INTRODUÇÃO
A partir da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), conhecido também como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a definição de pessoa com deficiência é referida como “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (Lei nº 13.146/2015). Assim, fica marcada a presença de barreiras na interação social de pessoas com deficiência (PCD) e sua caracterização e compreensão, portanto, necessárias. Tais barreiras são descritas por Sassaki (2020) por meio de sete dimensões: (a) as arquitetônicas, (b) as comunicacionais, (c) as metodológicas, (d) as instrumentais, (e) as programáticas, (f) as atitudinais e (g) as naturais. A dimensão atitudinal é onde se localizam os preconceitos, discriminações e, por consequência, o capacitismo (Vendramin, 2019).
O conceito de capacitismo é abordado com maior ênfase na literatura e estudos internacionais e mais recentemente no Brasil. Campbell (2008) o descreve como um neologismo desenvolvido para sugerir o afastamento da capacidade, considerando ainda que esse conceito se refere à uma rede de crenças, processos e práticas producentes de um padrão corporal tido como perfeito, enquanto a deficiência é colocada como um estado diminuído do ser humano. Vendramin evidencia ainda o tensionamento explícito entre eficiência e deficiência, situando o capacitismo como “a leitura que se faz a respeito de pessoas com deficiência, assumindo que a condição corporal destas é algo que, naturalmente, as define como menos capazes” (2019, p. 17) e, por tanto, menos eficientes. Em linhas gerais, o capacitismo tem sido utilizado para “nomear a discriminação de pessoas por motivo de deficiência” (Gesser, Bock, & Mello 2020, p. 18).
As autoras Gesser, Bock e Mello (2020), complementam a descrição do conceito de capacitismo, como um eixo de discriminação, na intersecção com demais sistemas opressivos como o racismo e o sexismo, que tende a potencializar o processo de exclusão social. As autoras baseiam sua escrita a partir do entendimento de que o capacitismo ao mesmo tempo em que é estrutural é estruturante, ou seja, ele constitui sujeitos, organizações e instituições, promovendo formas de se relacionar que são baseadas em um ideal, no qual alguns grupos entre eles, as mulheres, pessoas negras, indígenas, idosas, LGBTQIA+ e com deficiências são considerados ontologicamente e materialmente deficientes e inadequados a este ideal social.
As autoras fazem uma interlocução entre a eugenia e o capacitismo. A eugenia, era conhecida também como a ciência do bem-nascido, no final do século XIX e início do século XX. Foi desenvolvida com o intuito de “melhorar”, de maneira radical, a herança genética humana. Não por acaso, regimes como o nazismo pautaram-se nessas práticas e condenaram milhares de pessoas, inclusive as pessoas com deficiência. Houveram recomendações em relação a institucionalização de pessoas com deficiência, principalmente os considerados “débeis mentais” (categoria inventada por Henry H. Goddard, em 1917), que descreve pessoas que tinham um aspecto considerado “normal”, mas que escondiam deficiências psicossociais, cognitivas ou intelectuais, e assim, elas eram vistas como as mais ameaçadoras do que as que eram visivelmente incapacitadas, pois poderiam seduzir as pessoas “normais” e ter filhos que transmitiriam essa herança genética considerada problemática (Gesser, Bock, & Mello, 2020). Nesse processo o capacitismo torna-se central nos discursos e práticas eugênicas. Embora as práticas eugênicas tenham caído em desuso, o legado destas encontra-se ainda em práticas institucionais, médicas, jurídicas, educacionais e se atualiza nas práticas neoliberais (Vendramin, 2019).
Para complementar o debate acerca dessa temática, Carmo (2019) em sua tese de doutorado propôs o desenvolvimento do conceito de bipedia compulsória, o qual o autor desenvolve a partir do diálogo com outras teorias e apresenta como referência a heterossexualidade compulsória. Assim, descreve a compreensão de que essa última, seria a lógica que se dissemina a partir da contenção da existência homossexual como desvio ou anormalidade, enquanto a bipedia compulsória seria a compulsão social por um “corpo não deficiente”, através da prática da contenção de existências deficientes. Sendo que a compulsão por um corpo considerado normal está estritamente vinculada ao capacitismo, bem como se mantém relacionada a práticas que consideram a deficiência como algo inerentemente negativo e que, por isso, caso seja possível esta precisa ser melhorada, curada ou mesmo eliminada (Campbell, 2008).
