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Revista Psicologia Política
Print version ISSN 1519-549XOn-line version ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.18 no.41 São Paulo Jan./Apr. 2018
EDITORIAL
Revista Psicologia Política: subjetividade e memória: conflitualidade e resistência no estudo das Políticas Públicas
Revista Psicologia Política: subjectivity and memory: conflict and resistance in the study of Public Policies
Revista Psicologia Política: subjetividad y memoria: conflictividad y resistencia en el estudio de las Políticas Públicas
Revista Psicologia Política: subjectivité et mémoire: conflits et résistances dans l'étude des politiques publiques
Adolfo PizzinatoI; Aline Reis Calvo HernandezII; Conceição Firmina Seixas SilvaIII; Frederico Alves CostaIV; Frederico Viana MachadoV
IEditor. UFRGS. Brasil
IIEditor. UFRGS. Brasil
IIIEditor. UERJ. Brasil
IVEditor. UFAL. Brasil
VEditor. UFRGS. Brasil
Abrimos o volume 18 da Revista Psicologia Política com um número composto, em sua maioria, por artigos que tratam das políticas públicas em seus variados temas e contextos. As políticas públicas têm aparecido cada vez mais nas publicações da RPP, seja como objeto de pesquisa, seja como cenário para a investigação de outros temas. Isto não se dá por acaso, os psicólogos estão cada vez mais se inserindo como trabalhadores nas políticas públicas e como pesquisadores na investigação destas políticas. Num contexto de achatamento dos direitos humanos e constitucionais, o extermínio de políticas públicas ora asseguradas é uma consequência dos retrocessos políticos e de falhas no próprio ciclo das políticas.
Mesmo que não consideremos a Psicologia Política um subcampo da psicologia, no Brasil, ainda é marcante uma maior presença de pesquisadores da psicologia nos eventos e publicações relacionados à Psicologia Política (algo que nossas linhas e diretrizes editoriais busca superar). A insuficiência do modelo médico para a formação e para a atuação dos psicólogos não é um tema novo de discussão e se torna cada vez mais central. Assim, proposições teóricas e metodológicas de cunho psicopolítico são cada vez mais urgentes à discussão das políticas públicas e para pensar a inserção e atuação do psicólogo nesse âmbito profissional, bem como de outros profissionais formados no campo das ciências humanas e sociais.
Isso demanda que as universidades pautem a insuficiência dos modelos formativos, repensando o sentido da formação de nível superior, o funcionamento e estrutura das instituições de ensino, as políticas educacionais e de pesquisa, bem como os conteúdos e métodos utilizados em sala de aula. A psicologia, como campo disciplinar, sempre esteve atravessada por uma diversidade de teorias, métodos e frentes de trabalho. Entretanto, a formação oferecidas nos cursos de graduação em psicologia ainda é, em grande medida, balizada pelo modelo médico, o que faz da clínica individual sua perspectiva prática hegemônica e as perspectivas teóricas centradas no indivíduo as mais difundidas. Esta formação ignora que, cada vez mais o consultório individual e os postos de trabalho que tradicionalmente absorviam a mão de obra dos psicólogos vêm perdendo espaço para novas demandas e espaços de intervenção.
Uma parcela considerável dos psicólogos que se formaram no Brasil nos últimos anos está trabalhando em projetos e instituições que lidam com problemas sociais complexos. Tanto em Organizações Não Governamentais como em políticas públicas geridas por órgãos estatais, os psicólogos estão se inserindo em espaços de trabalho muitas vezes sem a formação adequada. Importante ressaltar que esta formação não pode se transformar apenas em termos de conteúdos e técnicas, é preciso que ela considere a necessidade de sensibilizar os discentes para as desigualdades e diversidades que marcam as percepções daqueles que são atendidos e/ou acessam as políticas públicas, pois na maior parte das vezes são provenientes de realidades sociais muito distintas dos universitários. O que ressalta a importância da psicologia política para a formação de outras áreas de formação que estejam inseridas nas políticas públicas.
Também é importante pensar na fiscalização e na avaliação das políticas públicas, em sua eficácia e naqueles segmentos sociais que nem sequer podem acessá-las, dada a agenda e o desenho que as contorna, as exclusões burocráticas de cadastramento e adesão ou mesmo a restrição da participação do "usuário" nas decisões, re-adequações e mudanças na políticas.
