INTRODUÇÃO
Apesar da temática do preconceito ter recebido mais atenção nas últimas décadas, em comparação à escassez de estudos até a década de 1990 (Lima, 2023), esse fenômeno ainda representa uma grave problemática social no Brasil, tendo em vista os casos de discriminação e violência contra diferentes grupos minoritários (Cerqueira et al., 2019; Lima, 2020). Especialmente quando se trata da população LGBTQ+, mesmo não havendo informações do Censo sobre o quantitativo desta população no Brasil (Cerqueira et al., 2019), há dados que indicam que o Brasil já atingiu a marca do país no qual mais se mata pessoas transgêneros no mundo (Balzer, LaGata, & amp; Berredo, 2016).
Uma das definições de preconceito mais utilizadas na psicologia social foi proposta por Gordon Allport (1971), que definiu este fenômeno como “uma atitude de evitação ou de hostilidade dirigida a uma pessoa que pertence a um grupo simplesmente porque ela pertence àquele grupo, e se presume que possua as qualidades desagradáveis desse grupo” (p. 7). Os avanços nos estudos sobre o preconceito, desde a obra seminal de Allport, permitiram a identificação de diferentes possibilidades de expressão dessa atitude. Marcus Eugênio Lima (2020, 2023) ressalta que durante décadas a expressão do preconceito (eg. antissemitismo, xenofobia, sexismo, homofobia, racismo etc.) ocorreu deformaflagrante, visto quesuaexpressão direta era coerentecom as normas sociais vigentes apartir dadominância,institucionalmentelegitimada,deumgruposobreoutros.No entanto, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e com ascensão de Movimentos Sociais a partir da década de 1960, tem-se a difusão de normas antidiscriminação que passam a condenar a expressão flagrante do preconceito (Lima, 2023). Nesse contexto de transformações sociais o preconceito passa a se manifestar especialmente de forma velada ou sutil, levando a crer que esse problema estaria superado (Lima, 2020, 2023). Assim, essa nova forma de expressão do preconceito surge como uma alternativa a expressões tradicionais e mais diretas desse fenômeno (Lima, 2023; Pettigrew & amp; Meertens, 1995).
No entanto, mesmo com a persistência da luta de movimentos sociais no enfrentamento às desigual-dades sociais e à redução do preconceito (Correia & amp; Almeida, 2012), tem-se um aumento da intolerância contra alguns grupos minoritários, sobretudo em sociedade marcadas pelo extremismo político (Hur & amp; Sabucedo, 2020), o que é um terreno propício para a persistência de expressões flagrantes do preconceito. Domenico Hur e José Manuel Sabucedo (2020) apresentam como características de governos conser-vadores, e que possuem um posicionamento extremista, o uso de discursos nacionalistas, xenofóbicos e pautados em fundamentalismo religiosos, que expressam uma intolerância à diferença. A exemplo dos Estados Unidos e do Brasil, a legitimação da expressão de preconceitos se verifica sobretudo a partir de 2015 com a possibilidade de institucionalização de diferenças intergrupais e com a validação de estereó-tipos negativos de certos grupos por parte de autoridades políticas. Esses dois processos (diferenciação intergrupal e atribuição de estereótipos negativos a um exogrupo) foram apresentados por Henri Tajfel e John Turner (1986) como centrais para a formação de preconceitos. Exemplos de expressões flagran-tes de preconceito podem ser identificados nos discursos de Donald Trump, durante o período de sua campanha eleitoral. Em um desses momentos, em junho de 2015, Donald Trump ressaltou as diferenças intergrupais e os estereótipos negativos atribuídos a mexicanos, favorecendo a legitimação do preconceito contra imigrantes dessa nacionalidade, a partir da ideia de que mexicanos representam uma ameaça aos interesses dos EUA: “Quando o México manda seu povo, ele não nos envia o melhor. Ele está enviando pessoas que têm muitos problemas e eles trazem estes problemas para nós. Eles estão trazendo drogas. Eles estão trazendo crime. Eles são estupradores” (Philip, 2019).
A relação entre expressões flagrantes de preconceito e conservadorismo político tem sido verificada em estudos que buscaram analisar a relação entre ideologia política e preconceito. Esses estudos mostram que quanto mais conservador é o pensamento político ideológico, maiores são os índices de preconceito e de discriminação (Brandt, 2017; Cantal, Milfont, Wilson, & amp; Gouveia, 2015; Chambers, Schlenker, & amp; Collison, 2013; Costa Silva,Álvaro, Torres, & amp; Garrido, 2019; Pettigrew & amp; Meertens, 1995), e de intolerância com grupos percebidos como ameaças (Brandt, Reyna, Chambers, Crawford, & amp; Wetherell, 2014; Crawford & amp; Pilanski, 2014).
A literatura em psicologia social e em psicologia política reúne definições sobre ideologia que, entre suas várias demarcações, tratam esse fenômeno como um conjunto de valores que está para além da dimensão política (Doise, 2002; Doise, Staerklé, Clémence, & amp; Savory, 1998; Freeden, 1994; Moreira & amp; Rique, 2019; Piaget, 1965). Pollyana Moreira & amp; Júlio Rique (2019), a partir de uma revisão teórica sobre esse tema, apresentaram a ideologia enquanto um fenômeno que é anterior às relações político-par-tidárias. Esses autores defendem, com base na perspectiva piagetiana (Piaget, 1965), que a compreensão da ideologia política deve envolver, inicialmente, a compreensão da ideologia enquanto um conjunto de valores construídos ao longo do desenvolvimento ontogenético. Desse modo, diferenças nos valores que compõem uma ideologia política podem orientar diferentes tipos de ação política em resposta à forma como as pessoas compreendem a realidade social, seja no sentido de promover mudança na organização social, seja no sentido de favorecer a manutenção do status quo.
