INTRODUÇÃO
O presente artigo propõe uma análise teórico-conceitual do Modelo de Consciência Política em relação ao constructo/fenômeno da memória política. Para tal, iniciamos abordando o próprio Modelo de Consciência Política e suas dimensões, proposto por Salvador Sandoval (2001; Sandoval & Silva, 2016) que, após mais de duas décadas de difusão, segue servindo como chave analítica para compreender fenômenos políticos e ações coletivas. Em seguida, propomos que a memória política seja considerada uma dimensão transversal à consciência política, tendo em vista que, para compreendermos a ação dos grupos sociais e dos sujeitos em relação aos acontecimentos e fenômenos políticos a memória é uma condição indispensável para analisar e narrar a história, localizar campos adversários e organizar campos de força que orientam as ações políticas. Na seção monumento versus artesania, colocamos em evidência a tensão que a memória política opera em relação à história oficial, questionando suas formulações e intencionalidades, a fim de romper silenciamentos e obscurantismos. Expostos nossos argumentos, na seção final consideramos que a memória atua como elemento central a conectar o sujeito à sua experiência política, pois a memória estabelece uma interface com as dimensões da consciência, atuando como um reservatório das experiências e percepções dos sujeitos. Em contrapartida, a consciência política também pode repercutir sobre a memória, ao direcionar as modalidades de recordar, interpretar e significar os eventos políticos. Existe um diálogo constante entre memória e experiência psicopolítica, uma mediando a outra. Na perspectiva da memória política, a consciência funciona como uma releitura de nós mesmos e de nossas posições diante dos fenômenos políticos. A memória política é, pois, um processo de disputas e negociações constantes.
O MODELO DE CONSCIÊNCIA POLÍTICA: CHAVE ANALÍTICA PARA COMPREENDER FENÔMENOS POLÍTICOS E AÇÕES COLETIVAS
Para Salvador Antonio Mireles Sandoval (2001), a consciência política configura-se como a chave para perscrutarmos tanto a mobilização quanto a desmobilização individual e coletiva. Por meio de categorias teóricas que contemplam tanto os comportamentos políticos de mobilização, como os de desmobilização, seu modelo se propõe a desenvolver uma conceituação que sirva à análise dos fenômenos e comportamentos políticos, baseada em dimensões psicopolíticas.
Nesses pouco mais de vinte anos desde seu lançamento, o modelo analítico da Consciência Política se popularizou na Psicologia Política brasileira e se expandiu a diferentes países da Latino América. O modelo foi formulado a partir da revisão de um amplo repertório conceitual e metodológico que empresta força heurística à análise e compreensão de diferentes fenômenos de mobilização, participação e engajamento em ações coletivas mencionados por Salvador Sandoval e Alessandro Soares da Silva (2016, p. 50).
Sandoval (2001) propõe que a consciência é um fenômeno psicossocial referente aos significados que os sujeitos e grupos atribuem às interações cotidianas, bem como aos acontecimentos em suas vidas. Portanto, a consciência não é um mero espelhamento do mundo material, mas sim a atribuição de significados, pelos sujeitos e grupos sociais, aos seus ambientes. Tais significados servem como “guia de conduta” e só podem ser compreendidos dentro do contexto em que estão sendo produzidos. (Sandoval, 2001).
O modelo reúne sete dimensões psicossociológicas que, articuladas entre si, possibilitam compreender as diferentes configurações da consciência política, seja ela relacionada a sujeitos ou grupos. Segundo Sandoval (2001) este modelo de consciência política representa as várias dimensões psicossociais que constituem o saber político de um sujeito sobre a sociedade. A primeira dimensão diz respeito à Identidade Coletiva, definida como aquela dimensão da consciência que se relaciona ao sentimento de pertença a grupos sociais, sendo essa uma das bases da solidariedade. A identidade supõe um sentimento de identificação, pertencimento a uma pauta política ou luta em curso. Esse sentimento de identificação coletiva propulsiona um sair-se de si mesmo, rumo ao engajamento e à participação em ações coletivas.
