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Revista Mal Estar e Subjetividade
versão impressa ISSN 1518-6148versão On-line ISSN 2175-3644
Rev. Mal-Estar Subj. v.6 n.1 Fortaleza mar. 2006
ARTIGOS
Considerações teóricas sobre a psicanálise freudiana: da metapsicologia aos textos sociais*
Caio César Souza Camargo PróchnoI; Moisés Fernandes LemosII
IProfessor Adjunto do Instituto de Psicologia da UFU - Universidade Federal de Uberlândia, Doutor em Psicologia Social pela USP.Residência: Rua Cruzeiro dos Peixotos, 59, apto 203, Bairro Aparecida, 38400-608 Uberlândia - MG. E-mail: caioprochno@aol.com
IIProfessor do curso de Psicologia do ILES/ULBRA - Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara - Go., Especialista em Psicologia Clínica e Filosofia, Mestre em Psicologia Aplicada pela UFU. Residência: Rua Eduardo de Oliveira, 289, apto 102, Bairro Lídice, 38400-068 - Uberlândia - MG. E-mail: moisesflemos@hotmail.com
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo rastrear conceitos na obra de Freud, verificando em que medida há indícios de articulação teórica entre a metapsicologia freudiana (1915-1917) e seus textos sociais (1913 [1912], 1921, 1927, 1930 [1929]/1987), notadamente no que concerne à relação entre a pulsão de morte e O mal-estar na civilização (1930 [1929]/1987), obra em que Freud demonstra seu pessimismo para com o futuro da civilização. Nossa suposição inicial era a de que, mesmo não se constituindo um caminho planejado, quando da produção dos textos metapsicológicos, já havia em Freud uma preocupação constante com os desígnios da civilização e que, ao aplicar o método interpretativo às questões relativas à cultura, ele amplia a leitura do social sem, contudo, pretender estabelecer uma sociologia freudiana. O estudo se caracterizou como uma pesquisa bibliográfica, sendo que como opção metodológica, apresentou-se o método indiciário ou semiótico, que, ao tomar a obra de Freud como um discurso, abriu perspectivas de análise dos objetivos propostos. Atenção especial foi dedicada aos conceitos de identificação, pulsão de morte e sublimação, os quais facultam o entendimento da psicologia individual e social. Na análise não foram encontrados indícios de uma forte e intrínseca articulação dos textos metapsicológicos (1915-1917) com os textos sociais de Freud, mas pode-se afirmar que Freud partiu de uma análise individual rumo ao social, aplicando os conceitos e descobertas da Psicanálise a uma realidade mais ampla que dualidade normalidade x patologia, ampliando e possibilitando novas leituras da civilização. O conceito de pulsão de morte ajuda a explicar O mal-estar na civilização e a metapsicologia psicanalítica continua aberta, com suas peculiaridades, desafios e contradições, à espera de novas investidas no sentido de melhor entender a organização social humana, contribuindo para um futuro mais promissor.
Palavras chave: intersubjetividade, metapsicologia, psicanálise, psicologia, sociologia
ABSTRACT
The present study had the objective of tracking concepts in the works of Freud by verifying in which measure there could be indications of theoretical relation between Freud's meta-psychology (1915-1917) and his social texts (1913 [1912], 1921, 1927, 1930 [1929]/1987), particularly concerning the relation between pulsion of death and the malaise in civilization (1930 [1929]/1987), work in which Freud reveals his pessimism regarding the future of civilization. Our initial assumption for this study was that when of the production of the meta-psychological texts, even if it was unplanned, Freud had already a consistent concern with the future of civilization and that when he applied the interpretative method to the questions relating to the culture, he extended the reading of the social without, however, intending to establish his own sociology. This study intended, initially, to be only a bibliographical research and as I used the semiotic method by taking Freud's work as a speech, it opened new perspectives of analysis of the objectives. Special attention was dedicated to the concepts of identification, pulsion of death and sublimation, which lead to the understanding of both individual and social psychology. It has not been found, in this analysis, any consistent or strong indication of the pretense articulation of the meta-psychological texts (1915-1917) with the social texts of Freud, but it can be affirmed that Freud's analysis' route began from the individual to the social by applying the concepts and findings of the Psychoanalysis to a wider reality than the one of normality duality X pathology, extending and making it possible new readings of the civilization. The concept of pulsion of death helps to explain the malaise in the civilization and, the psychoanalytic-meta-psychology continues to be open with its peculiarities, challenges and contradictions, waiting for new attempts for a better understanding of human social organization and contributing in this way for a more promising future.
Keywords: inter-subjectivity, meta-psychology, psychoanalysis, psychology, sociology
Introdução
Considerando os textos metapsicológicos de Freud representantes de um momento de síntese da Psicanálise e que em Atos obsessivos e práticas religiosas (1907/1987a) ele já levava a público sua atenção para com o social, mostra-se oportuno investigar se existe, de fato, uma articulação teórica entre dois momentos de sua produção: metapsicologia e textos sociais, visando, dentre outras coisas, explicar o mal-estar experimentado pela cultura contemporânea.
Sendo assim, o presente estudo teve como objetivo rastrear conceitos na obra de Freud, verificando em que medida há indícios da mencionada articulação teórica entre a metapsicologia freudiana (1915-1917) e seus textos sociais (1913 [1912], 1921, 1927, 1930 [1929]/1987), notadamente no que concerne à relação entre a pulsão de morte e O mal-estar na civilização (1930 [1929]/1987b), obra em que Freud demonstra seu pessimismo para com o futuro da civilização.
Nossa suposição inicial era a de que, mesmo não se constituindo um caminho planejado, quando da produção dos textos metapsicológicos, já havia em Freud uma preocupação constante com os desígnios da civilização e que, ao aplicar o método interpretativo às questões relativas à cultura, ele amplia a leitura do social sem, contudo, pretender estabelecer uma sociologia freudiana.
Mas, ao nos propormos investigar a articulação entre a metapsicologia e os textos sociais na obra de Freud, qual caminho seguir? Nesta trajetória é importante não negligenciar rastros, nuanças, pistas e detalhes por menores que sejam.
Sendo assim, convém questionar qual o método de investigação a adotar? O método indiciário de Moreli apresenta-se como uma alternativa viável. Desenvolvido com o objetivo de reconhecer a autenticidade de obras de arte, o método de Moreli, diante de um quadro de autor desconhecido, faria uma cuidadosa análise das categorias pictóricas presentes, chegando a unidades significativas que permitiriam situar com grande grau de precisão a escola ou período a que este pertencia e principalmente a intenção do autor, uma vez que as características essenciais da obra seriam colocadas em evidência (Ginzburg, 1989).
O próprio Freud, em Moisés de Michelângelo (1914/1987c), reconhece a importância de Moreli, associando-o à Psicanálise. Afirma ele: "(...) parece-me que seu método de investigação tem estreita ligação com a técnica da Psicanálise, que também está acostumada a adivinhar coisas secretas e ocultas a partir de aspectos menosprezados ou inobservados, do monte de lixo, por assim dizer, de nossas observações" (Freud, 1914/1987c, p. 264-265).
Ginzburg ainda observa que: "(...) o método indiciário emergiu no âmbito das ciências humanas como modelo epistemológico em surdina, sem receber muita atenção e sua análise 'amplamente operante de fato, ainda que não teorizada explicitamente' e talvez ajude a sair da contraposição entre racionalismo e o irracionalismo" (Ginzburg, 1989, p.143).
Mediante todas as características, vantagens e considerações colocadas, resta ainda uma questão: pode ser um paradigma indiciário rigoroso? O próprio Ginzburg responde a essa questão afirmando que:
A orientação quantitativa e antropocêntrica das ciências da natureza, a partir de Galileu, colocou as ciências humanas num desagradável dilema: ou assumir o estatuto científico frágil para chegar a resultados relevantes, ou assumir um estatuto científico forte para chegar a resultados de pouca relevância. Só a lingüística conseguiu no decorrer desse século subtrair-se a esse dilema, por isso pondo-se como modelo, mais ou menos atingido, também para outras disciplinas (Ginzburg, 1989, p.178).
No decorrer do presente estudo, os textos de Freud foram tomados como se fora um discurso, aplicando-lhes o método indiciário ou semiótico, na busca minuciosa de nuanças, detalhes, rastros, sombras, que levem aos fundamentos que os sustentam, implicando na possibilidade de melhor compreensão da obra como um todo, visto que a lingüística tornou-se um modelo e uma exceção a serem perseguidos.
Rastros e nuanças do social na metapsicologia freudiana
Com o crescimento do movimento psicanalítico e as primeiras divergências públicas parece que Freud se viu frente à necessidade de melhor explicitar seus postulados, iniciando um período de grande produção metapsicológica. Vale dizer que após a publicação de A interpretação dos sonhos (1900/1987d), somente em 1915 ele voltou a falar, de forma mais contundente, sobre o assunto.
No entanto, não se pode falar que isso se deu de forma abrupta; ele publicou Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico (Freud, 1911/1987e), oportunidade em que torna pública sua preocupação com a metapsicologia psicanalítica, voltando sua atenção para os aspectos teóricos da Psicanálise, e três anos depois publica Sobre o narcisismo: uma introdução (1914/1987f), obras essas que podem, no grosso modo, ser agregadas à síntese metapsicológica verificada nos anos seguintes (1915-1917).
