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Revista Psicologia Política
versão impressa ISSN 1519-549Xversão On-line ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.17 no.39 São Paulo maio/ago. 2017
EDITORIAL
Revista psicologia política: reflexões metodológicas e conceituais e a internacionalização da psicologia política
Revista psicologia política: methodological and conceptual reflections and the internationalization of political psychology
Revista psicologia política: reflexiones metodológicas y conceptuales y la internacionalización de la psicología política
Revista psicologia política: réflexions méthodologiques et conceptuelles et l'internationalisation de la psychologie politique
Adolfo PizzinatoI; Aline Reis Calvo HernandezII; Conceição Firmina Seixas SilvaIII; Frederico Alves CostaIV; Frederico Viana MachadoV
IEditor. UFRGS - Brasil
IIEditor. UFRGS - Brasil
IIIEditor. UERJ - Brasil
IVEditor. UFAL - Brasil
VEditor. UFRGS - Brasil
Chegamos ao segundo número de 2017 em um ritmo acelerado de trabalho para regularizarmos a periodicidade da revista. Aos poucos avançamos para cumprir os objetivos que incluímos em nossa proposta de trabalho, com a qual concorremos à editoria da Revista Psicologia Política em 2015. Buscando superar algumas insuficiências que foram apontadas, temos feito grande esforço para aprimorar nossos fluxos de comunicação, visando agilizar a troca de informações e ações coordenadas entre a revista, a direção da Associação Brasileira de Psicologia Política e seus associados, bem como destes com outros pesquisadores afinados com a linha editorial. Estamos constantemente em diálogo com a diretoria da ABPP e outros órgãos da comunidade acadêmica, que têm nos apoiado e respaldado o trabalho da revista. Também temos buscado interlocução com editores de outros periódicos, responsáveis por indexadores e sistemas editoriais com conhecimento na área em busca de informações que nos ajudem a melhorar a editoração de nossos artigos, nossas políticas editoriais e demais critérios para a qualificação deste periódico.
Também tem sido uma prioridade desta gestão o rigor e a celeridade na comunicação com os autores/as, leitores/as e pareceristas da revista, atores fundamentais deste processo, como sinalizamos no último editorial, visando garantir seu fluxo quadrimestral, e a qualidade dos processos editoriais. Para divulgar e ampliar o acesso à revista temos pesquisado novos pareceristas, de áreas diversas e regiões diversas do Brasil, enviado e-mails para grupos que podem se interessar pelo conteúdo da revista ou por publicar conosco, e também patrocinado postagens nas redes sociais para divulgar as publicações dos números mais recentes.
Interessados em contribuir para o desenvolvimento da Psicologia Política no Brasil e na América Latina, nossa candidatura buscou contemplar a necessidade de aprofundarmos a diversidade territorial e cultural, a internacionalização e as articulações interdisciplinares das investigações pertinentes a este campo. Assim, temos trabalhado para consolidar e aprimorar o trabalho realizado pelas gestões anteriores, mas buscando alternativas para a inovação das estratégias de divulgação científica.
No momento pelo qual passa a ABPP, caracterizado por um esforço de renovação de seus membros e consolidação institucional, consideramos que a revista pode e deve assumir um papel importante na efetivação dos objetivos da associação: congregação de grupos de pesquisa nacionais e internacionais, aproximação entre áreas do conhecimento, difusão de perspectivas críticas de análise dos fenômenos e processos políticos, articulação de atores de dentro e de fora da universidade, dentre outros. Assim temos trabalhado em algumas estratégias editoriais que aos poucos vão se materializar em números temáticos e chamadas para artigos com temas que compreendemos fundamentais para o desenvolvimento da Psicologia Política no Brasil.
Pretendemos também ampliar as articulações em rede por meio de convites a pesquisadores reconhecidos nas ciências humanas para a organização de números temáticos que agreguem pesquisas atuais inovadoras e interdisciplinares que dialoguem com o escopo da psicologia política. Cabe-nos ressaltar que Psicologia Política é entendida como um campo de conhecimento que não se restringe ao âmbito disciplinar da psicologia ou de qualquer outra disciplina, então a diversidade de áreas de conhecimento tem sido um de nossos critérios para a escolha dos pareceristas e divulgação das chamadas para artigos e publicações recentes.
