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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.15 no.34 São Paulo dez. 2015

 

ARTIGOS

 

Reconhecimento, igualdade complexa e luta por direitos à população LGBT através das decisões dos tribunais superiores no Brasil

 

Recognition, complex equality and fight for rights to LGBT people through the decisions of the superior courts in Brazil

 

El reconocimiento, la igualdad y la lucha por los derechos de las personas LGBT a través de las decisiones de las cortes superiores en Brasil

 

Reconnaissance, égalité complexe et lutte pour les droits des personnes LGBT à travers les décisions des cours supérieures au Brésil

 

 

Renata Ovenhausen AlbernazI; Bruno Silva KaussII

IProfessora Adjunta no curso de Administração Pública e Social da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS,Brasil. Docente no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil. renata_albernaz@terra.com.br
IIPesquisador vinculado ao projeto de pesquisa "Pluralismo Jurídico, Multiculturalismo e Democracia Latino-Americanos", financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul. Mestrando Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. kauss.bruno@gmail.com

 

 


RESUMO

No Brasil, o movimento social que reúne gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBT) nasceu da necessidade de unir vozes em combate às opressões históricas às diferentes expressões da sexualidade e identidades de gênero. O exame das decisões de tribunais superiores que envolvem a coletividade LGBT permite um estudo aproximado sobre como o Estado brasileiro se comporta perante essa parcela da população, dada a ainda carente expressão legislativa para reger os seus interesses. Neste trabalho, tendo-se como marco teórico a "luta por reconhecimento" e de justiça de autores multiculturalistas, objetiva-se analisar os principais conflitos judiciais referentes a direitos de equalização e reconhecimento às pessoas LGBT, com base na análise de julgados do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal de 2003 a 2013, em demandas envolvendo interesses de pessoas LGBT e em suas derivações legislativas e administrativas.

Palavras-chave: Identidades LGBT, Justiça, Multiculturalismo, Direitos no Estado, Tribunais Supremos no Brasil.


ABSTRACT

In Brazil, the social movement of gays, lesbians, bisexuals, transsexuals and transgenderes, or "LGBT people", was born of the need to unite voices in combating historical oppression against different expressions of sexuality and gender identities. The examination of the decisions of Brazilian Superior Courts involving the LGBT community allows an approximate study on how the Brazilian state behaves towards this population, considering the absence of legislative expression to govern their interests. In this article, with the theoretical framework "the struggle for recognition" and justice of Multiculturalism, the objective is to analyze critically the main legal disputes relating to rights of equalization and recognition for LGBT people, in the "Supremo Tribunal Federal (STF)" and "Superior Tribunal de Justiça (STJ)", from 2003 to 2013, in lawsuits involving the interests of LGBT people and their laws and administrative derivations.

Keywords: Identities LGBT, Justice, Multiculturalism, Rights in the state, Supreme Courts in Brazil.


RESUMEN

En Brasil, el movimiento social que reúne a la gente gay (movimientos sociales LGBT) nació de la necesidad de unir voces en el combate a la opresión histórica de las diferentes expresiones de la sexualidad y las identidades de género. El examen de las decisiones de los tribunales superiores que afectan a la comunidad LGBT permite un estudio aproximado de cómo el Estado brasileño se comporta con esta población, dada la falta de leyes específicas que regulen los intereses de estas personas. En este trabajo, teniendo como marco teórico la "lucha por el reconocimiento" y la justicia de algunos autores multiculturalistas y estudiosos de la cuestión de género, el objetivo es analizar las principales controversias jurídicas relativas a la igualdad de derechos y el reconocimiento de las personas LGBT. El material analizado fue el conjunto de las sentencias del Tribunal Superior de Justicia y de la Corte Suprema de Justicia, dictó entre los años 2003-2013, en juicios que involucran a los intereses de las personas LGBT. Se analizaron también las derivaciones de estos juicios en las leyes y las políticas públicas brasileñas.

Palabras clave: Identidades LGBT, Justicia, El multiculturalismo, Derechos en el estado, Cortes Supremas en Brasil.


RÉSUMÉ

Au Brésil, le mouvement social des gais, lesbiennes, bisexuels, travestis, transsexuels et transgenres (LGBT) a émergé pour lutter contre l'oppression historique subie par ces groupes. L'analyse des décisions des cours suprêmes brésiliens sur les demandes des groupes LGBT permet comprender approximativement comme l'état brésilien est positionné pour servir cette population. Les lois sont encore insuffisantes pour ces demandes. Et par conséquent, les solutions à leurs problèmes sont recherchés dans les tribunaux et les organismes publics. Cet article est basé sur la «lutte pour la reconnaissance" théorique et lutte pour la justice, préconisée par les multiculturalistes auteurs. Et il a l'intention d'analyser les principaux litiges en matière d'égalité des droits et de la reconnaissance pour les personnes LGBT. Il analyse les décisions des Cours suprêmes du Brésil, entre les années 2003-2013 dans les revendications portant sur les intérêts des personnes LGBT.

Mots clés: Identités LGBT, Justice, Multiculturalisme, Droits de l'Etat, Cours suprêmes au Brésil.


 

 

Introdução1

O reconhecimento de direitos para lésbicas, transexuais, gays, bissexuais, travestis e transgêneros nos Tribunais Superiores, impulsionado pelos movimentos sociais e por demais atores sociais, avançou consideravelmente na última década, rompendo certos dogmas tradicionais da Ciência Política e Jurídica. Todavia, esse processo de reconhecimento, mesmo após decisões judiciais notórias, não encerrou o debate sobre a efetivação de direitos aos LGBT. A questão desses direitos ainda mobiliza fortes embates políticos, entre grupos de interesse bastante distintos e envolvendo bases valorativas pouco negociáveis e muitas vezes bastante conflitantes, de tal modo que a temática é, ao nosso ver, pertinente à discussão na Psicologia Política.

