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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148versão On-line ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. v.3 n.1 Fortaleza mar. 2003

 

ARTIGOS

 

As graves questões comportamentias referentes ao conceito de Turismo e de turista, nas quais se baseiam a antropologia e a sociologia, resolvem-se através da psicologia da gestalt

 

 

Prof. M. Sc. José Renato de Castro César

Tecnólogo em Administração Rural pela UFLA; Analista de Sistemas pela UNA, Pós-graduado em Administração Hoteleira pela UFJF/SENAC; Pós-graduado em Administração Hoteleira pela SIST/OMT de Roma; Pós-graduado em Economia do Turismo pela Università Bocconi de Milão; Mestre em Gestão Sustentável do Turismo e Hospitalidade pela UNA - UIB - Universidade das Ilhas Baleares da Espanha. Diretor Geral da DCC Consultoria S/C. e-mail: joserenatocesar@bol.com.br

 

 


RESUMO

O presente artigo trata a questão sociológica e antropológica referente aos conceitos objetivos de Turismo e turista, para demonstrar que a importância dos fatos objetivos referentes ao fenômeno do turismo se situa na análise do problema crítico desta atividade, que se resume no comportamento de pessoas, enquanto formadoras de grupos de consumidores, e não na questão conceitual, pura e simples, dos termos. Pretende demonstrar que só através da psicologia da gestalt e da análise da herança teológica do pensamento moderno se pode explicar a civilização do lazer e do ócio, hoje contraposta à civilização do trabalho. Faz uma análise da alienação do lazer e do ócio (no turismo) como sendo derivada da alienação do trabalho e da anomia crônica nas relações entre firmas. Procura demonstrar que só através da realização da gestalt e da ação comunicativa na formação de grupos psicológicos (de turistas e de residentes) se pode chegar a evolução dos grupos geográficos, para, assim, se efetivar localmente a gestão sustentável do turismo e da hospitalidade.

Palavras-chave: gestalt, sociologia e antropologia do turismo, gestão sustentável do turismo e da hospitalidade, civilização do trabalho, do lazer e do ócio


ABSTRACT

The present paper treats the sociologic and anthropologic question referred to the objective concepts about Tourism and tourist to demonstrate that the importance of the objective facts referred to tourism phenomenon it is situated much more on the analysis of the critical problem of this activity, that resume the behavior of people forming the customers groups, and not inside the purely and simple conceptual question of terms. Intend to demonstrate that only through the Gestalt psychology and through the analysis of the theological legacy of the modern thought it could be possible to explain the leisure and rest time civilization, today put against the work civilization. It does an analysis of the alienation of leisure and of the rest time (inside tourism) as derived of the work alienation and of the chronic anomie in the firm relationship. It search to demonstrate that only through the realization of Gestalt and communicative action inside the psychological group formation (of tourists and residents) it is possible to arrive at the evolution of the geographical groups to effective the local management of sustainable tourism and hospitality.

Keywords: gestalt, sociology and anthropology of tourism, sustainable management of tourism and hospitality, rest time and leisure civilization, labor civilization


 

 

Inteirei-me sobre os problemas de fronteira, referentes ao tema Turismo, buscando aprofundar conhecimentos sobre o pensamento cristão e sobre o comportamento das pessoas quando envolvidas no consumo turístico. Os escritos do Pe. Henrique Cláudio de Lima Vaz (1998) muito me ajudaram a descobrir as maravilhas da antropologia filosófica, como forma de conhecer a verdade sobre os fenômenos da vida humana e, também, sobre o espírito que move a matéria bruta, tentando evitar certos relativismos levianos.

Thorstein Veblen (1974) foi outro autor que ampliou minha visão, ao desenvolver seu interesse pela instituição da classe ociosa. Ao buscar pela gnoseologia do ócio, ele criou alguns 'problemas de fronteira', os quais envolvem a antropologia, a sociologia, a economia e a psicologia, dentro de uma interpretação (ou concepção) teológica.

Na teoria da classe ociosa de Veblen, tais problemas dizem respeito às linhas, muito tênues, que definem as raras mudanças nos pontos de vista, resultantes da subversão ou supressão gradual dos valores do passado, que as culturas sofrem ao passarem do primitivismo bárbaro da economia pré-industrial para a moderna economia industrial.