Segundo Carmo (2019) é a bipedia compulsória que estabelece relações de submissão às quais são submetidas as pessoas com deficiência, como por exemplo a oferta de vagas de subempregos destinadas às cotas PCDs ou manter um tratamento infantilizado para com elas, ou tratando-as como “coitadinhas” ou como “heróis”, ou ainda, quando a deficiência é abordada por meio de uma narrativa do desejo da cura ou imposição da fé, reforçando estereótipos. Ramirez (2020) descreve esse conceito como integridade corporal obrigatória que, enquanto dispositivo de poder, conduz para um ideal de humano e para o processo de hierarquização e distinção entre capacidade e incapacidade, que normatiza condutas e estrutura as formas de se relacionar a partir do capacitismo. O autor descreve que seria, portanto, a integridade corporal obrigatória que produz a deficiência em termos de falta e a crença de uma expectativa do corpo integralmente produtivo, bonito, saudável, completo e funcional.
As autoras Gesser, Bock e Mello (2020) afirmam a importância da apresentação do capacitismo em diálogo com as interseccionalidades. Por interseccionalidades se entende o conceito proveniente das ciências sociais e humanas, introduzido por autoras feministas negras, no intuito de apontar que o “feminismo branco” não visibilizava debates necessários sobre questões transversais como gênero, raça, sexualidade, classe social e outras formas de discriminação, uma vez que existiam diferenças significativas entre as vivências de uma mulher negra e pobre e as vivências de uma mulher e branca de classe média, as quais o “feminismo branco” não alcançava em suas reinvindicações (Gesser, Bock, & Mello, 2020).
A partir desses estudos e dos diálogos tecidos acima, o conceito do capacitismo tem sido incorporado de maneira mais intensa nos estudos de gênero e nos estudos da deficiência, tornando-se um potencial analítico e politico desses dois campos de estudos. Em vista disso, este estudo tem por objetivo identificar de que maneira esse conceito é descrito e utilizado em artigos publicados em revistas cientificas.
MÉTODO
Diante do cenário cientifico e da utilização do conceito do termo capacitismo, surgem alguns questionamentos, dentre eles: qual é o conceito de capacitismo utilizado nos artigos científicos nacionais? Em que contexto esse termo é utilizado? Para auxiliar na compreensão dessas questões, esse artigo teórico realizou uma busca sistemática em cinco bases de dados, sendo Scopus, Periódicos CAPES, BVS-Psi, LILACS, SciELO. Os procedimentos adotados para a procura dos estudos nas bases de dados aconteceram rigorosamente no dia 28 de outubro de 2021 e no dia 05 de janeiro de 2022, para contemplar todo o ano de 2021. Optou-se por utilizar apenas o termo “capacitismo”. Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: ser artigo cientifico nacional; disponibilizado online; considerado até o ano de 2021; abordar em alguma medida o tema, a saber: o conceito de capacitismo. Já os critérios de exclusão foram: teses/dissertações; artigos que não tivessem acesso completo. Todos os artigos repetidos foram removidos por meio de processos manual.
A utilização do termo capacitismo pode ser explicado por meio do esclarecimento de Romeu Sassaki em comunicação à Anahi Guedes de Mello (2016), onde o mesmo sinaliza que na lingua inglesa as palavras ableism e disablism são muito antigas, no tempo em que as terminologias designavam pessoas com deficiência como “os deficientes” e as pessoas sem deficiência como “os normais”; essas palavras foram construidas com os seguintes termos: able (o capaz) ou disabled (o incapaz) e o sufixo ism (doutrina, sistema, teoria, tendência, corrente etc., com sentido pejorativo). Além disso, no Brasil não há uma outra categoria analitica em lingua portuguesa que possa expressar a “discriminação por motivo de deficiência”, por isso, adota-se até o presente momento o termo capacitismo, em razão da demanda de urgência em visibilizar uma forma peculiar de opressão contra as pessoas com deficiência e, por consequência, dar maior visibilidade social e politica a este segmento (Mello, 2016).
