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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.14 no.30 São Paulo ago. 2014

 

Negros e nordestinos: similaridades nos estereótipos raciais e regionais

 

Black and northeasterners: similarities in racial and regional stereotypes

 

Negros y nordestinos: similaridades en los estereotipos raciales y regionales

 

Noir et nord-est: similitudes dans les stéréotypes raciaux et régionaux

 

 

José Roniere Morais BatistaI; Eldo Lima LeiteII; Ana Raquel Rosas TorresIII; Leôncio CaminoIV

IPsicólogo, Doutor em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba, Brasil, professor adjunto da Universidade Federal de Campina Grande e professor temporário da Universidade Estadual da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil. roniere@gmail.com
IIPsicólogo e mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil. eldolima@gmail.com
IIIPsicóloga e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal da Paraíba, doutora em Psicologia Pela University of Kent at Canterbury. Atualmente é Professora Adjunta e docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil. arr.torres@gmail.com
IVFilósofo pela Faculdade de Filosofia de Alcala de Henares, Espanha, Psicólogo e mestre e doutor em Psicologia pela Université Catholique de Louvain, Bélgica. Atualmente é Professor Emérito da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil. arr.torres@gmail.com

 

 


RESUMO

Apesar da discriminação contra grupos minoritários ser condenada por lei e por mais que a norma anti-preconceito seja mais explícita hoje do que era há anos atrás, ainda são registradas manifestações de preconceito contra negros e, mais recentemente, nordestinos. Este trabalho objetivou investigar as configurações atuais que o preconceito racial e o preconceito regional contra nordestinos assumem no Brasil. Foi solicitado a estudantes universitários que indicassem os adjetivos mais representativos dos grupos: negros, brancos, nordestinos, pessoas do sul. Os resultados apontaram para um processo de essencialização onde, mesmo num contexto que busca a redução das desigualdades sociais, os negros e nordestinos são classificados com adjetivos associados à essência desses grupos e que os distanciam dos grupos de comparação. Assim, comparado a pesquisas anteriores, mesmo quando as características atribuídas aos negros foram substituídas por outras, o conteúdo valorativo que justificava o distanciamento qualitativo em relação aos brancos permaneceu o mesmo.

Palavras-chave: Preconceito, Racismo, Preconceito Regional, Nordestinos, Essencialismo.


ABSTRACT

Although discrimination against minority groups is condemned by law, and despite the antiprejudice norm being more explicit today than it was a few years ago, manifestations of prejudice against blacks are still reported, and more recently also against Northeasterners in Brazil. This study aimed to investigate the current forms that racial bias, and regional prejudice against Northeasterners, assume in Brazil. College students were asked to indicate the adjectives more representative of the groups: Blacks, Whites, Northeasterners, and Southerners. The results pointed to a process of essentialization in which, even in a context that seeks to reduce social inequalities, Blacks and Northeasterners are classified by adjectives associated with the essence of these groups, which distance them from the groups considered social majorities in Brazil today.

Keywords: Prejudice, Racism, Regional Prejudice, Northeasterners, Essentialism.


RESUMEN

A pesar de que la discriminación contra grupos minoritarios está legalmente condenada y de que la norma en contra del prejuicio sea actualmente más explícita que hace unos años, todavía existen manifestaciones prejuiciosas contra negros y, más recientemente, contra nordestinos. Este trabajo tuvo como objetivo investigar las configuraciones actuales que los prejuicios racial y regional contra nordestinos asumen en Brasil. Para ello se pidió a estudiantes universitarios que indicasen los adjetivos más representativos de los siguientes grupos: negros, blancos, nordestinos y sureños. Los resultados indican un proceso de esencialización en el cual, aun estando en un contexto que busca la reducción de las desigualdades sociales, negros y nordestinos son clasificados con adjetivos asociados a la esencia de esos grupos, lo que les distancia de los grupos considerados actualmente como mayorías sociales en Brasil.

Palabras clave: Prejuicio, Racismo, Prejuicio Regional, Nordestinos, Esencialismo.


RÉSUMÉ

Bien que la discrimination contre les groupes minoritaires soit condamnée par loi et même que la norme antidiscrimination soit plus explicite aujourd'hui qu'il y a quelques années, nous trouvons des registres de manifestation de préjugé contre les noirs et, plus recemment, préjugé contre les personnes qui habitent au Nord-Est. Ce travail eut l'objectif d'investiguer les configurations actuelles que le préjugé racial et le préjugé regional contre les personnes qui habitent au Nord-Est assumèrent dans le Brèsil. Fut demandé aux étudiants universitaires d' indiquer les adjectifs qui representent en plus les groupes suivants: les noirs, les blancs, les personnes qui habitent au Nord-Est et les personnes qui habitent au Sud. Les resultats indiquèrent un processus d'essencialisation où, même dans un contexte qui cherche la reduction des differences sociaux, les noirs et les personnes qui habitent au Nord-Est sont classés avec des adjectifs associés à l'essence de ces goupes et qui les distancient des groupes de comparaison. Ainsi, en comparant avec des recherches anterieures, même quand les caracteristiques atribués aux noirs sont substitués par d'autres, le contenu de valeur qui justificait la distance qualitative en relacion aux blanches a resté le même.