Neste número, contamos com quinze artigos e duas resenhas, representando universidades das regiões sul, sudeste e nordeste do Brasil, além de pesquisadores do Peru, Argentina, Itália e Costa Rica. As universidades representadas são: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Centro Universitário Barão de Mauá, Centro Universitário Moura Lacerda, Universidade de Franca, Universidade de São Paulo/Ribeirão Preto, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Universidade de São Paulo, Universidade Federal Fluminense, Universidade Estadual Paulista - Campus Assis-SP, Universidade Federal de Santa Catarina, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal de Sergipe, Universidade Federal da Paraíba, Universidade Estadual de Campinas, Universidade Federal de Pernambuco, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Instituto Municipal de Ensino Superior de Catanduva, Università degli Studi di Milano-Bicocca (Itália), Facultad de Psicología de la Universidad de Iberoamérica (Costa Rica), Universidad Católica San Pablo (Perú) e Universidad Nacional de San Luis (Argentina).
O primeiro bloco de artigos está composto por três reflexões metodológicas relevantes para as pesquisas em psicologia política: os dois primeiros aportam contribuições sobre análises qualitativas e o terceiro sobre a perspectiva engessada dos comitês de ética em pesquisa com seres humanos. Intitulado A Escrevivência como ferramenta metodológica na produção de conhecimento em Psicologia Social, de autoria de Lissandra Vieira Soares e Paula Sandrine Machado, pesquisadoras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, traz uma perspectiva inovadora para pensarmos produção de conhecimento nas Ciências Humanas e Sociais, tecendo reflexões metodológicas baseadas no conceito de "escrevivências", de Conceição Evaristo. O trabalho toma como material empírico histórias de vida de mulheres negras e seus entrelaçamentos com a Política de Assistência Social. A contribuição deste aporte metodológico está em sua capacidade de denunciar, na produção científica hegemônica, o caráter branco e androcêntrico, com vistas a uma virada epistêmica e a produção de conhecimentos que se alimentem da força de uma ética engajada à militância nos escritos e movimentos políticos de mulheres negras e nas formas de resistência expressas nas trajetórias destas mulheres.
Pelos entremeios da Análise do Discurso: nos fios de Michel Pêcheux, é o segundo artigo, escrito por Ane Ribeiro Patti, vinculada ao Centro Universitário Barão de Mauá, ao Centro Universitário Moura Lacerda e à Universidade de Franca, Lucília Maria Abrahão e Sousa, da Universidade de São Paulo (Campus Ribeirão Preto) e Dantielli Assumpção Garcia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Este trabalho revisita a perspectiva de análise do discurso de MIchel Pêcheux, que recoloca no centro das teorizações a noção de sujeito, afetado pela ideologia e pelo inconsciente. Esta perspectiva segue relevante para pesquisas no campo da psicologia política, sobretudo por reconhecer que diversos objetos de estudo deste campo, sobretudo aqueles mais diretamente dissensuais, não podem ser tomados como objetos lógicos e formais, mas como relações de força que se transformam ao longo da história e que são intrinsecamente paradoxais.
O tema dos comitês de ética em pesquisa com seres humanos recentemente recebeu atenção de várias áreas de conhecimento e se tornaram um campo de batalha para pesquisadores, sobretudo para aqueles que trabalham com metodologias qualitativas e, mais ainda, para os que trabalham com temas polêmicos e com tensionamentos morais ou institucionais. O artigo Sobre o moralismo dos comitês de ética foi escrito por André Guerra, doutorando em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Lucia Marques Stenzel, Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, e Pedrinho Arcides Guareschi, que dispensa apresentações e atualmente é professor convidado do Programa de Pós Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O trabalho aborda a difícil função de institucionalizarem a ética, dimensão que os autores consideram contraditória e arredia a qualquer forma instituída e estanque de se manifestar. Argumentam que a lógica destes comitês vão contra o exercício da ética, pois cristalizam a "moral cientificista moderna", o que empobrece a capacidade crítica e transformadora das pesquisas.