Quanto a seleção dos estudos, na primeira etapa foi a de identificação dos estudos nas bases de dados. Na segunda etapa, após a exportação dos estudos selecionados, os titulos e resumos foram lidos para a inclusão dos estudos. E, para a elegibilidade os estudos foram lidos na integra. Por fim, foi realizada a verificação das referências dos estudos selecionados, a fim de agregar estudos que possam atender aos critérios de inclusão. A partir disso, considerando os critérios estabelecidos, foram selecionados oito artigos finais.
Em relação ao processo de extração das informações, os estudos que contemplaram os critérios de inclusão foram analisados de forma descritiva e qualitativa, de acordo com as categorias: (a) ano/autor; (b) conceito utilizado. Posteriormente, foram apresentadas as informações referentes aos principais resultados e utilização do conceito de capacitismo nos artigos publicados.
RESULTADOS
CARACTERIZAÇÃO DOS ESTUDOS
A pesquisa dos descritores nas bases de dados gerou uma amostra geral de 41 estudos, cujo termo capacitismo aparecia em seus resumos e/ou títulos, distribuídos nas respectivas bases de dados: n= 13 na base Periódicos CAPES; n=11 na base SciELO; n= 6 na base BVS-Psi; n= 6 na base LILACS; e n=5 na base SCOPUS, todas as presentes bases de dados abrangem além de estudos da área da psicologia, estudos multidisciplinares. Foram excluídos um total de 21 estudos repetidos. E, após a leitura dos títulos, resumos, corpo do texto na íntegra dos demais, foram excluídos três artigos por não apresentarem um conceito sobre o capacitismo; e nove por não se tratar de estudos nacionais, dessa maneira, a amostra final foi composta por estes oito estudos.
Na Tabela 1, é apresentada uma descrição sucinta do conceito de capacitismo utilizado pelos oito estudos selecionados. Destaca-se os anos de publicação e autores para identificação posterior e os conceitos. Os estudos selecionados receberão a designação de: E1=estudo 1; E2=estudo 2 e assim por diante, a fim de facilitar a leitura.
Autores/Ano | Conceito utilizado |
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(E1) Bonfim, Mól, & Pinheiro, 2021 | “Vendramin (2019), uma leitura que se faz a respeito de pessoas com deficiência, assumindo que a condição corporal destas é algo que, naturalmente, as define como menos capazes” (p. 17). O capacitismo é uma temática pouquíssimo abordada, mesmo no âmbito do Ensino de Ciências. O fenômeno do capacitismo deriva, principalmente, da concepção de normatização social que impõe uma noção de homogeneidade dos corpos, pois o sujeito não pode destoar dos demais (Camargo & Carvalho, 2019; Mazzota & D’antino, 2011), do histórico de eugenia e, recentemente, do neoliberalismo (Brown, 2005; Vendramin, 2019)” (pp. 590-594). |
(E2) Da Luz, Cavalcanti, Marques, Almeida, Xavier, Heimer, &Vieira, 2021 | “Vendramin (2019) conceitua o capacitismo como uma leitura que se faz sobre a pessoa com deficiência que considera o aspecto corporal como algo que as define como menos capazes” (p. 6) |
(E3) Almeida, França, Melo, 2021 | “Esse tema tem sido discutido e problematizado por Campbell que teoriza como o sujeito com deficiência é traduzido pela sociedade como desigual e menos apto. A autora aponta ainda que o capacitismo opera exclusões similarmente ao racismo e ao machismo na produção de lugares e significados. Segundo Vendramin (2019), A deficiência está relacionada a uma compreensão normatizada e autoritária sobre o padrão corporal humano, que deflagra uma crença de que corpos desviantes serão consequentemente insuficientes, seja diminuindo seus direitos e mesmo o direito à vida em si, seja de maneira conceitual e estética, na realização de alguma tarefa específica, ou na determinação de que essas sejam pessoas naturalmente não saudáveis. (p. 24). Dias, o capacitismo é profundamente subliminar e embutido dentro da produção simbólica social. Faz parte de uma “grande narrativa”, uma concepção universalizada e sistematizada de opressão sobre o conceito da deficiência. (p. 2)” (p .9) |