O grande valor do artigo (Freud, 1911/1987e) está no fato de após aproximadamente 10 anos Freud voltar a teorizar sobre o funcionamento do aparelho psíquico. Ele retoma os princípios do prazer e da realidade, introduzidos pela literatura psicanalítica através do Projeto, revendo seus mecanismos de funcionamento. O próprio Freud o toma como um estudo preparatório. Nas palavras do autor:
As deficiências deste breve artigo, que é mais preparatório que expositivo, serão talvez desculpadas, apenas em pequena parte, se eu alegar que são inevitáveis. Nestas poucas observações sobre as conseqüências psíquicas da adaptação ao princípio de realidade, fui obrigado a esboçar opiniões que, no momento, teria preferido reter e cuja justificação certamente exigirá esforço nada insignificante (Freud, 1911/1987e, p. 286).
Considerando que o artigo seja preparatório, como Freud admite, cabe perguntar: ele preparava o quê? Certamente a síntese metapsicológica que se confirmaria a partir de 1914, principalmente entre 1915 e 1917. Freud pretendia algo mais? Não se sabe. Talvez Freud estivesse falando também da publicação de Totem e tabu (1913 [1912]/1987g) que Gabbi toma como um texto metapsicológico. Mesmo não se tendo encontrado respaldo entre outros comentadores de Freud, para este posicionamento, vale a pena citá-lo:
Para muitos comentadores, Freud teria tentado de forma canhestra aplicar a psicanálise à análise antropológica. Nossa leitura parte de outro pressuposto. Segundo ele, estaríamos diante da primeira grande tentativa metapsicológica de responder a uma das questões mais fundamentais da investigação psicanalítica: qual a referência última que seria responsável pelos deslocamentos de sentido, presentes, por exemplo, em todas as neuropsicoses, em todas as fantasias? (Gabbi, 1994, p.150).
O texto referenciado não resolve nosso problema; na verdade, ele aumenta nossa dúvida, o que pode (em nosso caso) ser considerado um avanço, pois a pretensa articulação metapsicologia e textos sociais, às vezes, nem é admitida.
Por falar em mecanismos de funcionamento do aparelho psíquico, o que nos reserva o comentado artigo de Freud? Pode-se dizer que nele o autor amplia a teoria relativa aos mecanismos de funcionamento do aparelho psíquico, estabelecendo algumas condições para seu desenvolvimento, ou seja, volta a discorrer sobre os princípios de prazer e princípio de realidade, sendo que, segundo o autor, se realizaria da seguinte forma:
A substituição do princípio de prazer pelo princípio de realidade, com todas as conseqüências psíquicas envolvidas aqui esquematicamente condensadas numa só frase, não se realiza, na verdade, de repente; tampouco se efetua simultaneamente em toda a linha, pois, enquanto este desenvolvimento tem lugar nos instintos do ego, os instintos sexuais se desligam deles de maneira muito significativa (...) (Freud, 1911/1987e, p. 282).
A necessidade de substituição do princípio de prazer pelo princípio de realidade, à qual Freud se refere, implica num "amadurecimento psíquico" em que haja uma sublimação dos instintos, sendo sua realização postergada para oportunamente ser, em parte, realizada segundo um mecanismo muito especial.
Na realidade, a substituição do princípio de prazer pelo princípio de realidade não implica a deposição daquele, mas apenas sua proteção. Um prazer momentâneo, incerto quanto a seus resultados, é abandonado, mas apenas a fim de ganhar mais tarde, ao longo do novo caminho, um prazer seguro (Freud, 1911/1987e, p. 283).
A estratégia do psiquismo seria deslocar (e/ou condensar) estes instintos, como garantia de realização, ainda que parcial, e, para tanto, Freud aponta como caminhos viáveis à ciência a educação e a arte (Freud, 1911/1987e), ou seja, caminhos que impliquem necessariamente em uma forma de organização social para serem atingidos.
O texto Sobre o narcisismo: uma introdução (1914/1987f) nos chamou a atenção em decorrência de sua importância metapsicológica, mas também por ser um artigo contemporâneo a Totem e tabu (1913 [1912]/1987g). Ele resume as primeiras discussões de Freud sobre o tema do narcisismo primário, considerando o lugar ocupado pelo mesmo no desenvolvimento sexual e penetrando também na questão das relações entre o ego e seus objetos. Parece que nessa obra Freud já antecipa a propositura da segunda tópica, assunto que não será aqui desenvolvido, mas abre margem para se falar sobre o ego em complementação à consciência, sendo conveniente citar o próprio Freud, quando afirma que:
(...) uma unidade comparável ao ego não pode existir no indivíduo desde o começo; o ego tem de ser desenvolvido. Os instintos auto-eróticos, contudo, ali se encontram desde o início, sendo, portanto, necessário que algo seja adicionado ao auto-erotismo - uma nova ação psíquica - a fim de provocar o narcisismo" (Freud, 1914/1987f, p. 93).
Ao discutir os destinos da pulsão (ou instintos) em um período tão remoto de nossas infâncias, Freud parece, com o texto, ampliar os mecanismos de funcionamento do aparelho psíquico, destacando a importância de sua relação com o mundo interno e externo. Interessa-nos, particularmente, os primórdios da relação da criança com o mundo externo, ou seja, os primeiros passos do indivíduo rumo ao reconhecimento da necessidade da relação social, sem a qual o ser humano está fadado ao fracasso, ameaçado em sua própria sobrevivência. Interessa-nos também os mecanismos das pulsões sexuais e de autoconservação, ligadas ou não ao objeto. Visto nesse contexto, parece que Freud abre caminho rumo aos textos metapsicológicos da década de vinte, essenciais à nossa análise.
Freud comenta, nesta obra, sobre os conceitos de ego ideal e o ideal de ego, sendo o primeiro ideal narcísico, de onipotência, forjado a partir do modelo de narcisismo infantil, e, o último, decorrente da convergência do narcisismo e das identificações com os pais, com seus substitutos e ideais coletivos (Laplanche, J. & Pontalis, J-B. 1986), postulados de grande importância na compreensão do desenvolvimento da Psicologia Social, e, certamente, na organização social do homem.
O ideal do ego desvenda um importante panorama para a compreensão da psicologia de grupo. Além do seu aspecto individual, esse ideal tem seu aspecto social; constitui também o ideal comum de uma família, uma classe ou uma nação. Ele vincula não somente a libido narcisista de uma pessoa, mas também uma quantidade considerável de sua libido homossexual, que dessa forma retorna ao ego. A falta de satisfação que brota da não realização desse ideal libera a libido homossexual sendo esta transformada em sentimento de culpa (ansiedade social). Originalmente esse sentimento de culpa era o temor da punição pelos pais, ou, mais corretamente, o medo de perder o seu amor; mais tarde, os pais são substituídos por um número indefinido de pessoas (Freud, 1914/1987f, p. 119).
O referido panorama é um passo rumo ao social em Freud? A substituição da figura parental por um número indefinido de pessoas é uma condição necessária para a constituição do social? Parece-nos prematuro tirar conclusões, mas os conceitos de ego ideal e ideal de ego se mostram como um indício importante na constituição do social, sendo, talvez, um indicativo de que Freud necessitasse explicar algo mais que o funcionamento psíquico individual, indício que será oportunamente perseguido no decorrer do presente estudo.
Os artigos denominados metapsicológicos foram escritos em 1915, sendo Os instintos e suas vicissitudes, Repressão e O inconsciente publicados no mesmo ano, e Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos e Luto e melancolia levados a público dois anos depois (Garcia-Roza, 2000a).
Em Os instintos e suas vicissitudes (1915/1987h), ao descrever os instintos, identifica pressão, alvo, objeto e fonte, como componentes essenciais em sua caracterização. Logo após ele apresenta os possíveis destinos do instinto (ou pulsão), quais sejam: reversão ao seu oposto, retorno em direção ao próprio eu (self) do indivíduo, repressão e sublimação, incrementando a leitura do funcionamento do aparelho psíquico. Diz o autor, ao se referir à reversão ao seu oposto que:
Quando, durante a fase do narcisismo primário, o objeto faz sua aparição, segundo oposto ao amar, a saber, o odiar, atinge seu desenvolvimento. Como já vimos o objeto é levado do mundo externo para o ego, a princípio, pelos instintos de autopreservação; não se pode negar que também o odiar, originalmente, caracterizou a relação entre o ego e o mundo externo alheio com os estímulos que introduz. A indiferença se enquadra como um caso especial de ódio ou desagrado, após ter aparecido inicialmente como sendo seu precursor (...) (Freud, 1915/1987h, p. 158).
Os instintos são da ordem do inconsciente, mas, ao se manifestarem, estabelecem uma relação direta com o meio ambiente, fazendo com que a escolha de seu caminho (inconsciente) seja influenciada pelos ditames sociais (pelo menos em parte), sob o risco de se verem frustrados. Se de fato assim ocorrer, não há como negligenciar a inter-relação mundo interno e externo, indivíduo e sociedade, sendo necessário explicar melhor a influência do social na estruturação do psiquismo:
O ego odeia, abomina e persegue, com intenção de destruir, todos os objetos que constituem uma fonte de sensação desagradável para ele, sem levar em conta que significam uma frustração quer da satisfação sexual, quer da satisfação das necessidades autopreservativas. Realmente, pode-se asseverar que os verdadeiros protótipos da relação de ódio se originam não da vida sexual, mas da luta do ego para preservar-se e manter-se" (Freud, 1915/1987h, p. 159-60).
Nosso propósito não é opor o inconsciente à consciência. Nesta época o lugar do inconsciente já estava consagrado na teoria psicanalítica, mas algumas peculiaridades exigiam "acabamento", por exemplo, a agressividade. Freud discorre sobre a pulsão sexual x pulsão autopreservativa, mas podem os componentes agressivos da pulsão ter origem no ego, já que parte dela é inconsciente? Já que a pulsão pode se direcionar para o mundo externo, assim como retornar para o mundo interno, a serviço de quem ele estaria nos casos de agressividade? Por ora as conclusões são prematuras. A discussão será adiada, retomada e ampliada no decorrer do presente trabalho, pois ela pode se mostrar intimamente ligada ao entendimento da organização social do homem, visto que após se observar acentuado desenvolvimento tecnológico a humanidade encontra-se vassala de um mal-estar contemporâneo, ou seja, nesta situação como ficaria a questão da dualidade pulsional?
