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Revista Psicologia Política
Print version ISSN 1519-549XOn-line version ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.17 no.39 São Paulo May/Aug. 2017
ARTIGOS
"Escrevivências" como ferramenta metodológica na produção de conhecimento em Psicologia Social
"Escrevivências" as methodological tool in production of knowledge in Social Psychology
"Escrevivências" como herramienta metodológica en la producción de conocimento em Psicología Social
"Escrevivências" comme outil méthodologique dans la production de connaissances em Psychologie Sociale
Lissandra Vieira SoaresI; Paula Sandrine MachadoII
IPsicóloga, Mestra em Psicologia Social e Institucional. Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). lissandra.soares@yahoo.com.br
IIDoutora em Antropologia Social. Professora adjunta do Departamento de Psicologia Social e Institucional - Instituto de Psicologia UFRGS. machadops@gmail.com
RESUMO
A partir da escrita de histórias de vida de mulheres negras e seus entrelaçamentos com a Política de Assistência Social, o artigo apresenta o conceito de "escrevivências", de autoria da escritora Conceição Evaristo, como método de investigação e produção de conhecimento nas Ciências Humanas e Sociais e, em particular, no campo da Psicologia Social. A produção de Evaristo aponta para o necessário incômodo que a escrita de mulheres negras precisa provocar no interior da produção científica hegemônica, marcadamente branca e androcêntrica, como um sinal da virada epistêmica em que essa produção se insere, bem como por sustentar a força de uma ética engajada à militância nos escritos e movimentos políticos de mulheres negras. Ainda, apresentamos análises realizadas a partir das histórias de vida de mulheres negras e seus percursos na política de Assistência Social. Por meio delas, são problematizados diferentes elementos, tais como aspectos relacionados à lógica de gestão dos corpos e à precarização da política de Assistência Social, mas também às margens de agência das usuárias diante do acompanhamento, aos seus movimentos de resistência e às trajetórias fugidias utilizadas por elas.
Palavras-chave: Escrevivências; Escrita feminina negra; Metodologia de pesquisa; Psicologia Social; Assistência Social.
ABSTRACT
From the writing of life's histories of black women and their entanglements with Social Care Policy, the article presents the concept of "escrevivências", written by the author Conceição Evaristo, as a method of research and production of knowledge in Human Sciences and Social and, in particular, in the field of Social Psychology. The production of Evaristo points to the necessary nuisance that the writing of black women must provoke within the hegemonic scientific production, markedly white and androcentric, as a sign of the epistemic turn in which this production is inserted, as well as for sustaining the strength of an ethics engaged in militancy in the writings and political movements of black women. Still, we present analyzes based on the life's histories of black women and their paths in Social Assistance policy. Through them, different elements are problematized, such as aspects related to the management logic of the bodies and to the precariousness of the Social Care Policy, but also to the margins of the users' agency in relation to the accompaniment, their resistance movements and the fugitive trajectories used by them.
Keywords: Escrevivências; Black female writing; Research Methodology; Social Psychology; Social Care Policy.
RESUMEN
A partir de la escritura de historias de vida de mujeres negras y sus entrelazamientos con la Política de Asistencia Social, el artículo presenta el concepto de "escrevivências", de autoría de la escritora Conceição Evaristo, como método de investigación y producción de conocimiento en las Ciencias Humanas y Sociales y, en particular, em el campo de la Psicología Social. La producción de Evaristo apunta a la necesaria incómoda que la escritura de mujeres negras necesita provocar em el interior de la producción científica hegemónica, marcadamente blanca y androcéntrica, como una señal del giro epistémico em que esa producción se inserta, así como por sostener la fuerza de una producción ética comprometida a la militância em los escritos y movimientos políticos de mujeres negras. Además, presentamos análisis realizados a partir de las historias de vida de mujeres negras y sus recorridos en la política de Asistencia Social. Por medio de ellas, son problematizados diferentes elementos, tales como aspectos relacionados a la lógica de gestión de los cuerpos y a la precarización de la política de Asistencia Social, pero también a los márgenes de agencia de las usuarias ante el acompañamiento, a sus movimientos de resistência y a las trayectorias fugaces utilizadas por ellas.
Palabras clave: Escrevivências; Escritura feminina negra; Metodología de investigacíon; Psicología Social; Política de Asistencia Social.
RÉSUMÉ
Des histoires de vie d'écriture des femmes noires et leurs enchevêtrements avec la politique d'aide sociale, l'article présent ele concept de "escrevivências", rédigé par l'écrivain Conceição Evaristo, comme méthode de recherche et de production de connaissances em sciences humaines et sociale et, em particulier, dans le domaine de la psychologie sociale. La production de Evaristo souligne la nécessité de la peine d'écrire les femmes noires doivent conduire à l'intérieur de la communauté scientifique hégémonique, nettement blanc et androcentrique, comme un signe de tour épistémique dans cette production tombe, ainsi que de maintenir la force d'um l'éthique commis à militance dans les écrits et les mouvements politiques des femmes noires. Nous présentons encore des analyses à partir des récits de vie des femmes noires et leurs itinéraires dans la politique d'aide sociale. Grâce à eux, ils sont problématisée differents éléments tels que les aspects liés à la logique desorganes de gestion et de la précarité de la politique d'aide sociale, mais aussi aux marges des agences des utilisateurs avant le suivi de leurs mouvements de résistance et les chemins insaisissables utilisés par eux.
Motsclés: Escrevivências; Écriturefémininenoire; Méthodologie de recherche; Psychologiesociale; Politique d'AssistanceSociale.
"A nossa escrevivência não pode ser lida como histórias para 'ninar os da casa grande' e sim para incomodá-los em seus sonos injustos". Evaristo (2007, p. 21)
Introdução
A História das negras e dos negros no Brasil, localizada no interior de um sistema de forças coloniais que caracterizaram e ainda caracterizam a constituição identitária do país, ocupa uma posição subalternizada em relação às narrativas sobre conhecimento, principalmente quando analisada a produção escrita nacional. Conforme Conceição Evaristo (2009), às pessoas africanas que foram escravizadas no Brasil durante o período colonial e imperial (1500 - 1888), atribuise a contribuição à formação de uma Cultura Brasileira na forma da transmissão oral, o que incluiria ditados e provérbios, personagens folclóricos, bem como aspectos ligados às artes, à religião ou à culinária.
A produção escrita, no entanto, pouco figura no cânone da Literatura Brasileira (causando a sensação de que seria inexistente), por exemplo, ou mesmo tem suas singularidades esmaecidas, a ponto de não ser possível reconhecer que essas/es autoras/es possam pertencer à outra raça que não a branca, exceto através de uma minuciosa investigação sobre a biografia desses sujeitos. Bento (2002, p. 25), ao discorrer sobre a ideologia da branquitude/branqueamento, afirma que "considerando (ou quiçá inventando) seu grupo como padrão de referência de toda uma espécie, a elite [branca brasileira] faz uma apropriação simbólica crucial que vem fortalecendo a autoestima e o autoconceito do grupo branco em detrimento dos demais, e essa apropriação acaba legitimando sua supremacia econômica, política e social". Assim, ratificar a existência de autoras/es negras/os assume uma função compositiva na produção de subjetividade ao recuperar o protagonismo de narrativas próprias, o que concorre para o crescimento e desenvolvimento social e emocional da população negra.
