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Revista Psicologia Política
Print version ISSN 1519-549XOn-line version ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.17 no.39 São Paulo May/Aug. 2017
ARTIGOS
Políticas Marginais: Arte para Além do Binarismo Barbárie ou Civilidade
Marginal Policies: Art Beyound Binarism Barbarism or Civility Políticas
Marginales: el Arte más allá del Binarismo Barbarie o Civilidad Politiques
Marginales: L'art Au-Delà du Binarisme Barbarie ou Civilité
Iacã Machado MacerataI; Luis Artur CostaII; Rodrigo Lages e SilvaIII
IDepartamento de Psicologia de Rio das Ostras, Universidade Federal Fluminense (UFF). imacerata17@gmail.com
IIDepartamento de Psicologia Social e Institucional, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). larturcosta@gmail.com
IIIDepartamento de Estudos Básicos, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). lagesesilva@gmail.com
RESUMO
A abordagem clássica do Estado para com os sujeitos que orbitam as esferas desprestigiadas do capital vem lançando mão de conceitos como o de exclusão social e sujeitos em vulnerabilidade. Subjaz a estes conceitos a oposição: bárbaros x civilizados, fazendo recair apenas sobre os primeiros a pecha de violentos. Neste ensaio, discutimos as estratégias de conduzir as condutas daqueles tomados pelas Políticas de Estado como sujeitos a corrigir. Contrapomos a tais práticas as operações estéticas realizadas por dois artistas brasileiros: o artista plástico Helio Oiticica e o poeta Waly Salomão. Em suas experimentações estes criadores nos legaram importantes operações éticas que, ao produzirem híbridos paradoxais entre civilidade e barbárie, permitem a passagem de uma Política do Estado para uma Política do Comum.
Palavras-chave: Políticas Públicas; Barbárie; Civilização; Waly Salomão; Hélio Oiticica
ABSTRACT
The classical approach of the State to the subjects that orbit the discredited spheres of capital has been using concepts such as social exclusion and subjects in vulnerability. Underlying these concepts are the opposition: barbarians x civilized, imposing only on the first the stereotype of violent. In this essay, we discuss the strategies employed to conduct the conduct of those taken by State Policies as subjects to be corrected. We oppose to such practices some aesthetic operations performed by two Brazilian artists: the plastic artist Helio Oiticica and the poet Waly Salomão. In their experiments these creators have bequeathed us important ethical operations that, by producing paradoxical hybrids between civility and barbarism, allow the transition from a State Policy to a Politics of the Common.
Keywords: Public Policies; Barbarism; Civilization; Waly Solomon; Hélio Oiticica
RESUMEN
El abordaje clásico del Estado hacia los sujetos que orbitan las esferas desprestigiadas del capital utiliza conceptos como el de exclusión social y sujetos en vulnerabilidad. Subyace a estos conceptos la oposición: bárbaros x civilizados, haciendo con que solo los primeros sean dichos violentos. En este ensayo discutimos las estrategias de conducir las conductas de aquellos pillados por las Políticas de Estado como sujetos a corregir. Contraponemos a estas prácticas las operaciones estéticas realizadas por dos artistas brasileños: el artista plástico Hélio Oiticica y el poeta Waly Salomão. En sus experimentaciones estos creadores nos han legado importantes operaciones éticas que, en cuanto producen híbridos paradoxales entre civilidad y barbarie, permite un pasaje desde una Política del Estado hacia una Política del Común.
Palavrasclave: Políticas Públicas; Barbarie; Civilización; Waly Salomão; Hélio Oiticica
RÉSUMÉ
L'approche classique de l'État envers les sujets qui gravitent autour des sphères discréditées du capital a utilisé des concepts tels que l'exclusion sociale et les sujets vulnérables. Sous-jacents à ces concepts se trouvent l'opposition: barbares x civilisés, les faisant tomber seulement sur les premiers le stéréotype de violents. Dans cet essai, nous discutons comment les stratégies employées pour conduire les conduits de ceux pris par les politiques de l'Etat comme sujets à corriger. Nous nous opposons aux ces pratiques l'es opérations esthétiques des deux artistes brésiliens: l'artiste plasticien Helio Oiticica et le poète Waly Salomão. Dans leurs expériences ces créateurs nous ont légué d'importantes opérations éthiques qui, en produisant des hybrides paradoxaux entre civilité et barbarie, permettent le passage d'une politique d'Etat à une politique du commun.
Motsclés: Politiques publiques; La barbarie; La civilization; Waly Salomão; Hélio Oiticica
Introdução
Este ensaio é uma síntese de três pesquisas realizadas em investigações doutorais (Macerata, 2015; Costa, 2012; Silva 2012), as quais, embora com objetivos, métodos e procedimentos distintos, compartilharam de um aspecto central: o debate sobre as especificidades do fazer artístico, do fazer científico e da atuação em políticas públicas. Sobretudo, tais pesquisas têm em comum o interesse pelas sobreposições, pelos contágios, pelas traduções, enfim, pela dinâmica de imitação, de diferenciação e de co-engendramento que se produz nas fronteiras entre arte, ciência e sociedade.
Duas destas investigações se detiveram sobre o acervo artístico e bibliográfico do artista neoconcretista brasileiro Hélio Oiticica. Em uma delas a obra do poeta Waly Salomão também foi utilizada como dado de pesquisa e em outra Waly Salomão foi autor de referência a partir de sua obra ensaística. A terceira investigação avançou mais no sentido de problematizar os modos de operar da arte, da ciência, da filosofia e das práticas sociais, a fim de espreitar suas proximidades ônticas e epistêmicas.
Da convergência destes trabalhos, a partir de sucessivos diálogos entre seus autores, resultou este ensaio que, na esteira do pensamento crítico de Michel Foucault sobre a ação normalizadora do Estado e suas estratégias, contrapõe operações éticas legadas pelos artistas brasileiros supracitados.
Através de experiências estéticas apresentadas nas obras plásticas de Oitica (Penetráveis, Parangolés e Bólides) e nos planos poemáticos de Salomão (Território Randômia, Pancinema permanente e Polinização Cruzada), propomos operações éticas que permitem a passagem de uma Política do Estado para uma Política do Comum, ou seja, uma política emque diferentemente da abordagem da política do Estado que "lida com comunidade-indivíduo", a Política do Comum "acolhe e cuida da vida-outra" (Barros & Pimentel, 2012, p.12-13).
Nestes tempos em que vivemos, as categorias de risco se multiplicam: imigrantes, refugiados, apátridas, toxicômanos e todos aqueles que, sem necessariamente estarem apartados, orbitam as esferas desprestigiadas do capital, acreditamos que a crítica decolonial passa necessariamente por uma reflexão acerca dos mecanismos minuciosos de microsegregação que se insinuam dentro das políticas do Estado não apenas sob a ótica da punição, mas mesmo sob a perspectiva de uma inclusão condicionada a reprodução de condutas vistas como convenientes ou desejáveis, em detrimento de modos de vida que desafiem as sensibilidades forjadas na longa tradição eurocêntrica que constitui a nossa perspectiva civilizatória.