Quando da análise do artigo Repressão (Freud, 1915/1987i), segundo nossa linha de raciocínio, desenvolvida até o presente momento, a repressão ou recalcamento dos instintos dar-se-ia em função das normas provenientes do meio ambiente (portanto, externas ao aparelho psíquico), sendo conseqüentemente associada à cultura. Atendo-nos ao texto freudiano, pode ser observado primeiramente que:
(...) é errado dar ênfase apenas à repulsão que atua a partir da direção do consciente sobre o que deve ser reprimido; igualmente importante é a atração exercida por aquilo que foi primevamente repelido sobre tudo aquilo com que ele possa estabelecer uma ligação. Provavelmente, a tendência no sentido da repressão falharia em seu propósito, caso essas duas forças não cooperassem, caso não existisse algo previamente reprimido pronto para receber aquilo que é repelido pelo consciente (Freud, 1915/1987i, 171).
Garcia-Roza, comentando sobre o recalcamento (repressão), afirma que:
Se é verdadeiro que o recalcamento é um processo interno ao sujeito, é também verdadeiro que este processo se dá em decorrência da censura, da lei enquanto algo que é externo ao sujeito. Contudo, há uma diferença notável entre o segundo no qual uma proibição se exerce de forma direta e consciente, e uma outra em que ela se faz através da interiorização da instância censora, e num nível inconsciente (Garcia-Roza, 2000b, p.165).
Logo depois, no mesmo texto referenciado de Freud, afirma ele que:
(...) a repressão não impede que o representante instintual continue a existir no inconsciente, se organize ainda mais, dê origem a derivados, e estabeleça ligações. Na verdade, a repressão só interfere na relação do representante instintual com o único sistema psíquico, a saber, o do consciente (Freud, 1915/1987i, p. 172).
Então, o que é reprimido é a representação e não os instintos (pulsão) em si. Os instintos inconscientes continuam exercendo pressão no sentido de se realizarem, e a norma social, estabelecida e introjetada, continua a exercer o papel de censora, exigindo uma passagem de funcionamento do aparelho psíquico do princípio de prazer para o princípio de realidade; de processo primário para processo secundário, em que a lei e a razão continuam sendo essenciais. Freud continua falando da oposição dos instintos (instintos sexuais x instintos de autopreservativos), energia vinculada a um objeto e energia desvinculada. Se a energia se liga a um objeto, mantém-se a relação com o mundo externo. A função de censura e seu modo de funcionamento carecem de explicações mais convincentes.
O texto O inconsciente (1915/1987j) caracteriza o que há de mais importante na teorização psicanalítica. Não há como pensar a Psicanálise sem se referir ao inconsciente. Sendo o ponto principal de uma mudança de paradigma, ele foi fruto de muitas discórdias (e continua sendo), mas, nesta obra, Freud resolve muitas celeumas relativas ao conceito, sem deixar de considerar que:
Houve uma mudança sensível no conceito desde sua propositura em 1900 e o modo como ele é pensado hoje, que no artigo de 1915 Freud se preocupou com assinalar as diferenças entre o inconsciente tal como é concebido por ele e o inconsciente tal como era pensado pela filosofia e pela psicologia, e uma das formas de se marcar a diferença é apontando o que o inconsciente freudiano não é. Ele não é uma franja da consciência, assim como não é o lugar caótico e do misterioso. E Freud, com plena razão, esta preocupado em assinalar essas diferenças e em afirmar a irredutibilidade do seu conceito às noções até então dominante (Garcia-Roza, 2000b, p. 208-209).
Ao avaliar o inconsciente, Freud ainda afirma que:"O sistema Ics. contém as catexias da coisa dos objetos, as primeiras e verdadeiras catexias objetais; o sistema Pcs. ocorre quando essa apresentação da coisa é hipercatexizada, através da ligação com as apresentações da palavra que lhe correspondem. São essas hipercatexias, podemos supor, que provocam uma organização psíquica mais elevada, possibilitando que o processo primário seja sucedido pelo processo secundário, dominante no Pcs. Ora, também estamos em condições de declarar precisamente o que é que a repressão nega à representação rejeitada nas neuroses de transferência; o que ela nega à apresentação é a tradução em palavras que permanecerá ligada ao objeto" (Freud, 1915/1987j, p. 230), destacando a importância do social no estabelecimento das normas levadas a termo por meio dos mecanismos da repressão.
No artigo Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos (1917 [1915]/1987k), Freud retoma a teorização do começo do século, ampliando conceitos relativos ao funcionamento do aparelho psíquico, mais preocupado com sua aplicação clínica. São discutidos os mecanismos de funcionamento do princípio do prazer e da realidade em diversas situações clínicas, mas a noção desses princípios apresentada nesse trabalho, até o momento, atende plenamente nossa necessidade, visto não ser especificamente nosso objeto de estudo. Portanto, não foram encontrados rastros, nuanças, detalhes nem sombra do que se procura, não havendo necessidade de aprofundar nossa análise do referido artigo.
Luto e melancolia (1917 [1915]/1987m) se mostra como uma retomada de temas abordados em Sobre o narcisismo: uma introdução (1914/1987f), notadamente no que se refere à identificação narcísica e ao ideal de ego. No artigo, Freud faz menção a um agente crítico da consciência que seria futuramente aprofundado em Psicologia de grupos e análise do ego (1921/1987m), levando à hipótese do superego em O ego e o id (1923/1987n). Cabe também destaque no artigo a questão da identificação, podendo o conceito ser considerado um detalhe importante em nossa busca, pois faz menção a um objeto do mundo externo que é idealizado (ideal de ego), passando a ocupar um lugar de destaque na constituição do sujeito.
No texto, Freud compara o luto com a melancolia, verificando que:
(...) a inibição e a perda de interesse são plenamente explicadas pelo trabalho do luto no qual o ego é absorvido. Na melancolia, a perda desconhecida resultará num trabalho interno semelhante, e será, portanto, responsável pela inibição melancólica. A diferença consiste em que a inibição do melancólico nos parece enigmática porque não podemos ver o que é que o está absorvendo tão completamente. O melancólico exibe ainda uma outra coisa que está ausente no luto - uma diminuição extraordinária de sua auto-estima, um empobrecimento de seu ego em grande escala (Freud, 1917 [1915]/1987l, p. 278).
Quando a diminuição da auto-estima é analisada, observa-se no melancólico uma "(...) perda acompanhada de auto-recriminações e recriminações feitas a um objeto amado que foram deslocadas desse objeto para o ego do próprio paciente" (Freud, 1917 [1915]/1987l), que tende a se autodepreciar se vendo indigno do objeto amado, mas na maioria das situações opera-se aí o mecanismo da projeção, em que o melancólico na verdade deprecia o objeto amado que é por ele incorporado. Este processo de incorporação do ideal do ego lembra a fase canibalística concebida em Totem e tabu, sendo necessário, oportunamente, rastrear os conceitos de agente crítico da consciência e o processo de identificação que serão analisados futuramente, quando da discussão da segunda tópica, notadamente no que se refere ao conceito de superego. Dados preliminares dão conta de que o agente crítico da consciência pode ser tomado como um precursor do superego em Freud.
A teorização da década de vinte
Outro momento relevante da teorização na obra de Freud é observado no início da década de vinte com a publicação de Além do princípio do prazer (Freud, 1920 [1919]/1987o), artigo escrito em 1919 e levado a público em 1920. Na obra, Freud volta a falar sobre a compulsão à repetição como uma característica do comportamento infantil e derivada da natureza dos instintos, sendo suficientemente poderosa a ponto de desprezar o princípio de prazer. Discute a questão da classificação dos sonhos, apresentando uma exceção mais séria à regra de que os sonhos seriam a realização de desejo: os sonhos traumáticos. No entanto, o aspecto mais "inovador" do artigo diz respeito à ampliação da concepção metapsicológica da dualidade pulsional e da nova dicotomia entre eros e os instintos de morte, em substituição (ou complementação) às funções de autoconservação (antigas pulsões do ego) e pulsões sexuais. Este trabalho de Freud causou muita polêmica em função da hipótese da pulsão não se vincular ao objeto (mundo externo) e se voltar para o próprio ego, ou, ainda, se ver energeticamente desvinculada de qualquer objeto, seja ele do mundo interno ou externo, inaugurando a hipótese da pulsão de morte. A retomada de alguns temas do Projeto (1950[1895]/1987p) e uma leitura biológica das pulsões são também bastante criticadas.
Ao discorrer sobre a dualidade e a tendência pulsional de voltar ao inorgânico, à origem, Freud afirma que:
O instinto reprimido nunca deixa de esforçar-se em busca da satisfação completa, que consistiria na repetição de uma experiência primária de satisfação. Formações reativas e substitutivas, bem como sublimações, não bastarão para remover a tensão persistente do instinto reprimido, sendo que a diferença de quantidade entre o prazer da satisfação que é exigida e a que é realmente conseguida, é que fornece o fator impulsionador que não permite qualquer parada em nenhuma das posições alcançadas, mas, nas palavras do poeta 'ungebändigt immer vorwärts dringt' (pressiona sempre para frente, o indomado) (Freud, 1920 [1919]/1987o, p. 60).