Ainda, conforme Evaristo (2009), os personagens negros presentes na literatura hegemônica comumente são representados de maneira estereotipada, destoando de valores e traços presentes nos demais personagens das narrativas em questão. São diversas as produções nacionais em que, por exemplo, os homens negros são descritos como medrosos, submissos, desprovidos de recursos intelectuais ou mesmo sem voz própria. As mulheres negras, ainda mais ocultas no universo literário, quando figuram nos textos, são apresentadas como mulheres interesseiras, malvadas, de sexualidade perigosa, entre outros atributos de valoração negativa. Esses personagens, marcadamente desumanizados, expressam o que o poeta Cuti (1985) aponta sobre a criação literária, ao afirmar que "a literatura tem o poder de injetar em várias gerações a seiva de suas conquistas, ou o teor de suas misérias". Nesse mesmo sentido, Bispo e Lopes (2018) sinaliza os privilégios concretos e simbólicos de que gozam as pessoas brancas ao terem 80% dos personagens da literatura brasileira representados como brancos.
Esse cenário - que não se restringe ao campo literário - é composto, contudo, por diferentes densidades de resistência, as quais objetivam o reconhecimento da produção escrita de mulheres e homens negras/os por meio da constituição de outras narrativas, plurais e diversificadas, mas que encontram coesão em um campo que tem sido denominado de literatura negra (afro) brasileira. Rosângela Cruz (2017) afirma que "a literatura afro-brasileira pode ser considerada uma contra-narrativa da nação porque abala a ideologia do nacionalismo e tem um olhar crítico sobre o Estado e a identidade nacional; e, ainda, por reescrever a seu modo a História". Nesse contexto, a escrita de mulheres negras procura destacar as características de uma produção a partir dessa posicionalidade.
Vale destacar que, no campo dos estudos literários, ainda permanece a discussão sobre uma possível dicotomia entre, de um lado, a literatura negra e, de outro, a literatura afro-brasileira. Em relação a esse ponto, Eduardo Duarte (2008, p. 113) explica que a defesa de uma literatura negra não sustenta a especificidade dessa escrita, uma vez que abarcaria a produção de negros sobre negros, fazendo referência à cultura negra. Por outro lado, o autor reflete que a literatura afro-brasileira "remete ao tenso processo de mescla cultural em curso no Brasil desde a chegada dos primeiros africanos". Além disso, reconhece o argumento de que o termo afro-brasileiro "funciona como elemento atenuador que diluiria o sentido político de afirmação identitária contido na palavra negro" (p. 119).
Não obstante, parece uma questão superada de que o locus referente à escrita de pessoas negras exista e constitua-se como um espaço de disputa pela diversidade de produções. Para tanto, Eduardo Duarte (2008) propõe algumas categorias para analisar se uma obra pode ser situada nesse nicho. Tais categorias remetem: a) à temática, na qual o negro precisa ser o tema principal; b) à autoria - para além da discussão sobre o que é ser negro no Brasil, o autor acredita que o fundamental para uma escrita negra seja a posicionalidade que rompe com um discurso colonizador, "em uma visão de mundo distinta do branco" (p. 18); c) à linguagem, requisito em relação ao qual Duarte (p.18) afirma que "a afro-brasilidade tornar-se-á visível já a partir de uma discursividade que ressalta ritmos, entonações, opções vocabulares e, mesmo, toda uma semântica própria, empenhada muitas vezes num trabalho de ressignificação que contraria sentidos hegemônicos na língua" e, finalmente; d) ao público, composto de leitores/as com anseio de afirmação identitária.
Na esteira desses debates sobre a localização da escrita e apostando no investimento em uma estratégia que desse conta dos mesmos na produção de conhecimento em Psicologia Social, o presente artigo se propõe a desenvolver a noção de "Escrevivência", cunhada por Conceição Evaristo, como método de investigação, de produção de conhecimento e de posicionalidade implicada1. A escrevivência, em meio a diversos recursos metodológicos de escrita, utiliza-se da experiência do autor para viabilizar narrativas que dizem respeito à experiência coletiva de mulheres.
Na obra Becos da Memória (2017), Conceição Evaristo reflete que, em uma escrevivência, "as histórias são inventadas, mesmo as reais, quando são contadas". Isso se dá em um processo em que a autora se coloca no espaço aberto entre a invenção e o fato, utilizando-se dessa profundidade para construir uma narrativa singular, mas que aponta para uma coletividade. Escreviver significa, nesse sentido, contar histórias absolutamente particulares, mas que remetem a outras experiências coletivizadas, uma vez que se compreende existir um comum constituinte entre autor/a e protagonista, quer seja por características compartilhadas através de marcadores sociais, quer seja pela experiência vivenciada, ainda que de posições distintas. Evaristo (s/d, em Cruz, 2017), refletindo sobre o conceito, considera que "o sujeito da literatura negra tem a sua existência marcada por sua relação e por sua cumplicidade com outros sujeitos. Temos um sujeito que, ao falar de si, fala dos outros e, ao falar dos outros, fala de si".
Sobre as potencialidades do uso da ficção na produção acadêmica, e buscando romper com a concepção dicotômica ficção-realidade, Luis Artur Costa afirma que "reinventando nossa realidade independente dos estados de coisas referentes, podemos torná-la ainda mais real, mais complexa, densa e intensa ao intrincar suas tramas com novas possibilidades de relação. A ficção fia mundos onde a confiança ultrapassa a fidedignidade sem perder realidade" (Costa, 2014, p. 553). Melo e Godoy (2016, p. 30-31) reconhece a ficção como um modo de resistência presente na escrevivência evaristiana, ao passo que, na escrita, pessoas submetidas a situações de crise, podem encontrar modos de transpor os revezes e seguir existindo. Acrescenta: "o que veremos é que resistir por meio da literatura é também reexistir, e para um povo cuja voz foi e é constantemente sufocada, a escrevivência se torna um recurso de emancipação." (Melo e Godoy, 2017, p. 1289).
Através da biografia da escritora, é possível perceber que a escrevivência se desenvolve a partir do próprio processo de constituição de Conceição Evaristo como autora. Sueli Liebig (2016, p. 6) percebe que "é através da 'escrevivência' dessas mulheres que ela reconstrói e renegocia sua identidade de mulher negra e pobre. Marcada por formas de dominação que incluem separações, desloca-mentos e desmembramentos, ela constrói através da escrita estratégias de reversão da condição fragilizada da mulher negra e modos alternativos de redefinição de suas identidades". A escrevivência marcadamente carrega, assim, uma dimensão ética ao propiciar que a autora assuma o lugar de enunciação de um eu coletivo, de alguém que evoca, por meio de suas próprias narrativa e voz, a história de um "nós" compartilhado. Além disso, autoras reconhecem que essa metodologia coloca em perspectiva a dicotomia entre sujeito de pesquisa/pesquisadora, ao transformar discursos sobre mulheres negras em narrativas em primeira pessoa (Ferreira, 2013; Victorino, 2015, Mattos e Xavier, 2016).