São questões que tocam a discriminação social entre proeza espetacular e trabalho rotineiro, as quais anulam o homem frente a si mesmo - antepondo-lhe o trabalho ao capital e a filosofia à religião, o que leva muitos teóricos a se fixarem somente na ontologia e se esquecerem da axiologia como uma fonte maior, que seja: Teoria da Ciência, Teoria dos Valores e Teoria da Realidade (Hessen, 1980).

Só assim se pode conceber o ser humano por completo: na sua necessidade relacional constante, consigo mesmo, com o mundo e com o outro. Então, a psicologia se fará como a geratriz da razão para um comportamento turístico que não seja alienado, que seja, como o trabalho, um meio, uma mediação através da qual o homem realiza sua socialidade e historicidade, e através da qual possa entender o humanismo do trabalho.

"Humanizador da natureza, o trabalho é, pois, o mediador entre os homens" (sic) nos lembra Pe. Vaz (1998), fazendo-nos ver que o trabalho pode ser também fonte de alienação. Como ele nos diz: "na hora histórica da civilização..., surge uma civilização do trabalho" (sic) que "reclama um humanismo do trabalho" (sic). Esta necessidade de humanismo no trabalho gera uma tensão constante entre trabalho e contemplação - entre trabalho e ócio. Como demonstra Pe. Vaz, "na visão bíblica, o trabalho aparece como um momento intrínseco da práxis total do homem, uma relação, cujo fundamento é a sua essência mesma" (ibid, pág. 133).

Mas, como antítese burguesa entre otium e nec otium (negócio - negação do ócio) - entre os fenômenos econômicos e não econômicos - surge (antitética) a civilização do lazer e do ócio, fazendo do turismo um fenômeno social, antropológico, de grande monta, afetando ares, falares e lugares, desfazendo e re-fazendo mitos, lendas e arquétipos, criando clichês e estereótipos, modismos, neuroses e vícios permissíveis.

Esta recém surgida civilização do ócio não deu conta ainda de sanar teoréticamente "os dois aspectos dialeticamente opostos do trabalho realizador do homem, como mediação primeira do seu ser social, e do trabalho alienador do homem como possibilidade de submissão às coisas" (sic, Vaz, 1998), não podendo, portanto, ainda, sanar na práxis, os problemas do ócio criativo, frente a um ócio alienante, que bem pode atuar no turismo.

Veblen, ao analisar e descrever o surgimento da classe ociosa, salienta a pouca atenção dada à "discriminação entre diversas funções, segundo a qual umas são dignas e outras indignas" (sic) fazendo ver que o elemento de proeza ou façanha torna certas funções dignas, ao passo que as rotineiras ou diárias, onde não intervêm elementos espetaculares, são indignas, especialmente na moderna economia industrial, pós-barroca.

Neste aspecto, reside o grande debate atual em torno da antropologia do turismo. Busca-se, por um lado, definir turismo de forma céptica, para se lucubrar sobre o comportamento espetacular do turista e sobre como, quando, onde e porquê desta prática 'espetaculosa', tão contraditória nas suas formas de consumo.

No entanto, tal cepticismo leva os neófitos a pensar que tal fenômeno se pode definir através de teorias vitalistas e materialistas, de forma puramente objetiva, ao ser individualizado no reducionismo da própria experiência, quando, então, o pesquisador se juntará a outro grupo psicológico, sociológico ou geográfico para comparar os comportamentos e as culturas diferentes.

Mas, ao tentar decifrar os estereótipos, os clichês e os relacionamentos, para determinar como e quais as funções dos comportamentos humanos, mitos, lendas e arquétipos da outra cultura que podem criar um corpo de valores por ele reconhecido como válido, perceberá que existe um elemento intersubjetivo, transcendental neste fenômeno.

Além do mais, o turismo, enquanto viagem, é um fenômeno universal. Como disciplina científica, busca estudar - quaisquer que sejam seus motivos - a viagem, como um elemento sine qua non do fenômeno do turismo (Callizo Soneiro, 1991).

Muito embora, historicamente, o termo turismo tenha sido cunhado, coincidentemente, na fase Iluminista da humanidade (entre 1650 e 1750), procurando, exatamente, caracterizar certos viajantes muito típicos que ficavam rodando - on tournée - sem trabalhar, surgiu como fenômeno e atividade das elites. Alguns autores franceses dizem que o termo foi cunhado pelos camponeses franceses que se referiam aos nobres ingleses que viajavam a esmo pela França, como touristes - mas há controvérsias.