Esta dimensão fala da escolha do sujeito em relação a uma prioridade a qual dedicar seus esforços, num processo de se tornar um agente social mais politizado. Assim, a partir das diversas identidades grupais que os sujeitos possuem, a categoria social escolhida para pensar, discutir e agir politicamente se destaca num outro patamar de identidade, qualitativamente distinto e delimitado, que Sandoval (2001) nomeou por Identidade Coletiva.
A segunda dimensão revela Expectativas e Convicções Societais e está relacionada às crenças e valores societais elaborados pelos sujeitos sobre suas sociedades, bem como, sobre as relações de poder nelas estabelecidas, que o autor define como elementos-chave na construção social da realidade de cada um/a (Sandoval, 2001).
Para Sandoval, é a partir do processo de interação com as distintas instituições que ocorre a aquisição de valores sobre a sociedade, presentes na cultura política hegemônica, enquanto as crenças elaboradas como consequência das experiências vividas em sociedade consolidam a individuação do sujeito. Por meio do desenvolvimento de laços identificatórios com grupos e categorias sociais, o sujeito elabora então sua percepção pessoal sobre seu contexto social e, consequentemente, sobre a sociedade (Sandoval, 2001).
A terceira dimensão aborda os Sentimentos e Interesses Coletivos e a Identificação de Adversários, e está relacionada a interesses antagônicos e sentidos colocados em disputa em relação aos campos em adversários. Ela estabelece a ligação entre os sentimentos do sujeito em relação aos seus interesses simbólicos e materiais, em oposição aos interesses de outros grupos (Sandoval, 2001).
Tais interesses antagônicos revelam que a sociedade e a política são composições forjadas por âmbitos de força e interesses divergentes, entre diferentes grupos e categorias sociais. Para o autor, esses interesses promovem a conscientização sobre possíveis adversários coletivos dentro do mesmo campo social.
Para Sandoval, na ausência da consciência de um adversário visível e identificado, não existe possibilidade de se estabelecer a mobilização de sujeitos e grupos para que ajam e coordenem ações contra um objetivo específico (pessoa, grupo ou instituição). Ou seja, esta dimensão se estabelece no “caráter antagonístico das relações de classe (na medida em que esses são conflitos de interesse) e no significado que o sujeito atribui ao antagonismo em termos de obstáculos para lograr benefícios materiais e políticos” (Sandoval, 1994, p. 67).
A quarta dimensão, nomeada pelo autor como a Eficácia trata dos “sentimentos de uma pessoa acerca de sua capacidade de intervir em uma situação política” (Sandoval, 2001, p. 188). Para a dimensão de eficácia política, o autor busca apoio na Teoria de Atribuição de Miles Ronald Cole Hewstone (1989) que propõe três vieses interpretativos: no primeiro os sujeitos atribuem as causas e efeitos dos acontecimentos em que estão envolvidos a forças transcendentes a si mesmos (tendências históricas, desastres, intervenções divinas etc.), o que faz com que sua eficácia política e disposição ao engajamento e participação sejam muito baixos. No segundo, o sujeito dirige a causalidade a si mesmo e os acontecimentos são interpretados como efeitos resultantes da própria pessoa e de sua (in)capacidade de lidar com a situação específica. Nessas situações, o sujeito atribui à situação social uma marca individual.
Não obstante, Hewstone (1989) propõe uma terceira linha de interpretação, em que os sujeitos relacionam as situações de angústia social às ações de outros grupos, na convicção de que a produção de angústia e mal-estar social são resultantes das ações desses grupos. Esta proposição é a que propulsiona que os sujeitos possam investir esforços na potencialidade de engajar-se em ações coletivas, em oposição aos agentes causadores da situação de injustiça, opressão e angústia social. A eficácia política se traduz, pois, na credibilidade de que a ação coletiva possa, de fato, promover mudanças sociais (Sandoval, 2001).