Nota-se, na ecologia dos conceitos utilizados nos artigos deste número, discussões importantes sobre memória, aprendizagem, consciência, subjetividade e intersubjetividade, que se articulam às definições centrais para o estudo das políticas públicas, tais como intersetorialidade, interdisciplinaridade e outros. Sublinhamos que esses temas, que se concentram em analisar os elementos afetivos, emocionais relacionados à política são, justamente, os elementos psicopolíticos que formulam as ideias, posições, ações e os fenômenos psicopolíticos.
Nota-se também a presença da dimensão da conflitualidade, das tensões, de resistência social, mobilização, ações públicas e movimentos sociais, demarcando a politização destes temas. Vemos a indissociabilidade entre elementos políticos e psicológicos para tratar de determinados temas no campo das políticas públicas, o que nos remete ao fato de que a Psicologia Política não é um subcampo da psicologia, mas um campo fronteiriço entre disciplinas e oferece reflexões pertinentes para diferentes campos formativos, sobretudo das Ciências Sociais, tanto do ponto de vista teórico, quanto técnico e profissional.
Isso justifica os esforços que temos feito na RPP para ampliar nossos diálogos com autores, pareceristas e leitores e, consequentemente, com teorias e perspectivas dos diferentes campos do conhecimento. Reconhecemos, obviamente, que estas divisões obedecem mais às necessidades organizativas das políticas científicas do que a qualquer princípio epistemológico. Neste número vemos contribuições de diversas áreas, desde a Psicologia, passando pela Filosofia, a História, a Educação, a Sociologia e outras Ciências Sociais, mas também entraram em pauta as discussões sobre urbanismo, biologia, agricultura, agroecologia e outras questões concernentes às Ciências Ambientais.
Reunimos neste número 13 artigos, uma resenha e uma entrevista, sendo os autores e o entrevistado vinculados a 15 universidades diferentes, que cobrem quatro regiões do Brasil (Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste) e dois países estrangeiros: UNESP, UFMT, UFSC, UFPA, USP. UFRJ, UFPR, UFC, UEC, UFAL, UFRN, UFRGS, Universidade de Tarapacá (Chile), Universidade de Westminster (Reino Unido) e Universidade da Califórnia (EUA). Além disto, uma das coautoras é trabalhadora da Secretaria Municipal de Saúde do Estado de Alagoas, o que merece destaque, já que a articulação entre teoria e prática, entre ensino e serviços é um desafio que acreditamos que precisa ser enfrentado na produção do conhecimento em psicologia política.
No primeiro artigo, "Políticas de patrimonialização e a produção de subjetividades ao Sul do Brasil", Flávia Cristina Silveira Lemos (UNESP), Dolores Galindo(UFMT), Andrea Zanella (UFSC), Fernanda Cristine Santos Bengio (UFPA) e Neiva de Assis (UFSC) discutem alguns paradoxos das práticas de patrimonialização cultural. O argumento das autoras é que as políticas públicas que regulam os patrimônios culturais legitimam determinados grupos e categorias sociais em detrimento de outros. Por esta razão, estas práticas precisam ser problematizadas para não forçarem o engessamento de manifestações culturais que são essencialmente dinâmicas.
O segundo e o terceiro artigos buscam relacionar política e meio ambiente. Marcela Pereira Rosa (USP) e Bernardo Parodi Svartman (USP), autora e autor do artigo "Agroecologia e políticas públicas: reflexões sobre um cenário em constantes disputas", discutem as disputas e contradições que emergem da implementação de políticas públicas com enfoque agroecológico, as quais se apresentam como alternativas ao modelo hegemônico do agronegócio. Problematizam, neste sentido, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), refletindo acerca das potencialidades e limitações da inserção da agroecologia nesses programas, valendo-se de relatos de experiências de trabalho de agroecologistas. Os autores apostam na organização e mobilização dos movimentos sociais, bem como na participação destes atores em todo o processo de construção dessas políticas como forma de superar os conflitos e contradições da agro-ecologia nos programas analisados.
Em seguida, apresentamos o ensaio teórico "Caminhos para uma abordagem Psico-socioambiental: contribuições da psicossociologia para as discussões socioambientais", escrito por Alex de Castro Fiuza, Samira Lima da Costa e Carlos Frederico Bernardo Loureiro, pesquisadores da UFRJ. Por meio de argumentos da ecologia social, da ecologia política e da psicossociologia, os autores discutem a indissociabilidade entre aspectos sociais, econômicos, ambientais e psicológicos na análise e enfrentamento dos conflitos ambientais.