Mots clés: Prejugé, Racisme, Prejugé Regional, Nord-Est, Essentialisme.


 

 

Introdução

Há mais de dez anos, nesta mesma revista, publicou-se um trabalho sobre as novas formas de expressão do racismo no Brasil (Camino, Silva, Machado & Pereira, 2001). Passado este tempo, nos perguntamos: o que mudou no Brasil?

O preconceito racial é um fenômeno que se apresenta na interface dos diversos campos do saber, tais como a psicologia, a sociologia e a ciência política. Isso se deve a própria natureza deste fenômeno, uma vez que, embora muitas vezes seja percebido como uma manifestação individual, o fenômeno do preconceito, per si, é uma manifestação determinada histórica e politicamente. Fruto das lutas de poder que formam uma sociedade, o preconceito possuiu em cada período histórico um "grupo alvo" específico. Por exemplo, na Grécia antiga, o alvo eram os cidadãos da polis, vencidos em guerras, já no início do século XX o alvo da discriminação foram os judeus e, na atualidade, os muçulmanos.

Muitos estudos na atualidade têm abordado grupos alvo tais como homossexuais (Gouveia & Camino, 2009) e mulheres (Silva, 2010). No entanto, os negros têm sido o grupo alvo que mais tem perdurado enquanto objeto do preconceito e da discriminação. Isto não quer dizer que estamos colocando todos os tipos de preconceito em um mesmo patamar, mas certamente todos compartilham uma característica em comum, são produto das lutas de poder. Neste contexto, falar de preconceito racial em um país que se vê como uma grande democracia racial, pode parecer um contrassenso. Essas diferenças podem ser percebidas principalmente nas representações midiáticas para estes grupos (Acevedo, Nohara & Ramuski, 2010).

Na Síntese de Indicadores Sociais elaborada pelo IBGE (2012) pode-se observar que nos extremos da distribuição de renda média da população do país, em 2001, da parcela referente à população mais rica do país (1% da população), apenas 9,3% eram pretos ou pardos, proporção que apresentou um aumento para 16,3% em 2011. Esses índices demonstram que os negros no país continuam a receber menos que a população branca. Uma vez observada a situação socioeconômica desses grupos no país, e sabendo que, em parte, tais diferenças são reflexo de um histórico de discriminações contra as minorias do país, nos questionamos: se as expressões do preconceito racial mudaram ou se mantiveram estáveis ao longo desse tempo.

O preconceito regional se constitui outra questão relevante para o quadro nacional, principalmente após os acontecimentos ocorridos durante o período de pós-eleição presidencial no país em 31 de outubro de 2010. A disputa eleitoral que antecedeu a vitória de Dilma Rousseff (PT) foi marcada por uma corrida presidencial bastante acirrada com o candidato José Serra (PSDB) no segundo turno. Com a vitória de Dilma, considerada sucessora do governo anterior, os eleitores do PSDB atribuíram à vitória da mesma aos nordestinos, uma vez que a região Nordeste é consideravelmente populosa e foi, em boa parte, favorecida pelos programas direcionados ao auxílio da população de baixa renda criados pelo governo anterior. Tais protestos persistiram mesmo quando jornais do país demonstraram que a eleição não foi decidida no Nordeste (Sobrinho & Polato, 2010).

Quatro anos se passaram desde as manifestações ocorridas contra os nordestinos. Outra vez eleita presidente do país, Dilma Rousseff se torna mais uma vez alvo de críticas que a acusam de ser desproporcionalmente favorável à população mais pobre do Nordeste. Como consequência, novos ataques foram feitos aos nordestinos na internet. Algumas das frases que aparecerem recentemente nas redes sociais foram: "Se eu encontrar algum nordestino aqui em MG eu jogo fogo"; "70% de votos para Dilma no Nordeste! Médicos do Nordeste causem um holocausto por aí! Temos que mudar essa realidade!"; "Como ganhar voto de um nordestino?É só dá um prato de comida e uma garrafa d'água. Vão trabalhar!"; "Dilma só ganha voto por povo burro do nordeste". Todas essas frases foram postadas em perfis que mostravam a imagem e o nome dos usuários, o que caracteriza uma forma explícita (flagrante) de discriminação.

A repetição desses fatos cria um cenário alarmante, pois aparentemente nada foi aprendido nos últimos quatro anos sobre as consequências que esse tipo de conduta possam levar. Mesmo com todo o debate na época e de todas as intervenções da justiça, diversos usuários da internet continuam a agir de forma contrária aos direitos garantidos pela Constituição, dentre eles o sufrágio universal, e aparentemente se percebendo como impunes às penalidades.