Por outro lado, querer antepor turismo a peregrinação é criar uma antítese baseada numa anteposição de fatos, no mais das vezes burlescos - pois que envolvem situações de consumo ou não consumo de produtos e serviços de viagem - que tratam (indiretamente) de religião e de ciência do comportamento, quando tais fatos estão inseridos no âmbito de uma viagem específica, cujo motivo parece ser o espiritual, como se a pessoa pudesse, no turismo, prescindir do seu espírito, e na peregrinação não, o que é, per se, contraditório.

Para um fenômeno já antitético à civilização do trabalho, seja na visão capitalista, seja na visão marxista, o turismo necessita, portanto, como disciplina das ciências sociais, de uma interpretação al di là do empirismo ontológico. Necessita da metafísica, se quiser completar sua função maior como estudo do comportamento individual e de grupos gestálticos, pois, assim como o trabalho, envolve um movimento de sacralização do agir.

Turismo, alla fine, deve se fazer como estudo da evolução dos grupos geográficos, sem a pretensão de comparação culturológica, sem a pretensão de etnografia, evitando antepor-se o mundo social ao mundo natural, evitando tendenciosidades e etnocentrismos.

O esforço homérico de um Vieira Filho (2002), ao analisar criticamente os sociólogos e antropólogos do turismo, utilizando somente as referências anglo-saxônicas e recomendando seu cepticismo, através do que chamou de "passos necessários para orientar estudos empíricos e comparações culturais, sobre as quais uma teoria genérica de turismo e seus impactos sociais e culturais poderia ser construída" (ibid), é minimalista, pois, ao pensar e agir assim, não concebe a superação dos dualismos entre domínio dos fatos versus domínio dos valores, e não permite a transcendência do homem sobre a natureza.

Ora, Vieira Filho - certamente influenciado pelo cepticismo crônico dos anglo-saxões - esqueceu-se de que o fenômeno do turismo engloba a Ética, a Estética e a Filosofia da Religião, sendo, portanto, uma Teoria dos Valores, uma Axiologia, tal como a tratou Johannes Hessen (1980), não sendo, simplesmente, uma Ontologia.

Não é, portanto, somente a ontologia empírica utilizada pela antropologia social e cultural dos ingleses e americanos - que vêem a ciência acima da filosofia e da religião - que pode dar conta de resolver os problemas de uma disciplina social como é o turismo, para se definir os termos turismo e turista, bem como as conseqüências que tais conceitos geram na prática da gestão do desenvolvimento compatível (para não dizer sustentável).

Quando Kurt Koffka (1982) escreveu em 1935 sobre a dificuldade de americanos e ingleses se inteirarem de uma ciência do comportamento que fosse natureza, vida e mente, e, conseqüentemente, quantidade, ordem e significado, fez ver que eles se ocupavam puramente de fatos pragmáticos e positivos. Materialistas ao extremo, desvalorizam as especulações abstratas, criando "... uma aversão, por vezes raiando a hostilidade, pela metafísica que tenta escapar do tumulto dos meros fatos para um domínio mais elevado das idéias e ideais" (Koffa, 1982) - certamente, sob a influência filosófica de Ockham e Locke.

Koffka constrói uma teoria da gestalt usando os conceitos de significado e valor, tanto para a psicologia como para a ciência em geral, num completo entendimento da mente e do mundo - para dar uma explicação total do comportamento individual e grupal.

Assim é o turismo: uma confluência entre o grupo psicológico, o grupo sociológico e o grupo geográfico, que se torna fenômeno econômico, cultural, histórico, educacional, social e civilizatório: evolução humana. Viajar é evoluir, a menos que se seja alienado.

Ainda que existam grupos turísticos cuja força gestáltica seja irrealizável - não evolutiva - não se pode generalizar sobre o turismo de massa, muito embora já se saiba que o ecoturismo seja uma tentativa de realizar uma nova e forte gestalt que se antepõe ao tradicional turismo de massa, para evitar seus aspectos negativos - alienantes e anômicos, enquanto formado por grupos psicológicos, sociológicos e geográficos.