Araújo (2012, p.47), analisa que o termo acolhe "os traços de negrícia ou negrura do texto", em que a experiência emerge como mote e motor da produção literária. Trata-se, assim, de poder contar as histórias por meio da perspectiva e história do autor/a. Conforme sugere Luiz Henrique Oliveira, as narrativas de Conceição Evaristo emergem desde um lugar de enunciação solidário e identificado com o contexto da periferia, principalmente no que diz respeito às mulheres negras. O autor também identifica três elementos que compõem as escrevivências - corpo, condição e experiência. Oliveira explica que:
(...) o primeiro, reporta à dimensão subjetiva do existir negro, arquivado na pele e na luta constante por afirmação e reversão de estereótipos. Lê-se o passado e a tra dição contrabandeando-os, saqueando-os. A representação do corpo funciona com o ato sintomático de resistência e arquivo de impressões que a vida confere. O segundo aponta par a um processo enunciativo fraterno e compreensivo com as várias personagens que povoam a obra. [...] O terceiro, por sua vez, funciona tanto como recurso estético quanto de construção retórica, a fim de atribuir credibilidade e persuasão à narrativa (Oliveira, 2009, p.88).
Finalmente, a aposta no uso da noção de escrevivência como ferramenta metodológica tem um motivo que merece destaque entre os já elencados. Ela se presta a uma subversão da produção de conhecimento, pois, além de introduzir uma fissura de caráter eminentemente artístico na escrita científica, apresenta-se por meio da entoação de vozes de mulheres subalternas e de sua posicionalidade na narração da sua própria existência. Geny Guimarães, Hildália Cunha e Danielle Santos (2014) inclusive afirmaram a escrevivência como um traço característico na escrita negra feminina, mesmo em obras anteriores à elaboração do conceito, como em Maria Firmina dos Reis, Júlia Lopes de Almeida, Carolina Maria de Jesus, a própria Conceição Evaristo, entre outras autoras negras que escreveram sobre as suas histórias de vida. Gislene Silva (2015, p. 111), a partir da experiência com ateliês de escrita, apostou na narrativa de vida como uma dimensão autoformadora, compreendendo que "o su-jeito é capaz de se formar a partir da apropriação do seu percurso, ou seja, da sua historia de vida, uma vez que o que foi vivido, ao ser narrado, torna-se experiência que vai nos ajudar a saber fazer, a tornar-se".
Escrevivendo
Durante o percurso do Mestrado em Psicologia Social e Institucional, desenvolvi um estudo em que utilizei o recurso metodológico da escrevivência para narrar histórias de vida de mulheres que eram acompanhadas pela proteção social básica, no âmbito da política nacional de Assistência Social. A partir da minha posicionalidade como mulher negra, psicóloga e trabalhadora do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), ficcionalizei histórias de vida de responsáveis familiares vinculadas aos serviços do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), construindo histórias vivenciadas no cotidiano de trabalho, mas também recuperadas da memória de minha própria história e de mulheres negras que fazem parte da minha família, cuja posicionalidade se aproxima daquela ocupada pelas mulheres acompanhadas pelo CRAS.
Nesse percurso, recorri às falas das mulheres que participavam de grupos de desenvolvimento do CRAS e de acolhidas - atividades que compõem o trabalho desenvolvido no ambiente do CRAS, sendo o grupo de desenvolvimento uma metodologia para o acompanhamento familiar, e a acolhida um espaço para o primeiro atendimento à demanda das usuárias. Circularam por esses espaços, durante o tempo em que realizei a pesquisa de campo para o mestrado, em torno de oito mulheres, com idades entre 15 e 59 anos. Participavam do CRAS devido a demandas familiares, de modo que a maioria tinha filhos, embora esse não seja um critério para a participação nas atividades. Poucas possuíam companheiro, bem como as que tinham não necessariamente viviam em situação estável com eles.
Para contar essas histórias e preservar a confidencialidade das participantes da pesquisa, utilizei, no lugar do nome das usuárias, nomes de ruas do território: selecionei tanto nomes de ruas femininos existentes na região quanto feminizei os masculinos (João do Rio tornou-se Joana, por exemplo; Paulino Azurenha, Paulina). Essa escolha foi feita como forma de reconhecimento da importância do território para a constituição dessas mulheres em particular, e dessa população em geral. Os nomes escolhidos para os e as personagens também pretendem evidenciar alguns aspectos que podem ser vistos como produtos da relação das mulheres com o Poder Público. Não se trata de desenvolver estereótipos de usuárias e usuários, mas de utilizar o recurso do personagem e da narrativa ficcionalizada para destacar determinadas regularidades referentes à vida dessas mulheres. Nesse sentido, o uso da escrita literária apresenta-se também como estratégia política, ao configurar-se como "aspecto de desmascaramento social e denúncia, pelo fato de 'focalizar as situações de restrição dos direitos, ou de negação deles, como a miséria, a servidão, a mutilação espiritual'" (Barossi, 2017, p. 24).
Trata-se, portanto, de produzir uma virada epistêmica, ao situar a diferença como produtora de potência de vida e de processos de subjetivação, trazendo "um questionamento à história oficial e constituindo a memória e a criação poética como reescritas dessas histórias obliteradas. A noção de escrevivência age como instância ética, estética e poética, pois dá vazão à mudança de perspectiva por meio do processo criativo", como sugere Luana Barossi (2017, p. 33). Também Iris Oliveira (2017, p. 652), a partir de análises no âmbito da formação de professores, destaca que a escrevivência possibilita a exposição de fissuras, brechas, vazios e o impensável, ao apostar nas invenções de si, "na compreensão da cultura como rede de significações instáveis e cambiantes [...], fundada na narrativa de si".
O presente artigo passa a narrar, abaixo, o resultado dessa aposta metodológica. A escrevivência que se produziu desenrola fios de experiências múltiplas que, ao mesmo tempo, se enredam nas histórias de mulheres negras e suas experiências com a Política de Assistência Social. O sioutra(s) de uma invenção compartilhada.
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Joana desce a rua para ir ao CRAS Partenon. Ela faz parte de um dos grupos de acompanhamento familiar coordenados pelo serviço. Está com 53 anos, todos eles vividos na mesma vila situada nesse bairro. É uma mulher negra, de olhos e pele escuros, cabelo curto e crespo. Embora não seja muito alta, Joana tem pernas e braços longos, o que lhe confere um andar altivo, de passos firmes. Com a passagem do tempo, perdeu alguns dentes, o que de modo algum impede que siga com seu sorriso largo e seu modo de ser acolhedor e amigável. É reconhecida pelos vizinhos como uma pessoa "que se dá com todo mundo", o que lhe possibilita um trânsito facilitado pelas ruas do bairro.