A ideologia política é comumente representada na literatura a partir dos contínuos esquerda-di-reita ou conservadorismo-progressismo/liberalismo/igualitarismo, dependendo do momento histórico e do contexto analisado. Autores como John Martin (2015) e Stanley Feldman e Christopher Johnston (2014) destacam que os pensamentos conservadores estão relacionados à independência econômica e à limitação das intervenções do estado; enquanto os pensamentos progressistas ou mais igualitários estão associados à atribuição do estado como responsável por garantir oportunidades iguais de desenvolvimento econômico social para todos os cidadãos, à tolerância quanto às diferentes formas de expressão individual e à valorização de ideais igualitários. Especificamente com relação ao pensamento conservador, John Jost et al. (2007) reforçam que tanto o conservadorismo sociocultural, no que diz respeito à manutenção da moral e dos costumes culturais predominantes, quanto o econômico, ligado às políticas econômicas protecionistas, seguem as mesmas orientações sobre a dominância social e a manutenção do status quo.
Ainda, por terem como base valores sociais, as ideologias políticas representam um elemento necessário para a ação, em especial, para a ação política (Moreira & amp; Rique, 2019), que pode ser com-preendida como qualquer tipo de ação, executada por indivíduos ou grupos, cujos objetivos se voltam para uma coletividade (Velasquez & amp; LaRose, 2015) refletindo, de alguma forma, o desejo de mudanças sociais (Duncan & amp; Stewart, 2007; Sabucedo, Durán, Alzate, & amp; Barreto, 2011; Sukhov, 2007). Ainda no que diz respeito à ação política, nos últimos anos tem-se observado um crescimento do interesse de psicólogos sociais sobre o ativismo (Çakal, Eller, Sirlopú, & amp; Pérez, 2016; Curtin, Kende, & amp; Kende, 2016; Curtin & amp; Mcgarty, 2016; Russell & amp; Bohan, 2016). Essa forma de ação política é praticada por indiví-duos ou grupos, em nome de um grupo social específico, e tem por objetivo melhorar as condições de existência social dos membros deste grupo (Wright, Taylor, & amp; Moghaddam, 1990; van Zomeren, 2015; van Zomeren & amp; Iyer, 2009). As ações ativistas envolvem o sentimento de responsabilidade pessoal, que motiva as pessoas a agirem na sociedade em conformidade com seus princípios e valores morais para o benefício daqueles que se encontram em uma situação de injustiça e de exclusão social (Damon & amp; Colby, 2015; Killen, Rutland, & amp; Yip, 2016; Navia, 2008; Moreira et al., 2018; van Zomeren, 2015). Além disso, as ações ativistas envolvem o desafio e a resistência a políticas institucionais que podem promover ou favorecer a desigualdade, a injustiça ou a intolerância entre grupos (Curtin & amp; Mcgarty, 2016; Hartley et al., 2016; Kende, 2016; Navia, 2008; van Stekelenburg et al., 2016).
Embora o ativismo tenha sido amplamente estudado enquanto uma forma de ação política voltada para o combate a situações de exclusão social, o fato dessa forma de ação política estar pautada em valores, permite que ela seja observada em formas qualitativamente distintas. Desse modo, o ativismo pode envolver tanto a defesa de grupos sociais minoritários estando voltada para a mudança social, e tendo como base valores igualitários, a exemplo do ativismo praticado pelo Movimento LGBTQIA+, pelo Movimento Negro e pelos Movimentos Feministas, por exemplo; como a defesa da manutenção do status quo, e tendo como base valores conservadores, a exemplo das ações ativistas executadas por pessoas que defendem o Movimento Viva Brasil e o Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto. Essa última forma de ativismo se contrapõem à primeira pelo fato das diferenças intergrupais e sociais que afetam a existência de grupos minoritários não serem consideradas nas interações intergrupais e assim, promovem preconceitos e discriminações.
Essa relação entre conquista de direitos e críticas a tais conquistas a partir de indivíduos e grupos com valores distintos, pode ser observada com o Movimento LGBTQIA+. Apesar da conquista a partir das lutas desse movimento, como o direito ao casamento (Resolução n. 175, de 14 de maio de 2013), o direito à adoção de crianças por casais homoafetivos (Senado Federal, 2018, Artigo 42), o direito à mudança do nome social para pessoas transsexuais (Decreto n. 8.727, de 28 de abril de 2016), e à criminalização da Lgbtfobia (incluída na Lei n. 7716/89 – Lei de Racismo), é possível perceber um movimento de reação a essas conquistas por parte de pessoas com valores conservadores. Assim, ao passo em que esses direitos de minorias sociais são concedidos, grupos fundamentalistas religiosos buscam reagir a essas realizações de forma a reafirmar o modelo heteronormativo como o único, correto e legítimo para um relacionamento afetivo, seguindo valores defendidos pela cultura judaico-cristã, que estariam sendo descumpridos, segundo os defensores de tais princípios conservadores (Almeida & amp; Crillanovick, 1999; Lacerda et al., 2002). Nessa perspectiva, a onda de conservadorismo político, verificada nos últimos anos (Hur & amp; Sabucedo, 2020), parece estar legitimando a expressão de preconceitos e discriminações cada vez menos veladas, a partir de uma acentuação das diferenças intergrupais e por meio da afirmação de estereótipos negativos atribuídos a membros de diferentes grupos.