Esta relevante contribuição traz para o campo do pensamento crítico em psicologia política e psicologia social argumentos que estão sendo desenvolvidos pelas ciências sociais e atualmente estão sendo enfrentados com novas legislações e posicionamentos de associações científicas que deliberaram contra a submissão dos pesquisadores que trabalham na perspectiva das ciências sociais aos protocolos do sistema CEP/CONEP, que está centrado nos moldes biomédicos da produção científica.
O segundo bloco reúne cinco artigos que articulam política e subjetividade na análise de temas cuja abordagem psicopolítica constitui uma estratégia privilegiada de análise. O quarto artigo deste número, primeiro deste bloco, está intitulado Saúde Coletiva e Movimento Social, e foi escrito por Hevelyn Rosa Machert da Conceição, que é psicóloga, especialista e mestre em Saúde Coletiva, atua como psicóloga no Sistema Único de Saúde desde 2010 e atualmente é doutoranda em Saúde pública da Universidade de São Paulo. A relação entre diferentes movimentos sociais da década de 1970 e o surgimento do campo da Saúde Coletiva é o tema deste artigo. Por meio de uma análise histórica do contexto e dos atores envolvidos com o sanitarismo no Brasil, a autora discute a criação deste campo de conhecimento e explicita a análise crítica e propositiva que extrapolava o campo da saúde. A heterogeneidade dos discursos ganharam sinergia no contexto da crise da saúde nos anos 1980 e uma narrativa reformista foi construída pelos atores coletivos envolvidos com a reforma sanitária, tanto aqueles provenientes da sociedade civil organizada, como os que surgem nos espaços acadêmicos e estudantis e de atuação profissional.
O quinto artigo, Políticas Marginais: Arte para além do binarismo barbárie ou civilidade, escrito por Iacã Machado Macerata, da Universidade Federal Fluminense, Luis Artur Costa e Rodrigo Lages e Silva, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, problematiza conceitos arraigados do pensamento sociológico, tais como as noções de Estado, de civilidade e de barbárie, conectando-os com a ideia atual de exclusão social e vulnerabilidade. Os autores se valem da obra do artista plástico Hélio Oiticica e do poeta Waly Salomão para se contraporem, recorrendo ao conceito "híbridos paradoxais", à oposição entre civilização e barbárie e à noção de que apenas aqueles vistos como bárbaros seriam os violentos e os que ocupam as categorias de risco, tais como imigrantes, refugiados, apátridas, toxicômanos entre outras. Esta operação, argumentam os autores, permite a passagem de uma Política do Estado para uma Política do Comum.
Em um momento no qual ganham proeminência debates sobre a crise do Estado, a crise da representação, alimentados no Brasil pelos protestos de junho de 2013 e a crise política instalada no país desde então, merecem destaque reflexões como as apresentadas neste artigo, para que possamos avançar sobre novos moldes cognitivos para o pensamento sociológico e psicopolítico e que busque-mos novas metodologias e formas de estudar os problemas políticos que estamos enfrentando na atualidade. Tais empreendimentos podem contribuir para pensarmos criticamente sobre as velhas instituições e identificarmos novos fenômenos coletivos e processos instituintes, e temos visto que as ciências sociais e os atores políticos tradicionais já demonstraram dificuldades para superar seu hermetismo às novas dinâmicas e configurações societárias.
O tema das juventudes tem sido frequente no fluxo de artigos da Revista Psicologia Política, o que indica sua relevância e atualidade, mas, sobretudo, a complexidade dos fenômenos que atravessam esse campo. As produções sobre juventudes cruzam diversos debates e conceitos, tais como cultura, estética e política, violências de diversas naturezas e variadas formas de opressão. Temos visto que as perspectivas psicopolíticas, em sua diversidade, são componentes indispensáveis nestes debates.
O artigo A Juventude Das Periferias Como Alvo da Violência: uma análise sobre enunciados difundidos pela sociedade brasileira, foi escrito por Ruth Tainá Aparecida Piveta, Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista (Campus Assis-SP), e Flavia Fernandes de Carvalhaes, Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista (Campus Assis-SP) e Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. O artigo apresenta um estudo que busca compreender a construção das juventudes no Brasil, no qual são problematizados discursos que atribuem aos jovens de periferias narrativas que os associam à noção de desvio, o que contribui para a naturalização do extermínio e da violência que incide sobre estes jovens. A análise está baseada nas obras "Os anormais" de Michael Foucault e "Homo sacer: o poder soberano e a vida nua" de Giorgio Agamben, e se vale de dados documentais e reportagens de jornais. São desconstruídos discursos atuais e bastante polêmicos que se estereotiparam por força de repetição, tais como "bandido bom é bandido morto", "fazer justiça com as próprias mãos". Nesta direção, são identificadas estratégias de resistência que ressignificam as identidades atribuídas e despertam a potência de jovens que insistem em produzir outras formas de existir.