(E4) Ivanovich & Gesser, 2020 | “Fiona Campbell (2008), entende-se o capacitismo como uma atitude que diferencia e desvaloriza as pessoas com deficiência por meio da avaliação da capacidade corporal e/ou cognitiva. O capacitismo transcende os procedimentos, as estruturas e se localiza claramente na arena das genealogias do conhecimento (p. 2). Mello (2016), materializado por meio de atitudes preconceituosas e discriminatórias e que classifica as pessoas em relação à forma como seus corpos estão em relação aos padrões de beleza e capacidade funcional colocados na sociedade... Como tal, o capacitismo priva as pessoas com deficiência de vários direitos (Gesser et al. 2019)” (p. 14). |
(E5) Santos, Moreira, & Gomes, 2020 | Não há apresentação de um conceito definido sobre Capacitismo. |
(E6) Camargo & C arvalho, 2019 | “Para Campbell (2009), o capacitismo está incorporado profunda e subliminarmente dentro da cultura. E resultado do posicionamento hegemônico dos indivíduos considerados “normais” na sociedade que atribuem uma conotação negativa aqueles que não se enquadram nos padrões de normalidade estabelecidos socialmente” (p. 619). |
(E7) Moura, Nascimento, & Barros, 2019 | “ForCampbell (2009), the concept of ableism is deeply entrenched in our culture, which in turn generates a capacity to reproduce, through a collective belief, the idea that “disability” is inherently negative and that it can be improved, cured, or even eliminated altogether. Along this line of thought, Velho (1979) notes that some individuals have certain characteristics that are considered as “abnormal”, and they are consequently considered to be deviants. This notion and deviation are the result of the existence of types of behavior that are considered “average” or “ideal”, depending on the standards set down by the existing social system (Velho, 1979). Schneider (1978)writes that “deviation is created by society: that is, a certain person is a deviant because the label of deviation has been successfully allotted to him (p. 60)” (p. 622). |
(E8) Mello, 2016 | Essa distinção etimológica é necessária para o acionamento da categoria capacitismo, materializada através de atitudes preconceituosas que hierarquizam sujeitos em função da adequação de seus corpos a um ideal de beleza e capacidade funcional. Com base no capacitismo discriminam-se pessoas com deficiência. capacitismo “é um neologismo que sugere um afastamento da capacidade, da aptidão, pela deficiência”. Para Fiona K. Campbell, o capacitismo, que está para as pessoas com deficiência assim como o racismo está para os negros e o sexismo para as mulheres, pode ser associado com a produção de poder e se relaciona com a temática do corpo e por uma ideia de padrão corporal/funcional perfeito. No caso do capacitismo, ele alude a uma postura preconceituosa que hierarquiza as pessoas em função da adequação dos seus corpos à corponormatividade. É uma categoria que define a forma como as pessoas com deficiência são tratadas de modo generalizado como incapazes (incapazes de produzir, de trabalhar, de aprender, de amar, de cuidar, de sentir desejo e ser desejada, de ter relações sexuais etc.), aproximando as demandas dos movimentos de pessoas com deficiência a outras discriminações sociais, como o sexismo, o racismo e a homofobia (pp. 3266-3272). |
Conforme as informações da amostra final, apresentadas na Tabela 1, nota-se que o ano das publicações foram distribuídas durante o período de 2016 a 2021, exceto nos anos de 2017 e 2018, nos quais nenhum artigo foi selecionado. Ainda, percebe-se que a maioria dos estudos selecionados foram publicados nos últimos dois anos, o que sugere um interesse e demanda crescentes sobre o tema. Outro aspecto relevante, diz respeito ao baixo número (oito) de estudos encontrados que utilizam o conceito do capacitismo ou fazem menção a esse termo considerando sua relevância na vida das pessoas com deficiência.
Ainda, quanto ao artigo datado em 2016, ele foi escrito por Anahí Guedes de Mello (teórica com deficiência), ou seja, apesar de já haver discussão sobre o tema, salienta-se que a supracitada autora é uma pesquisadora ativista na área da deficiência e relata em seu estudo que “até onde é do meu conhecimento, no Brasil não houve, até o presente ano de 2012, uma categoria analítica em língua portuguesa que pudesse expressar a “discriminação por motivo de deficiência” (2016, p. 3266). Portanto, nota-se a urgência da incorporação do capacitismo interseccionado a demais categorias como raça, gênero e entre outras nas produções científicas.
