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Revista Mal Estar e Subjetividade
Print version ISSN 1518-6148On-line version ISSN 2175-3644
Rev. Mal-Estar Subj. vol.3 no.2 Fortaleza Sept. 2003
ARTIGOS
O desespero contemporâneo em Extensão do domínio da luta, de Michel Houellebecq
Gislene Maria Barral Lima Felipe da Silva
Aluna do Programa de Pós-Graduação do Doutorado em Literatura Brasileira pelo Departamento de Teoria Literária e Literaturas (TEL) do Instituto de Letras da Universidade de Brasília - UnB. Professora da Secretaria de Educação do Distrito Federal. Pesquisadora do Grupo de Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, do Departamento de Teoria Literária e Literaturas/UnB, e da FESURV - Fundação de Ensino Superior de Rio Verde/Rio Verde - GO. End.: SQS 403, Bloco E, apartamento 307, Asa Sul, Brasília - DF, tel. (61) 322-5130. e-mail: gibarral@terra.com.br
RESUMO
Na sociedade contemporânea, dominada pelo dinheiro e pela erotização desenfreada, as relações humanas caminham rumo ao aniquilamento. O atual estágio de evolução do sistema capitalista caracteriza-se por uma substituição das mercadorias pelas imagens como mediadoras das relações humanas, e o espetáculo tornou-se a forma mais desenvolvida de relação entre as pessoas. Nos espaços sociais, os indivíduos confundem-se em multidões amorfas, sem rostos e sentimentos, incapazes de resistir às imposições e apelos do esquema da indústria cultural, que os reduz a consumidores de artefatos e imagens, incessantemente produzidos. Nesse contexto escatológico é que se move o narrador do romance Extensão do domínio da luta, do escritor francês Michel Houellebecq, obra que ele próprio classifica como um romance da aprendizagem do desgosto, no qual expõe seu desencanto com a humanidade e o desespero em relação à própria vida. Em um mundo que promove a massificação do indivíduo, a escrita literária vem representar um espaço privilegiado de manifestação da subjetividade, conforme se observa na obra em análise. Nela, o narrador dá sua resposta, a partir da condição de massacrado pelas dinâmicas desse mundo, a uma sociedade homogeneizada: na ficção, o indivíduo reina livre e solitário, mas triunfante e concentrado na experiência do existir. Baseada no caos e na barbárie da vida contemporânea, a linguagem da obra assume a crueza de seu conteúdo, sintetizado no desencanto com um cotidiano altamente regrado, previsível e normatizado em todos os seus aspectos. O texto literário constrói, enfim, uma severa crítica ao "progresso" tecnológico e à informatização do cotidiano, que trazem em si uma acentuada pobreza existencial, com a reificação do homem e a fossilização das relações humanas, e acabam por levar o narrador da obra a uma situação de tensão e desespero.
Palavras-chave: literatura francesa, desespero, contemporaneidade, mal-estar, subjetividade
ABSTRACT
In the contemporary society, dominated by money and unbridled erotization, human relations go toward to annihilation. The current period of evolution of the capitalist system characterizes itself by the substitution of merchandises by images as mediating of the human relations, and the spectacle became the most developed form of relation between people. In social spaces, individuals confuse themselves in amorphous crowds, without faces and feelings, unable to resist to the impositions and appeals of the scheme of the cultural industry, that reduces them to passive consumers of goods an images, incessantly produced. In this eschatological context, the narrator of the novel Extensão do domínio da luta, by the French writer Michel Houellebecq, moves himself, in a work that he classifies as a novel of learning of the disgust, and where he shows his disenchantment with humanity and his despair in respect to the proper life. In a world that promotes the individual massification, the literary writing represents a privileged space of manifestation of the subjectivity, as it is observed in the analyzed work. In it, the narrator gives his reply, from the condition of massacred by the dynamics of this world, to a homogenized society: in the fiction, the individual reigns free and solitary, but triumphant and concentrated in the experience of existing. Based in the chaos and the barbarity of the contemporary life, the language of the work absorbs the crudity of the content, synthesized in the disenchantment with a highly ruled, previsible and standardized quotidian in all its aspects. In this way, the literary text constructs a severe critical to the "technological progress" and to the informatization of everyday life, that bring in themselves a accented existential poverty, with the reification of man and the fossilization of the human relations, and take the narrator to a tension and despair situation.
Keywords: French literature, despair, contemporaneousness, malaise, subjectivity
OS TEXTOS (...) ESCRITOS CONTRA A NEUROSE, DO SEIO DA LOUCURA, TÊM EM SI, SE QUEREM SER LIDOS, ESSE POUCO DA NEUROSE NECESSÁRIA PARA A SEDUÇÃO DE SEUS LEITORES (...)
