o foco, tendo, assim, como consequência, a mudança de assunto do ouvinte/terapeuta com a falante/cliente. Na Figura 11, pode-se observar que a falante/cliente começa a responder a uma questão do terapeuta, tateando condições de um concurso público na cidade natal da mesma e acaba falando da aquisição do seu passaporte.

A fala da falante/cliente com duração de 23 segundos, aproximadamente, poderia ser entendida, talvez, como um intraverbal, ou então como um tato simples de condições do concurso público, entretanto todo o episódio foi entendido como de tato impuro; pois, observando outros momentos da sessão, pode-se concluir que falar sobre voltar à cidade natal é aversivo para a falante/cliente. Como o concurso em questão seria em sua cidade natal, a falante/cliente termina sua frase falando sobre a aquisição de passaporte, o que aumenta a probabilidade do ouvinte/terapeuta mudar de assunto e se engajar no tema da aquisição do passaporte da falante/cliente. A representação gráfica (-S-) refere-se ao engajamento do ouvinte/terapeuta nesse novo assunto e, além disso, o "abandono" da questão concernente ao concurso na cidade natal da falante/cliente (S-). Pode-se observar, ainda, que o episódio teve uma medida especial de reforço caracterizada pela eliminação do assunto aversivo para a falante/cliente e, portanto, categorizado como tato impuro.

 

Figura 15

 

A mudança de caracterização do tato "puro" para tato impuro, certamente, passa a ter um valor de sobrevivência muito alto. Durante o processo de seleção do operante verbal dentro da sessão, mandos diretos devem ter sido punidos pelo ouvinte/ terapeuta por estabelecer uma inversão de papéis nos contexto clínico, porém, tatos impuros são mais sutis na sua identificação e, com isso, a mudança de assuntos, eminentemente aversivos para a falante/cliente, deve ter sido mantida quando estes tipos de tatos foram emitidos. Primeiro, por negar uma intervenção do ouvinte/terapeuta; segundo, por descrever um evento, mesmo que pouco relacionado com o que estava sendo discutido, que pudesse justificar a negação inicial; terceiro, por modificar o contexto anterior e o assunto negado ser alterado.

Esse fenômeno para Medeiros (2002), ocorre quando o ouvinte/terapeuta percebe que certo assunto irrelevante ocupa grande parte da sessão, e evita, assim, abordar e manter esse tópico; a falante/cliente, por sua vez, pode emitir sentenças como "não tenho ninguém para conversar, só a minha amiga!" ou "parece que ninguém me escuta." Essas frases parecem tatos, entretanto é mantido por uma medida especial de reforço, no caso, tem função de estímulo discriminativo (SD) para o ouvinte/terapeuta começar a enfocar tal assunto "irrelevante" novamente. Sendo assim, são tatos impuros. Medeiros enfoca esse operante com o nome de mandos disfarçados. Ainda, segundo esse autor, uma possibilidade de intervenção seria consequenciar tais respostas como tatos, criando, então, uma contingência para que o cliente emita mandos diretos.

 

Conclusão

A organização do comportamento verbal ocorrido na sessão terapêutica permitiu verificar com clareza as funções que este assumiu em cada episódio verbal. A ocorrência de uma frequência alta de tatos, quando comparada com mandos, ao longo das duas sessões analisadas, aparentemente, traria benefícios ao cliente, porém muitos episódios de tato estavam sob controle especial de estímulos, com a função de tatos impuros. A identificação dessas relações permite ao terapeuta conhecer as funções desempenhadas como audiência e mediador de consequências fortalecedoras, e assim, proceder de modo a alterar as relações de controle permitindo o aumento de operantes com funções específicas de tatos ou mandos diretos, reduzindo os operantes que envolvem condições especiais de controle de estímulos, tatos impuros, tornando as contingências envolvidas na relação terapêutica mais claras.

Uma vantagem de o terapeuta ter assumido o papel de ouvinte foi a possibilidade de participar dos tipos de controle de estímulos (antecedentes e consequentes) envolvidos na relação. O terapeuta assumindo o papel de ouvinte na relação permitiu consequenciar, com precisão, os comportamentos verbais do falante, bem como produzir discriminações também precisas do comportamento do falante como descritos por Skinner (1957) nos episódios de tato.

O tratamento em episódios verbais possibilitou ao terapeuta identificar o operante verbal, a depender da consequência que ele estabelece, tornando mais fácil e precisa a identificação da função do comportamento do cliente na sessão.

 

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Recebido em 7 de janeiro de 2011
Devolvido em 6 de junho de 2011
Aprovado em 25 de agosto de 2011

 

 

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