Reconhecer é declarar a existência de algo, porém efetivar é tornar concreto aquilo para o qual algo se dispõe. Declaramos a igualdade, a dignidade, a liberdade, mas até que ponto somos capazes de criar meios para que esses princípios de fato se efetivem? No âmbito do "politicamente correto" o outro é "aceito", em muitos casos, somente porque a sua existência é transitória, e, assim, não sendo permanente, sua presença é meramente tolerada.

A efetivação de direitos pode soar como utopia, ao tomar como fato que a nossa sociedade jamais será uma sociedade de iguais e, em função disso, sempre buscaremos satisfazer nossas demandas de diferentes formas, colidindo interesses, opiniões e perspectivas. Walzer (2003), criticando o modelo de igualdade simples, salientava que uma sociedade de iguais era uma ideia desestimulante. E, por isso, ele defendia uma igualdade complexa, adequada em um estado de pluralismo social que levaria a pensar em estratégias diferenciadas, locais e subjetivas, de resolução de problemas e questões geradas na diversidade cultural.

O reconhecimento auferido pelos Tribunais, dessa forma, necessita de um olhar crítico, a fim de desvendar lacunas nesse processo. A maior parte dos processos analisados tinha como parte autora cidadãos que se utilizaram de serviços de advocacia privada na proteção de seus direitos. Ora, num contexto social profundamente marcado pela pobreza, e sendo o acesso à justiça, ainda, um privilégio, o recurso à advocacia privada nos diz um pouco de quais as pessoas LGBT que conseguem reivindicar e efetivar seus direitos nesse cenário de ainda pouca certeza legislativa e institucional sobre direitos a esse grupo de pessoas.

Como, então, efetivar a igualdade entre pessoas LGBT de uma forma que esse processo seja estendido ao maior número de pessoas de forma ampla e plural? Como evitar que as pessoas ora discriminadas, assumam ou reiterem posições que são reflexo de uma cultura de dominação, sem de fato alterar a realidade? Esses questionamentos nos colocam a questão da dominação, e especificamente da dominação cultural, ainda como central no que se refere aos LGBT.

Tomando como marco teorias multiculturalistas, interculturalistas e decoloniais, e pautando-se nos reclamos por direitos feitos por importantes movimentos sociais de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, ou identidades LGBT, o objetivo desse estudo foi averiguar o rol e a efetividade dos direitos direcionados à população LGBT nos últimos 10 anos pelos Tribunais Superiores do Brasil. Para tanto, foram analisados, neste estudo, os conflitos judiciais no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), de 2003 a 2013, envolvendo questões atinentes à realidade LGBT, no intuito de discutir criticamente demandas e direitos suscitados a essa população, sob a ótica da luta por reconhecimento, da não discriminação e da justiça.

A metodologia se constituiu na análise qualitativa de casos envolvendo questões LGBT, levados ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), nos últimos dez anos (2003-2013). Os dados analisados nesta pesquisa foram os coletados nos sítios do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal, no período de 01 de janeiro de 2003 a 31 de março de 2013, por meio de expressões de busca como "homossexualidade"; "lésbica"; "união civil entre pessoas do mesmo sexo"; "união homoafetiva"; "homofobia"; "travesti"; "transexual". Na coleta feita no domínio do sítio do STJ (<http://www.stj.jus.br/>) foram encontrados, nesse período: 36 Acórdãos; 91 Decisões Monocráticas; doze Informativos de Jurisprudência; num total de 139 documentos analisados. Na coleta feita no domínio do sítio do STF (<http://www.stf.jus.br>) foram encontrados: cinco Acórdãos; duas Decisões da Presidência; 35 Decisões Monocráticas; duas Repercussões Gerais; quatro Informativos (quatro repetidos); no total de 48 documentos analisados. Além disso, analisaram-se bibliografias, dados e relatórios sobre o tema da cultura e da homosexualidade, na primazia de um estudo transdisciplinar com os demais campos do conhecimento, a fim de se verificar correspondências entre elementos de subjetividade e psicologia dos grupos e indivíduos e a cultura política, para fins de configurar um estudo de psicologia política.

Este trabalho nasceu a partir de um projeto de pesquisa, financiado pelo Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), intitulado "Pluralismo Jurídico, Multiculturalismo e Democracia Latino-Americanos: seus reflexos na legalidade, nas políticas públicas e na jurisprudência superior do Estado brasileiro atual (2005-2015)", o qual objetiva investigar os efeitos já alcançados na legalidade, no teor das decisões judiciais, e nas políticas públicas das propostas teóricas e práticas multiculturalistas e pluralistas no estado brasileiro. Assim, parte-se da premissa de que os processos judiciais constituem importante fonte de dados, os quais revelam um espaço de agência política do qual se valem pessoas e movimentos sociais LGBT.