ROLAND BARTHES
Em épocas passadas e em um mundo organizado, a literatura servia para contar histórias agradáveis aos ouvidos do leitor e provocar nele uma atitude de contemplação. Outras vezes, a ficção literária participou de momentos drásticos da experiência humana e possibilitou que o homem, ao vivenciar uma situação crítica e tendo saído dela fortalecido, pudesse emergir de suas violentas tensões com o mundo por meio do registro de tais circunstâncias trágicas. E assim, por meio da expressão literária, o indivíduo transcende sua experiência singular e constrói um espaço humano viável, onde suas angústias e inquietações ganham vida e se manifestam, constituindo o texto uma experiência política, mas, sobretudo, humana.
Nessa categoria de manifestação pungente da experiência humana é que se inscreve a obra Extensão do domínio da luta, do escritor francês Michel Houellebecq, escritura que provoca ao limite o leitor, no sentido de que ele vai defrontar-se consigo próprio no texto, vendo-se despido de seu aparato cultural, lançado ao desamparo de sua condição ontológica e destituído de todas as ilusões e falsas esperanças.
Ainda que um texto literário comporte múltiplas soluções e leituras, o que lhe propicia ultrapassar limites fixos, pode-se dizer que nessa obra de lastro existencialista a narrativa parte da tomada de consciência de um eu, um conseqüente espanto diante do existir e a subseqüente repulsa pela vida numa sociedade em que o indivíduo não tem importância alguma, senão como fragmento de uma massa amorfa e consumidora, manipulada em todas as suas dimensões pela indústria cultural. A partir daquele espanto inicial, Extensão do domínio da luta narra o desconforto do indivíduo na sociedade contemporânea, vivendo livre e solitário entre multidões sem rostos e sentimentos, concentrado na consciência do existir e incapaz de resistir às imposições do esquema da indústria cultural.
A narração se dá a partir do ponto de vista de um narrador tecnicista, produto da sociedade da informação, que começa a questionar o vazio de suas ações cotidianas, colocando em xeque o sentido de sua existência e desvelando os mecanismos das relações humanas. Esse homem solteiro, de trinta anos, afetiva e sexualmente fracassado, desfruta de uma posição econômica satisfatória, resultante de seu trabalho como especialista em informática - profissão emblemática relacionada à perda de sensibilidade humana e ao embrutecimento do indivíduo. Contudo, ele se distingue do narrador comum burguês por sentir-se diretamente afetado pelos efeitos da revolução da informática e detentor de uma profissão que se o enaltece no mundo das aparências - "Nós, da informática, somos os reis" (Houellebecq, 2002, p. 55) -, traz para sua vida interior um enorme vazio. Com isso, constrói-se uma severa crítica ao dialético "progresso" tecnológico e à informatização do cotidiano, que trazem em si uma acentuada pobreza existencial, com a reificação do homem e a fossilização das relações humanas, e levam a uma situação de tensão e desespero.
Sem assimilar as regras do jogo social - ao qual passa a oferecer resistência, a personagem transforma sua vida em um embate solitário, admitindo sua inadequação e progressiva intolerância em relação à sociedade: "A minha margem de manobra na vida tornou-se bastante limitada" (Houellebecq, 2002, p. 141). Atitude muito semelhante à adotada pelo narrador burguês do romance também francês A náusea, escrito por Jean Paul Sartre, o qual, distanciando-se da sociedade na qual se reconhece estranho e desesperançado, confessa:
Como me sinto longe deles, do alto dessa colina. Parece-me que pertenço a uma outra espécie. Eles estão saindo dos escritórios, depois de seu dia de trabalho, olham para as casas e para as praças com ar satisfeito, pensam que essa é a sua cidade, uma 'bela urbe burguesa'. Não têm medo, sentem-se em casa (...) Eles são sossegados, um pouco taciturnos, pensam no Amanhã, isto é, simplesmente um novo hoje; as cidades dispõem apenas de um único dia que retoma igualzinho todas as manhãs (Sartre, 1986, p. 230).
Assim como o protagonista do citado romance, também o narrador de Extensão do domínio da luta detém uma cômoda situação social e narra a partir de uma posição privilegiada, de onde sua fala exerce algum poder e pode ser ouvida. Não obstante o bem-estar material, o desespero é tão dilacerante e contaminador a ponto de o narrador crer que o desequilíbrio psicológico ultrapassa sua própria condição individual e materializa o estado espiritual de toda uma civilização. Diferente do narrador sartriano que, em sua má consciência, vê-se distinto dos outros homens e não consegue universalizar sua angústia de homem letrado. No entanto, também em Extensão do domínio da luta , ao confessar "me sinto diferente deles, sem contudo conseguir precisar a natureza dessa diferença" (Houellebecq, 2002, p. 63), o narrador se exclui e marca seu discurso como a fala do indivíduo que pensa e racionaliza o estágio atual da sociedade, cujo conflito consiste em participar de um mundo e de instituições que o esmagam e a devoram psicologicamente.