A quinta dimensão traz os Sentimentos de Justiça e Injustiça, uma dimensão recheada de emoções, como o descontentamento, a indignação, a raiva, mobilizadores das percepções dos sujeitos de que algo não está funcionando bem ou está em desvantagem para seu coletivo. Essa dimensão compreende os arranjos sociais em termos de sentimentos e reciprocidade social. O autor afirma que ela é “a expressão de sentimentos de reciprocidade entre obrigações e recompensas” (Sandoval, 2001, p. 187). Tal elaboração constitui uma relação dinâmica entre direitos e deveres civis, bem como, de reciprocidade e o modo como o sujeito percebe as rupturas destes acordos nos processos sociohistóricos, sendo destes rompimentos que se origina a mobilização social para a sexta dimensão, nominada pelo autor como Vontade de Agir Coletivamente (Sandoval, 2001).
A estrutura da sexta dimensão é instrumental, na medida em que corresponde à percepção do sujeito sobre as condições organizacionais e contextuais dadas para sua participação, cujas escolhas para Sandoval:
são informadas e significadas pelos indivíduos por meio de: suas identidades coletivas; suas crenças societais, valores e expectativas em relação à sociedade; seus sentimentos de eficácia política; suas percepções de interesses próprios e de adversários que confrontam e, por fim, dos seus sentimentos de justiça/injustiça. (Sandoval, 2001, p. 190)
Essa dimensão informa sobre a aposta e disposição dos sujeitos à ação coletiva.
Por fim, a sétima dimensão diz respeito às Metas e Propostas de Ação Coletiva, estando na linha de correspondência entre as metas do movimento, as estratégias de ação e seus sentimentos de eficácia política, de injustiça e interesses (Sandoval, 2001). Nesta dimensão os sujeitos analisam o grau de identificação existente entre as metas e ações empreendidas pelo movimento e suas lideranças, em relação ao adversário, bem como, os interesses materiais e simbólicos, os sentimentos de injustiça e disputas elaboradas em relação ao adversário percebido (Sandoval, 2001). Há uma busca de equilíbrio entre as ações coletivas propostas pelos coletivos e movimentos sociais, de forma que atendam as expectativas dos sujeitos em relação à eficácia política da ação coletiva.
MEMÓRIA POLÍTICA COMO DIMENSÃO TRANSVERSAL À CONSCIÊNCIA POLÍTICA
Podemos pensar a memória política como um “campo” de conhecimentos e práticas em torno da memória, que vem sendo associado aos processos políticos vividos na segunda metade do século XX até os dias atuais. Sendo um conceito em expansão, a preocupação com os estudos de Memória Política se inicia a partir de questionamentos feitos em outros campos da ciência, como as Ciências Sociais e Políticas, a História e a Antropologia.
Conforme Yuri Fraccaroli, Vinicius dos Santos Arantes e Henrique Araujo Aragusuku (2018), o conceito de memória nunca esteve distante da noção de consciência política de Sandoval, porém, até a revisão mais atual do Modelo (Sandoval & Silva, 2016), em que as emoções assumem um papel fundamental na formação da consciência política, a memória poderia ter ganho maior protagonismo. Não obstante, os próprios autores admitem que quando Sandoval assume a centralidade das emoções no processo de consciência política ele está ligando as dimensões à capacidade dos sujeitos significarem (ou ressignificarem) suas experiências no presente.
O que é tomar consciência política senão posicionar-se no presente em relação a um passado sócio-histórico e a um porvir colocado em projeto coletivo? A disposição ao engajamento em ações coletivas supõe essa convulsão de memórias em relação. Nesse sentido, conforme propôs (Ansara, 2008a, 2008b, 2012) o processo de retomada de memórias perpassa todas as dimensões do modelo de Sandoval.
A fim de aprofundar as relações entre consciência política e memória, começamos por ilustrar a memória política pela figura da “Sankofa”. Originária dos povos de língua Akan da África Ocidental, que se localizam nos atuais países de Gana, Togo e Costa do Marfim, a figura da ave mantém a cabeça voltada para o passado, segurando em seu bico um ovo, que representa o futuro. O termo deriva da junção das palavras sanko (voltar) e fa (buscar, trazer), e significa que não é proibido retornar ao passado e recuperar o que se perdeu. Sankofa também é um símbolo Adinkra, que consiste na imagem de um pássaro mítico que voa em direção ao futuro.