 

O Multiculturalismo e as Questões LGBT

Em uma das suas principais obras, As fontes do Self, Charles Taylor (2009) questiona o caráter monológico da identidade e do reconhecimento modernos, gerados em torno do individualismo e do utilitarismo, afirmando que o individualismo moderno colocou a pessoa, ao menos em potencial, como aquela centrada em si, quase que isolada dos demais. Contra isso, sua tese é a de que existe um estreito e inafastável vínculo entre as diferentes condições de identidades, e que estas se expressam e se constituem na interlocução necessária com os demais seres humanos e comunidades. Se essa interlocução recupera a dignidade e a igualdade, as identidades por elas constituídas serão sãs; do contrário, haverá sérios problemas constitutivos dos modos de ser e se perceber sujeitos.

Em sociedades multiculturais como a sociedade brasileira, a questão do "reconhecimento da diferença" contra a dominação cultural, tem sido o principal conflito do século XXI (Fraser, 2006). Para tal reconhecimento, não basta afirmar ideológica e hipoteticamente que todos são iguais abstratamente, tampouco se admite o não falar sobre algo (a invisibilidade é uma forma de discriminação), mas são necessárias estratégias sociais, políticas públicas e direitos subjetivos para efetivar esse reconhecimento.

E, dada a complexidade que tal reconhecimento envolve, Nancy Fraser (2007) lembra que se o refletir sobre as reivindicações pelo reconhecimento da diferença através do caso a caso acaba por levar em conta identidades específicas e particularidades dos sujeitos, é necessário também um paradigma de justiça que recupere padrões institucionalizados de reconhecimento e de valoração cultural, no intuito de assegurar a real igualdade de oportunidade de estima social. Trata-se da "condição intersubjetiva" de paridade participativa, a fim de excluir normas institucionalizadas que sistematicamente depreciam algumas categorias de pessoas e as características associadas a elas.

Young (2000), ainda, defende que, em casos de grupos historicamente oprimidos, como é o caso de identidades LGBT que aqui estudamos, direitos diferenciados de proteção e de benefício podem ser necessários, e de certa forma, precisam ser legitimados para equilibrar desigualdades historicamente constituídas e no intento de propiciar uma condição de voz pública real e de acesso aos bens sociais de fato paritários. Os direitos diferenciados, de que trata Young (2000), justificar-se-iam em um novo sentido de justiça; esta que, intimamente correlacionada com uma política verdadeiramente democrática, ao invés de se concentrar apenas em questões distributivas, supostamente neutras e imparciais, deveria começar a abrir ensejo a que sejam discutidas e, assim, dissolvidas, as condições de dominação e opressão institucionalizadas.

Essas críticas e ideias podem ser utilizadas para analisar a condição de reconhecimento ou não, pela sociedade, do grupo de pessoas Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, ou simplesmente pessoas LGBT. Essas pessoas envolvem, atualmente, várias identidades às quais não se encerram num grupo, pois a cada interlocução estabelecida com os demais, elas acabam por se reinventar e se transformar, além da própria heterogeneidade que seus grupos possuem. Ainda assim, pode-se falar em um conjunto de demandas LGBT, estas que compartilham entre si a pauta de luta pelo reconhecimento e pela ruptura da cultura homofóbica.

Uma das lutas por reconhecimento da população LGBT é a busca pela efetivação de direitos, no âmbito do Poder Judiciário e no plano normativo. Luta travada por movimentos sociais organizados, militantes, ONGs, associações, juristas, além daqueles que, no dia a dia, resistem aos discursos dominantes homofóbicos e excludentes em nossa sociedade. Aliás, nas últimas décadas, a pressão organizada de tais atores somada a um consenso nas organizações internacionais de Direitos Humanos tem mobilizado opinião pública e Estados a criarem e efetivarem direitos e políticas públicas para essa população. No contrapondo, acendem-se resistências de grupos mais conservadores em cada país, (re)produzindo, assim, acentuadas conflitualidades em nosso cenário político.

Esses conflitos se evidenciam no Judiciário e nas mobilizações sociais. Se, segundo Maria da Glória Gohn (2011), os movimentos sociais representam "ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam formas distintas de a população se organizar e expressar suas demandas" (Gohn, 2011:335), no caso do Movimento LGBT este tem promovido diagnósticos da realidade sociocultural homofóbica, construído propostas, e empoderado os sujeitos a reclamar por justiça, dignidade pública e políticas sociais.

No Brasil, o movimento social LGBT, enquanto movimento social organizado nasceu na década de 1970, sendo que Facchini e Simões (2009) dividem esse movimento de acordo com o que eles chamam de "ondas" ou "momentos". A primeira onda seria marcada pelo fim do regime militar no Brasil, também chamado de período de "abertura política". Segundo Facchini (2003), essa primeira fase constitui-se revolucionária, não somente pelas pautas políticas, mas também por visar uma igualdade entre os seus membros, que aos poucos ajudou a construir uma identidade do movimento social LGBT. A segunda onda, continua o autor, seria a do período de redemocratização em fins da década de 1980, quando se acentua a participação do movimento social LGBT no cenário público. E, por fim, a terceira onda teria ocorrido durante a década de 1990, quando se inicia um conjunto de relações com instituições estatais e não estatais.

Acredita-se que, atualmente, vive-se uma quarta onda desse processo, na qual, tanto no Brasil, quanto em demais contextos democráticos, busca-se a realização de direitos LGBT para que esses ultrapassem o mero formalismo discursivo, e, quiçá legal, e sejam condições, de fato, efetivadas.