O quarto artigo, "A memória política como instrumento de ação pública e reconhecimento intersubjetivo", de Bia Besen de Oliveira (USP), discute as relações entre memória e poder do Estado e propõe a memória política elaborada pelos movimentos sociais como um instrumento de ação pública. O artigo aposta na centralidade da elaboração histórica para a superação das relações de violência, o que passa pela articulação entre memória política, reconhecimento recíproco e autonomia intersubjetiva que embasa a proposta de legitimação e estímulo do Estado para a construção da memória política. Para a autora, os movimentos sociais assumem uma importância central para a elaboração de políticas públicas, pois são espaços privilegiados para a construção de narrativas, de histórias de resistência, porque não se eximem, ao contrário, se alimentam da existência do conflito, da luta, da proposição de negociações e do litígio como caminhos para superação de desigualdades.
O quinto artigo também utiliza o conceito de memória: "Memória e Consciência Política: uma proposta de revisão teórica e metodológica para o campo da Psicologia Política". Os autores Yuri Fraccaroli, Henrique Aragusuku e Vinicius dos Santos Arantes foram integrantes do Grupo de Pesquisa em Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo (GEPSIPOLIM), vinculado à Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). O artigo retoma o modelo da Consciência Política, proposto por Salvador Sandoval, procedendo a um exame crítico de sua utilização em relação ao conceito de memória que, apesar de, por vezes, ser menosprezado, é componente importante ao modelo, transversal às outras dimensões de análise, sobretudo ao considerarmos a relação da memória à dimensão emocional e identitária.
Em seguida, temos o artigo de Ana Lucia Ribeiro da Rosa, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, intitulado "Política pública habitacional: desafios da equipe social com a interdisciplinaridade". Nesse artigo a autora reflete sobre as relações interdisciplinares envolvendo diversos profissionais, tais como psicólogos, assistentes sociais e sociólogos inseridos na equipe responsável pela execução da Política Nacional de Habitação. Os dados e as argumentações se embasam em entrevistas realizadas e posteriormente fundamentadas e analisadas à luz do referencial teórico do antropólogo, sociólogo e filósofo Edgar Morin. Refletem sobre os desafios encontrados por aqueles profissionais, os impasses da legislação, os meios e estruturas institucionais e a população beneficiada. O artigo discute, ainda, o relacionamento desses profissionais com a comunidade, buscando compreender, por meio da perspectiva da complexidade, os efeitos dessas relações no exercício da Política Nacional de Habitação.
No artigo "A dimensão intersetorial da Política Pública de Assistência Social com a Escolarização: uma revisão integrativa de literatura à luz da Psicologia Política" a autora Vanessa Silva, doutoranda da USP, apresenta uma revisão integrativa de literatura, à luz da Psicologia Política voltada aos estudos das Políticas Públicas e à produção acadêmica existente sobre a dimensão intersetorial da Política Pública de Assistência Social e a escolarização. As fontes principais dos dados foram: resumos de teses e dissertações da Universidade de São Paulo e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, publicações do Scielo, BVS, BVS-PSI, Google Acadêmico e Portal Capes. A revisão identificou, como principais contribuições à área das Políticas Públicas em relação à escolarização, a problematização das redes institucionais e a necessidade de ampliar o diálogo entre duas áreas pouco articuladas na prática. Ao final se destacam demandas de pesquisa e intervenção ainda pouco exploradas, pesquisas, estudos, proposições que invistam nessa articulação e, consequentemente, no enfrentamento da desigualdade educacional de forma qualitativa e que discutam as redes geradas pelo Estado capitalista em sua íntima relação entre os setores público e privado.
O nono artigo deste número, "Potências do encontro entre formação e campo da Assistência Social para pensar outra prática psicológica" de Mariana Rodrigues de Sousa Pinheiro Oliveira, Érica Atem Gonçalves de Araújo Costa, Paulo Roberto Mendes Júnior, Nara Maria Forte Diogo Rocha, da Universidade Federal do Ceará, apresenta o relato de experiência sobre a inserção do psicólogo em Centros de Referência da Assistência Social (CRAS). O relato foi tema-objeto das experiências de ensino-aprendizagem vinculadas às disciplinas de práticas integrativas, a partir das contribuições da Psicologia Social Crítica em interface com a Psicologia Comunitária e com a Psicologia Política. Em termos analíticos, foram discutidos dados oriundos do Diário de Campo de uma das autoras, onde as situações narradas serviram como dispositivo à discussão do tema da formação e da atuação de psicólogos/as junto à Assistência Social. O artigo propõe analisar os desafios encontrados e sublinha a relevância das experimentações entre estudantes, docentes e profissionais no que tange a uma psicologia que seja fruto da tensão produtiva entre regulamentações profissionais, documentos e diretrizes, idiossincrasias do contexto de atuação, rumo à superação das dificuldades institucionais e a um projeto coletivo de Psicologia.