A miséria como barbárie e as lutas civilizatórias.
O debate sobre exclusão social vem-se caracterizando na academia por posições antagônicas. Inicialmente, ocupou o vácuo deixado pela analítica das classes sociais, emprestando contornos dinâmicos e funcionais para a compreensão do fracasso do capitalismo na redistribuição de riquezas. Com a exclusão social, não se trataria mais de apenas pertencer a uma classe ou de outra, mas de estarmos em numa posição mais desfavorável num determinado momento de um processo, tendo como horizonte inequívoco - a ser alcançado pelas políticas inclusivas - a reconciliação na sociedade produtiva. Com a compreensão da sociedade de classes, víamos necessariamente, a priori, uma cisão inerente ao capitalismo na sociedade civil: os proprietários dos meios de produção e aqueles para os quais resta vender sua própria força de trabalho, sua mão de obra. Tal divisão, intransponível no interior do capitalismo, nos conduziria a uma sociedade dividida por um conflito que deveria ser levado a cabo para que pudéssemos superá-lo: apenas a revolução com a transgressão da noção de propriedade capitalista poderia resolver o problema da miséria e da pobreza.
Foi com certo alívio, portanto, que a sociedade recebeu o conceito de exclusão: não seríamos mais um tecido social cindido a priori e que exigiria uma radical transformação, mas sim uma sociedade que segmentou a posteriori e necessita, portanto, reformar os motores circunstanciais desta exclusão a partir da vida dos indivíduos excluídos (e não a partir de uma certa estrutura excludente). Assim, esse discurso apaziguador restaura a pressuposta coerência do tecido social e, por isso, passa a fluir com facilidade pelos discursos dos políticos, das organizações não governamentais, pelos serviços de assistência social, das instituições religiosas, e, aos poucos, passa da mídia para a fala do cidadão comum. Neste discurso o pobre não era mais necessariamente alocado no jogo maniqueísta entre o proletário-fetiche da vanguarda revolucionária ou o vagabundo incapaz tão destratado pelos conservadores. Agora, tal sujeito podia ser analisado como um caso contingente, subtraído das necessidades essencialistas de revolucionários ou conservadores: tratava-se de alguém que teve poucas oportunidades, más escolhas e algum azar. Fora excluído, portanto, de modo contingente, por razões circunstanciais, sendo possível reverter tal estado através do concurso de novos elementos situacionais e de novas - e presumidamente melhores - escolhas as quais podem ser promovidas pelos órgãos da assistência estatal ou da sociedade civil.
Qualquer um poderia estar ali, não importando os desvios de comportamento, as más influências hereditárias ou de criação: o conceito de exclusão social fez triunfar o politicamente correto sobre o olhar da pobreza. Conseguiu num só golpe afastar a angústia de sermos bem alimentados contemporâneos da fome, da indigência, da mendicância, e de inúmeras misérias com as quais convivemos, e, ao mesmo tempo, amenizar o temor frente à periculosidade potencial de ruptura social com nosso aglomerado humano em expansão. Conglomerado de excluídos ao qual as antigas categorias de proletariado e lumpemproletariado já não conseguiam conter em suas claras fronteiras estruturalistas.
Contudo, a despeito das propriedades balsâmicas do olhar sobre a exclusão social, sua fragilidade epistemológica e seu comprometimento com a manutenção do modo de vida capitalista foram habilmente descritos pelo sociólogo José de Souza Martins (1997) que observou na exclusão social uma substituição da preocupação com a qualidade das relações sociais para uma naturalização da figura do excluído em prol da manutenção do status quo, apenas reivindicando a sua ampliação para as camadas desfavorecidas. Além disso, o pensamento da exclusão social encobriria as inúmeras formas de inclusão precárias e injustas (próprias dos reformistas da exclusão) que vêm acompanhando as transformações no mercado de trabalho. Esse último ponto serviu também de argumento para Robert Castel (1997), que observou uma insuficiência do conceito de exclusão social em traduzir a dimensão histórica da fragilização das relações salariais, além de induzir erroneamente a um posicionamento reparador frente à exclusão social, em lugar de problematizar os processos através dos quais uma quantidade cada vez maior de indivíduos depende das políticas assistenciais.
Desse modo, logo após um debut glorioso, o conceito de exclusão social foi tropeçando em seus próprios compromissos, sendo cada vez mais relativizado, questionado e paulatinamente perdendo a credibilidade acadêmica. Porém, se a aposta no conceito de exclusão faz com que a conflituosa convivência urbana seja dissolvida na antecipação de uma inclusão ideal, a desqualificação da exclusão como conceito não aponta por si só um horizonte ético para as práticas sociais. Não podemos simplesmente tentar remontar os sonhos de uma categoria homogênea baseada em uma identidade do proletariado a partir da infraestrutura (modos de trabalhar e transformar a natureza) e esquecer a complexidade e heterogeneidade presente na miséria. Não podemos marcar a miséria com o selo da passividade e opressão, considerando-a um fenômeno negativo, o qual compreendemos como ausência ou detrito do sistema. Tal redução a uma categorial universal e passiva (negativa) é uma violência tão séria quanto denegar o papel do Estado e da Sociedade Civil na produção da miséria e quanto estes conflitos ultrapassam situações particulares, constituindo-se de fato como operação inerente à produção de nossas formas de vida e convivência. A pobreza, independentemente da fantasia conceitual que a cubra, segue sempre sendo a seca encarnação de uma tensão viva e disruptiva, capaz de desmontar as bem comportadas sociabilidades contemporâneas em conflitos violentos e vidas marcadas pelo sofrimento.
Não se deve, sem dúvida, conceber a 'plebe' como fundo permanente da história, o objetivo final de todos os assujeitamentos, o fogo nunca inteiramente extinto de todas as revoltas. Sem dúvida, não há realidade sociológica da 'plebe'. Mas há sempre, com certeza, alguma coisa no corpo social, nas classes, nos grupos, nos próprios indivíduos que escapa, de uma certa maneira, às relações de poder: algu ma coisa que não é a matéria prima mais ou menos dócil ou recalcitrante, mas que é o movimento centrífugo, a energia inversa, a escapada. (Foucault, 2001, p. 244)
Por isso, acreditamos que ao pensamento da exclusão, ou a qualquer que seja a terminologia que lhe substitua, não basta a precisão conceitual ou a adequação semântica, mas ele precisa ser remetido a um ethos, ou seja, a uma tomada de atitude, e deve estar articulado a um pathos, ou seja,a uma paixão que move e transgride os limites burocráticos da classe ou da exclusão. É nesse sentido que se pode buscar uma inspiração na arte marginal brasileira e sua operação antropofágica que afirma uma civilidade da barbárie, um modo existencial daquilo que costuma ser sobrecodificado como excluído, proletário, etc. a partir de diferentes modelos civilizatórios da esquerda ou direita governamentais. Poderão as mesclas profanas entre o que é considerado como alta cultura e subcultura produzirem ferramentas praticoconceituais que inovem nosso modo de relação com o outro radical de nosso modelo civilizatório afirmado pelas políticas estatais? Poderia Hélio Oiticica, por exemplo, com seu Parangolé (obra-síntese das incursões de Oiticica ao Morro da Mangueira, muito antes do encantamento cinematográfico e televisivo com a favela) falar a partir da experiência da diferença na cidade e promover outras maneiras de articulação dos profissionais das políticas públicas com a urbe? Dizem que de tanto frequentar a quadra da Estação Primeira de Mangueira, Hélio Oiticica tornou-se um exímio sambista. Talvez, corporalmente, tenha-se dado conta de que o gesto mais elementar da dança é o rodopio. Seja no giro elegante da portabandeira ou no volteio cambaleante do caboclo quando baixa: o corpo sabe o parangolé.