Sendo assim, parece que Freud propõe uma importante distinção em relação ao modelo de funcionamento psíquico estabelecido anteriormente, ou seja, propõe uma mudança na concepção de pulsão sexual objetal e narcisista, para pulsão sexual objetal e narcisista (eros = pulsão de vida) e pulsão sexual desligada e demoníaca (tanatos = pulsão de morte). Sintetizando o assunto, Freud afirma que: "A essência de nossa investigação até agora foi traçada de uma distinção nítida entre os instintos do ego e os instintos sexuais, e a visão de que os primeiros exercem pressão no sentido da morte e os últimos no sentido de um prolongamento da vida" (Freud, 1920 [1919]/1987o, p. 63).
Mas, fazendo uso das palavras de Laplanche, para a "(...) clareza da discussão deveria impedir que se fale de pulsão de morte a não ser como pulsão da própria morte" (Green; Ikonen; Laplanche; Rechardt; Segal; Widlöcher, et. al. 1988, p. 17), visto que a pulsão desvinculada de qualquer objeto, seja ele interno ou externo, implicaria em sua própria morte (tendência ao nirvana, retorno à ausência de excitação, pelas vias mais curtas).
Para os nossos propósitos, faz-se necessário mencionar a questão da agressividade, ou seja, a possibilidade da energia "livre" ser direcionada para o externo na forma de agressividade, na tentativa de destruir o estranho, no caso o coletivo. Segundo Laplanche e Pontalis (1986), Freud demorou muito para reconhecer a pulsão agressiva, tratando-a por muito tempo como tendências hostis observadas em alguns quadros patológicos, tendências estas despertadas no decorrer do tratamento clínico. O conceito é controverso, sendo fruto de discórdia entre algumas escolas psicanalíticas. Por um lado, teóricos como Laplanche e Green (Green; Ikonen; Laplanche; Rechardt; Segal; Widlöcher, et. al. 1988,) discordam da existência da pulsão de morte, entendendo-a como desnecessária na explicação do funcionamento do psiquismo; por outro, a escola kleiniana a tem como ocupando um papel de fundamental importância, notadamente, desde a origem da existência humana na medida em que operam no organismo e induzem angústia de ser desintegrado e aniquilado (Laplanche, & Pontalis, 1986).
Não obstante, vale ressaltar que a introdução da hipótese da pulsão de morte contribuiu para que Freud voltasse a publicar mais uma obra essencial na teoria psicanalítica: O ego e o id (1923/1987n), visto que muitos pontos introduzidos por intermédio de Além do princípio do prazer (1920[1919]/1987o) necessitavam de desenvolvimento, dentre eles o dualismo pulsional e a agressividade. No texto de 1923, Freud propõe a segunda tópica e, conseqüentemente, amplia a estrutura do aparelho psíquico, que, em nosso estudo, será a seguir visitada. Logo após destacar esta importante contribuição de Freud, a hipótese da pulsão de morte foi retomada, assim como algumas perguntas feitas no decorrer de nossa discussão que ficaram sem tentativas de respostas, na espera de melhor sorte ao serem discutidas.
O ego e o id (1923/1987n) é a última grande obra metapsicológica escrita por Freud; seu grande mérito foi ampliar a estrutura do aparelho psíquico, como acima mencionado, propondo-lhe uma nova estrutura com a introdução dos conceitos das instâncias psíquicas id, ego e superego. A segunda tópica não elimina a primeira, elas se complementam, sendo que Freud caracteriza as instâncias da seguinte forma:
(...) o ego é aquela parte do id que foi modificada pela influência direta do mundo externo, por intermédio do Pcpt. - Cs.; em certo sentido, é uma extensão da diferenciação de superfície. Além disso, o ego procura aplicar a influência do mundo externo ao id e às tendências deste, e esforça-se por substituir o princípio de prazer, que reina irrestritamente no id, pelo princípio de realidade. Para o ego, a percepção desempenha o papel que no id cabe ao instinto. O ego representa o que pode ser chamado de razão e senso comum, em contraste com o id, que contém as paixões. Tudo isto se coaduna às distinções populares com que estamos familiarizados; ao mesmo tempo, contudo, só deve ser encarado como confirmado na média ou idealmente (Freud, 1923/1987n, p. 39).
O conceito de ego complementa o sistema Pcpt - Cs., mas não o suplanta, e o modo de funcionamento princípio de prazer e princípio de realidade, processo primário e processo secundário são mantidos. Os mecanismos de passagem de um sistema a outro também permanecem. Portanto, a segunda tópica modifica e amplia, porém não elimina a primeira. Freud admite que o ego tenha também uma parte inconsciente, aspecto relevante na explicação do funcionamento psíquico, sendo que para ele: "(...) o ego se acha especialmente sob a influência da percepção e que, falando de modo geral, pode-se dizer que as percepções têm para o ego a mesma significação que os instintos têm para o id. Ao mesmo tempo, o ego está sujeito também à influência dos instintos do id, do qual, como sabemos, é somente uma parte especialmente modificada" (Freud, 1923/1987n, p. 55).
Complementando a trilogia da segunda tópica, é desenvolvido o conceito da instância superego, sendo oportuno, para defini-la, citar o próprio Freud:
O ideal de ego (superego), portanto, é o herdeiro do complexo de Édipo, e, assim, constitui também a expressão dos mais poderosos impulsos e das mais importantes vicissitudes libidinais do id. Erigindo esse ideal do ego, o ego dominou o complexo de Édipo e, ao mesmo tempo, colocou-se em sujeição ao id. Enquanto que o ego é essencialmente o representante do mundo externo, da realidade, o superego coloca-se, em contraste com ele, como representante do mundo interno, do id. Os conflitos entre o ego e o ideal, como agora estamos preparados para descobrir, em última análise refletirão o contraste entre o que é real e o que é psíquico, entre o mundo externo e o mundo interno (Freud, 1923/1987n, p. 51).
Ainda caracterizando o superego, Freud, um pouco mais adiante, fala que:
O superego, segundo a nossa hipótese, originou-se, em realidade, das experiências que levaram ao totemismo. A questão de saber se foi o ego ou o id que experimentou e adquiriu aquelas coisas, resulta logo em nada. A reflexão em seguida nos demonstra que nenhuma vicissitude externa pode ser experimentada ou sofrida pelo id, exceto por via do ego, que é representante do mundo externo para o id" (Freud, 1923/1987n, p. 53).
Quando Freud recorre a Totem e tabu para explicar o funcionamento do superego, ele está se referindo à norma estabelecida pela irmandade da horda primitiva como forma de evitar o assassinato do animal totêmico e o incesto. Essa norma é decorrente de um pacto de sangue estabelecido pelos irmãos que se viram culpados pelo assassinato do pai (Freud, 1913[1912]/1987g). Este tema será mais bem discutido logo adiante, quando da discussão específica dos textos sociais de Freud. Concebendo o funcionamento do aparelho psíquico, conforme a proposta da segunda tópica, cabe ao ego um papel importante na manutenção de contato com o mundo externo, mantido por intermédio das relações de dependência com as outras instâncias. Cabe ao ego intermediar as demandas tanto do id, pulsão que o tempo todo insiste para se ver realizada, quanto as exigências do severo superego que interdita o prazer, ou seja, as possibilidades de realização pulsional. Esse equilíbrio não é tão facilmente atingido, estando o ego sujeito à pressão por tempo integral. Mais pontos importantes são discutidos no artigo: a agressividade e a identificação, que, por estar em diretamente relacionados à pulsão de morte, serão discutidos no subtópico a seguir apresentado.
A hipótese da pulsão de morte
Considerando que o conceito de pulsão de morte proposto por Freud encontra-se, segundo sua concepção, inacabado, e que as escolas psicanalíticas se posicionaram frente a ele de diferentes formas: umas negando e outras o enaltecendo, no presente estudo, vale ressaltar o questionamento quanto à necessidade ou não da introdução da hipótese de pulsão de morte, visto que o funcionamento psíquico poderia ser explicado sem haver a necessidade de introduzir um novo conceito. As vicissitudes da pulsão já previam este fim e a dicotomia entre natureza e cultura como uma limitação na busca da integração corpo e mente.
Antes de entrar nas posições defendidas por diferentes escolas (Kleiniana e Lacaniana) de acordo com nosso critério de trabalho, parece necessário partir do básico estabelecido por Laplanche e Pontalis (1986) e, só depois, ampliar nossas conjecturas e digressões. Eles assim definem a pulsão de morte:
No quadro da última teoria freudiana das pulsões, designa uma categoria fundamental de pulsões que se contrapõem às pulsões de vida e que tendem para a redução completa das pulsões, isto é, tendem a reconduzir o ser vivo ao estado inorgânico. Voltadas inicialmente para o interior e tendentes à autodestruição, as pulsões de morte seriam secundariamente dirigidas para o exterior, manifestando-se então sob a forma de pulsão agressiva ou destrutiva" (Laplanche, & Pontalis, 1986, p. 528).
Continuando a discorrer sobre o assunto, os mencionados autores questionam os motivos que levaram Freud a propor a existência da pulsão de morte, relacionando quatro condições básicas, quais sejam: a compulsão à repetição, tomada como um caráter regredido de alguns casos clínicos, que as explicações anteriores da dualidade pulsional eram insuficientes para explicar; a importância psicanalítica das noções de ambivalência e agressividade, encontradas no sadismo e masoquismo, observadas, por exemplo, na clínica da neurose obsessiva e melancolia; a coerência metapsicológica e a necessidade de tomar o ódio e o sadismo como decorrentes das pulsões sexuais; e a exigência dualística das pulsões, levantada a partir de 1915, por meio da questão masoquismo primário, revelando aspectos estruturais da teoria em pares antitéticos (pulsão de vida x pulsão de morte). Afinal, a hipótese da pulsão de morte era necessária ou não? Como era (continua sendo) ou conceito inacabado, depende a escola que se adotar. Os discípulos de M. Klein a defendem como recurso indispensável no entendimento no psiquismo infantil e de alguns casos clínicos.