Em "Tensões em sala de aula: resistência, aprendizagem e subjetivação da criança" a autora Luciana Martins Quixadá, da Universidade Estadual do Ceará, apresentanos parte dos resultados de uma pesquisa doutoral que teve como objetivo central investigar a construção da concepção da criança sobre a linguagem escrita. Para isso, considerou-se a dinâmica dos discursos intersubjetivos nas atividades de leitura e escrita em sala de aula, em que as teorias de Vygotsky e Bakhtin foram fundamentais. Os participantes foram sete crianças e duas professoras de 1º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Fortaleza, CE. Os dados foram oriundos de desenhos, Diário de Campo, gravações de áudio e vídeo semanais, buscando registrar as interações discursivas. As análises estabelecem uma relação entre os desenhos e os trechos das interações. Observou-se que as tensões entre as subjetividades das professoras e das crianças foram centrais à construção da concepção da criança sobre a linguagem escrita e sobre sua participação nas atividades propostas. As crianças se esforçaram para aprender ainda que, em muitos casos, fosse preciso subverter a ordem estabelecida.
O décimo artigo, "Residência multiprofissional e atenção básica: o lugar do conselho gestor no fomento à participação social", de Shyrlley Nayara Sapucaia, Telma Low (UFAL) e Eladja Oliveira Santos de Queiroz (Secretaria Municipal de Saúde de Maceió/AL), apresentanos uma pesquisa documental realizada junto ao Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Adulto e do Idoso (HUPAA/UFAL). O objetivo central foi investigar como a participação política é fomentada no Conselho Gestor Local de uma Unidade Básica de Saúde (UBS). O percurso metodológico envolveu revisão bibliográfica e pesquisa documental, que visou mapear as características da participação social e política do conselho da UBS e analisar como as atribuições dos conselheiros eram exercidas. O artigo levanta questões, desafios e apresenta estratégias capazes de fomentar a efetiva participação no exercício do controle social e defesa do Sistema Único de Saúde, política pública fortemente ameaçada no país.
Em "Reflexões sobre Transitoriedades de paradigmas de Vida e de Morte", Joeder da Silva Messias, Jorge Tarcísio da Rocha Falcão e Gimena Pérez Caraballo (UFRN) se interessaram em investigar como tem sido construída a configuração dos paradigmas de vida e de morte na cultura ocidental, as relações e influências que exercem na regulação do corpo social. Os autores e a autora tecem reflexões acerca das modulações sociais que produziram diferentes sentidos para as relações de vida e de morte, partindo de determinado ponto de vista teórico. Para isso, elaboram uma análise sobre as transformações dos referidos paradigmas, com base em estudos de perspectiva histórica, bem como fomentam reflexões acerca das estratégias de gestão da vida e de morte vigentes na atualidade. As discussões giram em torno ao debate das estratégias biopolíticas presentes nas sociedades contemporâneas na moldura do modelo capitalista neoliberal. Por fim, os autores entendem que as significações construídas acerca da vida e da morte guardam estreitas relações entre si, ainda que sejam processos que têm adquirido significados cada vez mais transitórios. Sem dúvida um texto instigante para pensar um conjunto de conceitos em torno da regulação da existência e seus mecanismos de produção e controle.
Iván Godoy, pesquisador da Universidade de Tarapacá, no Chile, é autor do artigo "La articulación de las Ciencias Sociales en la obra de la Salas Edwards: Balmaceda y el Parlamentarismo en Chile, un Estudio de Psicología Política Chilena". O artigo trata de uma das perspectivas teóricas que deu origem à Psicologia Política chilena, discutindo a questão da interdisciplinaridade das Ciências Sociais nas análises políticas. A obra "Balmaceda y el Parlamentarismo en Chile, un Estudio de Psicología Política Chilena", de autoria de Ricardo Salas Edwards (1914) é considerada um texto fundador da Psicologia Política no Chile. Uma das premissas abordadas se refere à interdisciplinaridade das Ciências Sociais como uma dimensão epistemológica necessária à Psicologia Política. Salas desenvolveu uma articulação entre as disciplinas das Ciências Sociais do início do século XX a fim de narrar um dos mais importantes episódios da história do Chile: o conflito político-militar de 1891.