Além destes fatos, verificamos uma desvantagem econômica dos nordestinos similar às encontradas para o grupo dos negros. Apesar da contínua melhora da condição econômica na região Nordeste (foi a renda que mais cresceu até 2009), em números absolutos, ainda é a região que apresenta a renda média mensal mais baixa (Nordeste: R$ 734,00; Norte: R$ 921,00; Sul: R$ 1.251,00; Sudeste: R$ 1.255,00; Centro-Oeste: R$ 1.309,00; dados referentes a 2009) (IBGE, 2012). De forma similar à problemática apresentada para o grupo dos negros, neste trabalho nos questionamos de que forma as expressões do preconceito contra os nordestinos se configuram no quadro atual. Neste contexto, este trabalho tem como objetivo geral investigar as configurações atuais que o preconceito racial e o preconceito regional contra nordestinos assumem no Brasil.

 

Formas Contemporâneas da Expressão do Preconceito

Um dos primeiros psicólogos sociais que investigou sistematicamente o preconceito racial foi Allport (1954), que definiu esse fenômeno como um sentimento de antipatia que se estrutura em uma generalização errada e inflexível atribuída a membros de um grupo, simplesmente por eles pertencerem a esse grupo. As primeiras teorias concebiam o preconceito como sendo decorrente de alguma característica ou processo individual. Adorno e colaboradores (1950) desenvolveram estudos partindo do pressuposto de que o preconceito seria resultado de uma personalidade autoritária, já Rokeach (1960) atribuiu à causa do preconceito certa rigidez cognitiva e pouca disposição para o contato com pessoas que são percebidas como diferentes.

Percebendo-se as limitações que estas abordagens tinham ao explicar determinados fenômenos relativos ao preconceito, e sob a influência da perspectiva da cognição social, as pesquisas seguintes buscaram explicações por meio dos vieses psicológicos ou erros de processamentos (Lacerda, Pereira & Camino, 2002), tendo como objeto central os estereótipos. Não obstante, Tajfel (1972, 1978) deu um salto qualitativo ao estudar o preconceito dentro da ótica das relações intergrupais, indo além do enfoque psicológico do fenômeno. Com a mudança do quadro político mundial, começaram a surgir normas que vão de encontro a comportamentos considerados preconceituosos. A presença de tais normas levou a uma diminuição na expressão do racismo de maneira flagrante, fazendo o mesmo assumir formas mais sutis e que não estejam em desacordo com a lei (Camino, Da Silva, Machado e Martinez, 2000; Camino e col., 2001; França & Monteiro, 2004; Costa-Lopes & Pereira, 2011).

Tomadas em conjunto, as teorias e modelos que têm se debruçado sobre o estudo das expressões atuais do preconceito, compartilham a ideia da importância da articulação de aspectos mais cognitivos, como por exemplo, os processos de categorização, com os mais grupais, como por exemplo, a historicidade das relações maioria versus minorias sociais em uma dada sociedade. Assim, fica clara a importância da contextualização do cenário onde ocorrem as situações de discriminação, uma vez que estas não acontecem em um vácuo social. É por meio da perspectiva das relações intergrupais que se estabelecem as condições necessárias para se tentar compreender o processo de discriminação.

 

O Estudo dos Estereótipos

Um modo de estudar este fenômeno, apesar de sua natureza complexa, é estimar as crenças que subjazem às suas formas de expressão. Tais crenças remetem aos estereótipos, que podem ser entendidos como "crenças ou representações cognitivas simplificadas da realidade, que dão significado às ações intergrupais" (Techio, 2011:36). É no quadro da teoria da identidade social que os estereótipos são concebidos como produto dos processos cognitivos de categorização entre os grupos. Tal processo assume um papel justificador das diferenças grupais, uma vez que simplificam ou exageram as características dos grupos envolvidos no processo de comparação, onde se busca diferenciar positivamente o endogrupo em detrimento do exogrupo (Tajfel & Turner, 1979; Techio, 2011).

Uma das primeiras técnicas desenvolvidas para obtenção de dados sobre os estereótipos foi a checklist, que consiste na apresentação de uma lista de adjetivos dos quais devem ser selecionados aqueles que melhor caracterizam o grupo estudado. Introduzida inicialmente pela pesquisa de Katz e Braly (1933; 1935) e posteriormente replicada nos trabalhos de Gilbert (1951) e Karlins, Coffman e Walters (1969). Esses três trabalhos ficaram conhecidos como a "Trilogia de Princeton" e serviram de base para uma série de estudos posteriores sobre o tema.

Assim, Katz e Braly (1933, 1935) observaram que os participantes de diferentes estudos classificavam de forma muito similar grupos raciais e nacionais, independente do método utilizado. Diante de tal observação, os autores solicitaram a 100 estudantes da universidade de Princeton que apontassem os cinco traços, dentre uma lista previamente elaborada com 84 adjetivos, que consideravam como os mais característicos para dez grupos específicos: Alemães, Judeus, Negros, Americanos, Irlandeses, Ingleses, Italianos, Chineses, Japoneses e Turcos (Katz & Braly, 1933). Como resultado, observaram que existia um elevado grau de concordância entre os estudantes no que se referia aos dez grupos-alvo, principalmente para o grupo dos Negros e dos Judeus (concordância de 75% entre participantes).