Na festa de confraternização da empresa, que constitui o binômio tempo/espaço inicial da narrativa, a degradação moral dos indivíduos e da sociedade em que vive o protagonista se materializa na entrega desregrada à bebida e na exibição de corpos femininos nus. Essa primeira parte instaura um movimento de transição em sua existência, rumo ao distanciamento do mundo material e à busca de sua interioridade, lançando-o ao desespero. Sentimento que, segundo o filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard, já estaria presente no ser, subjacente à sua vida desregrada, pois a aparição do desespero
mostra já a sua preexistência. Conseguintemente nunca nos podemos pronunciar sobre alguém quando não se salvou por desespero. Porque o próprio acontecimento que o lança no desespero, imediatamente revela que toda sua vida passada tinha sido desespero (Kierkegaard, 2002, p. 29).
A embriaguez e a conseqüente perda da chave do carro, além da desistência absurda em relação a seu veículo, são sintomáticas dessa aflição extrema que, finalmente, encaminha-se para o despojamento e a ruptura com um modelo anterior de vida, com uma existência de distração, em direção a uma aproximação consigo próprio e, então, com a desilusão em relação ao mundo. Essa primeira parte registra a decisão do narrador de romancear sua tragédia pessoal, o que viria tranqüilizar seu espírito entediado. No entanto, ainda que a escrita reduza sua insatisfação existencial, ela tem poder limitado: "Escrever quase não alivia. Redesenha, delimita. Introduz uma suspeita de coerência, a idéia de um realismo. Patina-se sempre no nevoeiro sangrento, mas com algumas referências. O caos não está mais do que a alguns metros" (Houellebecq, 2002, p. 16).
Na segunda parte da obra, narram-se os acontecimentos em que o protagonista se envolve durante suas abomináveis viagens a trabalho, acompanhado de um colega com o qual se antipatiza. Porém os dois se familiarizam e estabelecem laços, assim como as aborrecidas viagens se amenizam ao representarem alguma alteração em sua vida e a possibilidade de melhoria psicológica. Com o colega Tisserand - feio, inconveniente, inadequado, porém muito competente em seu trabalho, o narrador percorre cidades do interior, com a tarefa de informatizar os departamentos do Ministério da Agricultura. Por onde passam, encontram funcionários desencantados, egocêntricos, solitários, ambiciosos, enfim, um batalhão de seres insensibilizados por sua rotina de funcionários públicos, por uma vida programada e com pouca possibilidade de efetiva comunicação entre as pessoas, apesar de constantes festas pelos mais diversos motivos. Mas o narrador e seu colega, carentes de afeto, vão travando um relacionamento estranho que se solidifica quando, enfermo no hospital, em um momento singular de sua narração, o protagonista se encoraja com a solidariedade e a fraternidade na visita que recebe de Tisserand.
Insatisfeito sexual e afetivamente, o narrador torna-se frustrado, fracassado, deprimido, conservador e violento. Toda a realidade em sua volta contamina-se pelo desgosto contínuo. E as sucessivas histórias de suicídio, mortes, bombas, bem como a menção ao consumo desenfreado de bebidas e cigarros, criam na obra um clima de niilismo, angústia, desespero, amargura total diante de um mundo em que as pessoas valem, segundo a narração, por sua posição econômica ou por sua potência erótica. Ao adquirir uma faca e colocá-la no porta-luvas do carro do amigo, a personagem busca, em uma mórbida emoção por meio do crime e de uma vingança a ser cometida a esmo, libertar-se do desespero e responder doentiamente à rejeição, ao tédio, ao desprezo e ao vazio de uma vida insípida.
Na terceira parte se consuma, com a depressão e o internamento psiquiátrico, o aniquilamento psicológico total. A busca de uma solução médica e química para seus pesadelos e idéias autodestrutivas encobre a profunda solidão e a sensação de desamparo que acomete as pessoas rotuladas como loucas. Sugere-se, assim, uma visão da loucura como produto de uma ordem social que se funda sobre o esvaziamento das relações humanas, o que gera amargura e solidão nas pessoas de aguda sensibilidade e profunda lucidez na percepção da vida e da realidade: "Percebi que todas aquelas pessoas - homens ou mulheres - não se sentiam nada incomodadas; faltava-lhes simplesmente amor. Os gestos, hábitos e mímicas de todos eles traíam uma sede mortal de contatos físicos e carícias" (Houellebecq, 2002, p. 137).