Henrique de Oliveira Lee, professor da Universidade Federal do Mato Grosso, apresentanos a tradução do capítulo de Chantal Mouffe, publicado originalmente em 1988, intitulado "Hegemonia e Novos Sujeitos Políticos: em direção a um novo conceito de Democracia". Chantal Mouffe é uma pensadora política pós-marxista que, juntamente com Ernesto Laclau, publicou o livro seminal sobre a Teoria Democrática Radical e Plural, em 1985, intitulado "Hegemonia e Estratégia Socialista. Por uma Política Democrática Radical", traduzido para o português apenas em 2015. Desde este livro, a autora têm debatido a temática da democracia nas sociedades modernas contemporâneas sob uma perspectiva teórica conflitiva, fundamentada em conceitos como antagonismo, agonismo, hegemonia, discurso, política e político. Nesta trajetória tem problematizado modelos teóricos caracterizados por uma perspectiva consensualista de democracia, criticando modelos deliberativos e liberais. Na trajetória da autora vale destacar obras como "The Return of the Political" (1993), traduzido para o português em 1996; "The Democracy Paradox" (2000); "On the Polical" (2005), traduzido para o português em 2015.
No capítulo apresentado neste número da RPP a tese defendida por Mouffe é que os "novos movimentos sociais", os quais a autora prefere denominar "novas lutas democráticas", constituídos a partir da segunda metade do século XX, tratam-se de resistências a formas de subordinação que emergiram como antagonismos nas sociedades de capitalismo avançado. A partir disso, Mouffe busca discutir os antagonismos construídos por estas lutas, a ligação delas com o desenvolvimento do capitalismo, o modo como poderiam ser localizados num estratégia socialista e as implicações destas lutas para a democracia.
Trata-se de um debate frutífero para a psicologia política, na medida em que aborda um tema caro a este campo de conhecimento, os movimentos sociais, sob uma perspectiva crítica que se afasta de dicotomias tradicionais - sujeito x sociedade, agência x estrutura, reforma x revolução -, possibilitando uma leitura psicopolítica da emergência de sujeitos coletivos no nosso tempo presente.
Matheus Mazzili Pereira realizou a entrevista com David S. Meyer, que dedicou sua carreira ao estudo de movimentos sociais. Alinhado teoricamente às chamadas "teorias do processo político", seus trabalhos enfatizam a relação entre movimentos sociais e o contexto político-institucional no qual agem, bem como analisam as relações sincrônicas e diacrônicas existentes entre movimentos sociais. Nessa entrevista, Meyer fala sobre suas principais pesquisas empíricas, entre elas, seu estudo sobre o Movimento pela Paralisação das Armas Nucleares nos Estados Unidos. Meyer aponta sobre o quanto a pesquisa acadêmica pode contribuir ao ativismo político, apresenta as principais contribuições teóricas de seu trabalho e propõe a abordagem contextual ao estudo de movimentos sociais.
Fechamos este número com a resenha "Psicologia e movimentos sociais: a Psicologia Política enquanto o encontro da rua com a academia", escrita por Fernanda Barbosa Carreiro Tavares (UFRJ), que apresenta e discute o livro "Psicologia, política e movimentos sociais" lançado em 2016 e organizado por Fernando Lacerda e Domenico Hur, lançado pela editora Vozes. Os organizadores são membros da Associação Brasileira de Psicologia Política e vêm organizando e escrevendo livros importantes para o Psicologia Política, sobretudo se considerarmos os enfoques brasileiros e latino-americanos deste campo que, segundo eles, se alimentam dos potenciais de insurgência, de subversão social e de desterritorialização dos enunciados instituídos pelos movimentos sociais.
Esperamos que os artigos publicados neste número possam contribuir para ampliar as reflexões, debates e propostas nos temas das subjetividades, da memória política, das conflitualidades e das lutas e resistências no estudo das políticas públicas. É com muita satisfação que concluímos essa publicação com textos tão pertinentes ao estudo e análise das questões e fenômenos psicopolíticos, do ambiente, da cidade (habitação, patrimônio), do ativismo dos movimentos sociais, das instituições e estruturas do Estado, dos desafios e articulações da Psicologia com a assistência social, da memória e dos processos políticos.
Boa leitura a todos!