A razão tem, portanto, revelado uma verdade anômica, que não dá orientação alguma para uma conduta plausível, nem da pessoa, nem de grupos. Entretanto, mantém-se a procura por essa orientação psicossociológica, a qual as pessoas devem satisfazer, para continuarem vivas. Koffka também demonstra como e donde surge o dualismo entre ciência e religião, com suas várias faces de teoria de dupla verdade, azeda inimizade e sentimentalização, que ameaça a unidade original da ciência.

Neste aspecto, é importante frisar os trabalhos de Eric Fromm, Herbert Read, Jose Choza, Jesus Ballesteros, Ignácio Yarza, dentre outros, que trataram, brilhantemente, das questões das dicotomias clássicas na filosofia, comumente denominadas de cultura da separação, a qual impede as pessoas de realizarem a contemplação (theoretikòs bíos) como parte da vida ativa (praktikòs bíos), seja no trabalho, seja no lazer (sic, Vaz, 1998).

Para o turismo em particular isto é muito negativo, uma vez que se deve estudar no seio desta disciplina tão complexa as razões quantitativas e qualitativas, o significado e o valor de cada viagem, para cada pessoa, para cada grupo psicológico, sociológico e geográfico. E me furtarei aqui de conceituá-los, deixando que os interessados os estudem.

No entanto, as considerações puramente terminológicas e que parecem mal resolvidas, as quais enfrenta esta disciplina é decorrente da jovialidade da ciência social, da psicologia e da geografia humana quando estas se tangenciam para tratar do fenômeno.

Portanto, conceituar turismo e turista, estudar as suas motivações e comportamentos não é tão importante quanto saber do problema crítico do turismo como fenômeno antropológico, pois que este atua como função mediadora de reconciliação, não só do homem com a natureza - como quer Marx, mas do homem consigo mesmo, com seu irmão e com o sobrenatural, numa reconciliação de imagens que completa o homem de humanismo, levando-o a conceber a sua auto-realização pelo trabalho e pelo lazer - ócio.

Veblen viu a pequena significação e a pouca atenção dada pelos economistas às análises dos usos e dos traços culturais, ao estudarem as comunidades em baixos estágios de desenvolvimento. No momento, vive-se um ultrapositivismo frente às questões do desenvolvimento dito sustentável e um vitalismo materializante, com relação às questões da educação e da difusão de inovações - como se as pessoas pobres não tivessem capacidade de aprender, de competir ou viajar - alijando pessoas do processo natural de evolução.

Sessa (1988) apresenta centenas de definições para turismo e turista, apresentando todas as motivações psicossociológicas que levam pessoas e grupos a viajarem. Seu estudo é incomparável, embora seja, como de praxe, desprezado por ingleses e americanos.

Da mesma forma, Callizo Soneiro (1991) faz algumas considerações acerca da evolução do fato turístico e dá sua formulação conceitual, a partir do momento em que o salto quantitativo nas viagens e as formas tão distintas de ocupação territorial, pelas diferentes formas de recreação, começaram a ameaçar as várias culturas primitivas.

Em ensaio anterior (César, 2002) tratei do efeito Bali e da disneyficação do território, estudado por Minca (1996), geógrafo italiano, para mostrar a complexidade deste fenômeno devorador de espaços e de culturas. Orlando Villas-Boas (1999), antes de morrer, afirmou: "o turismo marca o fim do índio como civilização", deixando claro que a gestalt dos grupos sociológicos e geográficos não fechou, ou seja, os grupos de turistas não se tornaram e, muito provavelmente, segundo ele afirmava, não se tornarão nunca grupos psicológicos dispostos a favorecer os índios, pois o que tais turistas querem é consumir a cultura, os valores efêmeros, o espaço, lendas, arquétipos e mitos indígenas.

Como, então, o olhar antropológico de cunho etnográfico, poderá contribuir para tal discussão, ainda que galgada na observação participante, como quer Vieira Filho (2002)? Todo turismólogo deverá se fazer antropólogo? Seria preferível que se fizessem psicólogos.

Note-se que turismo, numa análise semiótica, para Callizo Soneiro, Boniface & Cooper, Monheim, Mathieson & Wall e Michaud, representa somente uma das muitas atividades de recreação, ou seja, o turismo é uma atividade recreativa e faz parte do tempo de ócio. Mas como será que a etnografia explica esta variação semiótica do termo?