A viagem de volta à terra natal, simbolicamente sua busca de identidade e de fixação de suas origens e que reúne todos os ingredientes para deixá-lo bem mentalmente - o deslocamento em si, a prática do ciclismo e uma natureza exuberante, leva-o a mergulhar em um completo vazio como resposta às suas indagações existenciais. Ele acaba por sucumbir novamente na depressão, concluindo que não há saída para a vida, já que não consegue se fundir com o mundo: "Sinto o meu corpo como uma fronteira, e o mundo exterior como um esmagamento" (Houellebecq, 2002, p. 142). Como não se integra à sociedade que critica, não pode sobreviver a ela, que exige do homem a entrega de sua consciência.
Um constante diálogo com a criação literária emerge das páginas desse romance, indicando que se o narrador não acena com uma saída possível para a insuficiência de sua vida, para o autor - cujos dados biográficos mantêm-se muitos próximos ao conteúdo ficcional1 - o alento de sua existência estaria na escrita, pois, conforme afirma na voz do narrador, "se não escrevo o que vi sofrerei igual - e talvez mais" (Houellebecq, 2002, p. 16). Na medida em que narra, o protagonista expõe a inadequação da forma romanesca tradicional à narrativa das relações sociais contemporâneas. Ao mesmo tempo, vai construindo a forma/fórmula transgressora adequada para representar a civilização dos dias atuais, calcando-se em uma linguagem transgressora e deteriorada, que traduz não somente o status da literatura na contemporaneidade, bem como a sociedade deteriorada da cultura de massa. Através da metalinguagem, a obra se auto-reflete e discute uma nova conformação para o romance, uma vez que a sociedade se redimensionou, configurando um quadro que o narrador considera desastroso e negativo: as relações humanas estão em crescente aniquilamento, rumo a uma impossibilidade.
Em sua forma tradicional, o romance estabelece a narrativa de grandes paixões, a história de famílias; e o enredo tende a prender o leitor por uma contínua sucessão de fatos. A vida contemporânea, fragmentada, calcada em um cotidiano repetitivo e sem grandes expectativas, onde reina a indiferença e o nada, não serviria, segundo o narrador, de leitmotiv para a trama do romance ("Se a forma romanesca não existe para pintar a indiferença nem o nada, seria necessário inventar uma articulação mais plana, concisa e morna" (Houellebecq, 2002, p. 39)), visão compartilhada pelo pensador Theodor Adorno: "Narrar algo significa, na verdade, ter algo especial a dizer, e justamente isso é impedido pelo mundo administrado, pela estandartização e pela mesmidade" (Adorno, 1983, p. 270). Entretanto, o romance mostrou-se, ao longo de sua história, um gênero maleável e o que melhor sincronizou com a evolução da sociedade, tendo passado por diferentes adequações e distendido suas barreiras a ponto de se tornar o veículo, por excelência, de investigação do homem contemporâneo, idéia novamente referendada por Adorno:
A coisificação de todas as relações entre os indivíduos, que transforma suas características humanas em lubrificante para o andamento macio da maquinaria, a alienação e a auto-alienação universais, reclamam ser chamadas pelo nome, e para isso o romance está qualificado como poucas formas artísticas. Desde sempre, seguramente desde o século XVIII, desde o Tom Jones, de Fielding, ele teve como verdadeiro objeto o conflito entre os homens vivos e as relações petrificadas. A própria alienação se torna para ele, nesse lance, um meio estético (Adorno, 1983, p. 270).
Ainda que em Extensão do domínio da luta se revele a representação de uma única voz, detentora de uma verdade particular e monocórdia, o texto preserva, no entanto, as especificidades do gênero, uma das quais é a polifonia, postulada por Mikhail Bakhtin (1993, passim). Assim, o discurso do romance constrói-se a partir do cruzamento de múltiplas representações de vozes que se cruzam no tecido ficcional, quais sejam, o discurso do padre, do psiquiatra, do funcionário anacrônico, que rejeita a informatização em seu setor de trabalho, e daí por diante.
Paralelamente ao desenvolvimento de um enredo construído sobre fatos triviais, as digressões do narrador encaminham uma discussão filosófica sobre a qualidade da vida no mundo contemporâneo. Nesse cenário, o consumo é a moral da sociedade e as imagens ocupam o lugar de uma vida verdadeira, lembrando o que preconiza Guy Debord, em A sociedade do espetáculo:
As imagens, desligadas de todos os aspectos da vida, fundem-se em uma corrente comum em que a unidade da vida não pode mais ser restabelecida. Realidade considerada parcialmente desdobra-se, em sua própria unidade geral, como um pseudo-mundo à parte, objeto de mera contemplação. A especialização das imagens do mundo é completada no mundo da imagem autônoma, onde o mentiroso mente para si mesmo. O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivente (Debord, 2002, p. 2).