Faço notar uma interessante metáfora de Sêneca; muito conhecida aliás, ela remete à ideia de rodopio, mas em sentido diferente daquele do pião a que me referi há pouco. Está na carta 8, quando Sêneca diz que a filosofia faz com que o sujeito gire em torno de si mesmo, isto é, faz com que ele execute o gesto pelo qual, tradicional e juridicamente, o mestre liberta seu escravo. Havia um gesto ritual, com que o mestre, a fim de mostrar, manifestar, efetuar a libertação do escravo em sua sujeição, fazia-o girar em torno dele mesmo. (Foucault, 2006, p. 261)
Nesse artigo vamos percorrer alguns dos rumos que perpassam as relações entre o Estado e a miséria concebida como barbárie da civilidade, ou seja, como mácula interna ou fronteira externa que em ambos os casos deve ser duramente combatida (luta de classes), calorosamente incluída (através da misericórdia cristã ou do espetáculo do consumo) ou ainda, habilmente gerida pelo aparelho de Estado e suas diversas estratégias de assistência. Pretendemos pensar como o Estado, junto de organizações não governamentais, instituições religiosas e ações de responsabilidade empresarial, através de uma intricada trama, produz diferentes objetivações de tal miséria: 1) como barbárie a ser debelada do capitalismo ou 2) como resistência civilizada a ser emancipada pelo movimento proletário. Isso nos permitirá pensar como os profissionais técnicos da saúde e assistência são atores fundamentais em tal implementação de políticas estatais civilizatórias? Para tanto, faremos tal problematização utilizando como intercessores algumas propostas de olhar apresentadas pela arte marginal brasileira que, com Hélio Oiticica e Wally Salomão, promoveu uma artesanagem antropofágica a qual traçou uma tangente aquém e além dos binarismos usuais quando falamos dos bárbaros ou civilizados na labuta binária de incluir-excluir.
Assim, o presente artigo tem o intuito de problematizar as articulações das políticas públicas estatais (saúde, assistência, educação, segurança, etc.) com esse concreto e inesgotável objeto para o qual elas se direcionam: a (possibilidade da) barbárie. Tentaremos dirimir tal binarismo entre civilização e barbárie por meio de ferramentas praticoconceituais erigidas nas obras de Helio Oiticica e Waly Salomão, pois apenas assim poderemos produzir práticas em políticas públicas que prescindam da imposição violenta de modelos civilizatórios sobre os diferentes grupos que constituem nosso rizoma social.
Paradoxos da violência civilizatória.
No metier de evitar a barbárie e sua brutalidade o Estado se vê legitimado ao uso da força em nome de uma civilidade compulsória (Bobbio, 1998). Razão de Estado (Foucault, 2006) e Estado de Exceção (Agamben, 2008) são operações que definem ações estatais criminosas tornadas legítimas em nome da manutenção da ordem estabelecida e do bem estar de todos. Desocupações, destruições de moradias, espancamentos, assassinatos, na expressão brutal destas ações; ou tratamento de saúde e atenção social compulsórios em sua expressão mais terna e flexível. São civilizatórias estas ações em todas as suas formas, na ternura e na brutalidade. De todo modo, em versões mais ou menos diretas, trata-se de eliminar toda formação social/subjetiva/existencial que transborde ou escape à simetria de uma geometria concêntrica a qual permite o livre fluir do capital na sociedade de iguais. O bem comum justificou e justifica uma série de atos de violência e coação sob o signo do humanismo em busca de seu modelo de humano idealizado (Foucault, 2006).
Tal racionalidade de Estado identifica situações de risco ou vulnerabilidades através das quais constrói seus objetos de intervenção e para os quais toma medidas de contenção. Estas intervenções são práticas de vigiamento, reforma ou punição e os objetos a ela atrelados ganham uma conotação mais ou menos emergencial não por sua maior ou menor afronta ao regime jurídico, mas pelos tipos de intervenção que requerem: crime ou contravenção, inundação ou deslizamento, adoecimento ou acidente, desemprego ou vagabundagem, militância ou baderna, e assim por diante. Neste sentido, tais objetos ganham inteligibilidade pelo olhar de uma racionalidade civilizatória que não se abstém de fazer uso da coação física, caso necessário, para conduzir estas condutas a uma modulação mais segura e aceitável segundo certos critérios razoáveis: bem estar, qualidade de vida, sobrevivência, vida, leis, costumes, economia, etc.. Seriam estes fins que fariam da referida violência um gesto civilizado e não mera brutalidade.
Enquanto os discursos ditos de esquerda e de direita, por exemplo, digladiam-se há muito tempo neste paradoxal debate para delimitar as linhas que dividem a violência legítima da ilegítima, que separam a coragem heroica da vilania covarde, a civilização da barbárie (Foucault, 2006); compreendemos aqui que o Estado necessariamente está atrelado à violência em sua razão civilizatória e conservadora de normas, valores, condutas, etc. "(..) ao menos no que se refere ao Estado, não existe nenhuma antinomia entre violência e razão1" (Foucault, 2006, p.306). Assim, ao contrário do que se pensa na perspectiva eurocentrada, a violência não é uma prática afetivo-emocional que nega à razão, muito antes o contrário, trata-se de uma dimensão imanente à racionalidade de Estado em sua batalha pela conduta das condutas.