O sétimo artigo deste número, Análise d'O anti-Édipo: Críticas de Deleuze e Guattari a Sigmund Freud, escrito por Rafael Leopoldo, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, é uma reflexão teórica que contribui para as discussões sobre política e subjetividade articulando elementos do pós-estruturalismo e da psicanálise. O autor toma o livro O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia, de Gilles Deleuze e Félix Guattari, com foco em 5 pontos: 1) o livro máquina; 2) a psiquiatria e a psicanálise; 3) a crítica ao desejo; 4) a crítica ao inconsciente; 5) e a centralidade do complexo de Édipo. Apesar de apontar as críticas contundentes que os filósofos fazem à psicanálise, o autor retoma a importância do diálogo entre ambas, e salienta que a filosofia, interpelada pela psicanálise, e a psicanálise, interpelada pela filosofia, podem potencializar os recursos interpretativos destas teorias. Esta contribuição é um esforço que consideramos importante no campo da psicologia política, pois podemos problematizar mais os elementos teóricos que definem noções de sujeito, de subjetividade e política e que irão, consequentemente, impactar nossa compreensão dos fenômenos sociais.
O último artigo deste bloco, escrito pelos pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Sérgio Dias Guimarães Junior, Vanessa Ribeiro de Oliveira e Alfredo Assunção Matos, e está intitulado Precarização do trabalho e efeitos subjetivos: interlocuções entre práticas de pesquisa. O artigo triangula os resultados de três diferentes pesquisas sobre precarização do trabalho, com vistas a observar os efeitos subjetivos destes processos, cada vez mais em curso nos sistemas produtivos atuais. Estas pesquisas envolvem elementos qualitativos e quantitativos e analisam variados contextos de trabalho. São desvelados contextos de flexibilização e precarização do trabalho, e a análise aponta que estas relações laborais tendem a instrumentalizar o fazer singular de cada sujeito, dificultar a formação de coletivos e movimentos de resistência que visam o reconhecimento de direitos e afirmam a criação de formas de trabalho que estejam a favor da vida em suas dimensões ético-políticas. Além disto, as entrevistas expressam sentimentos como o medo, a alienação, ou o sentimento de "não pertencimento", e outras formas de sofrimento laboral.
O terceiro bloco agrupa artigos sobre gênero e sexualidade, que sempre estiveram bastante representados no editorial deste periódico. O artigo Performatividade contra a precariedade: Modulações do sujeito político na obra de Judith Butler, de autoria de Felipe Dutra Demetri e Maria Juracy Filgueiras Toneli, da Universidade Federal de Santa Catarina, faz uma discussão sobre gênero e sexualidade, embora o argumento central esteja na comparação das diferentes noções de sujeito político presentes na obra de Judith Butler e quais são as diferentes modalidades de resistência e subversão da norma, implicadas em cada noção de sujeito. O texto aborda, no primeiro momento, as obras iniciais da autora, e na segunda parte as obras mais recentes. Se na primeira parte o foco era a noção de performatividade, como conceito central para a constituição do sujeito político, na segunda parte são abordadas questões como ética, reconhecimento e distribuição de precariedade. Para Butler, o fazer acadêmico e teórico é uma forma de resistência reflexiva e este artigo aponta, como elementos centrais para a compreensão do sujeito político na obra desta autora, que a agência política está presente mesmo dos sujeitos mais subalternizados, e é fundamental reconhecermos a capacidade de agência desses sujeitos. Na obra da autora, a lógica identitária é questionada e recentemente são identificadas proposições acerca da possibilidade de construção de uma política de coalizão entre os sujeitos tidos como precários.