Esse símbolo expressa a concepção africana de história, não linear, mas circular, que valoriza a memória ancestral como fonte de sabedoria e orientação para as gerações presentes e futuras (Portal de Revistas da USP, 2023). Neste sentido, o símbolo africano do pássaro que tem sua cabeça voltada para o passado, ensina sobre a possibilidade de ressignificar, redimir, justificar e libertar, para poder avançar. Portanto, Sankofa é uma realização do Eu, individual e coletivo a um só tempo, onde o que quer que tenha sido perdido, esquecido, renunciado ou negado, possa ser reclamado, retomado, preservado e perpetuado.
Para Aline Hernandez (2020), a memória política não é nem a memória social, tecida a partir de interesses de determinados grupos, nem a memória histórica, plasmada na oficialidade da História única, escrita em letra maiúscula e, no mais das vezes, usada como instrumento de “colonialidade do poder” para silenciar e apagar as muitas versões da “mesma” história. Walter Mignolo (2010) afirma que colonialidade do poder é um conceito que questiona a visão eurocêntrica da modernidade, que se apresenta como um modelo universal e superior de desenvolvimento humano. Esse conceito revela as relações de dominação, exploração e exclusão que foram estabelecidas entre os povos colonizados e colonizadores, desde o início da expansão europeia até os dias atuais. Segundo o autor, a colonialidade do poder é uma matriz complexa que articula aspectos culturais, institucionais, econômicos e epistêmicos, que se expressam nas colonialidades do poder, do saber e do ser.
Nessa esteira, a dimensão da memória política abarca a percepção dos sujeitos e grupos pelo direito à memória, de lembrar e contar o que lhe foi negado, excluído, segregado, jogado à margem da História. A ação de acessar memórias por meio da enunciação situa os sujeitos no campo da ação política, evocando disputas narrativas, quadros de conflito e resistências. O que desvela, por fim, uma disjunção entre a história oficial e aquelas histórias – intencionalmente – silenciadas (Hernandez, 2020). Para Michael Pollak (1989) há sempre uma escolha dos fragmentos históricos que serão contados e, consequentemente, dos que serão deixados de fora, apagados. A memória histórica possui essa característica intencional da oficialidade.
Hernandez (2020) argumenta que as políticas de memória estão imbricadas com dinâmicas de poder, o que reclama que a memória política se aproprie da História para transformá-la. Para Javier Alejandro Lifschitz (2014), o campo da memória política precisa de suportes, mas não enquanto formas de coesão, como no caso da memória nacional. A memória política é, nesse sentido, um dispositivo de ação política contra hegemônica.
Hernandez (2020) sublinha que a memória política é uma dimensão psicopolítica, afetiva, das trajetórias subjetivas dos sujeitos, que se constitui como um instrumento de potencialidades e resistências em uma temporalidade que se apresenta dinâmica e “convulsiva”. Segue afirmando que a memória política não tem compromisso com o tempo, pois trata de retomar as mais diversas versões e discursos acerca de um mesmo fenômeno político, estabelecendo uma relação intrínseca com o passado, retomada e ressignificada no presente, o que contém, em si, a capacidade de projetos de futuro, ou nos termos de Salvador (2001, 2016), a vontade de agir coletivamente.
A temporalidade da memória política é transversal, espiral, não linear. O lócus de produção de memórias políticas é o presente, uma ação de conscientizar-se no tempo-espaço da ação coletiva. Tal proposição escapa à lógica da linearidade apreendida nos livros de História, de pensar a memória em termos de passado-presente-futuro. Para Hernandez (2020), a narrativa de memória se dá através da ação mediada pela linguagem, na capacidade de elaborar e representar (textos, signos, símbolos, intertextos) e, assim, re(a)presentar-se em ato de evocação do “não-dito”.
Pensando num trabalho de arquivo e coleção, que visa retomar memórias políticas, Hernandez (2020) salienta a importância de colocar diferentes campos de narrativas de memórias em oposição: a óticas totalitária, a fragmentária e a de ampliação. Pensando na análise de um fenômeno político, será preciso averiguar “o que se diz sobre”, geralmente muito vinculado ao “valor de uso da ciência”, o que dizem os especialistas, o que se veicula nas mídias oficiais, e acaba se encerrando em uma ideia de acabamento: uma lógica totalitária sobre o fenômeno político.