Preocupado com a persistência dos estereótipos ao longo do tempo, Gilbert (1951) reproduziu anos depois o experimento de Katz e Braly (1933) na Universidade de Princeton. Constatou que, em termos de conteúdo, mesmo tendo passado dezoito anos, as características escolhidas nos estudos anteriores para descrever os grupos-alvo permaneceram as mesmas. Entretanto, foi verificada uma menor tendência em generalizar os estereótipos relativos a cada grupo. No estudo original, os Negros eram definidos por meio de cinco estereótipos, enquanto que na replicação de Gilbert eram utilizados doze estereótipos para o mesmo grupo. Apesar dessa mudança, a escolha dos adjetivos demonstrou ser estável ao longo dessas duas gerações.

Dando continuidade à série de estudos dos estereótipos, Karlins, Coffman e Walters (1969) replicaram o estudo de Gilbert (1951), mas agora com a terceira geração de estudantes de Princeton. Assim como foi verificado no estudo de Gilbert (1951), houve uma redução na generalização dos estereótipos feita pelos alunos. Em relação ao conteúdo, houve uma similaridade entre as avaliações realizadas pelos estudantes pertencentes as três gerações. A Trilogia de Princeton demonstrou que, ao longo das gerações, os estereótipos veiculados pelos estudantes desta universidade permaneceram, essencialmente, inalteráveis. Entretanto, mudanças que ocorrem na escolha dos adjetivos estão sujeitas a alterações que acompanham o desenvolvimento sociocultural e as crenças gerais (Oakes, Haslam & Turner, 1994).

A técnica cheklist ainda é utilizada em pesquisas sobre o preconceito, como a realizada por Camino e colaboradores (2001). Nesse estudo, observou-se que estudantes universitários afirmavam que existia preconceito no Brasil, apesar de nenhum se considerar como preconceituoso. Esse resultado foi obtido através da escolha que os participantes faziam em uma lista de adjetivos para o grupo dos negros, onde deveriam responder por si mesmos e pelo que acreditavam que a sociedade brasileira responderia. Quando respondiam por si mesmos, utilizavam mais adjetivos de pessoas simpáticas e menos de pessoas antipáticas para descrever pessoas de cor negra do que utilizavam para descrever pessoas de cor branca. Quando respondiam pela sociedade atribuíam mais adjetivos de pessoas antipáticas e menos de pessoas simpáticas às pessoas de cor negra. Sabendo-se da relativa estabilidade dos estereótipos, e tendo em mente a preocupação do desenvolvimento de novas estratégias de expressar o preconceito, uma das nossas intenções neste trabalho foi a de verificar como estudantes da mesma universidade atribuem estereótipos ao grupo dos negros anos após a pesquisa realizada por Camino e colaboradores (2001).

Algumas das pesquisas recentes corroboram a relativa constância dos estereótipos ao longo do tempo (Cuddy, Fiske, Kwan, Glick, Demoulin, Leyens, Bond, Croizet, Ellemers, Sleebos, 2009; Cuddy, Fiske, Kwan, Glick, Demoulin, Leyens, Bond, Croizet, Ellemers, Sleebos, Htun e col., 2009). Tais estudos foram desenvolvidos tendo como referência o modelo socioestrutural de Fiske, Cuddy, Xu e Glick (1999; 2002). Esse modelo, denominado de modelo do conteúdo dos estereótipos, propõe uma estrutura que descreve e tenta predizer como os grupos são ordenados em uma dada sociedade, e como a posição de um grupo nesta ordenação encontra-se relacionada com os tipos de preconceito que seus membros possam vir a sofrer (Bergsieker, Leslie, Constantine & Fiske, 2012). Demonstra ainda que os estereótipos podem ser enquadrados em duas dimensões (sociabilidade e competência), e que os estereótipos subjetivamente positivos em uma dimensão não necessariamente são contraditórios ao preconceito, mas na verdade podem ser funcionalmente coerentes com estereótipos subjetivamente negativos na outra dimensão (Fiske, Cuddy, Xu & Glick, 2002).

Uma das teorias que podem ajudar a compreender os padrões de atribuições feitas aos grupos minoritários é a teoria essencialista da categorização. Segundo Pereira, Álvaro, Oliveira e Dantas (2011), a essencialização "pode ser definida como um processo da categorização social caracterizado pela crença na existência de atributos imutáveis concernentes aos entes aos quais a categorização essencialista se aplica" (p. 146). Dessa forma, neste processo existe a crença em estruturas subjacentes que são consideradas como essências dos grupos sociais e que servem como referência no processo de categorização dos mesmos. O essencialismo pode ser compreendido através de duas vertentes, uma naturalista e outra entitativa. A perspectiva naturalista parte do pressuposto de que as características compartilhadas pelo grupo estão ancoradas em leis físicas e biológicas, através do qual um ente, uma vez que seja incluído na categoria, passará a ser percebido através desses critérios naturais (Pereira e col., 2011). Para alguns autores, o processo de naturalização é um dos principais fatores que diferenciam o racismo do processo de preconceito, uma vez que é apenas no primeiro que ocorre uma categorização baseada em uma crença na distinção natural entre os grupos, enquanto que o preconceito não implica na essencialização ou naturalização das diferenças (Lima & Vala, 2004). No que diz respeito à entitatividade, o processo de categorização dos grupos é feito através de semelhança e proximidade entre seus membros, que são percebidos como entidades subordinadas a um destino comum (Pereira, Álvaro, Oliveira & Dantas, 2011).