Assim, a relação entre ideologia política, preconceito e ação política pode ser hipotetizada de tal modo que pessoas com uma ideologia política voltada para determinados valores (sejam eles mais igua-litários ou mais conservadores), podem se engajar em ações em nome de grupos específicos. Assim, a disposição para ações políticas em prol da promoção da diversidade, da conquista de direitos para grupos minoritários e da redução do preconceito pode envolver a busca por igualdade social, frequentemente relacionada à uma ideologia política igualitária. Por outro lado, a necessidade de manutenção das tradi-ções socioculturais e econômicas, que caracterizam a ideologia política conservadora, pode se apresentar como impulsionador para o engajamento em grupos conservadores, que visam a defesa e manutenção desses valores e a organização de uma sociedade marcada por diferenças que delimitam os espaços que diferentes grupos podem ocupar. Neste sentido, o objetivo da presente pesquisa foi verificar a relação da ideologia política (igualitária e conservadora) com preconceito contra homossexuais, o apoio a movi-mentos sociais e grupos sociais organizados, a intenção de participação em ações ativistas e em ações que visam reduzir o preconceito e promover a diversidade. As análises deste estudo estiveram focadas no preconceito contra homossexuais devido ao contexto social e político brasileiro que tem sido marcado por um conservadorismo religioso e por uma constante intolerância contra este grupo.
MÉTODO
PARTICIPANTES
Participaram deste estudo 658 pessoas, de 18 a 63 anos (M = 30,88; DP = 9,35), homens (51,4%) e mulheres (48%), sendo a maioria com no mínimo o ensino superior completo (ensino superior completo – 23,4%; pós-graduação incompleta – 10,8%; pós-graduação completa 23,1%), e que se reconhecem como pertencentes à classe média (51,1%).
INSTRUMENTOS
Escala de Ideologia Política. Para a avaliação da ideologia política foi utilizada a adaptação reali-zada por Moreira et al. (2018) da escala de ideologia política elaborada por Geoffrey Evans et al. (1996), composta por 12 itens divididos em duas subescalas: Direita-Esquerda e Autoritarismo-Libertarianismo. A primeira subescala (α = 0,638) apresenta seis itens relacionados à ideia de igualdade (ex. Há uma lei para os ricos e outra para os pobres); e a segunda subescala (α = 0,735) apresenta seis itens relacionados à ideia de liberdade pessoal (ex. A censura dos filmes e revistas é necessária para manter os padrões morais). Para ambas, os participantes indicaram a concordância com cada item em uma escala de cinco pontos, variando de 1(Discordo completamente) a 5 (Concordo completamente).
Escala de Engajamento Político. Essa escala foi elaborada pelas autoras do trabalho com o objetivo de avaliar o nível de engajamento dos participantes em ações de apoio a dez movimentos sociais e a cinco grupos organizados. Entre os movimentos sociais, a escala apresenta o Movimento LGBTQIA+, Movimento Feminista, Movimento Negro, Movimento Ambiental, Movimento Indígena, Movimento de Proteção aos Animais, Movimento de Apoio a Pessoas com Deficiência, Movimento Estudantil, Movimento Sem Terra, Movimento dos Trabalhadores sem Teto. Entre os grupos organizados, a escala apresenta o Movimento Viva Brasil (com a indicação de que a pauta desse movimento envolve a política armamentista para a população civil), Movimento da Cidadania pela Vida (com a indicação de que a pauta desse movimento envolve a luta contra o aborto), Movimento do Orgulho Hétero, Movimento Brasil Livre (movimento político liberal conservador) e Movimento da Supremacia Branca. Os participantes foram convidados a indicar, em uma escala do tipo Likert de cinco pontos, o quanto eles se percebiam engajados em ações de apoio a cada movimento social e grupo organizado, especificamente referindo-se à participação em protestos e/ou manifestações, compartilhamento de opiniões em redes sociais, e conversas com amigos, ao longo dos últimos 12 meses. As opções de resposta da escala variaram de 1 (nada engajado) a 5 (muito engajado). A confiabilidade da escala foi satisfatória (α = 0,877).
Escala de intenções de Ativismo-Radicalismo. Este instrumento foi elaborado por Sophia Moskalenko & amp; Clarke McCauley (2009), e adaptado para o contexto brasileiro por Moreira et al. (2018), e tem por objetivo avaliar as intenções de realização de ações políticas nas formas de ativismo e de radicalismo. O instrumento é composto por oito itens (α = 0,907), divididos em duas subescalas: Ativismo (α = 0,910) e Radicalismo (α = 0,880). Cada subescala é composta por quatro itens para os quais deve ser atribuído um grau de importância, com base em uma escala de sete pontos (1- Discordo completamente a 7- Concordo completamente). Para o presente estudo foi utilizada apenas a subescala de Ativismo, que envolve ações políticas de baixo risco individual, como por exemplo assinar petições, se unir a uma organização que luta pelos direitos políticos de um grupo e trabalhar como voluntário para uma organização que luta pelos direitos políticos de um grupo.