O décimo artigo deste número, escrito por Michele de Freitas Faria de Vasconcelos (Universidade Federal de Sergipe), Jeane Felix (Universidade Federal da Paraíba), e Graziela Maria da Silva Gatto (Universidade Estadual de Campinas), está intitulado de Saúde da Mulher: O que poderia ser diferente? As autoras abordam as diferenças de gênero no cotidiano dos cenários do cuidado, por meio de cenas extraídas de trajetórias profissionais e acadêmicas. A discussão busca ampliar as possibilidades de significação para os termos mulher e saúde desnaturalizando práticas de cuidado atravessadas por discursos hierarquizantes e discriminatórios. As autoras apostam que a saúde das mulheres é influenciada pela interseção entre relações de gênero e territórios de vulnerabilidade, e que esta interseção precisa ser explicitada para qualificarmos a gestão e a atenção às mulheres nos serviços de saúde, aprofundando a humanização e a equidade.
O décimo primeiro artigo deste número, fechando este bloco sobre gênero e sexualidade, se intitula Genealogia do desquite no Brasil e foi escrito por Inês Helena Batista de Santana, Luis Felipe Rios e Jaileila de Araújo Menezes, pesquisadoras/es da Universidade Federal de Pernambuco. O artigo se ancora em narrativas de mulheres da Região Metropolitana do Recife/PE sobre o desquite e tenta tratar das experiências dessas mulheres de forma não essencialista, considerando seus contextos históricos e culturais, no período da instituição do desquite. Michel Foucault é o autor que fundamenta a noção de genealogia utilizada na pesquisa e que foi utilizada para analisar um fragmento de uma síntese comentada de uma ação de desquite lavrada no município de Feira de Santana/BA, no início do século XX. A análise revela a presença de fatores subjetivos e incoerentes nos autos do processo judicial que, longe de fazerem valer a lei, reafirmam a posição de "cidadão de segunda categoria" para as mulheres envolvidas em pedidos de desquite, e situam o poder judiciário como agente de ordenação e manutenção da dominação masculina.
No quarto e último bloco, apresentamos artigos que contam com pesquisadores de universidades estrangeiras. Historicamente a RPP tem investido na internacionalização de seus autores, pareceristas e leitores, já tendo publicado artigos de autores de diversas nacionalidades e que trabalham em universidades de vários países do mundo. Após os encontros de 2011 e 2012 da Associação Ibero-Latino-Americana de Psicologia Política (AILPP), alguns números da RPP foram organizados para dar visibilidade às produções relacionadas a esta associação, o que configura mais um esforço para a internacionalização de nossa linha editorial.
Nos alegra notar que atualmente temos recebido artigos de autores estrangeiros no fluxo contínuo da revista, indicando que estamos no caminho certo para a consolidação da revista no cenário acadêmico internacional. Outras iniciativas para ampliar a visibilidade e as articulações da revista no cenário internacional estão em andamento. O próximo número, por exemplo, é um número temático com discussões sobre metodologia que traz pesquisadores da Inglaterra, do México e do Brasil, com alguns artigos bilíngues, disponíveis em inglês e português.
O décimo segundo artigo, Algumas considerações sobre a possível atual relevância do conceito gramsciano de senso comum para a psicologia da política, traz uma parceria entre Francesco Paolo Colucci, da Università degli Studi di Milano-Bicocca, na Itália, e Leandro Amorim Rosa, doutorando da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor do Instituto Municipal de Ensino Superior de Catanduva. É desenvolvido um percurso histórico, em especial no que se refere à Itália, do papel contraditório e contrastante do pensamento de Gramsci na política e na cultura. São abordados motivos da descoberta tardia e da escassa valorização das ideias sobre senso comum desenvolvidas nos "Cadernos do Cárcere". Os autores questionam a atualidade das ideias apresentadas nessa obra e elaboram uma reflexão sobre suas possíveis contribuições para a política contemporânea, e levantam perguntas que podem ser trabalhadas a partir da relação entre as ideias de Gramsci, as propostas de Kurt Lewin, em particular a ideia de pesquisa-ação, e uma psicologia crítica e emancipatória.