No entanto, alguns (Foucault, 2006) dirão que a real oposição não se dá entre violência e razão, mas sim entre violência e brutalidade: enquanto a primeira pode ser medida e planificada em prol de fins claros como o bem comum, a segunda é produto do capricho e da crueldade e tem como único fim provocar a dor e o sofrimento (Foucault, 2006, p.307). É exatamente nesta complicada equação que opõe uma violência que se diz libertadora (civilizatória) a uma brutalidade considerada obscura, repressora e cruel, que se digladiaram e se digladiam movimentos políticos entre ações de promoção da ordem pelas polícias e ações de revolta denominadas terroristas ou vândalas. Assim, enquanto alguns denominam brutalidade à violência dos policiais reprimindo as manifestações populares não pacíficas, outros denominarão brutalidade às ações de destruição de patrimônio público e privado por parte dos manifestantes. Foucault (2006) nos exemplifica tal questão com um excerto de Jean Genet defendendo as explosões de lojas e prédios públicos perpetradas pelo grupo de Baader e Meinhof: neste caso a pesada repressão policial da Alemanha Ocidental nos tempos de muro é denominada "brutal" enquanto as explosões são uma violência "heróica" (Foucault, 2006, p.307). Aqui nos desfazemos de tal oposição moralizadora que confronta dois modelos civilizatórios em uma batalha estéril de juízos de valor, preferimos considerar a potência da Brutalidade como aquilo que escapa aos modelos civilizatórios, como suas brechas e frestas, suas neoplasias incitadoras de desordens nas segmentações molares e moleculares. Assim, a Brutalidade (Costa, 2007) não está fora do civilizado, mas entranhada nele, vazando e transbordando das próprias práticas civilizatórias: a cidade mesma em seu feroz processo de urbanização produziu seus bárbaros, isolando-os em periferias ou altos de morros, produzindo pequenos guetos em meio a prédios, vias e avenidas. Os moradores de rua, por exemplo, chocam aos olhos sedentários com seu nomadismo coletor-caçador em meio aos restos da cidade, mas tais práticas são vida que viceja em meio à civilidade e suas práticas de hiperconsumo e descartabilidade. Tal barbárie e brutalidade do urbano não é o avesso do civilizado, mas faz parte da sua dinâmica intrínseca e está entranhada e imanente ao próprio urbano.
Para além da cisão binária selvagem-civilizado, que sempre apontou a brutalidade como traço essencial do primeiro termo a ser eliminada com a finalidade de fazer prevalecer o segundo, podemos encontrar em alguns autores a positivização do que era tomado como negativo. Assim como Foucault confrontou a hipótese repressiva do poder demonstrando que o mesmo é antes de tudo produtivo, Pierre Clastres (2013) questionou a noção de negatividade regressiva outorgada aos ditos primitivos. É possível compreender a segmentariedade heterogênea dos selvagens não como ausência deficitária do Estado, mas como afirmação de uma outra geometria? Sim. Clastres encontra junto aos ameríndios da bacia amazônica uma organização social que possui uma série de estratégias voltadas para evitar qualquer possibilidade de cristalização e centralização das relações de poder capazes de fazer emergir o Estado. Tais selvagens não são aquém do Estado, não se trata de uma fase deficitária, regressiva, mas sim de uma dinâmica de cultivo da flexibilidade a qual desativa e esconjura todas as iniciativas de sobrecodificar a complexa geometria metaestável das tribos. Os selvagens estariam em intencional e permanente estado crítico nas relações de poder, de modo a impedir o surgimento das ressonâncias molares, centralizadas e hierarquizadas. Há uma paradoxalização da relação entre Selvagens e Civilizados em Clastres (2013) e em Gilles Deleuze e Félix Guattari (1997; 1976). Por paradoxalização, nos referimos à desarticulação da pretensa relação hierárquica entre ambas as categorias, de modo que ao produzirem vizinhança num plano horizontal impossível de conciliá-las em sua radical diferença, suas fronteiras se interpenetram, produzindo arranjos impensáveis: o funcionamento selvagem da civilização ou a civilidade dos selvagens, por exemplo.
Helio e Salomão: a profana caixa de ferramentas da arte marginal reinventando a relação entre barbárie e civilidade.
Nascido em 1937 numa família da classe média/alta carioca, Oiticica, ao lado de Lygia Clark, Amílcar de Castro e outros, fez parte do movimento concretista brasileiro que buscou expandir as artes plásticas para além das limitações figurativas e estruturais da pintura e da escultura e, especialmente, levar para a arte uma reflexão conceitual sobre o mundo, rejeitando a ideia da arte como uma expressão íntima do artista. Nesse sentido, a arte de Oiticica foi fortemente influenciada pelo seu modo de habitar a cidade do Rio de Janeiro. Ao contrário da grande maioria de seus companheiros de educação refinada e prazeres burgueses que se contentavam com a inebriante sedução da zona sul carioca, Oiticica fez da cidade um campo de experimentação, incluindo nos seus trajetos diversas áreas de favelas, sendo a da Mangueira o local onde mais intensamente experimentou o desfazimento da sua couraça etnocêntrica.
Ele vagava no morro o ano inteiro, conhecia as quebradas como a palma da mão. Barracos, biroscas e bocas. Incorporando o modo sinuoso e abrupto, barra pesada e festa, clima de cidade pequena onde todos sacam todos. Entretecendo amizades e laços. Então ali era realizada uma atitude inaugural de imersão. Comparável à um dança de casa de uma árvore ou à mudança de pele de uma cascavel. (Salomão, 2003, p. 81)
Oiticica interessava-se pelas favelas, pelas ruas, pelos terrenos baldios, pelas coisas inacabadas. Demonstrava interesse pela primitividade construtiva popular, pelas paisagens suburbanas e por suas construções culturais e arquitetônicas. Frequentava as zonas ditas pouco nobres e lá estabeleceu amizades e realizou mergulhos existenciais nas favelas da Mangueira, do morro São Carlos, na Zona do Mangue, nas ruas da Central do Brasil. Gesto de exploração dos territórios estrangeiros em busca de uma expansão de si, de quebrar os clichês e a primazia do pensamento racional europeu, de sair do impasse político da cidade partida: a escolha entre a suficiência arrogante-paranóica burguesa brasileira ou se transfundir no outro (Salomão, 2003). Estratégia ambiental de transformação de si e do mundo; jogo com a contiguidade, jogo de criação de vizinhanças (paradoxais). É a fuga do modo operativo em-simesmado burguês e a abertura a conexão com o território outro: a favela, a rua.
A rua para Hélio, nas palavras do próprio, tinha função de tirá-lo da abstração, ela servia de contraponto à abstração (Salomão, 2003). A partir dessa aproximação, tomava os elementos e os modos operativos dessas estéticas para a construção de seus arranjos dinâmicos (Salomão, 2003). Aproximava-se da arquitetura precária, incompleta, flexível, orgânica dos barracos, das casas de mendigo, das festas populares. Estética na qual a incompletude e a precariedade estavam incluídas e eram elementos fundamentais para seu funcionamento. Uma vontade de se afastar da conclusividade: "a mesma garra de manter os terminais em aberto" (Salomão, 2003, p. 137) e de captar "signos em ereção de um mundo precário" (Salomão, 2003, p.134). Elevação do detrito como a possibilidade do novo: "nem tudo está perdido: restam os bárbaros" (Salomão, 2003, p. 89).
O feixe dos sentidos aceso e a apreensão da GESTALT imanente para quem sabe bem se impregnar de visões, cheiros e fumaças, tatos e audições. O eu superintelec tualizado e burguês tornado vapor, vaporizado. Andar por dentro das arquiteturas e armações populares e gozar. Andar, andar, andar, perder os passos na noite também perdida. Não constitui o costumeiro procedimento acadêmico de "estudo da comu nidade", com o "olhar afastado" de quem não pretende se lambuzar na teia das rela ções simbólicas, ou "pior", copular com o mundo (Salomão, 2003, p.32).