Escala de Rejeição à Intimidade com Homossexuais (ERIH). Este instrumento, elaborado por Thomas Pettigrew e Roel Meertens (1995), avalia o preconceito flagrante contra homossexuais a partir de um conjunto de dez itens com situações que expressam proximidade social com membros deste grupo (e.g. Ter um amigo que é homossexual assumido; Falar com gays). O nível de preconceito dos participantes é avaliado em uma Likert de sete pontos, que varia de 1 (Muito confortável com a situação) a 7 (Muito desconfortável com a situação). Para a presente pesquisa, foi utilizada a versão adaptada para o contexto brasileiro por Marcos Lacerda et al. (2002), e para este estudo, a confiabilidade da escala se mostrou satisfatória (α = 0,905).
Escala de Importância e Disposição para a Execução de Ações. Este instrumento foi utilizado para avaliar a importância dada pelos participantes à redução do preconceito e à promoção da diversidade, bem como à disposição dos participantes para executar tais ações. A medida foi originalmente elaborada por Brien Nagda, Chan-woo Kim e Yaffa Truelove (2004) e para esse estudo foi utilizada a versão adaptada para o contexto brasileiro pelas autoras do presente estudo. Essa medida é composta por duas subescalas: Escala de Redução de Preconceito e Escala de Promoção da Diversidade. A primeira subescala é composta por seis itens (α = 0,876) que apresentam comportamentos direcionados à redução do próprio preconceito (ex. Eu penso sobre o impacto dos meus comentários e ações antes de falar ou agir) e a segunda subescala é composta por cinco itens (α = 0,846) que apresentam ações direcionadas à interrupção de comportamentos opressores (ex. Eu reforço as pessoas que expressam comportamentos que apoiam a diversidade cultural). Para cada subescala, as respostas são dadas considerando a importância atribuída pelos participantes ao conjunto de itens (1. Nada importante a 4 Muitíssimo importante) e considerando a disposição dos partici-pantes para praticar as ações apresentadas (1. Nada disposto a 4. Muitíssimo disposto).
A adaptação da escala (Moreira, Maia, & amp; de Paula, no prelo)1 envolveu a tradução dos itens por meio do método backtranslation por pesquisadores fluentes na língua inglesa para a validação semântica dos itens. Uma análise fatorial exploratória (realizada com 200 participantes) revelou a existência das duas dimensões da escala. Por meio de uma análise fatorial confirmatória, realizada por meio do AMOS foi verificada uma estrutura bifatorial da escala para a avaliação tanto da atribuição de importância como para a avaliação da disposição para execução de ações com índices psicométricos adequados.
Questionário Sociodemográfico. Essa medida foi composta por questões referentes à idade, nível de escolaridade, identificação de gênero e percepção dos participantes como membros de um grupo minoritário.
PROCEDIMENTOS
Éticos. O estudo foi aprovado por um comitê de ética em pesquisa e atendeu a todas as reco-mendações éticas das Resoluções n. 466/12 e n. 510/16 do Conselho Nacional de Saúde.
Coleta e análise de dados. Os dados foram coletados entre abril e maio de 2019, de forma on-line, por meio de um link divulgado em redes sociais (Twitter, Instagram e Facebook) e em um aplicativo de troca de mensagens (Whatsapp). O link gerado por meio do Google Forms continha os instrumentos utilizados na pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Sobre o acesso dos participantes ao formulário da pesquisa, 73,1% (n = 481) indicaram ter recebido o link da pesquisa via Twitter, 11,9% (n = 78) via Whatsapp, 11,2% (n = 74) via Facebook, 3,5% (n =23) via Instagram, e 0,3% (n = 2) indi-caram ter respondido a pesquisa a partir de um link recebido por e-mail.
Os dados foram analisados com auxílio do IBM SPSS versão 20, por meio do qual foram realizadas análises de estatísticas descritivas e inferenciais. Foram realizadas análises de médias para todas as variáveis de interesse do estudo e análises de comparação de médias para verificar diferenças entre os escores médios de ideologia política igualitária e conservadora. Também foi realizada uma análise fatorial exploratória (Foster, Barkus & amp; Yavorsky, 2006; Yong & amp; Pearce, 2013) com o objetivo de verificar se os movimentos sociais egrupos organizados apresentados na Escala de Engajamento político se organizariam em dimensões distintas e coerentes com as ideologias políticas que dão suporte a cada um. Para a extração dos fatores, foi utilizado o método dos Eixos Principais e para a retenção dos fatores foi utilizado o Critério de Kaiser, que recomenda a retenção de todos os fatores com valores próprios (eigenvalues) superiores a 1. Para maximizar as correlações altas e minimizar as correlações baixas dos itens nos fatores, foi utilizada a rotação ortogonal varimax e o ponto de corte para a inclusão dos itens nos fatores foi de r = 0,40. Por fim, foram realizadas análises de correlação de Pearson para verificar as associações entre as variáveis.