Intitulado Predictores psicosociales que subyacen al pensamiento político: Un estudio en dos poblaciones universitarias costarricenses, o segundo artigo desse bloco, décimo terceiro deste número, foi escrito por Rafael Román Quirós, da Universidad de Iberoamérica, na Costa Rica, e pela pesquisadora Massiel Arroyo Sibaja, professora da Universidad de Iberoamérica e outras universidades da Costa Rica. Trata-se de um estudo quantitativo, com uma amostra de 196 estudantes de duas universidades na Costa Rica, sendo uma pública e uma privada, especializadas em ciências da saúde. A pesquisa toma como variáveis dependentes as atitudes sobre liberdade econômica (que representa a tradicional escala entre direita e esquerda) e autoritarismo, que pretendem representar o pensamento político. Estas variáveis escalares são então relacionadas a três variáveis independentes, sendo a primeira o nível de dominância social, a segunda a atribuição de religiosidade individual e a terceira a percepção da natureza humana. Os resultados mais significativos apontam uma relação entre a orientação para a dominância social e o autoritarismo, bem como alguma correlação entre religiosidade e autoritarismo, liberdade econômica e a percepção positiva da natureza humana. Reflexões como as aqui apresentadas podem indicar caminhos frutíferos para compreendermos a conformação dos discursos políticos atuais, que vem desafiando o pensamento político.
O décimo quarto artigo deste número, de Walter Lizandro Arias da Universidad Católica San Pablo, no Peru, leva o título de Un Cuestionario de Actitudes hacia la Política validado en habitantes de la ciudad de Arequipa, Perú. É também uma pesquisa quantitativa, que envolveu uma amostra de 875 pessoas, que descreve e analisa a construção e validação de um inventário intitulado "Cuestionario de Actitudes hacia la Política. Este questionário está dividido em dois fatores principais, Governabilidade e Participação Política. Este artigo apresenta os percentis indicados para validação e aplicação deste questionário para pesquisas no campo da psicologia política e áreas relacionadas. A criação deste questionário está pautada pela necessidade de enfrentarmos o desencantamento com a política, vivenciado como distanciamento ou passividade, frente aos temas e processos políticos. Os autores oferecem algumas pistas para isso, por exemplo, indicam que as atitudes com relação à política e a tomada de posicionamentos políticos estão relacionadas com a governabilidade. Deste modo, argumentam, se existem bons indicadores de governabilidade, é possível que haja uma atitude mais favorável para a política e maior interesse na participação política, o que pode se traduzir em adesões ideológicas.
Chegamos ao último artigo deste número, Psicología en la salud pública, de Adrian Carlos Manzi e Elio Rodolfo Parisi, pesquisadores da Universidad Nacional de San Luís, na Argentina. Este artigo aborda o "Plan Maestro de Salud 2014-2025", da cidade de São Luís, na Argentina, que versa sobre a atenção primária em saúde, e busca refletir sobre o campo de ação dos psicólogos na saúde pública. A pesquisa que fundamenta o artigo está estruturada em duas frentes, a epidemiologia e as políticas públicas. Os autores argumentam sobre a radicalidade da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade nesse campo de ação, no qual a psicologia da saúde deve, além de incluir a psicología clínica, a psicologia social comunitária e a psicologia comportamental, se conectar necessariamente com a educação, a medicina e outras disciplinas do campo da saúde.
Para fechar este número, trazemos duas resenhas. Primeiramente a resenha de um filme, "Era o Hotel Cambridge": Os Refugiados, corpos políticos, escrita por Paula Cesari Borges Bastos de Oliveira, doutoranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro, seguida da resenha de um livro, Resenha do Livro: Marx Hoje, Pesquisa e Transformação Social, de autoria de Paulo Henrique Furtado de Araújo, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Estas resenhas constituem reflexões instigantes para os interessados em psicologia política.
Importante informarmos que aos poucos estamos atualizando nosso Conselho Editorial e que, desde esse número, contamos com um Comitê Editorial que vem auxiliando na condução dos processos e decisões editoriais. Nosso Comitê está constituído pelas colegas Amana Mattos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Ilana Mountian, da Universidade de São Paulo, João Manuel de Oliveira, da Universidade Federal de Santa Catarina e do Instituto Universitário de Lisboa (Portugal), Aline Accorssi, da Universidade Federal de Pelotas e Patrícia Binkowski, da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul.
Reforçamos nossos agradecimentos a todos que contribuíram para a editoração deste número e para enriquecer a dinâmica da RPP.
Desejamos a todas/os uma boa leitura!