Não obstante, a nova concepção de pulsão de morte amplia a dos postulados psicanalíticos, fazendo dela uma tendência para explicar quadros clínicos em que prevalece a destrutividade (masoquismo, por exemplo) um dado irredutível (Laplanche, & Pontalis, 1986).
Ao discutir a pulsão de morte, uma questão de difícil penetração que se coloca é quanto ao monismo ou dualismo pulsional. Laplanche afirma que:
Distinguem-se classicamente na história do pensamento freudiano duas teorias (sexualidade/auto-conservação - pulsões de vida/pulsões de morte). Nossa interpretação é que estas teorias não substituem umas às outras, mas se completam, a segunda vindo modificar e reequilibrar a primeira. Neste sentido atribuímos uma grande importância ao momento intermediário (Introdução ao narcisismo) que permite apreender o eixo em torno do qual gira a evolução" (Green Green; Ikonen; Laplanche; Rechardt; Segal; Widlöcher, et. al. 1988, p. 20).
O posicionamento de Laplanche é importante no sentido de resolver uma celeuma, contextualizando na história do pensamento psicanalítico a evolução do conceito que passa de uma posição monista (1914-1915/1987 - sexualidade é a única e verdadeira pulsão) para uma posição dualista (1920[1919]/1987o - Eros - pulsão de vida x Tanatos - pulsão de morte).
Green discute a hipótese da pulsão de morte sob o ponto do que ele chama de função desobjetalizante, visto que pulsão de morte busca o inorgânico, a inércia, mostrando-se desligada. Fala sobre as dificuldades de encaixar as características descritas da pulsão sexual (fonte, pressão, alvo e objeto) às pulsões de morte como um sério obstáculo em sua concepção. Quando introduz o conceito de função desobjetalizante, se refere a ele da seguinte forma:
(...) a meta da pulsão de morte é de realizar ao máximo uma função desobjetalizante através do desligamento. Esta qualificação permite compreender que não é somente a relação com o objeto que é atacada, mas também todos os substitutos deste - o eu, por exemplo, e o próprio investimento na medida que ele sofreu o processo de desobjetalização. Na maior parte do tempo assistimos, com efeito, apenas ao funcionamento concorrente das atividades em relação aos dois grupos de pulsões. Mas a manifestação própria à destrutividade da pulsão de morte é o desinvestimento (Green; Ikonen; Laplanche; Rechardt; Segal; Widlöcher, et. al. 1988, p. 65).
Desinvestimento, desobjetalização e destrutividade, para Green, são termos utilizados para qualificar a pulsão de morte, indo de encontro às principais características da pulsão de morte defendidas pela maioria dos comentadores de Freud: o desinvestimento é entendido como busca do inorgânico, do nirvana. Mas o que acontece quando a pulsão é projetada no ambiente externo?
Essa posição foi bastante defendida pela escola kleiniana aqui representada por Hanna Segal e Paula Heimann, analistas inglesas de destaque internacional. Segal reafirma a importância da pulsão de morte no entendimento do psiquismo da criança, notadamente nos período mais primitivos do desenvolvimento, e nos quadros em que prevalece a destrutividade, seja voltada para objetos internos ou externos. A escola Kleiniana defende veementemente a teoria pulsional dualista, sendo que um posicionamento marcante desta escola foi estabelecido por M. Klein quando da publicação de Inveja e gratidão, em que foi discutida a inter-relação pulsão de morte e inveja. Foi observado que ambas têm traços essenciais em comum, ambas atacam a fonte de vida. Então, "(...) a pulsão de morte, assim como a pulsão de vida, procura a satisfação, e a satisfação da pulsão de morte (não sendo a morte) está na dor". (Green; Ikonen; Laplanche; Rechardt; Segal; Widlöcher, et. al. 1988, p. 40). Um pouco antes, ao caracterizar casos clínicos em que prevalece a pulsão de morte, a autora diz que:
O conflito entre a pulsão de vida e a pulsão de morte, poderia ser formulado em termos puramente psicológicos. O nascimento nos confronta com a experiência das necessidades. Pode haver duas reações a esta experiência e ambas estão, a meu ver, invariavelmente presentes em cada um de nós, ainda que em proporções variáveis. Uma destas reações consiste em buscar a satisfação das necessidades - é a sede de viver que conduz à procura do objeto, do amor e finalmente à solicitude com respeito ao objeto. A outra, é a tendência a aniquilar, a necessidade de destruir o self que percebe e experimenta, assim como tudo que é percebido (Green; Ikonen; Laplanche; Rechardt; Segal; Widlöcher, et. al. 1988, p. 34).
Isso posto, pode-se deduzir que para a escola kleiniana as duas pulsões coexistem, ora prevalecendo uma, ora outra, fato observado na manifestação de relações objetais de amor e ódio, fazendo-se necessário aqui apresentar ainda o posicionamento de Heimann quanto à aceitação da hipótese da pulsão de morte:
A aceitação da teoria do instinto de morte também altera a nossa avaliação da hostilidade e crueldade; pelo que, como se trata de elementos da complexa e interatuante rede de conflitos emocionais, a nossa concepção da personalidade total tinha de ser influenciada. Vemos a mente humana, por sua própria natureza, compelida a manobrar constantemente entre duas forças basicamente opostas, das quais se derivam todas as emoções, sensações, desejos e atividades" (Heimann, 1982, p. 359).
A autora defende a aplicação da hipótese da dualidade pulsional, discorrendo principalmente sobre os mecanismos da projeção, em que os instintos destrutivos são projetados no mundo externo de forma odiosa, agressiva, como forma de aliviar a ansiedade, prenunciando a insuficiência do ego para lidar com a pressão exercida pelos impulsos de vida e de morte na luta por suas realizações.
Resta-nos ainda aprofundar, na discussão da agressividade e da identificação como decorrência da propositura da segunda tópica, alguns pontos que, a nosso ver, ficaram obscuros no decorrer do presente estudo. O conceito de agressividade encontra amparo na teoria psicanalítica após a introdução da pulsão de morte, apesar de Freud ter evitado sua utilização na explicação do funcionamento psíquico. Em decorrência de sua não vinculação, a pulsão de morte poderia se voltar para o próprio organismo (melancolia), ou ser projetada no meio externo (paranóia). Quando ela é manifesta no meio externo fica notável seu poder de destruição, sendo entendida como agressividade.
A agressividade pode estar a serviço do ego para se proteger contra a autodestruição, provavelmente relacionada à parte inconsciente do ego, mas não fica claro nem em Freud, nem em seus comentadores e sucessores consultados como se processa a comunicação entre as instâncias psíquicas.
Quanto à identificação, esta poderia ser entendida como recurso do ego para dar vazão à pulsão (pulsão de vida), sem, contudo, destruir o objeto, catexizando-o. Nos casos de hipercatexia exercida pela soma de catexias individuais, ou seja, do coletivo, resultaria na formação de lideres, algo que será discutido nos textos sociais de Freud. Finda esta sucinta descrição da teoria psicanalítica, nos vem uma indagação: os textos sociais de Freud são metapsicológicos? Freud continua teorizando quando discorre sobre o social? Por ora, a dúvida nos basta, ela será a seguir investigada.
Rastros e nuanças do social na metapsicologia freudiana
Pode-se afirmar que Freud publicou a primeira obra de destaque no que concerne ao social: Totem e tabu, em (1913[1912]/1987g), sendo que este texto demarcou sua produção teórica, causando grande repercussão na época de sua publicação, principalmente entre adeptos da antropologia social, sociologia e filosofia.
O texto representa uma primeira tentativa formal de Freud de aplicar o ponto de vista e as descobertas da Psicanálise a alguns problemas não solucionados da Psicologia Social (Freud, 1913[1912]/1987g). A obra foi publicada em quatro ensaios: o primeiro se refere ao horror ao incesto; o segundo, ao tabu e ambivalência emocional; o terceiro, ao animismo, à magia e onipotência de pensamentos; e o quarto, e último, ao retorno do totemismo na infância.
Freud introduz o ensaio descrevendo o horror ao incesto e definindo o que ele entendia por totem, como sendo quase sempre um animal sagrado. om suas palavras, o termo foi assim proposto: "(...) O que é um totem? Via de regra é um animal (comível e inofensivo ou perigoso e temido) e mais raramente um vegetal ou um fenômeno natural (como a chuva ou a água), que mantém relação peculiar com todo o clã" (Freud, 1913[1912]/1987g, p. 21).
Mas qual a função desta norma social? Qual função ela exercia entre os povos primitivos? Neste sentido, Freud estabelece uma relação direta entre a norma, a lei, e a sexualidade. Afirma ele que: "Em quase todos os lugares em que encontramos totens, encontramos também uma lei contra as relações sexuais entre pessoas do mesmo totem e, conseqüentemente, contra o seu casamento. Trata-se então da 'exogamia', uma instituição relacionada com o totemismo" (Freud, 1913[1912]/1987g, p. 23).
Por que entre os povos mais primitivos havia a necessidade de "normatizar" as relações sexuais? Ao discutir essa questão, Freud retoma alguns pontos abordados nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1904/1987q), a questão dos mitos e rituais relativos ao sangue e tabus relacionados aos governantes. Analisa formas de organização de diferentes povos e chega à conclusão de que "(...) As mais antigas e importantes proibições ligadas aos tabus são duas leis básicas do totemismo: não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais com membros do clã totêmico do sexo oposto" (Freud, 1913[1912]/1987g, p. 52).