Em relação ao conceito de capacitismo, pode-se pontuar de imediato a não existência de uma explicação sobre o conceito em um dos estudos selecionados (E5). Nesse sentido, a autora Mello (2016) propõe que se adote o termo capacitismo para além dos movimentos sociais, mas também nas produções acadêmicas. Nesse sentindo, Vendramin (2019) percebe que na esfera de nomeação dos preconceitos e problemas estruturais em nossa sociedade (machismo, racismo, homofobia etc.), o capacitismo chega por último por ainda ser uma palavra desconhecida por muitas pessoas, dialogando com os poucos e recentes achados sobre o tema inclusive dentro do contexto acadêmico e reforçando a necessidade de investimentos na produção de mais conhecimentos em torno da temática, bem como sua devida divulgação.
Em relação aos artigos que apresentam algum conceito sobre o capacitismo, somam-se 07 artigos. Pode-se sugerir, a partir desse achado e considerando que o ano não foi estipulado como critério de exclusão dos artigos, que há ainda pouca escrita publicada no Brasil sobre o capacitismo, existindo assim, uma lacuna teórica na produção científica que carece de estudos que apresentem esse conceito. Além disso, evidencia o quanto o capacitismo é estrutural (Gesser, Block, & Mello, 2020). E, que por vezes pode tornar-se desconhecido por não estar sendo abordado nas pesquisas científicas brasileiras.
Em relação aos artigos que apresentam um conceito sobre o capacitismo e os autores referenciados, pode-se salientar a repetição no uso de referências. Isto é, cinco dos oito artigos citaram como autora principal que define o capacitismo Fiona Campbell (2001, 2008, 2009), teórica com deficiência e referência na temática (E3; E4; E6; E7; e E8). Outros dois artigos citaram Carla Vendramin (2019), com sua publicação recente (E1; E2 e E3). Além de autores como, Anahí Guedes de Mello (2016; E4), Marivete Gesser (2019; E4), e um artigo não apresenta referências.
Ainda, por haver uma concentração de citações em torno das supracitadas autoras, nota-se a necessidade de pesquisadores e especialistas que se dediquem a estudar o capacitismo, aprofundando a compreensão de sua gênese e a construção sócio-histórica do conceito, além da importância da disseminação de informações para a população geral, pois, muitas pessoas, inclusive pessoas com deficiência, não possuem acesso à linguagem acadêmica o que pode vir a dificultar movimentos de informação. E que, para além de pesquisar para as pessoas com deficiência, também se pesquise com estas (Gesser et al., 2019).
Por fim, em relação ao contexto nos quais os artigos foram escritos pode-se citar o contexto educacional como o maior deles, sendo que dos sete artigos que apresentaram um conceito de capacitismo, cinco relacionaram-se ao contexto escolar como a invisibilidade das pessoas com deficiência na escola (E1), a inclusão escolar de uma adolescente com Síndrome de Down (E2), intervenções lúdicas para pessoas com deficiência no contexto escolar (E3), a implementação da política de educação inclusiva na Rede Municipal de Corumbá no Mato Grosso do Sul (E6) e, referente ao Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (E8).
Os demais, foram relacionados ao contexto do processo de criação e implementação de um Conselho Municipal de Direitos para Pessoas com Deficiência de uma cidade do Sul do Brasil (E4) e, ao conceito de feminilidade nas organizações (E7). Nesse sentido, pode-se perceber que o ambiente que mais realiza pesquisas segundo esta revisão, é o ambiente escolar, o que denota possibilidades de investigações nas demais áreas da vida das pessoas com deficiência como, o trabalho, saúde e outros.