Diante do exposto, este trabalho teve como objetivo geral investigar as configurações atuais que o preconceito racial e o preconceito regional contra os nordestinos assumem no Brasil. Para alcançá-los foram realizados dois estudos que serão expostos a seguir.

 

Estudo 1: Atualização e Desenvolvimento dos Instrumentos

Objetivos:

a) atualizar a lista de adjetivos utilizada no artigo de Camino e colaboradores (2001);

b) verificar quais as preferências de adjetivos utilizados para caracterizar os nordestinos e sulistas.

Método

Participantes

Participaram 100 estudantes dos cursos de Administração, Psicologia, Pedagogia e Psicopedagogia de uma universidade pública do Nordeste.

Instrumento

Foi utilizada a escala aplicada no Brasil por Camino e colaboradores (2001) que possuía uma checklist com oito adjetivos que caracterizavam pessoas mais gostáveis (alegre, simpático, inteligente e honesto) e as pessoas menos gostáveis (agressivo, antipático, egoísta, desonesto). A essa lista foram acrescentados mais 22 novos adjetivos (11 negativos e 11 positivos). Com este acréscimo, objetivou-se atualizar a lista e verificar se a mesma poderia ser utilizada também para caracterizar nordestinos. A escolha dos adjetivos complementares foi realizada por meio da técnica de brainstorming realizada com os integrantes do nosso grupo de pesquisa. A listagem final pode ser observada na Tabela 1.

 

 

Foram desenvolvidas duas condições de pesquisa. Na primeira, os participantes eram solicitados a indicar cinco adjetivos que representam o que normalmente os brasileiros usariam para descrever uma pessoa de cor negra. Já na segunda, eram solicitados a indicar cinco adjetivos que representam o que normalmente os brasileiros usariam para descrever um nordestino. Os participantes também ordenaram suas escolhas de acordo com o grau de importância que atribuíam a cada adjetivo.

Procedimento

Os estudantes foram abordados na universidade e solicitados a participarem da pesquisa. Foram orientados acerca da natureza da pesquisa e do procedimento de resposta ao cheklist. Era esclarecido que se tratava de uma pesquisa a respeito de como a sociedade brasileira vê o papel do negro/nordestino na sociedade. Foi assegurado o anonimato, a confidencialidade das informações e o direito a desistir da pesquisa a qualquer momento.

Resultados

As respostas obtidas com a checklist foram contabilizadas e a frequência dos adjetivos foi registrada usando-se como referência a ordem de importância fornecida pelos participantes. Foram considerados os três adjetivos tidos como mais importantes (Tabela 2).

 

 

Em comparação com a pesquisa de Camino e colaboradores (2001), estes resultados apresentam algumas diferenças em relação à escolha dos participantes. Os adjetivos alegre, simpático, desonesto e agressivo permanecem apontados como os mais salientes na descrição de pessoas negras. Entretanto os adjetivos honesto, inteligente, egoísta e antipático são substituídos por batalhador, trabalhador, preguiçoso e burro. E para os nordestinos os adjetivos selecionados foram: generoso, alegre, batalhador, trabalhador, burro, desajeitado, acomodado e preguiçoso. Esses resultados indicam que existe uma grande aproximação na escolha das características que representam os dois grupos.

Tendo em mente que se passaram mais de dez anos desde a pesquisa de Camino e colaboradores (2001), é interessante notar a permanência de metade das características atribuídas ao grupo dos negros. Aparentemente o processo de categorização utilizado para a atribuição do grupo dos negros permanece sujeito a critérios essencialistas que consideram como imutáveis determinadas características desse grupo, mesmo na presença de mudanças sociais tais como as políticas de ações afirmativas. Ainda que se busquem melhores condições sociais para os negros, o processo de construção dos estereótipos resultante da naturalização desse grupo ainda permanece como obstáculo na tentativa de redução da discriminação.

Seguindo a classificação do modelo do conteúdo dos estereótipos (Fiske e col., 2002), a escolha dos adjetivos para o grupo dos negros apresentou igual número de características para as dimensões de competência e sociabilidade. Para a atribuição positiva dos negros encontramos dois adjetivos de sociabilidade (alegre e simpático) e dois adjetivos de competência (trabalhador e batalhador), e para a atribuição negativa, dois adjetivos de sociabilidade (desonesto e agressivo) e dois de competência (burro e preguiçoso). Já para o grupo dos nordestinos, na atribuição positiva, são encontrados dois adjetivos para a sociabilidade (generoso e alegre) e dois para a competência (batalhador e trabalhador). Entretanto, ocorre uma predominância de adjetivos ligados apenas à competência quando analisamos a atribuição negativa (burro, desajeitado, acomodado e preguiçoso). Assim, a avaliação negativa dos nordestinos, aparentemente, recai sobre um critério baseado na competência do grupo.

Para analisar de forma mais detalhada a distribuição dos adjetivos em termos de competência e sociabilidade, foi realizado um Escalonamento Multidimensional (MDS) com as respostas emitidas pelos participantes em termos de preferência de adjetivos para cada um dos grupos alvo. Para avaliar a preferência dos respondentes, foi utilizado o grau de importância que cada participante atribuiu aos adjetivos apresentados.