 

A Questão LGBT nos Tribunais Superiores do Brasil

Pode-se afirmar, analisando alguns direitos já conquistados pelas pessoas LGBT, que um dos meios mais utilizados para que pessoas LGBT conquistem seus direitos, bem como a efetivação dos já existentes, tem sido através das decisões de tribunais e órgãos administrativos. Os tribunais, por sua vez, têm se valido da interpretação de princípios jurídicos constitucionais e de normas de direitos humanos para legitimarem a existência e a necessidade de direitos aos LGBT. Através dos dados coletados no STJ e STF, no período de 2003 a 2013, a primeira constatação é a de que a maioria dos conflitos judiciais em que figuram gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transgêneros e transexuais se referem a ações de reconhecimento da vida em comum, através da instituição da união estável. As decisões têm afastado a necessidade do caráter "diversidade entre os sexos" para configurar uma união estável2 e, assim, os tribunais têm reconhecido a união estável de pessoas de mesmo sexo, desde que sejam demonstrados: convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituir família e ausência dos impedimentos ao casamento (previstos no art. 1.521 do Código Civil de 2002). O reconhecimento dessas uniões teve início na migração da competência das ações das pessoas LGBT dos juizados cíveis (que equiparava a união homoafetiva a uma sociedade de fato, de índole econômica) para os juizados especializados em Direito de Família (que a equiparava e julgava segundo os critérios da familialidade). Essa migração foi uma iniciativa do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul e se estendeu para os outros estados com base na interpretação de alguns princípios constitucionais3.

A partir dos anos 2000, foram feitas reformas normativas (mais de cunho administrativo, que propriamente legislativo) em algumas questões de interesse para uniões de mesmo sexo. Em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal, através da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 4277 (ADI 4277/2011) e da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132 (ADPF nº 132/2011), decidiu o Supremo Tribunal por estender o regime jurídico da união estável às uniões de mesmo sexo a todos os estados da federação brasileira. Para essa inclusão, a ADI nº 4277/2011 e a ADPF nº 132/2011 se fundamentaram em princípios constitucionais afirmando que o não reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo implicaria em violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), da proibição de discriminações odiosas (art. 3º, inciso IV), da igualdade (art. 5º, caput), da liberdade (art. 5º, caput), e da proteção à segurança jurídica. Na interpretação do Supremo, as discriminações odiosas são vedadas no texto constitucional pelo art. 3º, inciso IV que afirma o dever de: "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação"; o princípio da segurança jurídica, também chamado de princípio da proteção à confiança, foi citado pela ADI nº 4277/2011 e ADPF nº 132/2011 para conferir a possibilidade de os casais homoafetivos usufruírem de direitos e garantias constitucionais com tranquilidade e estabilidade4. Foi essa ideia de segurança jurídica, aliás, que possibilitou a exigência aos cartórios de registro civil para que passassem a registrar a declaração de união civil entre pessoas de mesmo sexo. Contudo, autorizado o registro da união estável, permanecia a insegurança quanto à conversão desse instituto em outro - o do casamento civil.

Tais conflitos foram apaziguados pela Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013, aprovada durante a 169ª Sessão Plenária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a qual estabeleceu que os cartórios de todo o País não poderiam mais recusar-se à conversão da união civil em casamento. E, além disso, possibilitou a celebração de casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo. O reconhecimento do instituto do casamento civil para pessoas de mesmo sexo ainda gera polêmicas, pois a sua base sociocultural, e consequentemente, a psicologia política de seus atores parlamentares, é a do casamento católico-romano que impõe a diversidade entre os sexos para conceber a união, além da necessidade de procriação, entre outros princípios, os quais, segundo Louro (2009), tem engendrando práticas individuais e comportamentos de constante negação a outras formas de expressão sexual, tidas como ilegítimas e moralmente impuras. Contudo, o princípio político da laicidade pública, incumbe ao Estado o dever de afastar de suas decisões políticas a influência religiosa, e tal polêmica pode, em função disso, ir perdendo legitimidade, apesar das resistências de alguns atores políticos institucionais.

Como o reconhecimento da união estável e do casamento civil, também surge um número expressivo de ações a respeito da dissolução das uniões de mesmo sexo e a consequente meação dos bens, guarda de filhos, pensão aos cônjuges entre outras questões correlatas ao fim dessas relações. Analisando os julgados, verificou-se que, em sua maioria, o judiciário tem reconhecido o direito à meação dos bens adquiridos a título oneroso na constância do relacionamento, ainda que eles tenham sido registrados em nome de apenas um dos parceiros, não se exigindo a prova do esforço comum, que, nos casos em análise, está presumido5.

Nas decisões referentes a direito previdenciário envolvendo pensão post mortem, o próprio Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), tratando da matéria, regulou, através da Instrução Normativa nº 25 de 07/06/20006, os procedimentos com vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual, para atender a determinação judicial expedida pela juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficácia erga omnes (para todas causas idênticas)7.

A Instrução Normativa do INSS nº 45, de 2010, em seu art. 25, ratificou, definitivamente, esta situação, proclamando que:

[...] por força da decisão judicial proferida na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, o companheiro ou a companheira do mesmo sexo de segurado inscrito no Registro Geral da Previdência Social, integra o rol dos dependentes e, desde que comprovada a vida em comum, concorre, para fins de pensão por morte e de auxílio-reclusão, com os dependentes preferenciais de que trata o inciso I, do artigo 16, da Lei nº 8.213/1991, para óbito ou reclusão ocorridos a partir de 05 de abril de 1991, conforme o disposto no art. 145 do mesmo diploma legal. (INSS, 2010)

A possibilidade de adoção por casais de mesmo sexo também tem sido suscitada no Superior Tribunal de Justiça. O problema tem sido os registros dessas filiações. A manutenção da possibilidade do registro de adoção a um casal de mulheres gaúchas pelo STJ8, em abril de 2010, constituiu fato marcante na conquista de direitos pela população LGBT. Nesse caso, a habilitação para a adoção havia sido conferida em 2006 pelo TJ/RS, todavia, o MPF gaúcho exigiu a sua anulação.