A mãe de Joana, D. Paulina, era uma mulher de origem indígena, natural da fronteira oeste do Estado, que veio acompanhando a família para quem trabalhava no interior - dois filhos de um barão que vieram morar em Porto Alegre para frequentar a faculdade. Com apenas 19 anos, passava o dia cuidando da casa e dos dois rapazes a quem praticamente criou, ainda que não acumulasse dois ou três anos de idade a mais do que eles. Conheceu Bento, seu esposo, casualmente: trabalhador da construção civil, ele estava erguendo uma casa na frente do edifício em que Paulina morava. Era um homem de seus 28 anos, negro, muito alto, de expressão imponente, sempre muito sério (resultado de alguns anos de serviço militar).
Não precisou de muito tempo até que um notasse a presença do outro, apaixonassem-se e resolvessem morar juntos. Como Bento não permitia que Paulina morasse no emprego, ela foi obrigada a deixar o apartamento. O novo casal soube de um terreno baldio que estava sendo ocupado por famílias vindas de várias partes da cidade e resolveu buscar um início da vida a dois nessa vila2. Paulina passou a trabalhar como lavadeira ("lavava para fora"), enquanto Bento seguiu como trabalhador da construção civil.
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Joana conta que nasceu pelas mãos da parteira, D. Maria, que ajudou quase todos os bebês da comunidade a virem ao mundo. Joana foi a segunda do casal (antes dela, veio o Humberto), mas era a filha mais velha entre as meninas. Após seu nascimento, sua tia, Marieta, veio do interior para ajudar nos cuidados dos sobrinhos, também em busca de uma vida melhor. Morou com a irmã por alguns meses, mas logo construiu sua casinha ao lado de Paulina - queria ter algo de seu sem depender de homem nenhum. Marieta tinha um espirito festivo, era alegre, afetiva e gostava muito de cantar. Dizia que um dia ainda seria famosa e cantaria no rádio, como a Ângela Maria. Joana ficava encantada com a tia, com quem passava boa parte do dia enquanto a mãe lavava as roupas para a clientela.
Pelos infortúnios da vida, Bento faleceu aos 38 anos de idade, quando Joana tinha apenas oito anos. Era um dia denso de verão, muito úmido e quente, predizendo a tempestade que chegaria a qualquer momento. Bento, ainda assim, foi para o canteiro de obras - sua austeridade não permitia que faltasse ao trabalho, mesmo com condições climáticas tão adversas. Tomou o café com leite de costume, quente e pingado, despediu-se de Paulina, prometeu chegar cedo em casa, "antes do temporal". Trabalhou durante toda a manhã com afinco, sem descanso, o pensamento distante, ninguém sabia muito bem no quê, não era de falar. Sentou para o almoço com o sol a pino, comeu ali mesmo pela laje, não quis perder tempo em descer, pois a fome era grande. Comeu a vianda que Paulina preparara - arroz, feijão, ovo cozido, farinha-, bebeu água, contemplando, lá de cima, o rio que abraçava a cidade. Pelas suas costas, a chuva chegou, pingando gota a gota em sua face castigada pelo sol. Era hora de cumprir a promessa e voltar para casa. Quando se aproximava da escada recostada ao parapeito do prédio em construção, tropeçou. Sentiu o chão faltar sob os pés... viu o céu, viu o rio, viu a obra... e não viu mais nada.
Paulina recebeu a notícia cerca de duas horas depois. A patrulha de polícia veio avisar. Era preciso enterrá-lo, mas como, se eles não tinham dinheiro? Marieta conversou com a vizinha, que passou o contato do vereador Aparício, que era quem conseguia "o enterro do pobre". Assim, rapidamente a vizinhança estava na sala de Paulina, aguardando a chegada do caixão com o finado. Tomaram o cuidado de colocá-lo com os pés voltados para a porta, para não atrair mau agouro. Velaram o corpo naquele dia e, no outro dia, foram ao cemitério da Santa Casa para enterrá-lo. Joana e seus irmãos ficaram com a mãe, cuidando uns dos outros - mais especificamente, os maiores cuidavam dos menores.
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A casa de sua infância era um pequeno chalé de madeira, construído pelas mãos do pai. Joana conta que o pai e a mãe ocuparam o terreno anos antes, vindos de outra região da cidade, de modo que, por algum tempo, viveram em um pequeno barraco de material aproveitado. Com o dinheiro do trabalho, iniciaram a construção da moradia, peça por peça. Joana revela que a casa teve diferentes cores durante a sua infância, uma vez que, cada vez que era ampliada, novamente era repintada. Assim, era uma casa de cor singular, resultado da mistura de tintas de muitos anos.
Ela possuía dois quartos, uma cozinha e uma sala - o banheiro veio muitos anos depois, quando a rede de esgoto finalmente foi instalada. Alguns vizinhos construíram a famosa "casinha", um espaço separado da casa para abrigar a patente; a mãe de Joana optou pelos urinóis, segundo ela, mais fáceis de higienizar. Os excrementos eram depositados nas áreas verdes que circundavam a região. Não existia água encanada, mas o departamento de saneamento básico instalara uma "bica", onde diariamente Joana buscava baldes para o serviço da casa.
Aliás, com pouca idade, Joana e os irmãos eram responsáveis por uma série de atividades domésticas: após a morte do pai, a mãe voltou a trabalhar para um dos filhos do barão, passando praticamente todo o dia fora ("saía bem cedinho e voltava só à noite"). Assim, Joana ficava responsável pelos cuidados dos menores (de 6 e 3 anos), enquanto Humberto, o irmão mais velho, exercia o papel de manter o exigido pela mãe em cumprimento - se a casa e os irmãos não estivessem limpos e alimentados, os dois eram surrados, pois a mãe era "bem atacada dos nervos".
Joana conta que, nessa época, já existia a Pequena Casa da Criança (PCC), único espaço que oferecia cursos, lazer e alimentação para as crianças daquela região. Joana e seus irmãos frequentavam o espaço. Relembra que uma das tias afirmou que ela deveria ter o cabelo cortado "pois tinha o cabelo ruim e poderia passar piolho para as outras crianças". Ela diz que por muito tempo, após a mãe saber disso, tinha os cabelos trançados aos finais de semana, quando ela tinha folga. Eram tranças tão apertadas que seu couro cabeludo ficava dolorido, mas a mãe acreditava que essa era a maneira de demonstrar que a filha era bem cuidada.
Quanto à escola, Joana "até que ia". No entanto, além da caminhada necessária para chegar ao colégio, passando pelo mato (que poderia abrigar um "tarado"), ela não via sentido em saber outras coisas além de ler e escrever - o que aprendeu com bastante facilidade. Então, manteve-se na escola, matriculada, mas foi ano a ano repetindo a mesma série, até que, ao início da adolescência, deixou de ir às aulas. Ela conta que, naquela época, não existia conselho tutelar para vigiar a frequência escolar, pois a polícia só abordava quem "virava marginal e ficava pela rua".