Para o grupo dos nordestinos, o eixo horizontal (Figura 1), organiza os adjetivos em relação a sua valência. Assim, do lado esquerdo da figura, aglutinam-se os adjetivos positivos, e do lado direito, estão os adjetivos negativos. O eixo vertical, por sua vez, organiza os adjetivos em termos de percepção de competência e sociabilidade. No entanto, esses resultados são um pouco discrepantes dos estudos de Fiske e colaboradores (2002), pois no quadrante superior esquerdo, estão adjetivos positivos relativos à competência, quando o esperado pelo modelo é que, em grupos tidos como subdesenvolvidos, fossem atribuídas características majoritariamente positivas em relação à sociabilidade e negativas em relação à competência.

 

 

No que se refere ao grupo dos negros (Figura 2), o eixo horizontal do mapa perceptual organizou os quadrantes em termos da valência atribuída aos adjetivos (positivos: quadrantes 1 e 4; negativos: quadrantes 2 e 3), e o eixo vertical os organizou em termos de sociabilidade e competência (competência: quadrantes 1 e 2; sociabilidade: 3 e 4). Dessa forma, temos um maior número de preferências por adjetivos positivos que se referem à competência dos negros (batalhador e trabalhador). Apesar do modelo de Fiske e colaboradores (2002) apontar para uma maior atribuição de qualidades positivas de sociabilidade e negativas de competência para o grupo dos negros, percebe-se uma inversão destes resultados nas preferências de adjetivos dos participantes.

 

 

Conclusão

Os adjetivos atribuídos aos negros foram, em termos gerais, similares aos atribuídos aos nordestinos. Sabendo-se que os respondentes eram moradores da região Nordeste, cientes de suas dificuldades e das representações atribuídas ao seu próprio grupo, era esperado encontrar um sentimento de proximidade com outro grupo minoritário, o que pode ter levado a essa atribuição semelhante de características.

Tendo como base o modelo de Fiske e colaboradores (2002), constatou-se em relação aos nordestinos um número alto de adjetivos negativos relativos à competência, mas nenhum positivo em relação à sociabilidade, o que vai de encontro ao padrão esperado pelo modelo. No que se refere ao grupo dos negros, obteve-se mais adjetivos positivos relativos à competência e um maior número de adjetivos negativos relativos à sociabilidade. Essa inversão no padrão obtido pelo modelo do conteúdo de estereótipos pode ser o resultado de uma perspectiva restrita de atribuição de grupos minoritários para outros grupos minoritários, os quais se identificam em termos de representação. A alta atribuição de adjetivos positivos para a dimensão da competência pode ser nada mais do que uma necessidade destes grupos minoritários de ultrapassar uma imagem social cristalizada de seus grupos, vistos pelos demais grupos da sociedade como incompetentes e sociáveis. A seguir é apresentado o estudo 2, no qual nos propomos aprofundar o estudo do conteúdo dos estereótipos, tanto raciais quanto regionais, bem como complementar a análise das respostas obtidas neste artigo.

 

Estudo 2: Estereótipos Raciais e Regionais

Objetivos: a) investigar os conteúdos estereotípicos que são atribuídos aos grupos dos negros e brancos na atualidade; e b) investigar os conteúdos estereotípicos que são atribuídos às pessoas nascidas no nordeste e às pessoas nascidas no sul do país.

Método

Participantes

Participaram do estudo 200 estudantes da Universidade Federal da Paraíba dos cursos da área de humanas, divididos igualmente nos quatro tipos de questionários utilizados. As idades variaram entre 16 e 50 anos (M = 22,13; DP = 6,56), sendo que 77% eram do sexo feminino. Do total da amostra 81,4 % dos participantes declararam ser da classe social média; 16,6% da classe baixa; e apenas 2% declararam ser da classe social alta.

Instrumento

Foram utilizados quatro tipos de questionários:

1) Adjetivos relacionados a pessoas de cor negra;

2) Adjetivos relacionados a pessoas de cor branca;

3) Adjetivos relacionados a nordestinos;

4) Adjetivos relacionados a pessoas do sul do país.

A inclusão das condições pessoas de cor branca e pessoas do sul foi feita tendo em conta que os estereótipos são características atribuídas aos membros de um grupo pelo fato destes fazerem parte de uma categoria social. Segundo a perspectiva das relações intergrupais (Tajfel, 1982), a simples divisão de pessoas em grupos diferentes leva a um processo de comparação grupal entre "nós" e "eles", gerando avaliações tendenciosas que buscam menosprezar os membros do exogrupo e valorizar os membros do endogrupo. Faz-se necessária uma análise que contemple grupos relacionados em uma dinâmica de conflito que configure o preconceito regional (nordestinos e pessoas do sul) e racial (negros e brancos).