Com o primeiro caso de reconhecimento da possibilidade de adoção por um casal de mesmo sexo (para ambos e não apenas para um dos cônjuges), abriu-se precedentes para que outros casais ingressassem na justiça e pleiteassem o mesmo direito.9 Nessa questão, destacase o Recurso Especial nº 1199667/MT (STJ), Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgado em 19/05/2011 pela Terceira Turma (T3), referente à "Ação de Reconhecimento de União Homoafetiva post mortem", na qual o parceiro pleiteava a adoção de uma criança, adotada pelo parceiro falecido, que estava abandonada numa instituição. Consta na decisão que o futuro da criança, portadora de vírus HIV, seria crescer na instituição, não fosse ela ter encontrado uma família substituta a qual lhe concedia direitos básicos como: amor, carinho, atenção, saúde, escola e tudo o mais que toda criança deve ter. De acordo com um trecho coletado da decisão: "A dor gerada pela perda prematura do pai adotivo, consideradas as circunstâncias de abandono e sofrimento em que essa criança veio ao mundo, poderá ser minimizada com a manutenção de seus referenciais afetivos [...]" (STJ, 2011:564-565).

A respeito da possibilidade de alteração do prenome de travestis, transexuais e transgêneros, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), através de interpretação conjugada dos arts. 55 e 58 da Lei nº 6.015/73, tem conferido amparo legal para que transexuais operados obtenham autorização judicial para a alteração de seu prenome, substituindo-o pelo nome público e notório pelo qual são conhecidos no meio em que vivem10. E, atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece a cirurgia de transgenitalização àqueles que possuem incompatibilidade com o sexo anatômico ou o sentimento de pertencimento ao sexo oposto ao de nascimento, além de todo o processo a respeito ao nome social do paciente e do acompanhamento terapêutico11. Mas o uso do nome social também tem sido discutido em face da desnecessidade de tal cirurgia. Nessa época em que os fundamentalismos religiosos tomam força e que "curas" para as diferentes expressões da sexualidade aparecem como solução às "sexualidades desviantes" das psiques doentes, questões como o reconhecimento e a proteção às diversas manifestações de gênero tornam-se pautas de absoluta relevância social (Louro, 2009). A sexualidade possui desdobramentos que não se restringem ao direito à saúde de qualidade, mas também ao direito de exercer de maneira livre e responsável, a autonomia sobre o próprio corpo.

O direito a controlar o próprio corpo - seja para proteger sua integridade ou para desfrutar seus prazeres - não é algo "supérfluo" [...]. É um dos mais básicos de todos os direitos, pois se não temos a possibilidade de evitar que nossos corpos sejam violados por outras pessoas, se nos negam a oportunidade de nos proteger da gravidez e da doença, como poderemos participar dos outros benefícios do desenvolvimento ou mesmo exigi-los? (Cornwall & Jolly, 2008:34)

Dada a complexidade da questão, que não envolve apenas a inclusão ou retirada de um órgão, a necessidade de cirurgia tem também sido discutida como dispensável para alteração do prenome (TJ/SP, APL 0016069-50.2013.8.26.0003, Ac. 7325171, 5ª C. Dir. Priv., Rel. Des. James Siano, j. 05/02/2014), tal como foi também afirmado na política pública do Estado do Rio Grande do Sul, criada a partir do Decreto nº 49.122, de maio de 2012, em que travestis, transexuais e transgêneros do Estado puderam usufruir de seu nome social nos órgãos e entidades do Poder Executivo12. A emissão das carteiras iniciou em agosto daquele mesmo ano quando o Instituto Geral de Perícias (IGP), por meio de uma parceria das Secretarias da Justiça e dos Direitos Humanos (SJDH) e da Segurança Pública (SSP), dentro do "Programa RS Sem Homofobia", passou a confeccionar as carteiras de identidade com o nome social. Contudo, até a presente pesquisa, essa possibilidade se restringia aos Estados do Rio Grande do Sul, Pará e São Paulo, deixando, nos outros estados, o constrangimento aos sujeitos de serem identificados por uma identidade diversa da que mantêm no convívio social, algo que afeta um conjunto de relações construídas pelo sujeito em sua constituição identitária (no sentido de identidade evocado por Taylor).

Na questão da violência homofóbica, as pressões dos movimentos sociais LGBT, e o compromisso assumido pelo Brasil na Ordem Internacional13 têm levantado a gravidade do problema desta forma de violência. Daniel Borillo (2010) verifica a "homofobia" abordada em duas correntes: uma delas salienta a dinâmica subjetiva desencadeadora da homofobia (medo, aversão, rejeição); outra corrente sublinha as raízes sociais, culturais e políticas discriminatórias, em virtude da institucionalização da heterossexualidade como parâmetro de normalidade na nossa sociedade.