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Com o passar do tempo, Paulina casou novamente, com Carlos, um "homem que era trabalhador, mas que bebia muito". Eles se conheceram ali pela vila, quando ele estava no bar e ela estava indo pra casa. Após muitas trocas de olhares, passou a acompanhá-la da parada de ônibus até sua casa. Em uma dessas caminhadas, disse-lhe que uma mulher como ela deveria ficar em casa... que se fosse mulher dele, não deixaria faltar nada. Joana acredita que a mãe nunca amou o padrasto, mas pode, com ele, parar de trabalhar e retornar ao cuidado da casa e dos filhos, o que a ela era o suficiente para permanecer na relação. Foi um período de maior estabilidade financeira na família, no entanto, a mãe continuava nervosa, pois passava o dia na janela, esperando o padrasto chegar. Joana relata que, muitas vezes, acompanhava a mãe na janela, silenciosa e solidária na angustia da espera.
Joana teve seu primeiro relacionamento amoroso aos 14 anos. Tratava-se do primo de uma vizinha, Miguel, que não morava na vila, mas que vivia por ali, estimulado pelo interesse em Joana. Começaram a "curtir juntos", até que Joana engravidou. Ela tentou utilizar chás para abortar, mas não foram eficazes. A mãe de Joana, ao descobrir a gestação, expulsoua de casa, alegando que "se ela era mulher pra abrir as pernas, agora que fosse mulher pra assumir a criança". Miguel parou de visitar a vizinha, sumiu no mundo, de modo que Joana precisou se virar. Foi acolhida na casa da tia Marieta, que agora morava duas ruas acima da casa materna. Joana acredita que, secretamente, a mãe fornecia alimentos e dinheiro à tia Marieta, mas nunca admitira isso. Joana também recorreu às irmãs da Pequena Casa, bem como às vizinhas que possuíam algumas peças de bebês doaram-lhe esses pertences.
Joana revela que, na mesma época, um projeto para mulheres era desenvolvido na PCC, para que soubessem cuidar de seus filhos, principalmente dos bebês. Ela relata que recebia "um rancho" por participar, o que ajudou bastante, mas reconhece que o mais importante do que aprendeu nesse grupo foi a falar com outras pessoas, pois antes era muito inibida. Tornou-se uma pessoa muito querida pelas demais mulheres do grupo, que a procuravam para conversar e trocar confidências, apesar da sua pouca idade. Posteriormente, o aprendizado e as vivências desse curso a aproximaram inclusive da mãe, que tivera mais bebês com o padrasto.
Joana deu à luz a Clarinda, em um hospital - por insistência das irmãs da Pequena Casa, que a consideravam muito jovem para ter filhos com uma parteira. Levaram-na ao hospital de caridade, amparada pela tia Marieta e pelo irmão Humberto. Todos no hospital ficaram admirados com o tom de pele de Clarinda: era pouco comum ver uma menina de pele branca nascer de uma mãe preta. A enfermeira perguntou se Joana gostaria de entregá-la à adoção, a que Joana rejeitou prontamente. Não comeu e não dormiu enquanto esteve naquele local, temendo que sua filha fosse roubada, e decidiu que nunca mais retornaria naquele lugar, mesmo que as freiras pedissem.
Marieta ajudou Joana a construir uma peça no fundo de seu pátio, compartilhando com ela ainda o banheiro, a cozinha e o tanque. Após o nascimento do seu bebê, o tanque era o lugar em que Joana passava a maior parte de seu tempo livre, lavando fraldas e roupinhas. Não admitia ser chamada de relaxada e sabia que isso dependia de manter o varal sempre cheio. Varria sua peça duas vezes ao dia, pois o chão batido enchia a casa de terra e poeira.
Com uma casa tão asseada e a dedicação que dispensava à filha, Joana foi conclamada a cuidar de filhos de outras mães que precisavam retornar aos seus trabalhos - naquela época, não mais do que três meses eram tolerados para que as mães ficassem com seus bebês. Além de Clarinda, Joana cuidava de dois vizinhos e o próprio irmão recém-nascido. Também fazia faxinas eventuais, o que, de fato, acabou virando a sua profissão. As vizinhas não entendiam como Joana poderia preferir trabalhar fora da sua casa, ainda mais tendo uma filha pra cuidar, mas diziam que esse era o destino de "uma mulher que não tinha ninguém por ela".
Aos 20 anos, Joana conheceu Antônio, o pai de seus dois filhos seguintes: ele não gostava que mulheres trabalhassem fora de casa, exigindo que Joana largasse as faxinas que fazia. Era um homem negro, de 26 anos e que já tinha dois filhos com outra mulher. Viera do interior para trabalhar, acabou não conseguindo trabalho e arrumava dinheiro "dando o jeito dele". Joana não se recorda de tê-lo visto tranquilo ou se divertindo com algo, mas gostava da sensação de proteção que ele oferecia. Era conhecido pelo senso de moralidade do local, imposto pelo narcotráfico, no qual a manutenção do bem-estar e da segurança dependia do cumprimento irrestrito dessas regras. Não roubar de trabalhadores e, principalmente, não roubar na vila era um princípio inegociável.
Não passou muito tempo até que Antônio fosse preso. Joana passou a experimentar a vivência do sistema penitenciário. Deixava os filhos sozinhos (a maiorzinha cuidando dos menores), ia para a fila da visita de madrugada. Levava alimentos e cigarros, usados como moeda de troca para que o marido mantivesse a integridade física lá dentro.
Joana precisava se virar, voltou a fazer faxinas, passando boa parte do dia fora de casa. Inicialmente, Joana foi formalmente contratada por uma empresa que terceirizava serviço de higienização, passando a trabalhar em um Shopping Center do outro lado da cidade. Utilizava duas linhas de ônibus para se deslocar até o trabalho. Por já ter experiência e agilidade, ficou responsável pelo setor da praça de alimentação, pois se tratava de uma atividade de grande circulação, em que as bandejas precisavam ser recolhidas e as mesas higienizadas no menor tempo possível.
Joana percebia que alguns clientes se davam conta do quão corrido era o cotidiano dessas trabalhadoras, procurando entregar-lhe a bandeja usada para que não precisasse buscá-la na mesa. Para outros clientes, no entanto, Joana só não era invisível porque muitos se sentiam no direito de insultá-la caso demorasse a fazer a limpeza da mesa em espera. Ela percebia também que raramente pessoas da sua cor frequentavam aquele lugar como clientes: havia uma evidente divisão em que as pessoas mais claras estavam sentadas desfrutando do ambiente finamente decorado, enquanto as pessoas mais escuras estavam circulando e servindo, tanto nas cozinhas dos restaurantes quanto no serviço de limpeza.
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Diferentemente da sua infância, o Conselho Tutelar (CT) foi acionado para verificar a situação de sua família. Joana precisou comparecer ao atendimento do CT, sob pena de que as crianças fossem recolhidas ao abrigo. Após o atendimento, as crianças foram encaminhadas também a PCC, como na infância da mãe. O filho de Joana, Pedro, já não ia à escola havia dois meses. Uma Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente (FICAI) foi emitida e então Joana foi chamada para acompanhamento familiar no módulo da Fundação de Educação Social e Comunitária (FESC). Era um espaço bastante distante de sua casa, situado em um prédio público em outro bairro. Sempre foi muito difícil instalar serviços na vila porque, mesmo com tantos anos de existência, ainda era quase que completamente composta por habitações irregulares.