Um segundo movimento será acessar os discursos que os diferentes sujeitos e grupos envolvidos “dizem sobre”, buscando um valor de compreensão e aprofundamento do fenômeno, buscando diferenciações e variações sobre o mesmo fenômeno, sob uma ótica fragmentária. Ainda, muito importante, será compreender o eco ou espelho que se produziu entre os diferentes grupos, a zona do metadiscurso, perseguindo uma ideia de abertura sobre as diferentes interpretações do fenômeno, desde dentro e desde fora. É papel do/a pesquisador/a buscar essa ótica da ampliação. (Hernandez, 2020).
Assim, a autora propõe que, para compreendermos a memória em sua dimensão política temos de “mapear” esses diferentes graus de memória, dos grupos sociais e dos sujeitos em relação aos acontecimentos e fenômenos políticos. Os grupos sociais não vivem e, portanto, não narram a história da mesma forma. Dependendo do lugar da narrativa, os pares em oposição (vencedores versus vencidos) serão drasticamente alterados.
Trata-se de um gesto metodológico de pesquisar memórias políticas, situando a memória como um acontecimento político, experiência de retomada em territórios de disputa. Nos termos de Salvador (2001), a ação política se dá entre os mais diversos agentes, instituições, lugares, tempos e campos adversários.
Como vimos até aqui, estudos em consciência política e em memória política demandam dimensões ontológicas, oriundas de conhecimentos derivados de um conjunto de articulações, composições entre os sujeitos e os mais diversos grupos que conformam uma sociedade e suas realidades multifacetadas.
MONUMENTO VERSUS ARTESANIA: CASTELO BRANCO VERSUS O MANTO TUPINAMBÁ
Monumento e artesania representam aqui uma dicotomia entre a história oficial e a memória política. Nossa reflexão avança em torno de duas metáforas: o monumento-busto de Castelo Branco, feito de bronze; e o manto Tupinambá, feito de penas da ave guará. Tais objetos traduzem a diferença entre memória histórica e memória política, a partir dos contrastes materiais, simbólicos e seus “usos” públicos e significações.
Humberto de Alencar Castelo Branco, o general Castelo Branco, como é historicamente conhecido, participou da articulação do golpe militar que depôs o presidente João Goulart e instaurou uma ditadura no Brasil, em 1964. Ocupou a presidência do país como resultado de um pacto entre as forças armadas, permanecendo no cargo até 1967. Durante seu governo, promulgou atos institucionais que lhe outorgaram poderes extraordinários, como cassar mandatos, suspender direitos políticos, restringir as liberdades civis e inaugurar a repressão aos movimentos sociais e aos opositores do regime.
Após inúmeros atos de opressão e necropolítica1, ainda hoje encontramos exposto o monumento-busto de Castelo Branco na Praça Carlos Dengler, em Guarulhos, São Paulo. A obra foi inaugurada em 1970, três anos após a morte de Castelo Branco. Trata-se de uma escultura em bronze, material bruto feito para atravessar os tempos, que homenageia o primeiro presidente do regime militar brasileiro. Essa obra, como tantas outras, foi financiada por instituições militares e empresariais que apoiavam e davam suporte ao regime. O monumento faz parte de um conjunto de obras que foram erguidas em diversas cidades do Brasil, a fim de exaltar as figuras dos ditadores, na intenção de legitimar o golpe de 1964.
Em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no Parque Moinhos de Vento também encontramos um monumento em homenagem ao ditador, bem como, ainda que ironicamente, nos jardins do Palácio da Abolição, em Fortaleza. Tais monumentos provocam controvérsias e críticas por parte de setores da sociedade que defendem a Memória Política acerca dos crimes cometidos pela ditadura militar. Para Estela Schindel (2009), os processos atuais de monumentalização da memória não constituem “lugares” no sentido da unificação nacional, de amálgama imaginária. Pelo contrário, envolvem debates e confrontos que expressam memórias em conflito.