Os assuntos estão imbricados de tal forma que, por uma questão de ordem, parece necessário explicitar o que Freud entende sobre a questão dos tabus. Ele começa o ensaio por definir o significado de tabu, sendo que, para ele, o termo abrange dois sentidos:
Para nós significa, por um lado, 'sagrado', 'consagrado', e por outro, 'misterioso', 'perigoso', 'proibido', 'impuro'. O inverso de 'tabu' em polinésio é 'noa', que significa 'comum' ou 'geralmente acessível'. Assim, 'tabu' traz em si um sentido de algo inabordável, sendo principalmente expresso em proibições e restrições. Nessa acepção de 'temor sagrado' muitas vezes pode coincidir em significado com tabu (Freud, 1913[1912]/1987g, p. 38).
Em ambos os sentidos, o termo se refere à produção cultural humana, mas vale ressaltar que nesta obra Freud se propõe a trabalhar a questão social em primeiro plano, aplicando nela as descobertas psicanalíticas. Noutras oportunidades, Freud partia do individual rumo ao social, do patológico rumo ao normal, mas agora não. Ele parece inverter sua leitura, apesar da mudança de postura, o método de investigação é mantido (método interpretativo).
Tentando responder a questão sobre a função da normatização das relações sexuais, se fez necessário reportar também a outro teórico, que analisa o assunto a partir dos textos de Freud: Enriquez.
Para ele, a "lei da exogamia" tem uma função social: "A proibição do incesto não é apenas um elemento indispensável ao funcionamento da família, à aceitação da aliança e da filiação (e logo, à estruturação do indivíduo); ela se torna o elemento central em torno do qual se organiza o socius e que, segundo Lévi-Strauss, permitirá definir a fronteira entre natureza e cultura" (Enriquez, 1999, p. 35).
A opinião do autor enfatiza a proibição do incesto, demarcando uma condição para consolidação do social, ou seja, com a introdução da norma, com a proibição à livre manifestação dos instintos, o homem não encontra outra saída a não ser se organizar socialmente, colhendo os frutos de uma alternativa racional e realizando parcialmente seus instintos. Substitui o princípio do prazer pelo princípio de realidade, condição para que se estabeleçam as relações interpessoais sem maiores percalços.
Freud ainda associa o desenvolvimento social ao desenvolvimento individual patológico, afirmando o seguinte:
As neuroses, por um lado, apresentam pontos de concordância notáveis e de longo alcance com as grandes instituições sociais, a arte, a religião e a filosofia. Mas, por outro lado, parecem como se fossem distorções delas. Poder-se-ia sustentar que um caso de histeria é a caricatura de uma obra de arte, que uma neurose obsessiva é a caricatura de uma religião e que um delírio paranóico é a caricatura de um sistema filosófico. A divergência reduz-se, em última análise, ao fato de as neuroses serem estruturas associais; esforçam-se por conseguir, por meios particulares, o que na sociedade se efetua através do esforço coletivo (Freud, 1913[1912]/1987g, p. 95-96).
Qual a importância de tal fato para nossa empreitada? Parece que Freud aplica o método psicanalítico ao social. Ao analisar o desenvolvimento social relacionando-o aos mecanismos de funcionamento do aparelho psíquico individual, Freud não está somente aplicando os achados da Psicanálise à organização social, sem maiores pretensões, mas, ao discutir a constituição do funcionamento psíquico individual, ele faz menção a uma condição social.
Freud analisa na obra, também o animismo, a magia e a onipotência de pensamentos, retomando em alguns aspectos o desenvolvimento sexual infantil e a realização dos desejos. Para ele:
Apenas em um único campo de nossa civilização foi mantida a onipotência de pensamentos e esse campo é o da arte. Somente na arte acontece que se assemelhe à realização desses desejos e o que faça com um sentido lúdico produza efeitos emocionais - graças à ilusão artística - como se fosse algo real. As pessoas falam com justiça da 'magia da arte' e comparam os artistas aos mágicos. Mas a comparação talvez seja mais significativa do que pretende ser. Não pode haver dúvida de que a arte não começou como arte por amor à arte. Ela funcionou originalmente a serviço de impulsos que estão hoje, em sua maior parte, extintos. E entre eles podemos suspeitar da presença de muitos intuitos mágicos (Freud, 1913[1912]/1987g, p. 113-114).
Discutindo ainda de forma rudimentar os destinos dos instintos (Totem e tabu, 1913[1912]/1987g) é um texto anterior a Os instintos e suas vicissitudes (1915/1987h), Freud começa a analisar o retorno do totemismo na infância, o mais comentado dos quatro ensaios que compõem Totem e tabu (1913[1912]/1987g). Nesse ensaio, Freud concebe uma organização humana primitiva, em que o chefe da horda exerce o poder de forma autoritária sobre os demais membros do grupo, detendo para si direito exclusivo sobre todas as fêmeas. Na competição pelo acesso às mulheres, os mais fracos se associaram e rebelaram contra o poder do mais forte. Mataram o chefe e o devoram num ritual canibalístico, incorporando os poderes e a força do morto. Arrependidos, os filhos admitem a culpa pelo crime e reconhecem o lugar do pai, exaltando suas qualidades em rituais periódicos como forma de renovar o pacto de sangue; pacto esse que implicaria em uma lei, em que nenhum membro da horda teria acesso às mulheres do grupo, e que não poderiam assassinar membros do mesmo clã (Freud, 1913[1912]/1987g).
Frente à onipotência do chefe, e por meio do pacto de sangue, os irmãos se reconhecem na impotência. Vendo-se excluídos na palavra (poder) e na sexualidade (acesso às fêmeas), tramam contra o chefe, fundando o social. Portanto, a fundação do social se dá através de um crime fraternal, que estabelece uma relação de força e de parentesco, em que o ódio transforma seres submissos em irmãos, e o assassinato transforma o chefe autoritário e sanguinário da horda em pai. Parece que os filhos estão presos entre o desejo e a identificação e no ato de matar e devorar o chefe, os filhos incorporam as características psíquicas do pai, selam um pacto do grupo, e estabelecem garantias de sua manutenção. Daí a expressão de que o pai é sempre pai morto, introduzindo o conceito de lei paterna (Enriquez, 1999; Freud, 1913[1912]/1987g).
Pode-se concluir que o essencial deste processo seja a conspiração dos irmãos; o assassinato do pai é conseqüência. Unidos pelo crime (força comum) eles estabelecem a coesão do grupo e o nascimento da irmandade, a qual se une na identificação com a história e atributos do pai e no ato criminoso partilhado. Portanto, o homicídio do pai possibilita a construção do social, havendo uma passagem do estado de natureza para o estado de direito, fazendo uso literal das palavras de Enriquez: "Se é o ódio que transforma os seres submissos em irmãos, é seu assassinato que transforma o chefe da horda em pai. Logo, não existe pai, se esse, que pode assim ser investido, não somente possui as mulheres, mas ainda, e, sobretudo, é o objeto de um desejo de morte. O pai, enquanto tal, não existe a não ser morto realmente" (Enriquez, 1999, p. 31).
O aspecto mais importante desta situação é a introdução da lei, que implica numa mudança de ordem: a passagem do estado de natureza para o estado de direito. Sendo assim, não faz mais sentido partir do individual rumo ao social, visto que a sociedade tornou-se uma realidade mais ampla e complexa, provavelmente regida por seus próprios mecanismos de constituição e funcionamento, que influenciam na estruturação do psiquismo individual.
Uma possível conjectura decorrente dessa situação seria a escolha de Freud se ater à organização social do homem como forma de entender o funcionamento psíquico do indivíduo, invertendo seu olhar: de centrado no indivíduo para voltado para o socius. Um dos derivativos da organização social do homem seria pensar no psiquismo coletivo, e a publicação dos textos sociais de Freud poderia representar que ele, percebendo a referida mudança de paradigma, começasse a introduzir gradativamente a questão da organização social do homem no discurso psicanalítico, como forma de entender os desígnios da humanidade. Metapsicologia psicanalítica e realidade social se imbricam no para além da consciência, buscando as razões primárias da existência humana, por meio de um simbolismo que ruma para um plano psicossocial.
Depois da primeira investida formal no sentido de discutir o social (a publicação de Totem e tabu (1913[1912]/1987g)), Freud redireciona sua atenção para teorização de 1915-1917, e novamente, a partir de 1920[1919], publica um artigo metapsicológico, Para além do princípio do prazer (1920[1919]/1987o), aproximadamente sete anos depois, Freud publica Psicologia de grupo e análise do ego (1921/1987m), que ao contrário de Totem e tabu (1913[1912]/1987g), só despertou um interesse polido por parte dos analistas e de alguns de seus comentadores, sendo criticada pela falta de rigor na demonstração de suas observações (Enriquez, 1999).
Na obra, Freud contrapõe psicologia individual versus psicologia social, afirmando que estas se equivalem. Se de fato isso ocorre, então o comportamento de cada pessoa depende do comportamento do outro, e a análise individual enfraquece as relações sociais, revelando mentiras, tirando máscaras e desmitificando ideologias. Portanto, a pretensão da sociologia de tomar o social, sem considerar o psiquismo individual, se apresentaria como ridícula. Então, a sociologia não poderia, de forma alguma, ser indiferente à alteridade.
Apesar das críticas, o texto é inovador quando se propõe a levar em conta os comportamentos reais e a realidade fantasiada. O ponto central da obra é a caracterização da natureza das massas e a análise do mecanismo do processo de identificação, identificação essa centrada na figura de quem detém a função paterna, figura idealizada e tomada como modelo do grupo. Mas ao mesmo tempo em que Freud faz reverência ao pai vivido em Totem e tabu (1913[1912]/1987g), ele condiciona o processo de identificação à aceitação da lei.