RESULTADOS
Com o objetivo de verificar diferenças na ideologia política dos participantes, e nos níveis de engajamento político, de preconceito e de intenção de participação em ações ativistas foi realizado um levantamento das médias e testes de comparação de médias. Por meio dessas análises, foi verificada uma maior média para ideologia política igualitária (M = 4,28; DP = 0,93) quando comparada à média verifi-cada para a ideologia política conservadora (M = 2,63; DP = 0,97; t(657) = 26,281; p & lt; 0,001; d = 1,73 ); uma baixa média de engajamento político (M = 2,20; DP = 0,72); uma média elevada para a intenção de participação em ações ativistas (M = 4,75; DP = 1,77); uma baixa média de preconceito flagrante (M = 1,30; DP = 0,68) e médias elevadas de atribuição de importância e de disposição para a execução de ações voltadas para a redução do preconceito (Importância: M = 3,60; DP = 0,60; Disposição para ação: M = 3,56; DP = 0,65) e para a promoção da diversidade (Importância: M = 3,51; DP = 0,69; Disposição para a ação: M = 3,29; DP = 0,75).
Diante das diferenças valorativas entre os movimentos sociais e grupos organizados que compuseram a Escala de Engajamento Político, foi realizada uma análise fatorial exploratória. Esta análise apresentou índices de fatorabilidade satisfatórios (KMO = 0,872; Bartlett χ2(105) = 5993,189; p & lt; 0,001) e indicou a existência de três fatores. O primeiro fator foi denominado “Movimentos de Contestação” (eigenvalue = 5,786; α = 0,868; M = 2,90; DP = 1,05), e agrupou os movimentossociaisvoltadosà contestação de direitosde grupos minoritários (Movimento LBGTQ+, Movimento Feminista, Movimento Negro, Movimento de Pessoas com Deficiência, Movimento Estudantil, Movimentos Ambientais, Movimentos de Proteção aos Animais); o segundo fator foi denominado “Grupos Conservadores” (eigenvalue = 2,912; α = 0,768; M = 1,23; DP = 0,53) e agrupou movi-mentos de grupos organizados relacionados com a defesa de valores conservadores (Movimento Viva Brasil, Movimento Pró-Vida, Movimento do Orgulho Hétero, Movimento Brasil Livre e Movimento da Supremacia Branca); e o terceiro fator foi denominado “Movimento sobre Direitos dos Trabalhadores e dos Indígenas” (eigenvalue = 1,038; α = 0,907; M = 2,20; DP = 1,17) e agrupou movimentos sociais relacionados com a defesa dos direitos dos trabalhadores (Movimento Sem Terra e Movimento dos Trabalhadores sem Teto) e dos indígenas (Movimento Indígena). Por meio de um Teste-t para medidas repetidas foram verificadas diferenças significativas entre as médias de engajamento dos três fatores com p & lt; 0,001.
Para verificar as associações das duas formas de ideologia com as demais variáveis foram realizadas análises de correlação de Pearson, cujos coeficientes podem ser observados na Tabela 1. Especificamente com relação à ideologia política igualitária, foram verificadas correlações positivas e significativas com o ativismo, com a importância atribuída para a execução de ações voltadas para a redução do preconceito e para a promoção da diversidade, e com a disposição para a execução de ações desta natureza, e para o engajamento político relacionado com os movimentos de contestação e com os movimentos de defesa dos direitos dos trabalhadores e dos indígenas. Ainda para a ideologia política igualitária foram encontradas correlações negativas e significativas com a ideologia política conservadora, com o preconceito e com o engajamento político relacionado com grupos conservadores.
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1. Ideologia Política Igualitária | 1 | |||||||||
2. Ideologia Política Conservadora | -0,412** | 1 | ||||||||
3. Preconceito | -0,210** | 0,265** | 1 | |||||||
4. Ativismo | 0,396** | -0,367** | -0,232** | 1 | ||||||
5. Redução do Preconceito (Importância) | 0,554** | -0,347** | -0,315** | 0,439** | 1 | |||||
6. Promoção da Diversidade (Importância) | 0,534** | -0,422** | -0,372** | 0,572** | 0,766** | 1 | ||||
7. Redução do Preconceito (Disposição) | 0,529** | -0,369** | -0,337** | 0,457** | 0,908** | 0,767** | 1 | |||
8. Promoção da Diversidade (Disposição) | 0,473** | -0,396** | -0,397** | 0,586** | 0,645** | 0,827** | 0,745** | 1 | ||
9. Engajamento Político –Movimentos de Contestação | 0,403** | -0,302** | -0,237** | 0,512** | 0,460** | 0,510** | 0,462** | 0,556** | 1 | |
10. Engajamento Político –Grupos Conservadores | -0,166** | 0,242** | 0,201** | 0,034 | -0,136** | -0,132** | -0,152** | -0,119** | 0,142** | 1 |
11. Engajamento Político – Direitos dos Trabalhadores e dos Indígenas | 0,384** | -0,293** | -0,129** | 0,449** | 0,344** | 0,389** | 0,338** | 0,444** | 0,735** | 0,083* |
Nota: ** p & lt; 00,001; * p & lt; 00,05
Para a ideologia política conservadora, foram verificadas correlações negativas com o ativismo político, com a importância atribuída a execução de ações voltadas à redução do preconceito e à pro-moção da diversidade, bem como à disposição para executar tais ações, e com o engajamento político direcionado para movimentos de contestação e para movimentos de defesa dos direitos dos trabalhadores e dos indígenas. Correlações positivas foram encontradas entre a ideologia política conservadora com o preconceito e com o engajamento político relacionado a grupos conservadores.
Com relação ao preconceito, foi encontrada uma correlação positiva e significativa apenas com o engajamento político relacionado com grupos conservadores, sendo as correlações com as demais variáveis negativas e significativas.