Oiticica produziu em sua vida-obra uma reversão da intimidade, essa joia rara burguesa. A cidade é insensível à necessidade de intimidade do burguês; não se rende a reivindicação de paz para o intelectual raciocinar. Qualquer relaxamento tem que ser precário, provisório, como os beliches e tecidos dos Ninhos. É preciso inventar as próprias condições para o pensamento e não reivindicá-las tal qual um proprietário que quer sua segurança civilizada garantida por muros, grades, porteiros eletrônicos, etc. A rua, portanto, e a favela em especial, possibilitam uma operação de reversão da intimidade e abstração do pensamento burguês universalista em uma experimentação baseada na inventividade intempestiva do precário. O olhar sobre as tensões na cidade não pode ser o do proprietário, mas o do inventor, o do artesão de seu próprio lugar. Falar da exclusão é também, portanto, inventá-la por oposição a certa categoria de conforto onde provisoriamente nos instalamos (nós, os incluídos, falando dos excluídos). Mas essa inclusão deve ser precária, pois deve ser inventada sob a fragilidade do ninho e não sob a robustez palaciana dos vencedores2. Então, o Parangolé da Exclusão não se opõe à inclusão precária: ele afirma que toda a inclusão deve ser precária para ser ética!
Penetráveis: a produção do comum em encontros com a diferença
A série Penetráveis foi o modo como Oiticica batizou sua estreia no mundo das instalações. Grandes ambientes, com tamanho suficiente para que uma ou mais pessoas pudessem entrar nele e ali tomar contato com os elementos dispostos de modo a forçar a atenção do sujeito para a textura, o som, o cheiro, isto é, a existência sensorial do ambiente. O conceito da obra não está guardado num encadeamento lógico a ser depreendido da formação estética, mas é produzido na própria interação sensorial do espectador com a obra. De que modo isso pode nos auxiliar a pensar uma ética nas práticas sociais?
Se hoje a ideia de frequentar uma favela parece apenas uma questão de escolher a agência de turismo para um favela tour, isso não era bem assim quando das incursões de HO no morro da mangueira. Segundo Salomão (2003, p.81), fazê-lo àquela época significava uma "ruptura etnocêntrica, era uma ruptura com o grupo dele, a família...". Era um arriscar-se a ser contaminado pelo ambiente, a deixar-se fazer parte do ambiente, ser transformado por ele. É esse um dos pontos centrais da ideia de Penetráveis, ou seja, a ideia de um descentramento do sujeito a partir da incursão espacial, principalmente, por meio de uma abertura sensorial.
A ideia dos Penetráveis é de que toda a realidade é uma montagem, um arranjo, uma disposição. Ao montar o Penetrável Tropicália, que acabou emprestando o nome para o movimento musical, Oiticica pretendia ao mesmo tempo desmontar a ideia do Brasil exótico, do Brasil cartão-postal que satura a visão, do Brasil caipirinha que turva a percepção. Toda montagem é também uma desmontagem: "tem sempre essa atitude de tirar os sapatos para sentir brita, pedra, no espaço onde aquilo é construído. Um filtro sensorial que questiona e corrói o exótico enquanto estereótipo" (Salomão, 2003, p. 63-64).
É preciso, portanto, a respeito da forma como implantamos programas sociais nas comunidades, nas populações vulneráveis, levar em consideração que nunca é a favela, ou os marginalizados, ou os excluídos, cada aspecto da pobreza tem sua própria dimensão antinatural, de montagem, e, como tal, pode ser penetrável, pode ser experienciável como um ambiente, como um lugar. Não para nos mimetizarmos com as populações assistidas. Não se trata do discurso da vivência, ou de uma romântica indiferenciação, como se fosse possível ou necessário apagar as diferenças para produzir uma política social de modo ético. A ética reside justamente numa atitude de experimentação e contágio. Uma atitude que não corresponde a um altruísmo e, sim, a uma necessidade. Trata-se de ativar aquilo que em nós precisa respirar. Aquilo que demanda a experimentação. É sem dúvida um arriscar-se. Mas não apenas a nossa integridade física, como talvez alguns trabalhadores sociais que desenvolvam políticas nas comunidades podem orgulhosamente compreender que arriscam, e possivelmente o fazem. Mas arriscar tornar-se outro, arriscar experimentar a dor e a alegria dos encontros.
Hoje em dia ir a uma Escola de Samba não constitui nenhuma aventura excepcional. É uma safe adventure. Um pacote convencional igual aos oferecidos por qual quer agência de turismo para Disneyworld. Ou percorrer Epcot Center, esta receita fantástica para fazer ovos mexicanos de nações e noções. Repito: nenhuma pele etnocêntrica é tirada. Repito: Hélio quando foi ser passista aprendeu todos os pas sos básicos do samba como, nos dias de hoje, ninguém que vai por lá sente sequer a necessidade de aprender. (...) Não foi uma FAVELA TOUR. Foi um aprendizado gozoso e doloroso. (Salomão, 2003, p. 47)
Desde seus primeiros trabalhos, pode-se dizer que Oiticica procurava uma definição de uma ontologia ou gênese da obra. Para Salomão (2003), a obra de Hélio tem como problema a busca da construção de possibilidades para a obra e para toda a criação: obra, si e mundo. Essa junção é possibilitada pelo espaço como ponto de encontro e é produzida, na visão de Waly (2003), por uma postura que consiste em estar aberto às ambivalências: o artista como uma espécie de consciência pênsil entre indivíduo e coletivo. Um posicionamento entre e oscilante, que busca "chumbar a ordem da vivência com a ordem da expressão" (Salomão, 2003, p. 67). Hélio criava condições de criação através do que Waly chamou de Território Randômia.
Território Randômia: o fora radical não é o exterior, mas o fora da ordem.
...terra ignota atingida pelo cruzamento da refinada aceitação do acaso (random) com a candanga casca grossa da depredada Rondônia. Uma atitude cada vez mais solta e livre em relação aos meios de expressão, compreendendo o acaso e o acidental como começo de uma nova ordem. São estruturas tão abertas, includentes e de delicadíssima executablidade (Salomão, 2003, p. 30).
Produzindo-experienciando Randômia pela exploração de territórios marginais, de territórios em brasas, incandescentes, cheios de focos de incêndios, queima de arquivos, locais de desova. Diante da vertigem experimental Waly pergunta: "e agora?! Quer dizer... e o que é que eu sou?" (Nader, 2008), a pergunta não se dirige à busca por uma identidade própria pessoal, mas aos outros, ou melhor, ao espaço-ambiente que Waly habita: como sou/somos feitos? Sob que condições? Pergunta que se funda(e) na alteridade: como nos compomos, como nos relacionamos? Pergunta que, necessariamente, no Brasil de 60/70, coloca o problema da grande maioria da população excluída, marginal. Problemas brasileiros, experiências que se produzem no território Brasil: o estrangeiro não é mais somente o europeu, o gringo, mas também os marginais. Os selvagens não estão mais apenas nas matas e nos campos, mas nas próprias margens internas da cidade. Se vivemos na cidade e, a partir da preocupação com esse ambiente-meio-condição de produção, a margem também define essas condições, também define o que sou.