O questionário foi formado por dados sociodemográficos e por uma checklist. Os adjetivos selecionados no estudo 1 foram organizados em quatro tipos de questionários, referente às condições do delineamento deste estudo. Dessa forma, os adjetivos relativos às pessoas negras, foram utilizados nas condições "pessoas negras" e "pessoas brancas". Já os adjetivos relativos aos nordestinos foram usados nas condições "nordestinos" e "pessoas do sul". O participante respondia à lista de adjetivos em dois momentos: primeiro em relação a sua própria opinião, e sobre o que ele acreditava ser a opinião da sociedade brasileira.

Procedimento

Os estudantes foram abordados e solicitados a participarem da pesquisa. Foram orientados acerca da sua natureza e do procedimento de resposta ao questionário. Era esclarecido que se tratava de uma pesquisa a respeito de como a sociedade brasileira vê o papel do negro/nordestino na sociedade. Foi assegurado o anonimato, a confidencialidade das informações e o direito a desistir da pesquisa a qualquer momento.

Resultados

Para investigar os conteúdos estereotípicos que são atribuídos aos grupos dos negros e brancos e às pessoas nascidas no nordeste e às pessoas nascidas no sul do país, foram contabilizadas as frequências dos adjetivos para a condição de pessoas negras e brancas, e para a condição de nordestinos e pessoas do sul. Como podemos observar na Tabela 3, quando os participantes são solicitados a manifestar a opinião própria, um número maior de adjetivos positivos são atribuídos à população negra em comparação com os adjetivos negativos. Mas quando questionados sobre a posição da sociedade, o padrão inverso ocorre, são atribuídos mais adjetivos negativos e menos adjetivos positivos. Quando questionados sobre as características de pessoas de cor branca, os participantes atribuem mais adjetivos positivos e menos adjetivos negativos, tanto para a situação de opinião própria, quanto nas situações onde opinam sobre a posição da sociedade.

 

 

O mesmo padrão de respostas foi encontrado com a condição de nordestinos, de forma que os participantes afirmaram que a sociedade atribui um maior número de adjetivos negativos, ao mesmo tempo em que afastam de si a responsabilidade por tal preconceito. Por tratar-se de uma coleta realizada em uma universidade do Nordeste, os participantes eram, majoritariamente nordestinos, e essa questão deve ser levada em consideração já que a atribuição dos adjetivos, nesse caso, foi realizada pelo próprio grupo alvo do preconceito. A condição de pessoas do sul manteve um maior padrão de atribuição de adjetivos positivos do que de adjetivos negativos.

 

 

Tendo como referência as dimensões propostas pelo modelo do conteúdo dos estereótipos (Fiske e col., 2002), observamos que na atribuição feita pelo posicionamento em relação à sociedade, onde ocorre menor saliência da norma antirracista, a maior frequência de respostas nos adjetivos negativos aponta para uma prevalência de critério ligado a sociabilidade (desonesto). Já a maior frequência de respostas para os adjetivos positivos, remete à competência dos negros (trabalhador). Dessa forma, observamos uma diferenciação nos critérios que determinam as valências positivas e negativas na construção dos estereótipos dos negros. No padrão de freqüência de respostas para os nordestinos, encontramos a maior atribuição de adjetivos positivos ligada à sociabilidade (alegre), e a maior atribuição negativa ligada à competência (burro). Este último resultado encontra respaldo no modelo do conteúdo dos estereótipos, que prevê que grupos de baixo desenvolvimento socioeconômico seriam estereotipados como sendo mais sociáveis e menos competentes que grupos detentores de alto status (Fiske e col., 2002).

Um estudo realizado por Techio (2011) demonstra essa mesma relação na diferença entre grupos regionais no Brasil. Era esperado, no entanto, que o grupo dos negros obtivesse um resultado similar ao dos nordestinos, mas, como constatado, a maior frequência de respostas positivas recaiu sobre um critério de competência, enquanto a avaliação negativa foi focada na sociabilidade. A maior questão seria em que sentido os adjetivos "trabalhador" e "batalhador" são apresentados, uma vez que são recorrentes aos dois grupos e foram as principais mudanças encontradas em relação à lista de adjetivos de Camino e colaboradores (2001).

Especificamente, o adjetivo "batalhador" apareceu para as duas listas como aspecto positivo e obteve uma frequência elevada de respostas pelos participantes que manifestavam sua opinião pessoal. Esse adjetivo pode ter sido escolhido por permitir atribuir uma característica que é considerada boa, mas que se distancia das qualidades atribuídas aos grupos majoritários. Segundo o dicionário Aurélio (Ferreira, 2008) batalhador é "quem ou aquele que batalha para conseguir o que quer; lutador" (p. 169). Nessa definição representaria a dedicação e o esforço para a obtenção de metas. Sabendo-se das estratégias utilizadas para a validação do discurso discriminatório frente a contextos igualitaristas (Fleury & Torres, 2007; Pereira & Vala, 2010), esse adjetivo pode estar sendo utilizado para reconhecer a posição de inferioridade do grupo alvo em relação ao grupo dominante, uma vez que é reconhecido no primeiro apenas o "esforço" para conseguir os seus objetivos. Esse grupo necessitaria lutar pelo que o grupo majoritário já tem. Assim, se justificaria o distanciamento dos grupos ao mesmo tempo em que são atribuídos aspectos positivos ao alvo. São necessários novos estudos para que se possam confirmar essas conjecturas.