DISCUSSÃO
O presente estudo parte do pressuposto de que a ideologia, enquanto um conjunto de valores, é construída como parte do desenvolvimento ontogenético (Piaget, 1965). Assim, nesse processo de desen-volvimento os valores são, em um primeiro momento, utilizados nas relações interpessoais, orientando as reflexões sobre a melhor forma de resolver diferentes tipos de conflito. Em um segundo momento, a ideologia se torna política quando, a partir do desenvolvimento social e do reconhecimento de si enquanto cidadãos, esse conjunto de valores passa a orientar as reflexões, posicionamentos e decisões na esfera das relações sociais e políticas (Moreira & amp; Rique, 2019). Nesse sentido, as ideologias presentes numa socie-dade representam uma direção de como as pessoas pensam e podem agir nas suas relações interpessoais ou intergrupais; as ideologias políticas, por sua vez, indicam como as pessoas pensam sobre a aplicação dos valores na organização e funcionamento da sociedade, tendo um papel, por exemplo, na decisão de voto. Os resultados da presente pesquisa ressaltaram esta perspectiva teórica ao indicarem que diferenças na ideologia política envolvem associações qualitativamente distintas com preconceito, ativismo político, importância atribuída a ações voltadas para a redução do preconceito e promoção da diversidade, bem como a disposição para executar tais ações. Diferenças na ideologia política envolveram também dife-rentes associações com o engajamento político direcionado a movimentos sociais e grupos organizados.
Foi observada uma associação positiva da ideologia política igualitária com o ativismo político, resultado que é teoricamente coerente com a literatura que apresenta essa variável como uma forma de ação política voltada para a promoção da igualdade e da justiça (Killen, Rutland, & amp; Yip, 2016), e uma associação negativa entre ideologia política conservadora e ativismo, de modo que uma modificação nos índices desse tipo de ideologia implicaria numa redução da intenção de participar de ações ativistas. Para compreender estes resultados, é possível considerar o cenário político polarizado do Brasil (Machado & amp; Miskolci, 2019) no momento da coleta de dados da pesquisa. O ano de 2019 foi o primeiro ano do mandato presidencial de Jair Bolsonaro que expressou, ao longo de sua campanha política, uma aversão às ações políticas na forma de ativismo, quando executadas por movimentos sociais. No entanto, o ativismo não representa uma ação política exclusiva de movimentos sociais ou de defensores de partidos políticos de esquerda. O objetivo das ações ativistas considerando a manutenção ou a mudança do status quo depende do modo como a agenda política é construída: quando esta agenda encontra-se pautada na defesa das necessidades e interesses de uma elite econômica, social e política, o ativismo se expressa considerando a necessidade de mudar essa realidade no sentido de promover valores igualitários e defender grupos minoritários e marginalizados; quando essa agenda política encontra-se pautada na defesa de grupos minoritários, na reparação da desigualdade social e na distribuição de renda, o ativismo se expressa considerando a necessidade de mudar essa realidade e dar espaço aos interesses das elites.
Assim, ainda que as ações de grupos conservadores se enquadrem na definição de ativismo, enquanto uma ação política motivada por valores, é possível que exista uma necessidade de diferencia-ção intergrupal (Tajfel & amp; Turner, 1986), a partir da forma como grupos conservadores e movimentos sociais são vistos pela sociedade considerando os valores presentes nas suas pautas, bem como a forma de expressá-los. Ainda, essa necessidade de diferenciação pode ser um efeito da polarização político-i-deológica da sociedade brasileira e da proposta de criminalização desses movimentos e da classificação desses como grupos terroristas, como parte da agenda política de partidos conservadores. Esse processo de diferenciação intergrupal pode ter ainda um efeito no aumento do preconceito e da hostilidade entre grupos. Desse modo, a associação negativa encontrada entre ideologia política conservadora e ativismo político pode expressar reflexões de senso comum, ou representações sociais, que relacionam ações ati-vistas como expressões exclusivas de defensores de ideologias igualitárias associadas a partidos políticos de esquerda, e cujas pautas estão mais relacionadas à defesa de direitos de grupos minoritários a partir de movimentos sociais. Essa concepção pode ser hipotetizada também a partir da associação positiva entre a ideologia política conservadora e o engajamento em ações de apoio a grupos conservadores.
Embora o ativismo tenha sido amplamente estudado enquanto uma forma de ação política voltada ao combate a situações de exclusão social, nas sociedades contemporâneas as conquistas de direitos, a partir das ações de diferentes movimentos sociais, têm favorecido o engajamento em ações ativistas que criticam e contestam tais direitos, e que reivindicam o retorno de uma organização social pautada em valores conservadores e tradicionais, o que, por sua vez, pode funcionar como um fator legitimador da expressão de preconceitos. Desse modo, apesar dos avanços conquistados pela população LGBTQ+, como a retirada da homossexualidade enquanto doença dos registros médicos (Almeida & amp; Crillanovick, 1999), diferentes atores sociais, tais como profissionais da saúde e integrantes de igrejas, percebem a homosse-xualidade como um distúrbio a ser tratado, pautados na construção sócio-histórica da pecaminosidade de comportamentos desviantes da norma heterossexual, por parte da cultura judaico-cristã (Morici, 1998; Ranke-Heinemann, 1996). Além disso, as crenças sobre a origem da homossexualidade ainda permeiam a prática de algumas práticas profissionais, sobretudo as crenças de cunho religioso e ético-moral (Gaspodini & amp; Falcke, 2018). Sobre a relação entre religiosidade e preconceito, Ágatha Gomes e Luana Souza (2022) verificaram correlações positivas entre algumas dimensões da religiosidade (ex. fundamentalismo, crenças e práticas protestantes) e preconceito contra homossexuais; e verificaram também médias baixas para preconceito flagrante contra homossexuais, resultado que vai de encontro aos do presente estudo.