A massa, ou grupo estaria sujeita ao poder mágico das palavras, pensando e sentindo de maneira diferente da esperada, ou seja, deixa de manifestar-se de forma irracional na tentativa de realizar os instintos sexuais inconscientes. O grupo exige ilusões, podendo ser comparado a um estado onírico, em que seria guiado pelo inconsciente, não havendo motivos racionais para sua constituição e funcionamento. "A oposição indivíduo-massa vem da oposição estado de vigília-estado onírico. Somos levados a pensar que a massa, em qualquer circunstância, se deixa guiar quase que unicamente pelo inconsciente, enquanto o indivíduo se guia unicamente pela razão, ou pelo menos reprime suficientemente suas tendências inconscientes" (Enriquez, 1999, p. 57).
Ao se reportar às organizações Freud se refere, como modelo, à igreja e ao exército, instituições fechadas, em que prevaleceria a ilusão de um chefe supremo, que ama a todos com igual amor, amor espontâneo que partiria de um personagem central para com os demais membros do grupo (Freud, 1921/1987m).
A organização do grupo dependeria da presença de um chefe e de uma estrutura libidinal, mas nos grandes grupos artificiais não haveria lugar para a mulher como objeto sexual, sendo as relações mantidas com base em um amor homossexual, com livre manifestação dos instintos, posto que foram eliminados os problemas previstos em Totem e tabu (1913[1912]/1987g) (incesto e parricídio - assassinato do animal totêmico). Os processos sublimatórios garantiriam a formação do coletivo. O amor entre os irmãos e a ilusão da onipresença do chefe garantiriam a existência e manutenção do grupo, sem a realização dos instintos sexuais de forma materializada (Freud, 1921/1987).
Parece que em Psicologia de grupo e análise do ego (1921/1987m) Freud concebe o grupo a partir da união pelo amor, um amor homossexual, em que a concepção de chefe ou líder se encontraria na ordem da fantasia, da ilusão. O processo de identificação seria de fundamental importância para compreender a vida dos grupos, pondo o objeto no lugar do ideal de ego, onde vários indivíduos colocariam o mesmo objeto no lugar do ideal de ego, sendo cada pessoa representada em um componente de um ideal de ego ampliado. O ideal de ego seria uma formação autônoma, que, servindo de referência ao ego, se constituiria como um substituto do narcisismo, valendo ressaltar que a complementaridade dos desejos individuais levaria à criação das instituições.
Sendo assim, o processo civilizador seria responsável por um sentimento de culpa, cada vez maior, havendo conflito entre o ego e o ideal de ego, e o social se equivaleria a uma neurose, em que os instintos sexuais de cada pessoa seriam deslocados para a realização de um comportamento uniformizado.
A leitura atenta de Psicologia de grupo... surpreende pela extrema violência dos temas tratados e das conclusões obtidas: a formação coletiva nasce de uma ilusão produzida pela hipnose e funciona como uma neurose coletiva; ela tende a desviar cada pessoa da realização de seus objetivos sexuais diretos, solicita de cada um uniformidade de comportamento, amordaça o ego e pode levar a um conflito crescente entre o ego e o ideal do ego. Porém, se ela começar a faltar, sua ausência fará surgir novos tipos de problemas que serão, às vezes, mais graves que a neuros" (Enriquez, 1999, p. 77).
Enfim, a obra é contundente! Como informação adicional, vale salientar, este texto de Freud é considerado a origem de uma nova disciplina ou área do saber: a Psicossociologia.
O futuro de uma ilusão (1927/1987r) se constitui numa reflexão sobre a natureza e o desenvolvimento da civilização. É um inventário psíquico em que Freud discute questões caras à Psicanálise por meio de idéias ou ilusões relativas à religião, imaginando um debate com um interlocutor, no qual ocupa uma postura normativa, tentando convencer o interlocutor a se despreender da ilusão religiosa. Promove uma análise progressiva da civilização que vai do nascimento ao funcionamento, tendo como garantias a perenidade e as perspectivas futuras, em que são destacadas as noções de ilusão e a inquietude (Freud, 1927/1987r).
Por falar em processo de civilização, em normatização dos desejos, parece que:
(...) é compreensível que as pessoas assim oprimidas desenvolvam uma intensa hostilidade para com uma cultura cuja existência elas tornam possível pelo seu trabalho, mas de cuja riqueza não possuem mais do que uma quota mínima. Em tais condições, não é de esperar uma internalização das proibições culturais entre as pessoas oprimidas. Pelo contrário, elas não estão preparadas para reconhecer essas proibições, têm a intenção de destruir a própria cultura e, se possível, até mesmo aniquilar os postulados em que se baseia (Freud, 1927/1987r, p. 23).
Mas o estado de natureza representaria uma ameaça aos destinos do homem. Então, pensando nisso, Freud afirma que: "(...) Foi precisamente por causa dos perigos com que a natureza nos ameaça que nos reunimos e criamos a civilização, a qual também, entre outras coisas, se destina a tornar possível nossa vida comunal, pois a principal missão da civilização, sua raison d'être real, é nos defender contra a natureza" (Freud, 1927/1987r, p. 26).
Ainda discutindo a questão do estado de natureza, um pouco mais adiante, Freud discorre sobre "(...) a insegurança da vida, que constitui um perigo igual para todos, une hoje os homens numa sociedade que proíbe ao indivíduo matar, e reserva para si o direito à morte comunal de quem quer que viole a proibição. Aqui, então, temos justiça e castigo" (Freud, 1927/1987r, p. 54).
Justiça mantida em função do castigo! É uma contradição própria dos mecanismos de funcionamento da organização social do homem, que só pode ser explicada quando estes são considerados em sua amplitude. Mas, "(...) visto os homens serem tão pouco acessíveis aos argumentos razoáveis e tão completamente governados por seus desejos instintuais, por que tentar privá-los de uma satisfação instintual e substituí-la por argumentos racionais?" (Freud, 1927/1987r, p. 61).
Quando o texto é tomado como projeto, ele apresenta ruptura com os textos sociais anteriores, estabelecendo-se como uma ampliação em relação às teses explicativas do nascimento das religiões, mas representa uma ruptura, pois se arisca à exposição por meio da publicação de obras "não clínicas", pouco acolhidas pela crítica e pelo meio psicanalítico, sendo tomado como uma ousadia.
A tese principal do texto é a inclinação patológica na formação das religiões, que se equivaleriam a uma neurose obsessiva. Mas existe saída para o ser humano que não seja a neurose individual ou coletiva? Freud deposita suas esperanças no reino da razão, ou seja, no desenvolvimento científico.
Para Enriquez (1999) ao analisar a ilusão e crença das religiões, Freud toma como referência a psicologia coletiva e o psiquismo individual. Expressando sua crença cega no racionalismo cai no canto do cisne, criando mais outra ilusão: a onipotência da razão e da ciência.
No texto Freud não diferencia cultura e civilização, destacando apenas seus aspectos básicos: a cultura diferencia os homens dos animais, as forças são dominadas pela natureza, o homem tem necessidade de aquisição de bens para satisfação pessoal e as relações humanas regulamentadas. Como conseqüência do processo de civilização, se pode ter a cultura exercendo um papel análogo ao do superego no funcionamento do aparelho psíquico, em que sua função primária seria a interdição dos desejos, evitando o assassinato, o canibalismo e o incesto.
Na religião o objeto idealizado estaria ausente e invisível, existindo fora da razão. Ela responderia a um desejo primitivo do homem de ser uma criança amada e protegida e Deus a uma figura paterna duplamente investida, ocupando o lugar do ideal de ego.
Há uma evolução no pensamento de Freud. Em Totem e tabu (1913[1912]/1987g) o Édipo é universal; na Psicologia de grupos e análise do ego (1921/1987m), a ilusão do amor igualitário funda o social, e em O futuro das ilusões (1927/1987r), o homem cria as religiões, que representariam a ilusão e o desamparo humano, tema a ser abordado com mais profundidade em O mal-estar na civilização (1930[1929]/1987) (Enriquez, 1999).
Acerca da Publicação de O Mal-Estar na Civilização
Com O mal-estar na civilização (1930[1929]/1987b), desaparece o discurso normativo observado em O futuro de uma ilusão (1927/1987r) e Freud descreve a possibilidade do fim, do caos do processo civilizador, de tal forma que ele se mostra resistente ao escrever o texto. A obra provoca indiferença no geral e críticas severas no meio mais restrito, ou seja, entre os psicanalistas (Enriquez, 1999).
A hipótese principal desenvolvida é a aplicação da pulsão de morte no domínio da cultura e da civilização, prevendo um provável triunfo da pulsão de morte, apesar dos esforços de Eros no sentido de se evitar o caos. São abordados temas como civilização, sentimento de culpa, felicidade e coisas do gênero, que Freud, num primeiro momento, chama de passatempo de velho. Mas "(...) e somente em O mal-estar na cultura (1930) que Freud vai afirmar a absoluta autonomia da pulsão de morte. Ela é então entendida como 'disposição pulsional autônoma', originária, do ser humano" (Garcia-Roza, 2000b, p. 158-159).
Para Enriquez, Freud propõe a construção da sociedade sobre a renúncia aos instintos e o progresso na espiritualidade. O autor diz que: "toda civilização se constrói sobre a renúncia às satisfações pulsionais. A sexualidade e a agressividade devem ser recalcadas ou canalizadas; o assassinato fundador deve ser perpetuado e depois esquecido, para que a comunidade possa nascer e instaurar-se, livre para suscitar, pelo retorno do recalcado, a repetição de eventos similares" (Enriquez, 1999, p. 129).
Freud toma a busca da felicidade como a prevalência do princípio do prazer sobre o princípio de realidade, partindo rapidamente para a discussão de seu oposto, a prevalência da pulsão de morte, para a discussão da infelicidade.