O mundo torna-se, assim, uma abstração, resultado da sociedade capitalista onde a mercadoria, ao assumir o valor de troca, transforma-se em uma quantidade abstrata de dinheiro. Nesse sistema, as mercadorias não são mais as mediadoras das relações humanas e sim as imagens, tornando-se o espetáculo a forma mais desenvolvida de relação social entre as pessoas. Essa supervalorização da aparência no mundo contemporâneo é problematizada no romance, conforme ilustra o texto de um catálogo de vendas intitulado "Os atuais", no qual se descreve um ambiente composto por peças arranjadas segundo um padrão de gosto imposto pela publicidade:
depois de um dia bastante ocupado, eles se instalam no sofá bem fofo de linhas sóbrias (Steiner, Roset, Cinna). Ao som de um jazz, apreciam o design dos seus tapetes Dhurries, a alegria das paredes forradas com tapeçarias (Patrock Frey). Prontas a partir para um serviço endiabrado, toalhas os esperam no banheiro (Yves Saint-Laurent, Ted Lapidus). E num jantar entre amigos, em suas cozinhas instaladas por Daniel Hechter ou Primrose Bordier, é que eles refarão o mundo (Houellebecq, 2002, p. 113).
Constrói-se um jogo de linguagem baseado nessas descrições que buscam a padronização do mundo pela publicidade e pelo consumo em contraste com a linguagem deteriorada empregada pelo narrador, responsável pela mediação entre essa sociedade deteriorada da cultura de massa e o leitor.
Nesse contexto, as relações humanas são conformadas pela sociedade da informação e, nessa nova ordem, a sociedade passa a ser pensada a partir da informática (Houellebecq, 2002, p. 40). Como pensador da nova forma social, Jean-Yves Fréhaut, personagem que representa o teórico da informática, defende o aumento do fluxo de informações na sociedade como o meio de atingir a máxima liberdade, já que possibilitaria estabelecer conexões variadas entre indivíduos, projetos, organismos, serviços (Houellebecq, 2002, p. , 37). Liberdade essa que, para a personagem, no fim das contas se reduz a "pedir o jantar por teleentrega" (Houellebecq, 2002, p. , 40) e que restringe as relações humanas a uma troca de informação. Chega a preconizar uma evolução da sociedade da informação cujo ápice em relação à sociedade atual ainda se encontraria em estágio artesanal. Assim como a produção e a circulação de mercadorias chegaram ao atual estágio industrial, as informações farão um caminho análogo, rumo à perfeição, transparência, confiabilidade e rapidez, longe do defeito zero. O prognóstico pessimista continua: "As relações humanas tornam-se progressivamente impossíveis, o que reduz, na mesma proporção, a quantidade de peripécias de que se compõem uma vida" (Houellebecq, 2002, p. , 39).
Tanto em sua estrutura, como no conteúdo, o romance modela um mundo desprovido de uma moral social, ou melhor, ele acena com uma moral alicerçada nas leis da lógica do consumo. Em tal circunstância, o desgosto resulta da falta de perspectivas diante de um mundo dominado pelo dinheiro e pela erotização desenfreada, orquestrada em todos os níveis e dimensões. Mesmo o espaço de sonho e humanização do cinema reduz-se a espaço de alienação onde se reúne uma coletividade e o espetáculo da imagem culmina com o ato masturbatório, um signo da solidão nas massas e da manipulação até mesmo do desejo sexual dos indivíduos pela indústria cultural (Houellebecq, 2002, p. 65).
Baseada no caos e na barbárie da vida contemporânea, a linguagem assume a crueza do conteúdo, sintetizado no desencanto com um cotidiano altamente regrado e previsível e normatizado em todos os seus aspectos. Mesmo fora do horário de trabalho, as obrigações acham-se estipuladas em uma vida administrada por múltiplos organismos, aos quais se deve manter os pagamentos em dia. Até mesmo no tempo que sobra, os momentos de descontração e lazer estão ordenados, segundo uma lógica pré-estabelecida. O tempo livre traz consigo o fantasma da "solidão absoluta, a sensação do vazio universal e o pressentimento de que a existência se aproxima de um desastre doloroso e definitivo" (Houellebecq, 2002, p. 14). Incômodo esse que leva Adorno, no texto "Tempo livre", a discorrer sobre o cerceamento dos indivíduos em um mundo onde os conceitos de lazer e trabalho não se comunicam. Onde a acelerada evolução da tecnologia faz com que o tempo livre do homem em sociedade torne-se mais elástico e o que era para ser ócio transforma-se em consumo desenfreado de mercadorias.
Os centros de consumo podem, assim, ser considerados palcos ou vitrines onde se expõe a alienação dos indivíduos, cujo gosto massificado e comportamentos padronizados são observados pelo narrador como em um jogo:
Observo que as pessoas andam, em geral, em bandos ou em pequenos grupos de dois a seis indivíduos (...) todos parecem muito satisfeitos com eles mesmos e com o universo (...) Mas todos comungam a certeza de passar uma tarde legal, essencialmente reservada ao consumo, servindo, por isso mesmo, à consolidação do ser comum (Houellebecq, 2002, p. , 63).