Outros resultados relacionados à ideologia política indicaram uma associação negativa da ideologia política igualitária com o preconceito contra homossexuais, e associações positivas desse tipo de ideologia política com a redução do preconceito, com a promoção da diversidade e com o engajamento político relacionado a movimentos sociais de contestação e movimentos de defesa dos direitos dos trabalhadores e de indígenas. A partir destas associações, infere-se sobre uma preocupação com a busca por igualdade de direitos entre os grupos sociais, a partir da importância atribuída e da disposição para executar ações voltadas para a redução do preconceito e para a promoção da diversidade, bem como a disposição para participação em ações de apoio a diferentes movimentos sociais.
A partir das associações encontradas para os dois tipos de ideologia política, tem-se uma coerência entre valores e ações já apresentada na literatura (Moreira et al., 2018), de tal modo que os indivíduos que possuem uma ideologia política igualitária agem em coerência com os valores defendidos por sua ideologia, demonstrando maior interesse em participar ativamente de ações políticas desenvolvidas no intuito de favorecer melhores condições de igualdade para grupos minoritários, mesmo não sendo mem-bros destes grupos. As associações negativas verificadas entre ideologia política conservadora e o apoio a esses movimentos sociais também destacam a coerência entre os valores defendidos pela ideologia e as ações praticadas e não praticadas por esse grupo, uma vez que a ideologia política conservadora se caracteriza pela defesa da manutenção da ordem e das tradições socioculturais e econômicas (Damon & amp; Colby, 2015; Feldman & amp; Johnston, 2014; Martin, 2015, Navia, 2008; van Zomeren, 2015).
A associação negativa verificada entre ideologia política conservadora e redução do preconceito e promoção da diversidade, considerando tanto a atribuição de importância quanto a disposição para execução de ações nesta direção, corroboram o estudo realizado por Mark Brandt e Christine Reyna (2017). Estes autores verificaram que diferenças individuais na resistência à mudança (pouca resistência ou muita resistência) são características da ideologia política. Nesse sentido, atribuir pouca importância a ações voltadas para a redução do preconceito e para a promoção da diversidade, bem como apresentar pouca disposição a praticar tais ações, pode refletir uma defesa da manutenção do status quo, o que em sociedades marcadas por situações de discriminação, e de violência contra grupos minoritários, indica uma resistência à mudança e à aceitação, ou até mesmo a legitimação de situações de desigualdades e discriminação. Ainda, as associações negativas verificadas entre ideologia política conservadora e apoio a movimentos de contestação e a movimentos voltados para a defesa dos direitos dos trabalhadores e de indígenas pode representar também uma intolerância a grupos que, num cenário político polarizado, está ideologicamente numa posição oposta, como mencionado por Jarret Crawford e Jane Pilanski (2014) em um estudo sobre ideologia política e intolerância.
A literatura tem apresentado a relação entre conservadorismo e diferentes formas de precon-ceito (Chambers et al., 2012) e o presente estudo apresenta um resultado nesta direção, considerando especificamente o preconceito contra homossexuais. Alguns autores têm destacado que normas sociais antidiscriminação reduziram a expressão flagrante do preconceito, fazendo com que este fenômeno seja expresso de outras formas, e de modo mais sutil (Gaspodini & amp; Falcke, 2018; Lacerda et al., 2002; Lima, 2020). Nesta pesquisa, foi encontrada uma média baixa para o preconceito flagrante contra homossexuais que pode ter algumas implicações quando se consideram aa associações do preconceito com outras variá-veis. A primeira hipótese levantada é a de que a baixa média verificada para o preconceito não pode ser interpretada, necessariamente, como um indício de pouco preconceito na sociedade. Pelo fato dos itens da escala utilizada apresentarem situações de preconceito flagrante, a baixa média pode ser um efeito da desejabilidade social e uma necessidade de mascaramento ou supressão do preconceito (Crandall & amp; Eshleman, 2002; Jann, Krumpal, & amp; Wolter, 2019), expressando uma necessidade de as pessoas não serem vistas como preconceituosas. Consequentemente, devido a necessidade de manter uma consistên-cia cognitiva, as pessoas buscariam outros meios de expressar o preconceito, o que se revela a partir da associação negativa verificada entre preconceito e redução do preconceito e promoção da diversidade. Um estudo recente realizado por Gomes e Souza (2022) com uma amostra brasileira também indicou uma baixa média para o preconceito flagrante contra homossexuais usando a mesma medida utilizada neste estudo. Estas autoras também refletiram sobre um possível efeito da desejabilidade social e acres-centaram, assim como apresentado por Lacerda et al. (2002) que baixos índices de preconceito flagrante estão relacionados com um elevado nível de preconceito sutil.