Para Waly esta aproximação foi vital, tanto na situação iniciática de ser preso, quanto na relação que manteve com as quebradas. Waly cria um corpo sensível à margem. Incorpora a precariedade e o informal como parte das condições de produção. Corpo sensível que lhe permite criar vizinhança com os mais variados elementos e lugares: "Nada que se aproxima, nada me é estranho; fulano, sicrano, beltrano; seja pedra, seja planta, seja bicho, seja humano" Uma reivindicação por outra sensibilidade que permita "respirar no cadáver do terceiro trópico destes tristes mundos" (Salomão, 2003, p. 79), utilizando-se de elementos circenses, tragicômicos para não perder o vigor. A atenção às agruras dos que estão na base da pirâmide social estará presente em toda obra de Waly, mas não como uma crítica social senso comum, na qual a miséria vira um objeto distante e chapado, tornado abstrato em uma ideia geral: exclusão, classe, proletariado, etc..Waly dá profundidade e movimento, sem embelezamento, à miséria. Foge ao olhar distanciado do intelectual que reifica a clivagem sujeito/objeto e estabelece a margem como umbral do céu ou inferno.
Da aproximação e contaminação com a margem constróise um corpo sensível político brutalista. Waly rechaça o rótulo de poeta marginal, pois, na relação com a margem não se trata de tornar-se um marginal, mas de se tornar sensível à margem. A margem permite a limpeza dos clichês, pois nela está em abundancia o bruto do mundo: por isso um realismo da margem (unrealisme de larivage), que não é a figura coagulada e esterotipada do marginal: "Não cultuar, idólatra, a imagem da margem (...) O furador de ondas: cujo teto sem teto é a metamorfose. Mergulhar sob as ondas indomáveis. Ir de encontro ao horror e nele colher centelhas luminosas. Pelas ondas sabem-se os mares, lambem-se as margens." (Salomão, 2000, p. 38).
Este corpo sensível, criado em contiguidade com a existência concreta e não idealizada da margem, é o parangolé. Corpo político atento ao alheio, não pela via das imagens/clichês/coágulos. Mas pela via do bruto. Por isso um parangolébrutalista.
Parangolé: o grão de contágio paradoxal do delírio de si.
Seguindo com sua estratégia de dissolução das segmentações pela operação de experimentações que abrem-se ao acaso, paradoxos e outras forças informes, Oiticica cria a mais conhecida das suas séries de trabalhos: os Parangolés. Tais obras constituem-se, na sua maioria, de capas, mas também são faixas, estandartes ou tendas, confeccionadas com materiais simples: retalhos de tecido, plástico, madeira e cola, cujo valor estético emerge da sua vestimenta e do seu uso na dançagiro pelo espaço. Aquilo que o próprio Oiticica chama de parangolé-play.
A centelha da ideia do parangolé nasce das fotos da francesa DesdemondeBordin, que fotografou um mendigo perto do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM), "e seu envoltório de trapos, tralhas, sacos plásticos, latas, sua parafernália de bugigangas recolhidas da descarga da grande cidade" (Salomão, 2003, p. 39). Neste protoparangolé, cada parte ou elemento era ligado a outro em contiguidade. Para Oiticica, o parangolé seria a unidade mínima presente na estética das feiras, casas de mendigos, decoração de festas populares: formações ultra-elásticas em suas possibilidades de relação.
O Parangolé de Oiticica é uma obra-acontecimento. Ele se constitui em determinado momento e lugar, onde alguém veste a capa-parangolé, dança e gira no espaço. Um acontecimento. Interessa a Oiticica essa concreção da obra que está para além da intenção e controle do artista e que envolve outros atores, sempre como autores, ou coautores do parangolé. Parangolé: "Projetos circunstanciais de situações ambientais-grupais-derua" (Oiticica, 2013, p. 21). Parangolé: "ícone vorticista corporal" (Salomão, 2003, p. 39). Esse programa-jogo-dança-experimentação só pode acontecer como criação de um corpo coletivo, isto é, de um comum.
Oiticica (2013), em textos posteriores, vai falar do Parangolé como um programa-jogo. Esse jogo passa por uma alteração no modo de subjetivação: o programa parangolé passa por "livrar o sujeito do ego, da identidade (...) Conceito de sujeito que não é mais dotado de profundidade psicológica" (Oiticica, 2013). Uma proposição corporal levada a um nível de experimentalidade aberta (Oiticica, 2013), no qual o agente não é um eu identificado, mas a experiência do giro que rompe as fronteiras, o jogo de dissolvência da fronteira corpo/ambiente dando-se em ato. A dança é a criação de um clímax corporal não representativo, não verbal. Não se trata de uma exibição, display, mas sim experimentação, play (Oiticica, 2013).
Se o parangolé surge a partir da visão do mendigo que transformava o lixo das ruas, é porque naquela estética de vida Oiticica viu um espaço real encarnado por um corpo pulsante que "dispara e presentifica camadas e camadas e camadas de sinais" (Salomão, 2003, p. 129) de toda a cidade. Há "um essencial que define cada parte que se liga à outra em contiguidade" (Oiticica, 1986, p. 6). Esse essencial não é uma forma, mas uma operação de corte e conexão.
O Parangolé é, portanto, mais do que um objeto, um vetor de desmontagem das linhas verticais de poder que incidem sobre a arte, e uma tentativa de intensificação das sensibilidades horizontalizadas, sociais, coletivas do tipo "peixes de um mesmo cardume", dos regimes cognitivos que se mobilizam pela imanência fluida e pulsante que nos envolve, mais do que pelas identidades e significados estáveis que nos orientam. Porque, segundo Salomão (2003, p. 25), o Parangolé nos remete a "um programa estéticocomportamental de desregramento de todos os sentidos" que ele nos serve como um intercessor3 para o conceito de exclusão social. Ele comparece para trair o conceito, desviá-lo de seu bom caminho, forçar os seus limites em direção às travessias mais arriscadas. O Parangolé da exclusão, como conceito, é a realização de uma potência não prevista pelo artista, faz da exclusão social um híbrido, uma articulação excêntrica que busca desorientar o politicamente correto no seio das nossas tumultuadas diferenças sociais. Oiticica não via a favela e a rua como lugares da falta, mas como lugares que evidenciam o caráter criativo e artificial da realidade. O jogo do parangolé seria então como um protótipo para devires selvagens: agenciamentos coletivos e impessoais que se dão por contiguidade. A atração e incorporação do ambiente e no ambiente faz do corpo um corpo político. Tudo se torna corpo, e todo corpo é coletivo.