Nessas lacunas encontradas é que se torna ainda mais relevante seguir o questionamento realizado por Butler (2015), sobre o que deve permanecer indizível para que os regimes de discurso contemporâneos continuem exercendo o poder, citada e respondida por Fiona Campbell (2008), a qual afirma que “o que permanece indizível são as leituras do corpo deficiente apresentando a vida com deficiência como uma modalidade animadora e afirmativa da subjetividade” (p. 156). Assim, os debates realizados por autores e teóricas da deficiência compreendem o debate em torno do silêncio e da exclusão, amparados na construção de um sistema que permite que os elementos dominantes da sociedade expressem simpatia por pessoas dos grupos subalternizados, ao mesmo tempo em que os mantém nessa posição de subordinação social e econômica, pois é assim que o paternalismo vestido de compaixão sustenta a dominação da qual necessita para a manutenção dessa mesma estrutura opressora e excludente (Campbell, 2008; Carmo, 2019; Ramírez, 2020). Deixando marcado aqui o questionamento sobre essas ausências de conceituações teóricas, além de estudos em áreas de tamanha relevância à real inclusão das pessoas com deficiências.
A partir do presente estudo se pode perceber que o fenômeno do capacitismo ainda é muito pouco abordado, utilizado e nomeado em estudos brasileiros que envolvam as pessoas com deficiência. Os diferentes autores compreendem o capacitismo como um fenômeno, uma narrativa, conjunto de crenças, atitude, como uma categoria de análise (assim como o racismo e sexismo) e como uma ideologia. As diferentes maneiras de se compreender o significado do termo capacitismo sugere o quanto este, vem sendo utilizado para explicar a discriminação referente às PCDs, apesar de ser algo histórico e socialmente construido na cultura; no entanto, é notória a falta de estudos científicos brasileiros que o utilizam em suas pesquisas, afim de disseminar seu significado e contribuir para a visibilidade das diferentes maneiras de discriminações que PCDs são acometidas como, o preconceito e a falta de acessibilidade nas diferentes áreas (trabalho, escola, sistema público de saúde, assistência social, entre outras).
Em um estudo recente de Gesser, Block e Mello (2022), as autoras sinalizam a utilização e discussão do conceito do capacitismo com maior amplitude no cenário internacional, além disso, enfatizam a relação que existe entre o capacitismo e outros sistemas de opressão como, o sexismo, o racismo, a LGBTfobia e o classicismo. Dessa maneira, as autoras propõem incorporar o capacitismo a partir de uma perspectiva interseccional, para que seja possível compreender como esses sistemas de opressão atuam em determinados grupos em detrimento de outros.
Em linhas gerais, o capacitismo pode ser compreendido como uma atitude negativa estrutural direcionada às pessoas com deficiência, em função do entendimento de que seus corpos são inadequados e insuficientes. Essa atitude negativa gerada pelo capacitismo opera na produção de práticas de exclusão e discriminatórias, além de reforçar a crença social de que as pessoas com deficiência são “menos humanas” e, portanto, não possuem direitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desse estudo foi identificar de que maneira o conceito de capacitismo é descrito e utilizado em artigos publicados em revistas cientificas nacionais. Os resultados e discussões sugerem que há uma lacuna teórica em termos de produções cientificas que utilizem de um conceito fundamentado sobre o capacitismo. E que, a partir dos achados nesse estudo, não houve uma diversidade de autores que foram citados como referência sobre o assunto, o que denota uma urgência e relevância de haver mais pesquisadores que se dediquem ao aprofundamento e disseminação de informações sobre o capacitismo, principalmente às pessoas que estão fora do ambiente acadêmico.
Além disso, as produções no Brasil em sua maioria, são referentes aos últimos dois anos, o que sugere um interesse e demanda crescentes sobre o tema. O intuito das autoras concentra-se nas produções a nivel nacional, porém, ao estabelecer este recorte, pode-se limitar a produção e compressão do tema para além do cenário brasileiro, logo sugere-se a inclusão de estudos internacionais. E, a partir dos resultados encontrados, há também o pressuposto de que haja mais produções que utilizem do conceito de capacitismo em teses e dissertações nacionais, dessa maneira sugere-se a incorporação desses estudos para verificar a veracidade ou refutar tal sugestão.
E por fim, o artigo aponta para a importância e urgência de incorporar a temática da deficiência interseccionada com outras categorias de análise, a partir de estudos sobre o capacitismo no Brasil. Além de sugerir que sejam realizadas mais pesquisas acadêmicas que utilizam do conceito do capacitismo, e mais além, que possam explicitá-lo em forma de ações planejadas de conscientização à população, por meio de cartilhas e/ou informativos, videos e/ou conteúdos digitais sobre o tema, para que haja um fortalecimento e melhor compreensão geral.