Nesse reino das imagens, o protagonista movimenta-se incólume nas praças e mercados entre grupos de jovens da classe média - unidos pelo desejo descomedido e insaciável de consumo - e os mendigos - párias sociais e devoradores dos resíduos gerados pela sociedade do consumo, que absorvem "sem reação, as imagens publicitárias" (Houellebecq, 2002, p. 120). Mesmo quando retira dinheiro num caixa eletrônico a fim de tornar-se presa fácil para os marginais, ninguém tenta se aproximar dele.
Do fundo de sua solidão, o final de semana transforma-se em um tempo no qual ele se deprime sem pressa, em uma liberdade semelhante à morte. Seja na parca correspondência recebida na chegada das viagens, seja na busca de contato com o semelhante através do SOS ou no almoço com os colegas (que se interessam apenas pelo auto-rádio escolhido para seus carros), o cenário apresenta-se hostil ao indivíduo, e nele a angústia tornou-se a forma de sobrevivência.
O desconforto do indivíduo é reflexo do mal estar da civilização, objetivado pelo aspecto decadente e arruinado da cidade, onde apenas o consumo liga as pessoas. O individualismo se exacerba a ponto de o indivíduo já não chamar a atenção. O ambiente moderno e poluído da cidade figura como espaço do desconforto e apenas o campo traria promessa de liberdade e felicidade. No entanto, também o ambiente natural não apresenta ao narrador algum lenitivo, já que seu espaço interior é de profundo desinteresse pela vida. Desinteresse coletivo pela vida, que se reflete na morte anônima de um homem na rua, ao som de uma canção publicitária: "Nova galeria hoje (...) Cada dia é um novo dia".(Houellebecq, 2002, p. 61). Desinteresse que ele próprio experimenta quando, doente, implora por socorro, agarrado no carro de dois jovens, e recebe como resposta a irritação e o descaso, além do desprezo e a recomendação do motorista para que não suje os estofados do táxi.
O narrador constrói um sistema de idéias em que coloca o sexo como um segundo sistema de diferenciação entre as pessoas, completamente independente do dinheiro, o primeiro deles. Um tão impiedoso quanto o outro, produzem ambos uma absoluta pauperização. Chega a ser irônica sua comparação, apesar de profundamente real: "Alguns transam todos os dias; outros, cinco ou seis vezes na vida, ou nunca. Alguns transam com dezenas de mulheres; outros, com nenhuma. É isso que se chama 'lei do mercado'" (Houellebecq, 2002, p. , 89). Prossegue em sua comparação: "Num sistema econômico perfeitamente liberal, alguns acumulam grandes fortunas; outros chafurdam no desemprego e na miséria. Num sistema sexual perfeitamente liberal, alguns têm uma vida erótica variada e excitante; outros estão reduzidos à masturbação e à solidão" (Houellebecq, 2002, p. , 90).
Enfim, no mercado das relações humanas o valor de um ser humano é medido hoje por sua eficiência econômica e seu potencial erótico. Partindo disso, juntamente com seu colega Tisserand - ambos destituídos de seu quinhão no mercado sexual, feios, sem charme e graça - segue sem lugar no campo erótico, um indigente num mercado regulado por leis análogas às do mercado econômico. O narrador desenvolve, então, uma teoria em que utiliza a noção de campo, semelhante à desenvolvida por Pierre Bourdieu, que afirma ser a estrutura do campo "definida pelas lutas de concorrência que acontecem no interior do campo e também pela qualidade e quantidade de recursos distribuídos entre os atores sociais. Os recursos capitalizados vão depender da capacidade que cada agente tem de acumular diferentes espécies de recursos" (Bordieu, 1989, p. 139), o que lhe possibilita transitar e tornar-se reconhecido em diversas esferas que compõem o campo social. Nesse caso, transmutado para o campo econômico e o sexual.
Por tudo isso, o narrador classifica sua obra como um romance da aprendizagem do desgosto, e nele expõe seu desencanto com a humanidade e o desespero em relação à própria vida: "Não gosto deste mundo. Definitivamente, não gosto dele. A sociedade na qual vivo me desgosta. A publicidade me repugna. A informática me dá ânsia de vômito. Prossegue qualificando como "sem sentido" seu trabalho na informática" (Houellebecq, 2002, p. 74). O próprio envelhecimento do indivíduo, fato natural, é visto sob o ângulo de um mercado de relações humanas que condena o velho a levar "uma vida de esfregão":
Envelhecendo ficamos menos sedutores e, por isso, amargos. Sentimos ciúmes dos jovens e acabamos por odiá-los. Esse ódio, condenado a permanecer inconfessável (...) apaga-se, como tudo se apaga. Só resta a amargura e o desgosto, a doença e a espera da morte" (Houellebecq, 2002, p. 103).