Enfim, Joana procurava ir aos atendimentos agendados com a assistente social, mas nem sempre tinha passagens para se deslocar até lá - e, a pé, Pedro não aceitava ir. Joana procurava atender aos pedidos do filho, pois acreditava que ele estava resistente para chamar a sua atenção. Conseguiu fazer um contato com um vizinho que trabalhava na construção civil e despachou o menino para trabalhar como servente. Sentia-se orgulhoso em ter a mesma profissão do avô, então não se importava em passar longos períodos trabalhando.
Pedro estava satisfeito em ganhar seu próprio dinheiro e, no meio da diversidade de colegas de trabalho, vivenciou uma série de experiências: passou a fumar cigarros, a tomar cachaça após o expediente e, de vez em quando, a fumar um baseado. Também conheceu a vida noturna da vila, uma curiosidade que tinha desde a tenra idade: do muro de casa, costumava ver o movimento.
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Humberto, após a morte do pai, ocupou o lugar de homem da casa. Tinha um incontestável senso de dever, responsabilizando-se pelos irmãos mesmo quando a mãe estava em casa. Começou a trabalhar como vendedor de jornal aos 11 anos para guardar dinheiro e poder oferecer uma vida melhor aos irmãos e à mãe. Ele era levado por um vizinho, Agenor, muito amigo de Bento, até a avenida principal, onde ficava a banca de jornal, logo no início da manhã. Lá permanecia até o meio da tarde, quando então retornava para casa a fim de supervisionar se as tarefas estavam feitas. Nesse meio tempo, passava o tempo fazendo a leitura dos jornais e revistas disponíveis. Tornou-se um ávido leitor, despertando o interesse dos clientes da banca, dada a sua interação dos fatos descritos nos periódicos. Um mais entusiasmado afirmou "esse é um bom negrinho!".
Humberto foi direcionado a fazer um concurso público para a prefeitura de Porto Alegre. Tratava-se de uma vaga em que deveria desempenhar tarefas ligadas ao abastecimento de água. Nada tinha a ver com seu gosto pela leitura, mas a possibilidade de acessar um emprego em que tivesse estabilidade e que lhe garantisse o sonho infantil encantou o seu pensamento. Mergulhou nos estudos para a seleção e logrou êxito, ao ser um dos primeiros aprovados no concurso municipal.
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Além de Clarinda e Pedro, Joana também era mãe de Rita. A menina envolveu-se com o tráfico ainda na adolescência. Ao conhecer Guilherme, seu primeiro namorado, sabia que ele era filho do "patrão da boca". Joana já havia alertado: "não te mete com esses maconheiros". Rita, no entanto, sentia-se atraída pela boa condição de vida, pelos carros, pelas festas, pela segurança e estabilidade que Guilherme lhe proporcionava. Ele não podia sair muito da vila, pois nunca se sabe quem se irá encontrar fora das proteções do seu território, mas aprendera com o seu pai que aquela vida que eles levavam pedia algumas renúncias.
Guilherme era reconhecido na comunidade pelo bom coração. Participava ativamente da escola de samba da vila, sendo um de seus fundadores. Por ser mais acessível aos moradores da região do que seu pai, também era mais solicitado para a resolução de conflitos envolvendo a vizinhança: Guilherme gerenciava o pessoal do movimento, tratando de punir exemplarmente aqueles que ousassem roubar ou assaltar nas redondezas do bairro - "ninguém rouba no Partenon porque é bairro de gente trabalhadora". Também era admirado pela ética nas escolhas de seus comparsas: não aceitava crianças, tampouco mulheres no seu movimento. Quando tinha algum acerto de contas a fazer, era direcionado ao seu desafeto, sem envolver familiares ou amigos na sua vingança.
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Joana conta como conseguiu ajudar a vizinha, Maria Luiza, a "caminhar" pelos seus filhos. Ela e o marido, Tobias, eram usuários de crack, subsistindo a partir da coleta de material reciclável. Inicialmente, com o trabalho de ambos, sustentava o aluguel da pequena moradia e a alimentação dos filhos, que se mantinham na escola - até porque, lá, recebiam duas refeições e garantiam o pagamento do benefício do Programa Bolsa Família. No entanto, com a perda do poder aquisitivo experimentado nos últimos anos, houve um aumento no número de trabalhadores recolhendo na mesma área. Dessa maneira, Maria Luiza precisou complementar a renda a partir da mendicância, para a qual levavam os filhos.
As crianças passaram a não ir mais à escola para pedir dinheiro às portas das casas com os pais, pois eles temiam deixar sozinhas em casa crianças tão pequenas. Sua presença frequente pelas ruas chamava a atenção das equipes de abordagem de rua. Ao se deparar com as informações sobre ausência na escola, mendicância e uso de substância dos pais, o conselho tutelar não hesitou em solicitar a medida de acolhimento familiar, retirando as crianças dos seus pais.
Maria Luíza desesperou-se ao se ver sem os filhos, procurando imediatamente as equipes que já haviam acompanhado sua família para saber o que fazer. Ela foi incluída nos acompanhamentos previstos na política de assistência social e orientada sobre a importância de comparecer aos atendimentos. Explicaram-lhe como funcionava o processo judicial e que em pouco tempo haveria uma audiência para avaliar a medida, mas que o parecer dos técnicos sociais seria fundamental para que os filhos retornassem à casa.
Maria Luíza e o marido não sabiam muito bem o que fazer, sentindo-se culpados e saudosos dos filhos, ficando alguns dias pelas ruas do bairro, sob uso do crack. Joana viu o que acontecera à vizinha, de quem tinha uma lembrança carinhosa, pois fora sua cuidadora para que a mãe pudesse trabalhar. Procurou saber o que acontecia para estar "rolando por aí". Maria Luíza revelou-lhe seu infortúnio e, sabedora do falecimento da mãe de Maria Luíza, Joana resolveu caminhar com ela para que tivesse chance de reaver seus filhos.
Explicou que o primeiro passo era parar de andar pela rua e arrumar a casa, pois a assistente social certamente a visitaria e a impressão que ela tivesse poderia ajudá-la ou prejudicá-la. Também orientou que Tobias arrumasse um emprego, de preferência com carteira assinada, para comprovar sua intenção em permanecer provendo sua família. Aconselhou que, nesse caso, congregar em alguma igreja também serviria de apoio: além de oferecer certo estilo de vida que evidenciaria a mudança de comportamento, ajudaria a manterem-se afastados das drogas. Joana mandou Maria Luíza até o CRAS para que solicitasse a inclusão no programa Aluguel Social, assim poderiam usar todo o dinheiro que recebessem para melhorias nas condições de vida.