Tal corpo-parangolé promove uma percepção louca, multiconectiva: "criar condições para que o delírio seja a medida do universo" (Salomão, 2014, 162). A chave para essa ampliação é esse corpo sensível fundado num certo rompimento das linhas de fronteiras. O alheio é uma oportunidade de ampliação do meu mundo: "amigo do alheio eu sou... e de toda extensão que exubera além de mim" (Salomão, 1998, p. 37). O parangolé nos remete ao cuidado de si como prática da liberdade (Foucault, 2004): "nasci, sob um teto sossegado. Meu sonho era um pequenino sonho meu. Na ciência dos cuidados fui treinado. Agora, entre o meu ser e ser alheio, a linha de fronteira se rompeu" (Salomão, 2003). Tomando como pressuposto a liberdade como ampliação do campo de possibilidades do ser e não um livre-arbítrio substancial/formal garantido pela ausência de coações à ação racional, ou seja, trata-se do cultivo da experimentação como abertura ao outro em mim:
fome de me tornar em tudo que não sou. Meu ser compondo um bloco homogêneo e coeso para a ação. Provocar. Acontecer uma mudança em mim. Sair de novo a luz do sol, limpar o lixo emocional (...) fome de me tornar em tudo que não sou: fome de fiction, ficctiones, fictionários. Fome das fricções de ser contra ser. Tudo que não sou, ser de encontro o outro ser (...) fui virando uma pessoa que vai viran do seu virando uma pessoa (...) Pessoa que vai variando se variando, um variando de vários variando... (Salomão, 1983, p. 111)
O interesse pelo ambiental e pela gênese da criação que perpassa toda a obra de Oiticica, tendo no parangolé o nódulo decisivo, desembocando nos penetráveis, visa chegar ao "supra sensorial" (Oiticica, 1983, p.14). Oiticica define supra sensorial como uma espécie de estabilidade entre os estados alucinógenos e seu estado complementar, o não-alucinógeno. Uma supra-sensação; dilatamento da capacidade sensorial habitual pelo delírio (Oiticica, 1983). Nessa abertura cada vez maior, o trabalho do especialista (pintor, escultor, dançarino) é abandonado e é assumida a "função totalizante do experimentador" (Salomão, 2003, p. 32).
Os delírios dos penetráveis e parangolés de Oiticica se coadunam com as aberturas sensíveis do poema Pancinema de Salomão: uma perspectiva que Antônio Cícero chamou de Falange de máscaras (Cícero, 2005). Nessa perspectiva pancinemática Waly podia acessar os mais variados personagens. Uma operatória de "cambiar de idioma pourprovoquersistematicmantle delire", o "uso permanente de uma infidelidade em relação à identidade contínua de mim mesmo" (Salomão, 2014, p. 71). Pancinema consiste em perambular, transitar o transitivo, o transacional como forma de criar condições para que o "delírio seja a medida do universo" (Salomão, 2014, p. 162).
A margem como paradoxo: da transgressão do limite à invenção do outro.
Amigo dos meliantes que moravam ou frequentavam o Morro da Mangueira e outras favelas por onde circulava, Oiticica se viu indignado pela execução de seu camarada e também conhecido delinquente, famoso pela alcunha de Cara de Cavalo. Imprimiu então a imagem do corpo executado por uma centena de tiros sobre uma caixa e exibiua ao público. Mais tarde, a mesma foto seria estampada numa bandeira com os dizeres, também de Oiticica: Seja marginal, seja herói!, numa bandeira que serviu de cenário para um show dos tropicalistas Caetano e Gil.
Com o Bólide Caixa 18 ou Homenagem a Cara de Cavalo, Hélio Oiticica assinalou o seu projeto de diferenciação do tipo de violência que ele via no cotidiano da favela, daquela violência que se instalava no país sob a inspiração de um governo ditatorial e que começava a escrever a longa ficha corrida de violações aos direitos humanos dirigida contra a população pobre e que ainda está sendo produzida até hoje. Para Oiticica a violência da bandidagem do morro com a qual ele conviveu era da natureza dos bólides: efêmera, veloz, reluzente, e passageira, e não econômica, lenta e pesada como os caveirões.
Para o trabalhador social, a violência que habita as comunidades aparece com todo o peso antropológico, sociológico e naturalizante que justifica a necessidade de intervenção. A necessidade de mudar a realidade, de incluir, de garantir direitos, de apaziguar a cidade. A recusa do etnocentrismo encontra aí seu adversário mais ardiloso. A violência produz os violentados. Ela objetaliza a categoria abstrata dos desfavorecidos. São as vítimas da violência que precisam das políticas públicas. A violência das gangues, das drogas, da polícia, do homem contra a mulher, contra a criança enfim, do sistema contra a população. Através da violência, a fronteira que assegura quem são os operadores e quem são os alvos das políticas sociais fica mais definida.
Com "Seja marginal, seja herói!", Oiticica faz uma reversão da polaridade do vitimado. A violência do marginal para Oiticica pode ser, "uma busca desesperada de felicidade" (Oiticica apud Salomão, 2003, p. 36). Ao contrário de um ato de terror, ou de dor, ou de opressão, uma busca por felicidade. Uma busca desesperada por ultrapassar os limites. E é a vida média, organizada, enquadrada, adequada, limitada, aquela em que nada extravasa (não sem um fármaco para remediar) que é então vitimizada. A norma é o aspecto mais pesado da violência, sua qualidade persistente e contínua. A prisão da norma e da lei que é a prisão que habitamos a maioria de nós, portanto, é a forma da violência que nos vitima e cujas estruturas Oiticica atinge com o paroxismo: "Seja marginal, seja herói!". Um convite à ultrapassagem e uma desnaturalização da pobreza e dos favelados como os vitimizados pela violência. É preciso pensar a violência, sim, mas como transversal às nossas formações sociais e não como regional, localizada, como problema dos excluídos. Aquele que sai para a rua, que sofre o exílio sofre uma violência que diz da violência da norma, ali onde ela destitui a experiência de uma vida. Os códigos urbanos civilizados são quebrados por uma violência institucional e institucionalizada. Disso que se quebra, uma terra estrangeira se forma, e esta terra estrangeira, ou esta margem diz respeito as nossas próprias formas, são oportunidades para podermos fazer furos de respiro em nossas instituições, modos e formas. Não cair na armadilha civilizar ou barbarizar: mas hibridizar a partir de um andar atento e respeitoso às quebradas, às gírias, aos mocós, enfim, às estéticas que estão em estado de emergência: tanto de crise, quanto de ereção de novos signos e valores.