O pessimismo e a sensação de inutilidade da vida exprimem-se metaforicamente na imagem do rio (Houellebecq, 2002, p. 15), no qual à medida que o homem nada, cada movimento aproxima-o ainda mais do afogamento, tornando-se a água cada vez mais fria e amarga. Desse modo, a adolescência é o único período da vida humana em que se é realmente feliz e vive-se em plenitude. A partir daí, a vida é simplesmente a preparação para a morte. Por isso, o narrador considera que o adulto é "um adolescente mutilado" (Houellebecq, 2002, p. 85). Até então vive-se no campo do domínio da norma, da regra. A entrada no domínio da luta não oferece mais ilusão, pois quando o homem se depara com sua fragilidade, ele conhece o desespero.
Um desespero que, para Kierkegaard, é, muito mais do que um fato social, uma questão emocional que pode levar ao fracasso ou ao triunfo. Isso porque "todo desespero é fundamentalmente um desespero de sermos nós mesmos" (Kierkegaard, 2002, p. 25). A tomada de consciência do desespero, desamparo e abandono ao seu próprio governo, é um estado próprio do ser humano. Em O desespero humano, Kierkegaard caracteriza o desespero como uma doença mortal, a doença da alma. Mortal não porque morremos dela mas sim com ela. Cabe ao homem apenas suportá-lo. O desespero está presente até mesmo naqueles que não parecem desesperados, nos falsos satisfeitos e despreocupados, já que o filosófo não crê na possibilidade de uma existência não desesperada.
Nem todos estarão conscientes de seu próprio desespero, por isto Kierkegaard o vê sob o ângulo da consciência - o conhecimento ou a ignorância de sua existência. O pior dos desesperados será, assim, aquele que nenhuma consciência tenha do seu próprio desespero e que deseja se manter na ilusão. No entanto, se vivido em sua plenitude, o desespero leva à busca de valores autênticos; e a progressiva ampliação da consciência leva ao desespero daqueles que se reconhecem como tendo um eu, que vem a ser a síntese da dialética do finito e do infinito, o eterno e o temporal, as necessidades e as possibilidades (Kierkegaard, 2002).
Contudo, o desgosto do narrador representa o esgotamento do mundo atual, dos valores humanos e dos modelos sociais, dos quais, segundo a personagem Jean-Pierre Buvet (o padre que, encarnando a fraqueza do homem diante da sexualidade, desmascara a hipocrisia de instituições religiosas), o narrador é um legítimo representante. Numa técnica de espelhamento, Jean-Pierre constrói-se como a personagem que encarna a dissolução nos costumes, de que fala o narrador ao se mostrar moralista e conservador, numa última tentativa de justificar sua insuficiência perante o mundo.
Após ter atingido um progresso extraordinário em todas as ciências e um grande controle sobre a natureza, o homem contemporâneo não se tornou mais feliz, nem sua vida mais prazerosa:
Nossa civilização (...) sofre de esgotamento vital. No século de Luís XIV, época em que o apetite de viver era grande, a cultura oficial destacava a negação dos prazeres da carne; lembrava-se com insistência que a vida mundana só oferece alegrias imperfeitas, sendo Deus a única fonte verdadeira de felicidade. Tal discurso, garante, não seria tolerado hoje. Necessitamos de aventuras e de erotismo, pois precisamos nos ouvir repetir que a vida é maravilhosa e excitante; isso, claro, porque duvidamos um pouco (Houellebecq, 2002, p. 30).
Ao contrário, o sentimento de que não faz parte do mundo em que vive e de que há algo errado com a civilização humana leva a pensar, conforme Freud, que a civilização é em grande parte responsável por nossa desgraça e que seríamos muito mais felizes se a abandonássemos e retornássemos às condições primitivas. Não sendo isso possível, e para dar vazão à imensa energia interna que constitui o princípio do prazer, o homem necessita de "construções auxiliares" (Freud, 1974, p. 93), que são as medidas paliativas para amenizar tantos sofrimentos, frustrações e impossibilidades com que o homem se depara em sua existência civilizada. Embora tenha atingido um alto grau de progresso em todos os campos da atividade humana, o homem sempre vai lidar com sua fragilidade de ser perecível, limitado pelo envelhecimento e pela morte. Em um mundo materialista, essas noções vão minando o campo de consciência do indivíduo e
o próprio desejo desaparece; só restam a amargura, o ciúme, o medo. Sobretudo, resta a amargura. Nenhuma civilização, nenhuma época, foi capaz de desenvolver nos seus elementos tamanha amargura. Desse ponto de vista. Vivemos momentos sem precedentes. Se fosse possível resumir o estado mental contemporâneo com uma palavra, seria, sem dúvida, este que eu escolheria: ressentimento (Houellebecq, 2002, p. 136).