Interessa-nos a questão da discriminação odiosa contra pessoas LGBT enquanto fenômeno social e de psicologia política, geradora de conflitos entre atores político e sociais de diversos grupos de interesse, no qual essas pessoas sofrem algum tipo de violência direta ou indireta em função da expressão de seu gênero ou de sua sexualidade, e não apenas como um problema indivual de rejeição pessoal por estilos de vida diversos, haja vista que a homofobia, em nosso país, tem escala sociocultural e de psicologia política. De acordo com a pesquisa divulgada no 2º Relatório Sobre Violência Homofóbica 2012 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR, 2012), travestis e transexuais foram as mais vitimizadas pela violência homofóbica entre 2011 e 2012, representando um índice de 51,68% do total; seguido por gays 36,79%; lésbicas 9,78%; heterossexuais e bissexuais 1,17% e 0,39%, respectivamente. No ano de 2011, as travestis correspondiam a 50,54% das vítimas; seguidas pelos gays 36,5%; lésbicas 6,7%; heterossexuais e bissexuais 2,3% e 0,84%, respectivamente. O Relatório aponta a invisibilização social das travestis e transexuais, bem como a subnoticiação pelas grandes mídias, como possíveis causas dos índices de violência.

No âmbito da legalidade, a criminalização da discriminação odiosa contra pessoas LGBT fora alvo do Projeto de Lei da Câmara nº 122 de 2006 (PLC 122/06), apresentado pela Deputada Federal Iara Bernardi, em 2001, como Projeto de Lei nº 5003. O objetivo do projeto era alterar a Lei nº 7.716 (Lei do Racismo), de 05 de janeiro de 1989, o Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal) e o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho - CLT) para definir os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, estabelecendo tipificações e delimitando as responsabilidades do ato e dos agentes. O projeto de lei continua no Congresso desde então. Atualmente, discriminar alguém por força da sua orientação sexual, identidade de gênero, condição de pessoa idosa ou condição da pessoa com deficiência não constitui crime específico no Brasil, tal como é o crime de racismo.

Em 17 de abril de 2009, instalou-se no Recife, no Estado de Pernambuco, a primeira Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PE), para elaborar um projeto legislativo com o objetivo de criar e estender direitos à população LGBT, além de capacitar os advogados do Brasil perante o novo cenário fruto do acesso dos LGBT à justiça. Em agosto de 2011, a Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB apresentou o anteprojeto do Estatuto da Diversidade Sexual. Na II Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT, em dezembro de 2011, aprovou-se moção de apoio ao Estatuto da Diversidade Sexual por diversos ativistas, movimentos sociais, entre outros agentes políticos, decidindo também pelo envio do projeto à Câmara Federal através de iniciativa popular. Apesar de não existir tipificação legal da conduta homofóbica, esse tipo de comportamento tem merecido apreciação dos tribunais14 ao qualificar certos crimes devido à sua gravidade.

Atualmente, a criminalização da homofobia talvez seja a principal demanda discutida pelo movimento social LGBT com os demais setores da sociedade, pois erradicar discriminações odiosas contra a população LGBT é um grande desafio, haja vista que esta, ao mesmo tempo em que busca a igualdade entre os indivíduos, clama pelo reconhecimento social de identidades e pela erradicação de elementos estruturais de discriminação. Mas, criminalizar não basta. Primeiro é necessário identificar esses discursos na sociedade, compreender a sua dimensão, e então, proceder na sua desconstrução ou ressignificação. Em 2004, a partir de uma série de discussões entre a SDH/PR e sociedade civil, foi lançado o Programa "Brasil sem Homofobia", este que, segundo informações no site da SDH/PR, busca o reconhecimento da cidadania LGBT através do combate às discriminações por orientação sexual ou identidade de gênero, além de outros motivos como raça, etnia, religião, opinião política, e é constituído de diversas ações, dentre elas, as voltadas para o apoio em projetos de fortalecimento de instituições públicas e não-governamentais que atuam na promoção da cidadania LGBT, no combate à homofobia, na capacitação para profissionais e representantes do movimento social que atuam nessa esfera, na disseminação de informações sobre direitos, no incentivo à denúncia de violações dos Direitos Humanos da população LGBT, entre outros. A partir do Programa "Brasil sem Homofobia" surgiu o Projeto "Escola Sem Homofobia". Segundo informações do Ministério Público Federal, no site da UNESCO:

O Projeto Escola Sem Homofobia, apoiado pelo Ministério da Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (MEC/SECAD), tem como objetivo "contribuir para a implementação do Programa Brasil sem Homofobia pelo Ministério da Educação, através de ações que promovam ambientes políticos e sociais favoráveis à garantia dos direitos humanos e da respeitabilidade das orientações sexuais e identidade de gênero no âmbito escolar brasileiro" (Ministério Público Federal, Unesco, 2012:1).

O material educativo do Projeto "Escola sem Homofobia" se destinava à formação de professores, dando a estes subsídios para trabalharem com o tema diversidade sexual e de gênero no ensino médio. Trata-se de um conjunto de instrumentos pedagógicos que visam à desconstrução da imagem estereotipada de gays, lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros a fim de contribuir para o convívio democrático da diferença.

O Projeto visava cumprir com um dos objetivos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Resolução nº 16, FNDE) em adotar práticas pedagógicas e conteúdos curriculares que contemplem e respeitem as diversidades relativas ao gênero e à sexualidade. Segundo o Ministério da Educação (MEC, 2012), a discriminação contra LGBT restringe-lhes desde os mais básicos direitos de cidadania até a livre expressão afetivo-sexual e de gênero. No entanto, em maio de 2011, após pressões da bancada religiosa congressista, o "Projeto Escola sem Homofobia" foi vetado pela Presidente Dilma Roussef. Segundo entrevista com Rebeca Ontero, representante oficial de educação preventiva da UNESCO (2012), quando uma política pública está ancorada em bases científicas, evita-se que seja questionada. No entanto, no caso do "Projeto Escola sem Homofobia" o veto se deu por motivos políticos, desconsiderando o problema que a homofobia desencadeia nas escolas. Nem o amparo de estudos qualitativos sobre discriminação sexual e de gênero nas escolas, nem apoio de organizações como a UNESCO foram suficientes para permitir a concretização do Projeto em mais de seis mil escolas pelo Brasil.