Considerações finais
Ao nos inspirarmos nas direções ético-estéticas traçadas por Helio Oiticica e Waly Salmão podemos pensar práticas atreladas ao Aparelho de Estado que potencializem tais estados críticos dissonantes em relação a um funcionamento molar e centralizado. As políticas ditas inclusivas ou de garantia de direitos, mesmo erigidas no seio deste Aparelho centralizador que é o Estado ganham uma modulação anômala, isto é, uma proximidade com os modos selvagens ou bárbaros, os quais, por sua vez, não são mais compreendidos como oposição ou negação da ordem ou da civilidade. Trata-se de afirmar uma potência que é própria daquilo que viceja na periferia ou nas zonas de penumbra da racionalidade política moderna.
As forças do Livre Mercado em sua Máquina de Guerra (Deleuze & Guattari, 1997) já se fazem sentir intensamente nas formas do Estado e sua atual geometria dispersiva (terceirizações, parcerias público-privadas, regulação de políticas de governo por indexadores de mercado, planejamento e execução de políticas públicas via editais abertos ao terceiro setor, etc.). As periferias e as zonas de indiscernimento não são, por si só, anticapitalistas. Ao contrário, o que caracteriza o capitalismo contemporâneo é sua capacidade de sobrecodificar a heterogênese e fazê-la operar na lógica indexada das relações créditodívida. Deste modo, vivenciamos um hibridismo na acepção da barbárie, identificando-a junto às forças desterritorializantes do capitalismo dito selvagem, mas também junto àqueles que o esquadro dos padrões de condutas exigidos pelos fluxos do mercado não contempla: loucos, vagabundos, miseráveis, marginais e demais estranhos aos nossos sistemas de aceitabilidade?
Existem, claro, iniciativas que pretendem romper o binarismo entre selvagens e civilizados em nossas políticas públicas: práticas de participação e controle social no planejamento e execução das políticas por parte de usuários, associações, movimentos sociais; programas que buscam emular lógicas de contra-conduta (Foucault, 2006) ao modelo civilizado, em especial com relação a adictos e moradores de rua; criação de novos atores não especializados de promoção de saúde; entre outros projetos experimentais que buscam complexificar a geometria molar concêntrica usualmente reproduzida pelo Aparelho de Estado em seus vários campos de atuação (saúde, assistência, educação, trabalho, segurança, etc.). Sabemos, no entanto, que muitas destas iniciativas que se pretendem deslocamentos das lógicas instituídas findam por se acomodarem aos esquemas já existentes: são capturadas pelas dinâmicas molares que centralizam suas ações a partir do projeto civilizatório ocidental.
Parte destas dificuldades está na ausência de ferramentas teórico-práticas que se constituam no hibridismo entre o civilizado e o bárbaro, entre o nomadismo e o sedentário. Como as ferramentas destes trabalhadores biopolíticos foram na maioria das vezes forjadas sob o signo de um humanismo iluminista, torna-se muito difícil operar com elas aparadoxalização deste modelo.
Frente a essa necessidade de enriquecermos nossa caixa de ferramentas com novas operações que permitam a produção de outras lógicas anômalas nas tecnologias de subjetivação do Aparelho de Estado e seus trabalhadores biopolíticos entendemos que as obras de Hélio Oiticica e Waly Salomão possibilitam novos agenciamentos entre a marginália e o Estado, abrindo brechas na sua arquitetura simétrica para tais geometrias complexas e fluidas.
Com suas experimentações, Hélio Oiticica e Waly Salomão não apenas agitaram as sensibilidades artísticas pequeno-burguesas, como deixaram pistas de uma ética experimental cuja premissa não se funda na dissolução da tensão entre os diferentes modos de habitar a cidade, mas, ao contrário, aposta na interpelação de certos ideais de sociabilidade politicamente corretos e suas correspondentes éticas prêt-à-porter. Vimos assim, alguns cruzamentos Brutalistas entre Waly e Oiticica: entre experimentações da margem no espaço e em si mesmo, buscando delírios, inacabamentos, margens que permitam dissolver o binarismo entre o selvagem e o civilizado, pois apenas assim poderemos estabelecer relações com as singularidades ético-estética de ambos sem achatá-los com representações abstratas e generalizações universais. Vimos que sua práxis nos oferta algumas operações com interessantes efeitos, os quais podem interferir nas práticas da saúde e assistência quando em relação com o outro da pobreza, da loucura, da margem enfim.
Operações que podem provocar a experimentação com Randômia e os Penetráveis em sua estética do inacabado, do precário que nos leva à experiência da margem, do movimento em devir. Operações que podem provocar contágios paradoxais na ação dos Parangolés em abrir-nos para composições delirantes, alucinações reais. Cada um deles se incorpora na metodologia da polinização cruzada (Salomão, 1998) em seu ofício de produzir híbridos paradoxais entre civilidade e barbárie.
Randômia e os Penetráveis nos apontam a pista da experimentação como programa a ser vivido: autoexposição ao estrangeiro, outrar-se em núpcias com as brechas das subjetivações civilizadas. Os parangolés, por sua vez, nos apresentam a pista do contágio como mecanismo de dispersão experimental: dispositivo móvel de contágio que inocula em diferentes espaços pontos de transvaloração antropofágica entre civilidade e barbárie. Juntos, nos apresentam as pistas do corpo (múltiplas articulações sensíveis) em delírio (excesso) ao afirmar uma produção de conhecimentos não representacionais, em composições heterogêneas de vivências desterritorializantes. Experimentação, contágio e o corpo em delírio: na coadunação de randomia, parangolés e penetráveis, compomos experiências das margens em instalaçõescontágios. Tais operações podem promover a polinização cruzada entre o afã civilizatório das Políticas Públicas e as brechas de barbárie que as mesmas costumam tamponar: passagens possíveis de uma Política do Estado para o que vem sendo enunciado em alguns estudos (Barros & Pimentel, 2012; Pasche, Passos & Barros, 2009) como "Política do Comum".
Referências
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Recebido em: 14/06/2018
Aprovado em: 15/08/2018
1 "(..) al menos en lo concerniente al Estado, no hay ninguna antinomia entre violencia y razon
2 Há um importante trajeto a ser percorrido pelo pensamento crítico nas políticas sociais, especialmente no trabalho da assistência social, que é o de diferenciar o trabalho precário do trabalho penoso. Há uma precariedade estratégica no trabalho social-comunitário, no sentido de conquistar espaços provisórios, de buscar exercícios minoritários do poder. Por outro lado, há também a constante produção de uma penalização do trabalho social-comunitário, como se opção de trabalhar com a miséria, a doença ou a violência fosse uma opção expiatória, mais uma das incontáveis dívidas que nos apresentam para pagar. Saber diferenciar o precário do penoso e as contingências de um e outro processo parece-me uma estratégia importante da prática social-comunitária.
3 Deleuze (2007) chamou de intercessores os artefatos capazes de forçar o pensamento, de arrancá-lo das insistências da recognição. "O essencial são os intercessores. A criação são os intercessores. Podem ser pessoas - para um filósofo, artistas ou cientistas; para um cientista, filósofos ou artistas - mas também coisas, plantas, até animais, como em Castañeda. Fictícios ou reais, animados ou inanimados, é preciso fabricar seus próprios intercessores" (156).