Para comparar o padrão de atribuição de adjetivos feito pelos participantes, os mesmos foram categorizados de acordo com a valência geral dos adjetivos que escolheram para determinar os grupos alvo. Dessa forma, caso optassem por mais adjetivos positivos, eram classificados como "positivos"; caso escolhessem mais adjetivos de valência negativa, eram classificados com "negativos"; e se escolhiam o mesmo número de adjetivos positivos e negativos, eram classificados como "neutros". Foram realizados testes de aderência para as categorias gerais de valência tanto para a condição de posicionamento próprio, quanto para a condição de posicionamento em relação à sociedade (Tabelas 5 e 6).

 

 

 

 

Para a categoria geral de valência atribuída às pessoas de cor negra, quando os participantes respondiam por si mesmos, a frequência da valência positiva foi maior do que a negativa e neutra. Quando os participantes respondiam pela sociedade, a atribuição de adjetivos negativos foi superior à atribuição positiva e neutra (χ2 = 37,38; p < 0,001). Na categoria geral para as pessoas de cor branca, o padrão de frequência obtido foi de maior valência positiva em relação à negativa e à neutra, apresentando um índice de significância marginal em relação à opinião própria e à opinião da sociedade (χ2 = 5,04; p = 0,080).

Para a categoria geral atribuída aos nordestinos, houve uma maior valência positiva em relação à negativa e neutra para a condição de atribuição própria, e o padrão inverso para a atribuição em relação à sociedade (χ2 = 52,16; p < 0,001). Para a categoria geral atribuída às pessoas do sul do país, o padrão de frequência obtido foi de maior valência positiva em relação à negativa e à neutra, independente das respostas refletirem opinião própria ou posicionamento em relação à sociedade (χ2 = 2,79; p = 0,248). Dessa forma, quando os participantes respondiam nas condições de pessoas de cor branca e pessoas do sul, o fato de expressarem opinião própria ou de atribuírem a opinião da sociedade, não afetava a distribuição de adjetivos. Já quando respondiam nas condições de negros e nordestinos, tornou-se visível a tendência apresentada nas análises anteriores de uma maior atribuição de adjetivos positivos relativos a uma opinião própria, e uma maior atribuição negativa quando representavam a sociedade.

 

Considerações Finais

Se levarmos em conta a aplicação da lista de adjetivos realizada por Camino e colaboradores (2001), podemos perceber que os resultados demonstram algumas diferenças. Os adjetivos alegre, simpático, desonesto e agressivo ainda são apontados como os mais salientes na descrição de pessoas negras. Entretanto os adjetivos honesto, inteligente, egoísta e antipático deixaram de fazer parte da seleção dos estudantes, sendo verificados no presente estudo os adjetivos: batalhador, trabalhador, preguiçoso e burro. Destaca-se principalmente a mudança dos adjetivos positivos por outros dois que valorizam mais características do trabalho e do esforço, em detrimento da valorização do compromisso da palavra e das habilidades cognitivas. Mas apesar dessa mudança na escolha dos adjetivos, o efeito encontrado no presente estudo pode ser considerado o mesmo obtido por Camino e colaboradores (2001), de forma que os participantes demonstram ter consciência da discriminação racial e regional, sem aceitarem a responsabilidade por esse tipo de problema. De forma geral, a atribuição estereotípica dos negros permaneceu similar ao longo de doze anos. Assim como apontavam os estudos clássicos da trilogia de Princenton (Katz & Braly, 1933; Gilbert, 1951; Karlins, Coffman & Walters, 1969) e outras pesquisas mais recentes (Cuddy e col., 2009), a relativa estabilidade dos estereótipos parece conseguir deixar intacta a imagem geral de determinados grupos minoritários da sociedade. As mudanças observadas ocorrem em termos de reajustes periféricos no processo de atribuição que buscam harmonizar e justificar os discursos à norma social. Dessa forma, os estereótipos assumiriam uma função justificadora do status quo, validando de forma racional as ações direcionadas aos exogrupos, através de uma ideologia dominante (Jost & Hamilton, 2005; Techio, 2011). Os resultados também apontam para um processo de essencialização, no qual os negros são classificados com adjetivos associados à essência desse grupo, o que os distancia do grupo de comparação. Dessa forma, mesmo quando as características atribuídas aos negros foram substituídas por outras, o conteúdo valorativo que justificava o distanciamento qualitativo em relação aos brancos permaneceu o mesmo. Devido às semelhanças nos resultados obtidos entre o grupo dos negros e o grupo das pessoas nascidas no nordeste, questiona-se se este último teria sido submetido ao mesmo processo de essencialização, pela via da naturalização, como ocorreu ao grupo dos negros. O fato dos estereótipos atribuídos às pessoas que nascem no nordeste sugerirem que estas sejam "por natureza" mais resistentes às adversidades físicas, e mais aptas ao trabalho físico, e que são dotadas de menor aptidão cognitiva, pode indicar o resultado de um processo de naturalização desse grupo.

 

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Recebido em 19/11/2013.
Aceito em 11/03/2014.

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