Freud (1930[1929]/1987b) recapitula temas tratados em O futuro de uma ilusão (1927/1987r), afirmando que a fonte do sofrimento tem origem social. Portanto, a civilização é vista como a substituição do poder individual, em que o direito de todos impede a liberdade individual e a luta pela realização (das pulsões) gera descontentamentos de diversas ordens. Mas ao mesmo tempo que a civilização é o juiz, ela é parte interessada, havendo o risco constante de não conseguir controlar as pulsões, visto ser de nosso conhecimento que as pulsões recalcadas tendem a voltar a se manifestar.
O amor torna o indivíduo dependente do ser amado, colocando-o numa posição subserviente, enfraquecendo a pulsão (pulsão de vida x pulsão de morte), constituindo-se na condição para estabelecer laços de amizade e elos comunitários. A mulher é vista como uma resistência à corrente civilizatória, pois rouba a libido do companheiro, que poderia ser utilizada em prol do bem comum, do coletivo.
Sendo assim, o processo de civilização implica no recalque do primeiro amor, no pacto entre irmãos, pacto este de natureza homossexual, visto que a relação entre um casal de amantes se basta. Então, este tipo de relação seria prejudicial ao desenvolvimento da organização social do homem. Como conseqüência indispensável, se observa uma restrição à vida social, reforçando a formação de vínculos sociais fortes por meio das identificações.
Neste contexto, a pulsão de morte, enquanto manifestação da agressividade passa a ser vista como um entrave na manifestação das pulsões de vida, mostrando-se contra a manifestação do amor. A civilização nasce de um crime de amor, na luta pelas mulheres; portanto, a condição para evitar novos crimes é calar o amor, ou pelo menos, deslocá-lo para objetivos comuns. Prevalecendo a pulsão de morte fatalmente a civilização está fadada à destruição. O objetivo principal da civilização seria impedir a manifestação da agressividade, impor proibições e estabelecer exigências para o convívio social.
A agressividade não foi criada pela propriedade, conforme proposto por algumas leituras do social, mas reinou desde os tempos primitivos. A agressividade é decorrente da pulsão de morte, não havendo como evitá-la. Ela é necessária, como forma de controle, na manutenção do grupo e as identificações comuns resultam na forma da massa. Não obstante, os estados de guerra constantes demonstram que o que começou com a morte do pai continua com o grupo. A recusa do amor transforma-se em angústia, manifestada externamente de forma agressiva e destrutiva e a violência generalizada pode voltar contra todos, reforçando o sentimento de culpa. Nas palavras de Freud:
A agressividade não foi criada pela propriedade. Reinou quase sem limites nos tempos primitivos, quando a propriedade ainda era muito escassa, e já se apresenta no quarto das crianças, quase antes que a propriedade tenha abandonado sua forma anal e primária; constitui a base de toda relação de afeto e amor entre pessoas (com a única exceção, talvez, do relacionamento da mãe com seu filho homem) (Freud, 1930[1929]/1987b, p. 135).
Freud faz uma analogia entre o desenvolvimento individual e o desenvolvimento da civilização, estabelecendo um paralelo entre o superego, conforme estabelecido na segunda tópica e um superego coletivo. Sendo assim, a necessidade de transformar a natureza libera conseqüentemente a pulsão de destruição, enfrentada por meio do excesso de controle social, promovendo o retorno do recalcado em um ciclo contínuo.
Freud (1930[1929]/1987b) afirma que a pulsão de morte é específica do ser humano e inerente à civilização, sendo o superego o terreno onde ela reina: a crueldade da civilização se sobrepõe à crueldade dos indivíduos. Ele finaliza o texto alertando para a essência da civilização como uma tendência à massificação, à repetição, à homogeneidade e destruição numa tentativa infrutífera de controlar a manifestação da pulsão.
Como analisar O mal-estar na civilização (1930[1929]/1987b)? Como explicar o pessimismo de Freud em O mal-estar da civilização (1930[1929]/1987b)? "(...) esse livro hesitante, continuamente retomado e que parece levantar hipóteses absurdas, constitui-se em uma tentativa surpreendente, da qual, até os dias de hoje, ainda não extraímos, verdadeiramente, todas as conseqüências e todas as implicações" (Enriquez, 1999, p. 139).
A história costuma explicar a obra pelo homem, mas segundo Rey-Flaud O mal-estar na civilização (1930[1929]/1987b) não deve ser vista desta maneira:
A crítica erudita, que sempre explica a obra pelo homem, situa espontaneamente a amargura do último Freud como uma espécie de contingência da sua própria história: a marca duradoura do traumatismo causado pela Grande Guerra, os lutos familiares que sofreu, o abandono dos seus melhores discípulos, sua luta cotidiana contra o câncer, o conjunto como pano de fundo da crise européia e da ascensão fulgurante do nazismo (Rey-Flaud, 2002, p. 5-6).
Ainda segundo Rey-Flaud (2002), estas são razões históricas e as razões pelas quais Freud se mostra pessimista no ensaio não são de ordem pessoal, mas ele se vê sem saída frente às limitações da Psicanálise na explicação dos desígnios humanos, não demonstrando o mesmo entusiasmo verificado em A interpretação dos sonhos, quanto ao sucesso da Psicanálise. Após os artigos de metapsicologia de 1915-1917, para ele, Freud começa a não acreditar que a pulsão de vida possa suplantar a pulsão de morte. Alguns casos clínicos se tornam exceção e depois de Para além do princípio do prazer Freud se mostra totalmente desanimado frente ao futuro da humanidade.
O projeto social do homem e o futuro da civilização são vistos como algo incerto, causando angústia e desesperança para Freud:
O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contras nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com outros homens. O sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro. Tendemos a encara-lo como uma espécie de acréscimo gratuito, embora ele não possa ser menos fatidicamente inevitável do que o sofrimento oriundo de outras fontes (Freud, 1930[1929]/1987b, p. 95).
E a sublimação? "(...) A sublimação do instinto constitui um aspecto particularmente evidente do desenvolvimento cultural; é ela que torna possíveis às atividades psíquicas superiores, científicas, artísticas ou ideológicas o desempenho de um papel tão importante na vida civilizada" (Freud, 1930[1929]/1987b, p. 118), mas de forma alguma muda a ordem das coisas: as pulsões não estão sujeitas a um mecanismo de controle que seja totalmente eficaz e eficiente, não restando ao homem outra alternativa a não ser conviver com elas da melhor maneira possível, ainda que ele seja constantemente ameaçado de se sucumbir.
A discussão de temas relativos à cultura por Freud não parou por aí, ele voltou a falar diretamente sobre o assunto em A aquisição e controle do fogo (1932/1987s), Por quê a guerra? (1933[1932]/1987t) e Moisés e monoteísmo (1939[1934]/1987u). No primeiro dos ensaios ele discorre sobre alguns aspectos antropológicos relativos à aquisição do fogo. No segundo, Freud responde a Einstein, então representante de organização humanitária, sobre as razões psicológicas do homem se envolver em tantos conflitos sangrentos como os observados naquela época. Com Moisés e o monoteísmo (1939[1934]/1987u), o autor retoma temas discutidos anteriormente tratando de um problema implícito e não abordado diretamente: o nascimento das religiões monoteístas. Confirma as hipóteses apresentadas em Totem e tabu (1913[1912]/1987g), discutindo-as segundo os complementos propiciados pelo desenvolvimento da Psicanálise, que não serão aqui analisados em função da limitação de nossos objetivos.
O objeto de estudo da Psicanálise é, antes de tudo, o inconsciente, mas isso não implica numa explicação clara das formas de comunicação existentes entre as instâncias psíquicas, ou seja, os sistemas Pcs-Cs. e Ics., assim como o id, ego e superego. Eles continuam estruturas abertas a desafiar os sucessores e comentadores de Freud a buscarem em sua fonte recursos suficientes para entender, por exemplo, a consciência humana.
O conceito de pulsão de morte ajuda a explicar o mal-estar na civilização e a metapsicologia psicanalítica continua aberta, com suas peculiaridades e contradições à espera de novas investidas, no sentido de melhor entender a organização social humana, contribuindo para futuro mais promissor, sendo o mal-estar que avassala a contemporaneidade uma sensação experimentada pelos sujeitos, devendo ser investigada nas diferentes formas de subjetivação (Birman, 2001).
A substituição das figuras parentais por outros objetos, por outras pessoas ou até mesmo por um líder ou organização, é decorrente das vicissitudes pulsionais, contribuindo para a manutenção do social, sem, contudo, resolver o problema da agressividade. Esta é advinda da dualidade pulsional e impossível de ser totalmente recalcada, cabendo à ciência e ao homem encontrar caminhos que possibilitem parcialmente a realização dos desejos. Isso já seria uma medida razoável no sentido de diminuir os índices de violência observados na atualidade.
Concluindo nossas considerações, na análise não foram encontrados indícios consistentes de uma forte e intrínseca articulação dos textos metapsicológicos (1915-1917) com os textos sociais de Freud, mas pode-se afirmar que Freud partiu de uma análise individual rumo ao social, aplicando os conceitos e descobertas da Psicanálise a uma realidade mais ampla que dualidade normalidade x patologia, ampliando e possibilitando novas leituras da civilização. Não obstante, a preocupação com o social permeia toda a obra freudiana, ficando um pouco ofuscada em função do fascínio despertado por sua metapsicologia.
A produção de Freud passa por diferentes momentos em que prevalecem diversas posições que carecem de uma análise mais crítica e articulada de sua produção conceitual, justificando a nossos ver a existência de uma Epistemologia da Psicanálise.
Referências
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Recebido em 10 de maio de 2005
Aceito em 30 de maio de 2005
Revisado em 14 de novembro de 2005
* Excerto de dissertação de mestrado, com o mesmo título, defendida junto ao Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Uberlândia, em fevereiro de 2006.