Em O mal estar na civilização, Freud enumera e analisa os diversos paliativos que o homem utiliza para se salvar na vida civilizada, onde seus instintos são reprimidos e até suprimidos. O narrador de Extensão do domínio da luta teria elegido o amor sexual como compensação para a sua vida insípida e vazia. Fracassando nessa "construção auxiliar", o indivíduo torna-se um completo arruinado. Todavia, a derrota nesse campo não se deve apenas ao fracasso pessoal enquanto indivíduo, mas representa sua descrença no mundo e o fracasso do homem e de seu próprio sistema, que renega com atitudes de mal-estar e náusea.
Em passagens metaliterárias, na teorização e na discussão de idéias do autor/narrador acerca do sentido e do papel da arte na atualidade, preconiza-se o rosto da morte para a literatura, num "mundo [que] se uniformiza; [em que] os meios de comunicação de massa avançam; o interior dos apartamentos se enriquece de novos equipamentos e as relações humanas tornam-se progressivamente impossíveis" (Houellebecq, 2002, p. 18). Tornou-se usual na época contemporânea a indagação sobre o fim da arte, especialmente da literatura. Assim posta, a literatura nada mais teria a dizer ao homem contemporâneo, imerso em uma sociedade voltada para o consumo material e cujas relações sociais fazem parte de um mercado regulado por leis, em sua base também econômicas. Não obstante, o texto literário assume o momento de crise e apresenta-se como espaço de problematização do homem e do contexto histórico. Assim, Adorno considera que mesmo em um mundo administrado, padronizado e marcado pela mesmice
o esforço do romance consiste em captar a essência que, justamente na estranheza familiar posta pelas convenções, aparece, por seu turno, assustadora, duplamente estranha e mesmo em uma sociedade em que os homens estão separados uns dos outros e de si mesmos, o desencantamento do mundo reflete-se na transcendência estética (Adorno, 1983, p. 270).
O desespero do narrador representa a busca do humano que resiste para além da heteronomia das sociedades de massas, ainda que para isso sua escrita incorpore elementos dessa cultura que denuncia. Logo, o desespero contemporâneo representa um valor positivo, pois quem pode desesperar-se, pode também buscar o seu eu, sinal de que o humano ainda permanece latente na sociedade. Uma obra do desespero representa, então, uma esperança de salvação em um mundo conformista, indício de que a arte ainda cumpre seu compromisso de rebelar-se.
Referências:
Adorno, Theodor W. (2002). Tempo livre. In _______. Indústria cultural e sociedade. (Julia Elisabeth Levy, Augustin Werner, Jorge Mattos Brito de Almeida e Maria Helena Ruschel, Trad.) (pp. 112-127). São Paulo: Paz e Terra. [ Links ]
Adorno, Theodor W. (1983). Posição do narrador no romance contemporâneo. In Benjamin, W.; Horkheimer, M.; Adorno, T. & Habermas, J. Textos escolhidos. (José Lino Grünnewald, Edson Araújo Cabral, José Benedito de Oliveira Damião, Modesto Carone, Erwin Theodor Rosental, Zeljko Loparic et al., Trad.) (pp. 269-273). São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores). [ Links ]
Bakhtin, Mikhail (1993). Questões de literatura e estética: A teoria do romance. São Paulo: Hucitec. [ Links ]
Bourdieu, Pierre (1989). O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. [ Links ]
Debord, Guy (2002). A sociedade do espetáculo. Versão para MSReader por Ciberfil Literatura Digital. Disponível em http://www.ciberfil.org., acessado em 02/02/2003. [ Links ]
Freud, Sigmund (1974). O mal estar na civilização. In _______. O futuro de uma ilusão. (José Otávio de Abreu, Trad.). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas (pp.73-171). Rio de Janeiro: Imago. V. XXI. (Originalmente publicado em 1930). [ Links ]
Houellebecq, Michel (2002). Extensão do domínio da luta (Juremir Machado da Silva, Trad). Porto Alegre: Sulina. [ Links ]
Kierkegaard, Sören (2002).O desespero humano. (Alex Marins, Trad.). São Paulo: Martin Claret. [ Links ]
Sartre, Jean-Paul (1986). A náusea (Rita Braga, Trad.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira. [ Links ]
Recebido em 07 de abril de 2003
Aceito em 26 de abril de 2003
Revisado em 22 de julho de 2003
Nota:
1 http://www.ambafrance.org.br/abr/label/label35/lettres/houellebecq /houellebecq.html, acessado em 29/01/2003.