O casal decidiu que Maria Luíza ficaria em casa, procurando atender prontamente as demandas que viessem da equipe do Acolhimento Institucional ou do CREAS. Tobias conseguiu emprego em uma grande obra que estava sendo realizada na região, de modo que se manteria assalariado por um tempo considerável. Todo o dinheiro que advinha do trabalho de Tobias era utilizado para a manutenção da casa: com o consentimento do proprietário da moradia, fizeram mais dois quartos na casa, antes composta por apenas um quarto, cozinha e banheiro. A ideia era acomodar as meninas em um cômodo e os meninos em outro. Maria Luíza também comprava todos os brinquedos, bonecos e jogos que podia. Adquiriu toda a coleção de DVD's da Galinha Pintadinha e planejava juntar dinheiro para a compra de uma televisão e um aparelho de DVD ("ou seria melhor comprar duas para colocar uma em cada quarto?").
Nesse meio tempo, Maria Luíza engravidou do sexto filho. Com a suspeita, preocupou-se em fazer o exame de gravidez o quanto antes, pois temia ser interpelada pela possível gestação e não saber o que dizer ("o juiz pode achar que eu não sou uma boa mãe"). Ao confirmar a vinda do bebê, precisava de um grande esforço para comparecer a todos os atendimentos agendados - CREAS, Abrigo, UBS, Assistente Social do Judiciário, Conselho Tutelar. Maria Luíza não poupava esforços para atender aos atendimentos ofertados.
Após um ano de acompanhamento, a equipe do AI considerou que os pais já reuniam condições de visitar as crianças. A primeira visita foi permeada de intensas emoções. O reencontro depois de todo esse tempo afastados dos filhos nutria uma grande ansiedade, que se transformou em uma explosão de alegria, misturada a uma imensa consternação ao perceberem que os dois novinhos não os reconheciam.
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Clarinda, desde muito pequena, observava o esforço da mãe em cuidá-la, procurando ajudá-la como possível. Quando passou a frequentar o serviço de convivência da PCC, conforme o encaminhamento do CT, sentia-se pouco estimulada naquele espaço, pois gostava de dividir o tempo em casa entre o cuidado dos irmãos e as leituras que fazia nos livros dados pela sua dinda, esposa do tio Humberto. Ele também era muito aberto a ouvi-la, com um característico senso prático para a resolução de problemas: se ela não gostava daquele lugar, tratou rapidamente de conseguir outra atividade para que Clarinda tivesse melhores oportunidades.
Humberto conseguiu uma bolsa integral para que Clarinda pudesse desfrutar de oficinas de escrita e aprendizado de idiomas, mas também de uma escola que oferecia boa qualidade de ensino, a qual ela infelizmente não tinha acesso no seu bairro. Clarinda, dessa forma, também passou a atravessar a cidade para ir à escola. Diferentemente da mãe, seus padrinhos custeavam um transporte particular para ela, bem como providenciaram uniforme, material escolar, alimentação e toda a sorte de coisas que ela precisasse para ser uma estudante de destaque. Procuravam conversar com ela sobre como era ser a única negra da sua turma - aliás, apenas quando foi à escola particular Clarinda passou a perceber que era negra, pois, em sua família, ela era mais clara do que todos.
Humberto tinha planos para os sobrinhos. Clarinda, tão dedicada, certamente irá para a faculdade, fará concurso público e será servidora como ele. Pedro, que era desmiolado, precisava era ir para o quartel. Já estava articulando com um major muito seu amigo para que o rapaz, assim que chegasse o tempo do serviço obrigatório, "engajasse" a instituição. Quanto a Rita, ele apenas esperava o momento em que ela engravidasse, já planejando o futuro do sobrinhoneto.
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Joana está no CRAS para mais uma reunião do grupo de desenvolvimento. Ela gosta de ir até lá para falar sobre a sua vida. Diz sobre as experiências com seus filhos, sobre as dificuldades pelas quais já passou. Incentiva e estimula as meninas mais novas, com ares de quem tem autoridade sobre o assunto. No CRAS, ela sente que pode pertencer a algo que já é muito dela - a capacidade de falar da vida e de crescer junto com todas que ali estão.
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A partir da narrativa escrevivente, cabem algumas reflexões tecidas no interior de discussões alçadas no campo da Psicologia Social. Das práticas dessa política, emerge um sujeito, ou, utilizando a perspectiva de Butler (2003), performatiza-se um sujeito, que possui necessidades específicas e que remetem, sobretudo, à classe social. A performatividade de classe se dá, por exemplo, por meio da própria oferta de serviços, mas também de uma suposta relação de necessidade entre as usuárias e o serviço, posicionando-as em um lugar de subalternidade que costuma apontar para a pobreza, isto é, para os aspectos que circunscrevem uma identidade relacionada a esse aspecto - casas precárias, falta de saneamento, falta de renda, acesso restrito à educação, à saúde, ao transporte, ao lazer, entre outros elementos que podem (mas não necessariamente nem mesmo de modo linear) perpassar o universo da favela.
Observa-se, ainda, que a performatividade de classe está produzindo e sendo produzida articuladamente às performatividades de gênero e de raça, uma vez que essas últimas são constitutivas e constituintes umas das outras, se tomadas como marcadores sociais de diferença (BRAH, 1996) que produzem desigualdade. As articulações com raça e gênero são menos explicitadas na política, porém aparecem de maneira patente nas práticas e no modo como a sua formulação acontece. Priscila Detoni (2016), ao considerar a performatividade de gênero a partir de uma pesquisa em um CRAS de Porto Alegre, procurou compreender os processos que se estruturam a partir da precarização e feminização do trabalho naquele serviço, tendo como premissa a mulher como cuidadora e responsável pela família, e como elementos presente no cotidiano dos serviços a ausência de formação e a desarticulação entre políticas públicas para lidar com a diversidade sexual, engendrando práticas reiterativas da heterossexualidade. A pesquisa que ancora esse artigo dialoga estreitamente com o trabalho de Detoni. Do mesmo modo observou-se, a partir da produção da própria PNAS, uma construção cisheteronormativa3 das usuárias, principalmente diante da performatividade de mulher-mãe, para a qual se aspira um ideal de feminilidade, de monogamia, de uma afetividade contida e que priorize os filhos. Ainda que se procure garantir o atendimento à diversidade sexual e de gênero, como, por exemplo, com a inclusão do nome social no prontuário SUAS, esses ainda são movimentos que se mostram insuficientes para contrapor a cisheteronormatividade que constitui as práticas dos serviços no contexto dessa política pública.
Quando nos remetemos à Maria Luiza, por exemplo, a situação lá retratada afeta muitas mulheres com as quais convivi durante a minha trajetória como psicóloga no SUAS. Maria Luiza acreditava que não havia espaço, no contexto do acompanhamento do CRAS, para falar sobre a sua dor em ter os filhos acolhidos. Ela procurava demonstrar uma mudança de postura e um pronto atendimento às demandas das técnicas sociais para que tivesse a oportunidade de reencontrá-los. O desespero e a dor de uma mãe que é compulsoriamente separada de seus filhos não figuraram como um aspecto a ser trabalhado no acompanhamento, restando a ela contar apenas com a vizinha Joana para acolher o seu luto. Recordo-me, novamente, de Carolina de Jesus (2014), que passava o dia a coletar material reciclável e, com o dinheiro da venda desse material, comprava comida para os filhos, e me pergunto: de que maneira essas práticas podem ser lidas como cuidado e não imediatamente como negligência ou violação de direitos?