 

Considerações Finais

Examinar a jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre a questão LGBT, não se trata de um trabalho fácil. Devido à popularização na academia, nas mídias, entre outros espaços, das conquistas no cenário jurídico dessa população, muitas vezes, a luta é dada como ganha. Todavia, essa, às vezes, é mais uma realidade discursiva que uma constatação concreta na vida dos sujeitos afetados. Nesse trabalho, analisaram-se demandas como reconhecimento de união estável e casamento; direito à adoção; ao reconhecimento de nome social; direitos previdenciários; busca pela redução da discriminação odiosa, entre outros.

Procurou-se no desenvolvimento do trabalho, tomar a jurisprudência, no seu conjunto de decisões, como dados. Dados que nos revelaram o progresso da interpretação dos Tribunais Superiores em certos aspectos da realidade LGBT, mas, também, como denunciadores de um reconhecimento jurídico que ainda é caso a caso, e que, por isso, tende a ser uma vitória parcial, porosa às circunstâncias e insegura na sua generalização. Percebeu-se que o poder jurisdicional tem se antecipado diante da falta de legalidade e de políticas públicas com meios efetivos de realização, o que é um ganho, pois a sensibilização judicial é uma importante arma na efetivação de direitos e políticas públicas que sem isso ficariam apenas no papel, mas é um ganho relativo, pois está condicionado ao acesso de cada interessado, com todos os custos que isso implica, na esfera judicial para efetivar sua condição social e pessoal. Mas, as ações judiciais têm dado visibilidade às causas LGBT e apontado para uma legitimação estatal das demandas das pessoas desse grupo. E aí, o Judiciário tem sido estratégico para as pessoas LGBT, e o protagonismo dessa esfera do poder estatal tem sido evocada para "puxar" a elaboração de leis e de políticas públicas. Saliente-se, porém, que não se tem a pretensão nesta constatação de encerrar a justiça na lei, principalmente quando essa se tornou, por si só, insuficiente para solucionar as dissonâncias em sociedades multiculturais, como a brasileira. Sem dúvida, a maneira mais eficaz de, a médio e longo prazo, promover esse reconhecimento e justiça é o processo de desconstrução de uma cultura sedimentada na discriminação aos LGBT. Essa discriminação perpassa inúmeras esferas, o que exige um trabalho incessante do Estado em parceria com a sociedade civil. A importância de instituições criadas pelo Estado em parceria com a sociedade civil a fim de garantir o acesso à cidadania e na redução de discriminações odiosas contra a população LGBT é inquestionável.

O trabalho do movimento social LGBT e demais atores sociais envolvidos nessa questão é uma luta constante. Envolve o embate com discursos de dominação que sedimentam discriminações odiosas às pessoas LGBT e a necessidade de pensar políticas públicas, estratégias e mecanismos de transformação social.

 

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Recebido em 27/01/2015.
Revisado em 02/07/2015.
Aceito em 29/08/2015.

 

 