Viveiros de Castro (2002), para explicar o conceito de sociedade em antropologia, em sentido geral, a define como condição universal da vida humana. Usa uma de suas principais propriedades, a territorialidade - elemento imprescindível do turismo - que pode explicar, na análise das culturas primitivas, o fenômeno das viagens, cujos motivos são, também, universais, e que permitem designar a aplicabilidade e o sentido particular de grupo a uma sociedade: o contato com outros grupos, com outro território - a alteridade.

Mas, buscar na etnografia as explicações para as motivações, para comportamentos diferenciados e para os conceitos que envolvem o fenômeno das viagens, implica usar um esquema iluminista tripartite, mais geográfico que histórico, continuísta e nomotético, entre os povos. Como, então, afirmar sobre as motivações das viagens dos povos caçadores-coletores ou dos povos das sociedades agrícolas, sem utilizar idéias abstratas?

"A antropologia americana tendeu a se concentrar no par cultura/natureza,..., a antropologia social britânica, em troca, orientou seu eixo problemático pela polaridade indivíduo/sociedade e pelos conceitos (herdados do organicismo) que a exprimiam: 'estrutura' e 'função'". (Viveiros de Castro, 2002). Neste sentido, para Malinowski, viajar é uma função que satisfaz a necessidade básica do indivíduo, ao passo que, para Radcliffe-Brown, viajar significa a manutenção das condições de existência do grupo.

Entretanto, fica uma dúvida que ronda ainda mais de perto o fenômeno das viagens - e do turismo - que diz respeito ao simbolismo, ao inconsciente, à linguagem, e, que permite que se possa concluir pela pretensa e sublime diferença entre turismo e peregrinação. Peregrinação tem um sentido simbólico muito diferente de turismo, mais aberto ao inconsciente, elevando o sentido de que peregrinar significa um rito de passagem que se resume nos três grandes encontros: consigo mesmo, com o outro, e com Deus (sendo que o outro pode ser o companheiro de viagem e/ou o morador local, seu anfitrião).

Só neste sentido se poderia antepor ou contrapor turismo e peregrinação. Assim, peregrinar seria consumir menos espaço e arte e mais alteridade, e, turismo seria maior consumo de espaço e de arte e menos alteridade, ou, mais alienação e anomia.

No entanto, Marx não vê o lazer "como fruto e emanação do trabalho", mas, o vê como "um trabalho servil que sustenta o lazer dos homens livres" (Vaz, opus cit.), o que, segundo Pe. Vaz, carece de sentido histórico. "Na civilização do trabalho, o lazer é - deve ser - fruto e emanação do trabalho. Somente tais formas de lazer poderão alimentar uma cultura autêntica" ( Vaz, 1998, pág. 135).

Portanto, para se resolver as graves questões comportamentais referentes ao conceito de Turismo e de turista, na qual se baseiam a antropologia e a sociologia, deve-se buscar na psicologia da gestalt e na herança teológica do pensamento moderno as soluções para evitar que o ócio da sociedade pós-industrial se transforme em violência, neurose, vício e preguiça - alienação.

Se, de fato, como defende De Masi (2000) "é no tempo livre que passamos a maior parte de nossos dias, é nele que deveremos concentrar nossas potencialidades" (sic). Mas, para isso, é necessário conceber que "o tipo das relações que estruturam a práxis total do homem pertence à ordem da intercausalidade: entre o conteúdo que é dado pelo trabalho, e a forma que é a significação humana desse conteúdo, a influência causal é recíproca, segundo uma ordem distinta de causalidade". ( Pe. Vaz, 1998).

O erro profundo de Marx, segundo Pe. Vaz, "consistiu em desconhecer a causalidade específica da palavra (idéia e sinal) na estrutura da práxis humana. Eis aí a hipertrofia do 'econômico' - onde se manifesta a primeira obra do trabalho, seu produto por excelência - que conduziu, na evolução ulterior do marxismo, a uma trágica perversão do 'político'". (opus cit.).

A mesma perversão se percebe, portanto, na concepção atual da civilização do lazer e do ócio, que quer criar e antepor sociedades exclusivas e sociedades inclusivas, anulando o homem em si, e impedindo a realização gestáltica nos grupos psicológicos, sociológicos e geográficos - impedindo a evolução do humanismo cristão em todo seu aspecto.

 

Referência

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Recebido em 08 de dezembro de 2002
Aceito em 18 de janeiro de 2003
Revisado em 10 de fevereiro de 2003

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