A escrevivência apresentada desvela um dos pontos mais marcantes sobre o acompanhamento de mulheres no interior da política de Assistência Social - a centralidade que a função de responsáveis pela garantia dos direitos dos seus filhos ocupa nos mesmos. Isso significa dizer que uma das suas principais demandas da proteção social básica em relação às famílias recai sobre o controle do Estado em relação às crianças e adolescentes. Llobet e Milanich (2014, p. 60) afirmam que as práticas que estabelecem a prioridade dos direitos da maternidade e da infância não são apenas resultado de processos políticos, históricos e contingentes, de arranjos de proteção, mas que se tratam de práticas intrínsecas às formas de regulação estatal.
Demonstrar ser uma boa mãe, por meio de um conjunto de técnicas performativas específicas, que vão desde os parâmetros legais no que se refere ao cuidado e bem-estar da criança, até as escolhas morais específicas da sua posicionalidade, legitimam a exigência do exercício "satisfatório" da maternagem. Enquanto uma mãe situada na classe média é compelida a retornar ao trabalho para o bom desenvolvimento do vínculo com o seu bebê, inclusive se utilizando do arcabouço da Psicologia sobre desenvolvimento infantil, vínculo mãe-bebê, entre outros, das mulheres usuárias do CRAS espera-se que priorizarem e dediquem-se integralmente aos seus filhos ou filhas, principalmente na primeira infância, para que performem a "boa mãe" ou a "mãe responsável".
Laços de solidariedade entre mulheres
"(...) A mãe de Joana, ao descobrir a gestação, expulsoua de casa, alegando que "se ela era mulher pra abrir as pernas, agora que fosse mulher pra assumir a crian ça". Miguel parou de visitar a vizinha, sumiu no mundo, de modo que Joana precisou se virar. Foi acolhida na casa da tia Marieta, que agora morava duas ruas acima da casa materna. Joana acredita que, secretamente, a mãe fornecia alimentos e di nheiro à tia Marieta, mas nunca admitira isso. Joana também recorreu às irmãs da Pequena Casa, bem como às vizinhas que possuíam algumas peças de bebês doaram-lhe esses pertences".
Esse excerto de Escrevivência remete a uma estratégia central na organização da vida de muitas mulheres que tive a oportunidade de escutar, sobre os laços de solidariedade que se estabelecem tanto com a família, quanto com pessoas e instituições que as cercam. Elas emergem nos momentos em que alguma questão de mudança (no exemplo acima, a primeira gestação de Joana) se coloca na vida dessas mulheres, convocando as demais, após uma avaliação baseada em critérios de merecimento engendrados a partir da organização social do local e que podem ser mais ou menos explícitos. Tais mulheres ocuparão diferentes pontos nessa rede, podendo participar da mesma e/ou auxiliar de diferentes maneiras: como provedoras (no caso da mãe), como articuladoras (no caso da tia, que mediou o conflito entre Joana e Paulina), como suporte (no caso das irmãs de caridade e das vizinhas), entre outras formas de reconhecer a necessidade e resgatar a humanidade da atendida.
Em suma, percebe-se que a estratégia de articulação entre as mulheres descrita até aqui se configura, por um lado, como uma reação à ação do Estado, que cria barreiras estruturais para a população pobre, sobremaneira para as mulheres negras. Por outro lado, evidencia a agência de tais mulheres para resistir aos avanços das práticas regulatórias que procuram inscrevê-las na dependência do poder público. Uma das estratégias desenvolvidas por essas mulheres consiste no que nomeamos como "caminhadas", processo descrito e analisado em Soares (2017).
Considerações Finais
A escrevivência, no contexto da produção de conhecimento na Psicologia Social, emergiu como uma escolha analítico-metodológica para apresentar as histórias de vida de mulheres, que se articulam entre si bem como à trajetória de mulher negra da primeira autora. Vimos que essas mulheres, produzidas como usuárias no interior da política de Assistência Social, constituem-se por meio de um contexto de precarização do Estado, no qual ocorre um patente desmantelamento dos serviços socio-assistenciais, conforme ocorre um crescente avanço da privatização nesse campo.
Ainda, a despeito de um contexto de desproteção, essas mulheres desenvolvem estratégias de articulação, como laços de solidariedade, compostos por familiares, vizinhança e instituições que compõem o seu território. Também conseguem circular no interior do poder público, por meio de sofisticadas estratégias, nomeadas de "caminhadas", na qual desenvolvem fluxos paralelos, a fim de conseguirem alcançar êxito nos seus objetivos, sejam eles acompanhados ou não pelo CRAS.
Na mesma esteira de discussões não generalizantes, vale ainda destacar que muitas famílias de mulheres negras não estão em acompanhamento pelo CRAS, nem vivenciam condições análogas às descritas neste trabalho, considerando que a política não é absoluta quanto ao seu alcance de gestão da vida. A reflexão quanto aos marcadores sociais de diferença, que podem ser apresentados pela escrevivência, permite explorar aspectos particulares de experiências de subjetivação e de contato com o aparato público.
As perspectivas centradas nas vozes subalternas possibilitaram maior alcance quanto a práticas e discursos de militâncias contra hegemônicas. Mattos e Xavier (2016) discutem que o conhecimento produzido pelos Feminismos no Brasil não está restrito aos espaços formais da Academia, de modo que as autoras observam uma disseminação dessas ideias em espaços cibernéticos (blogs, redes sociais, entre outros), espaços colaborativos e grupos feministas. Além disso, pautas oriundas de grupos dissidentes vêm ganhando espaço nas políticas públicas por meio de práticas que desafiam as políticas de Estado, demandando direitos e acesso para as mulheres, bem como discutindo os feminismos em termos não hegemônicos.
Em tempos de intolerância e de profundos retrocessos quanto ao acesso a direitos fundamentais, as escrevivências despontam como uma metodologia e uma ética de pesquisa que aposta na escrita como forma de resistência. Abordar as vidas de mulheres negras, não como objeto passivo da pesquisa, mas como potência artística, inventiva, por meio da escrita literária, é um modo de evidenciá-las(monos) como protagonistas de suas(nossas) próprias histórias.
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Submetido em: 13/07/2018
Aprovado em: 04/09/2018
1 A partir desse ponto, o artigo utilizará a primeira pessoa, que se refere à primeira autora, em função justamente dessa ferramenta que pretende analisar. A segunda autora foi a orientadora da pesquisa e contribuiu com as análises aqui elaboradas.
2 O termo "vila", utilizado nesse estudo, não corresponde à definição encontrada no campo da Geografia: trata-se de um sinônimo para favela, local de ocupações, de moradias irregulares do ponto de vista legal. É uma expressão largamente utilizada no Rio Grande do Sul.
3 Amana Mattos (2016, p. 135) - explica que "[a cisheteronormatividade] consagrou-se como um campo especialmente prolífico na produção de conceitos, categorias e teorias que promoveram uma naturalização do elo entre determinado genital, sexo, gênero e orientação sexual".