A partir da associação negativa entre preconceito e redução do preconceito e promoção da diver-sidade, é possível inferir que o preconceito contra homossexuais não se expressa necessariamente nos contatos diretos com essas pessoas, mas na recusa em refletir sobre a importância de combater o precon-ceito e na recusa em executar ações que visem reduzir os próprios preconceitos e que visem promover a diversidade na sociedade. Esta expressão sutil do preconceito pode ser pensada também a partir das associações negativas verificadas entre preconceito e apoio a movimentos sociais de contestação e entre preconceito e apoio a movimentos sociais relacionados com direitos dos trabalhadores e de indígenas. Desse modo, não apoiar estes movimentos representa tanto uma expressão sutil do preconceito, uma vez que alguns deles envolvem a luta de grupos minoritários, a exemplo da população LGBTQ+, como uma resistência à mudança social, uma vez que as lutas destes movimentos sociais implicam em demandas para mudanças estruturais na sociedade.
O retorno à expressão flagrante de preconceito, por parte de diversos atores sociais (cidadãos, insti-tuições e governantes), pode ser verificado em sociedades com governos que defendem posicionamentos conservadores extremistas com tendências autoritárias, a exemplo dos Estados Unidos e do Brasil. No entanto, para nossa surpresa, a existência de um contexto político que legitima a expressões flagrantes de preconceito não foi suficiente para que fosse verificado um aumento na média do preconceito, e este resultado segue na direção de estudos recentes, a exemplo do realizado por Ícaro Gaspodini e Denise Falke (2018) e por Gomes e Souza (2022).
Mesmo obtendo uma média baixa para o preconceito as análises de correlação realizadas per-mitiram identificar o preconceito sutil a partir das demais variáveis analisadas. Além disso, o índice de confiabilidade verificado para a medida de preconceito contra homossexuais ressalta a validade deste instrumento que apesar de antigo (Pettgrew & amp; Meertens, 1995) ainda tem sido utilizada (Pereira et al., 2014; Pereira et al., 2013; Pereira et al., 2011) e apresentado índices confiáveis, a exemplo dos estudos de Gomes e Souza (2022) e de Camila Figueiredo e Cícero Pereira (2021) cujos índices de confiabilidade foram, respectivamente, de 0,75 e 0,93. Ressaltamos assim que, como parte de uma pesquisa exploratória, avaliar o preconceito flagrante contra homossexuais em uma amostra de brasileiros foi relevante devido aos dados de violência contra este grupo. A violência contra esse e outros grupos tem sido discutida no campo da psicologia social como expressão de preconceito a partir de diferentes perspectivas (Adorno, Frenkel-Brunswik, & amp; Sanford, 1950/2019; Allport, 1971; Vala, Brito, & amp; Lopes, 1999).
O fato de termos encontrado uma maior média para a ideologia política igualitária reflete que a maioria dos participantes se identifica com os valores que compõem esta ideologia, o que torna teorica-mente coerente o fato da média de preconceito ter sido baixa. No entanto, a possibilidade de termos um maior número de participantes de um polo ideológico específico pode ser apontado como uma limitação do estudo durante o procedimento de coleta de dados. Ter um número equivalente de participantes dos dois polos ideológicos (igualitários e conservadores), a ponto de poder dividir a amostra em dois grupos a partir de diferenças na ideologia política, poderia nos levar a verificar se haveria uma variabilidade de média de preconceito a partir das diferenças na ideologia política.
O twitter foi a rede social por meio do qual a maioria dos participantes teve acesso ao link com o formulário de pesquisa. A divulgação nessa rede social foi realizada a partir do compartilhamento do link pelas pesquisadoras responsáveis de duas formas: solicitando que os seguidores respondessem a pesquisa e compartilhassem o link da pesquisa; e solicitando que pessoas públicas (artistas e políticos) e com grande número de seguidores compartilhassem o link da pesquisa nos respectivos feeds. A escolha destas pessoas considerou o posicionamento político delas, sabendo que algumas eram declaradamente de esquerda e outras declaradamente de direita; e o contato foi feito tanto com a marcação da arroba da pessoa numa postagem sobre a pesquisa, como a partir do envio de mensagens diretas para elas. Mesmo com esta preocupação em atingir os dois polos ideológicos, a falta de confiança na ciência, sobretudo nas ciências humanas por parte de pessoas mais conservadoras, pode ter sido um fator decisivo para não participação destas na pesquisa.
Se por um lado a coleta de dados de forma on-line reduz custos e tempo nesta etapa da pesquisa, por outro lado retira a possibilidade de pessoas que não têm acesso à internet ou que não usam com frequência redes sociais de participarem da pesquisa. Para sanar esta limitação, estudos futuros podem considerar a possibilidade de coleta de dados de forma on-line e via lápis e papel. Outro ponto de limitação da pesquisa é a homogeneidade da amostra, que em sua maioria foi composta por pessoas com ensino superior, seja ele completo ou incompleto. Uma maior variabilidade das características sociodemográficas da amostra pode ajudar no aprofundamento das reflexões apresentadas considerando contextos sociais distintos, por exemplo, a identificação racial, a percepção de fazer parte ou não de um grupo minoritário e o índice de participação política no passado. Mesmo com as limitações indicadas, de um modo geral, os resultados da presente pesquisa ressaltam o papel da ideologia política na expressão do preconceito e no engaja-mento em ações que visam reduzir esse fenômeno na sociedade e contribuem para que modelos teóricos com as variáveis analisadas sejam testados no sentido de compreender o efeito da ideologia política no preconceito e na ação política, considerando a inclusão de variáveis sociodemográficas representativas da sociedade brasileira.