1 O estudo do qual derivou este artigo final foi premiado no 9º Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero, em 2014, promovido pela ONU Mulheres, em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM/PR), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCTI) e o Ministério da Educação (MEC), com o texto de título "A Questão LGBT Através das Decisões Dos Tribunais Superiores do Brasil". (resultado da premiação. Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/?noticias=25-02-14-sai-o-resultado-do-9o-premio-construindo-a-igualdade-de-genero>).
2 Informativo nº 0366, do STJ, o qual afastou o impedimento jurídico ao admitir a possibilidade jurídica do pedido de reconhecimento de união estável entre homossexuais.
3 Desde os anos 2000, são competentes para julgar as ações envolvendo uniões de mesmo sexo as varas de família e também as câmaras especializadas em direito de família conforme se observam os seguintes precedentes: Conflito de Competência nº 70000992156, Oitava Câmara Cível, TJ/RS, relator: José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 29/06/2000; Recurso Especial nº 827962/RS, STJ, Recurso Especial nº 2006/0057725-5, Relator: Ministro João Otávio de Noronha (1123), julgamento: 21/06/2011, órgão julgador: T4 - Quarta Turma, publicação: DJE 08/08/2011; Medida Cautelar nº 19.512 - RJ (2012/0119669-0), STJ, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, publicação: 01/08/2012; Agravo em Recurso Especial nº 757 - DF (2011/0035435-9), STJ, Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti, publicação: 07/08/2012; Agravo de Instrumento nº 1.247.549 - MT (2009/0214352-4), STJ, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, publicação: 25/05/2010; Recurso Especial nº 465688/RN - RN, STF, Relator: Ministro Dias Toffoli, julgamento: 02/02/2010, publicação DJE-040, divulgado em 04/03/2010, publicado em 05/03/2010. Além disso, destaque o informativo nº 0484, STJ, o qual trata da competência da vara de família para o julgamento de ações sobre união estável entre pessoas de mesmo sexo.
4 STF. Recurso Especial nº 598.099, Relator Ministro Gilmar Mendes, Plenário, com repercussão geral. Julgado em 10/08/2011.
5 Recurso Especial nº 1.085.646-RS, STJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgamento: 11/05/2011, órgão julgador: T3 - Terceira Turma, publicação: DJE 26/09/2011; Recurso Especial nº 930460/PR, Recurso Especial nº 2007/0044989-0, STJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgamento: 19/05/2011, órgão julgador: T3 - Terceira Turma, publicação: DJE 03/10/2011; Recurso Especial nº 1085646/RS, Recurso Especial nº 2008/0192762-5, STJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgamento: 11/05/2011, órgão julgador: S2 - Segunda Seção, publicação: DJE 26/09/2011. Além disso, destaque para o Informativo nº 0472, STJ, a respeito do direito à meação dos bens adquiridos a título oneroso na constância da união estável de pessoas mesmo sexo, ainda que eles tenham sido registrados em nome de apenas um dos parceiros. A respeito da exigência da prova do esforço comum na aquisição do patrimônio amealhado, cita-se: Recurso Especial nº 648763/RS, Recurso Especial nº 2004/0042337-7, STJ, Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha, julgamento: 07/12/2006, órgão julgador: T4 - Quarta Turma, Publicação: DJ 16/04/2007:204, RSTJ vol. 206:336; Recurso Especial nº 773136/RJ, Recurso Especial nº 2005/01316656, STJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgamento: 10/10/2006, órgão julgador: T3 - Terceira Turma, Publicação: DJ 13/11/2006: 259 RNDJ vol. 86: 86.
6 Pela Instrução Normativa do INSS/DC nº 57, de 10 de outubro de 2001, em seu Art. 20, reconheceu ao companheiro ou a companheira homossexual de segurado inscrito no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) como integrante do rol dos dependentes para fins de recebimento de benefícios previdenciários, tais como a pensão por morte e o auxílio-reclusão.
7 Recurso Especial nº 395904/RS, STJ, Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa, julgamento: 13/12/2005, órgão julgador: T6 - Sexta Turma, publicação: DJ 06/02/2006.
8 STJ. Recurso Especial nº 2006/0209137-4, Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Julgamento em 27 de abril de 2010.
9 A respeito do reconhecimento de adoção entre pessoas de mesmo sexo, vale citar as seguintes decisões procedentes: Recurso Especial nº 1281093/SP, STJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgamento: 18/12/2012, órgão julgador: T3 - Terceira Turma, publicação: DJE 04/02/2013; Recurso Especial nº 1199667/MT, Recurso Especial nº 2010/0115463-7, STJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgamento: 19/05/2011, órgão julgador: T3 - Terceira Turma, publicação: DJE 04/08/2011; Recurso Especial nº 889852/RS, Recurso Especial nº 2006/0209137-4, STJ, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, julgamento: 27/04/2010, órgão julgador: T4 - Quarta Turma, publicação: DJE 10/08/2010 RT vol. 903:146. Cuida-se do Informativo nº 0432, STJ, o qual trata da adoção de menores por casal de mesmo sexo.
10 A respeito da possibilidade de alteração do prenome de transexuais e transgêneros: Recurso Especial nº 737993/MG, Recurso Especial nº 2005/0048606-4, STJ, Relator: Ministro João Otávio de Noronha, julgamento: 10/11/2009, órgão julgador: T4 - Quarta Turma, publicação: DJE 18/12/2009, RBDF vol. 14: 116; Recurso Especial nº 1008398/SP Recurso Especial nº 2007/0273360-5, STJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgamento: 15/10/2009, órgão julgador: T3 - Terceira Turma, Publicação: DJE 18/11/2009 RMP vol. 37: 301 TJ/RS vol. 217:840; REsp nº 876672, STJ, Relator: Ministro João Otávio de Noronha, publicação: 05/03/2010; Sentença Estrangeira nº 2.149 - IT (2006/0186695-0), Relator: Ministro Barros Monteiro, publicação: 11/12/2006. O Informativo nº 0415, STJ, traz a discussão sobre a possibilidade de retificar registro civil no que concerne a prenome e a sexo, tendo em vista a realização de cirurgia de transgenitalização.
11 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. Informação disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=34017&janela=1>. Acesso em: 08 de setembro de 2013.
12 SJDH/RS. Notícia. Acessado em: 13 de maio de 2014 de: <http://www.sjdh.rs.gov.br/?model=conteudo &menu=1&id=1177&pg>.
13 Em termos de proteção contra formas injustificadas de discriminação geral, nos quais se enquadram as impetradas contra as pessoas LGBT, esta proteção já estava prevista em todas as Declarações e Convenções Internacionais de Direitos Humanos ratificadas pelo Brasil, notadamente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU, 1992), o Pacto São José da Costa Rica (OEA, 1992), e ainda outros tratados internacionais mais específicos, como a Declaração e Programa de Ação do Cairo (ONU, 1994) e a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância (ONU, 2001). Nesta última, aliás, o governo brasileiro foi um dos suscitadores da questão contra a homofobia, mas esta acabou sendo tratada no documento final, também, na forma geral de discriminação violenta.
14 Decisões acerca de violência homofóbica são encontradas nos Tribunais em análise, a saber: Habeas Corpus 110903, Medida Cautelar/DF, STF, Relator: Ministro Luiz Fux, julgamento: 17/11/2011, publicação: DJE-225, divulgado em 25/11/2011, publicado em 28/11/2011; e Habeas Corpus 219101/RJ,Habeas Corpus 2011/0223835-1, Relator: Ministro Jorge Mussi, julgamento: 10/04/2012. Órgão Julgador: T5 - Quinta Turma, publicação: DJE 08/05/2012.

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