Em relação oposta ao mencionado monumento, o manto tupinambá é uma peça sagrada, artesania indígena, que representa a cultura e a resistência dos povos que habitavam a costa brasileira antes da colonização portuguesa. A artesania é um símbolo da memória e da luta do povo indígena tupinambá, que ainda vive no sul da Bahia e reivindica a demarcação de sua terra ancestral. O manto é feito de penas de aves, principalmente de guarás, que têm uma cor vermelha intensa. O manto era usado pelos tupinambás em rituais sagrados, como a antropofagia, que consistia em devorar os inimigos capturados em guerra, para absorver sua força e coragem. Segundo Ynaê Lopes dos Santos (2023, s/p.):
No Brasil de 2023 ainda é importante pontuar que, durante muito tempo, tupinambá foi um termo utilizado para designar a maior parte dos indígenas que viviam nas terras que hoje conhecemos como Brasil. Era assim que os portugueses chamavam as sociedades indígenas que falavam a língua tupi e suas variantes, desde o Pará até a região Sul do país. No entanto, esse termo não abarcava as complexas identidades dessas milhares de sociedades, que, apesar da proximidade linguística, se entendiam e se denominavam de outras formas. Atualmente, aqueles que se reconhecem como tupinambá vivem em três regiões brasileiras, uma localizada no Pará (no baixo Rio Tapajós), outra na Bahia, e a terceira nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Para essas sociedades, os mantos eram objetos ritualísticos de grande importância. Confeccionada por meio de sabedoria ancestral, a vestimenta era utilizada em momentos especiais, como no enterro de familiares, assembleias políticas e rituais religiosos específicos.
Estima-se que existam no mundo apenas onze peças remanescentes dessa natureza, a maioria levadas aos museus europeus. Um deles foi recolhido por Maurício de Nassau, um militar alemão enviado pela Companhia das Índias Ocidentais para administrar a colônia holandesa no Nordeste brasileiro, no século XVII. O manto tupinambá foi levado para a Dinamarca em 1689 e ficou guardado no Museu Nacional daquele país (Nationalmuseet, Copenhague) por mais de 300 anos. Em junho de 2023, o museu anunciou a devolução do manto ao Brasil, como um gesto de reconhecimento da história e da diversidade cultural brasileira.
A historiadora Ynaê Lopes dos Santos (2023, s/p.) afirma que a devolução do manto não deve ser vista como um ato de generosidade, mas como uma reparação de um objeto adquirido em um contexto de subjugação e violência durante o período colonial, “a aquisição dessas peças foi feita num contexto de subjugação, usurpação e violência cometidas por algumas nações europeias em nome de seus próprios interesses”.
Santos (2023, s/p.) assevera que a devolução do manto ao Brasil é fruto das ações de lideranças tupinambá, sobretudo pela reivindicação de Nivalda Amaral de Jesus, que, em meio à Mostra do Redescobrimento2, exigiu que o manto fosse devolvido a seu povo. A pesquisadora e liderança indígena Glicéria Tupinambá confeccionou um novo manto com penas de aves da comunidade e da terra que defende. O novo manto tem a cor predominante e é uma forma de valorizar a cultura tradicional e resistir aos ataques e invasões que sofrem. Para Glicéria Tupinambá o manto não é um objeto (a ser exposto em um museu), mas uma “agente”. Ao ser retomado, ele traz consigo a história de seu deslocamento. O manto “são memórias, e não uma coisa estática” (Alessandra Monterastelli, 2023, s/p.).
Existe uma ótica totalitária (Hernandez, 2020) que percebe o manto Tupinambá como uma “coisa museuficada”, herança de nossa matriz colonial extrativista, que ainda hoje reitera estratégias de apagamento de nossos povos originários. A História Oficial é simbolizada pelo busto de bronze, a representar domínios, estruturas de poder e posse. A dicotomia evidencia-se, até mesmo, na matéria-prima da feitura dos objetos: o busto de bronze feito de matéria bruta a ser exposto em praça pública, em contraponto ao manto Tupinambá, cuja manufatura artesanal se faz de elementos coletivos, dos conhecimentos ancestrais da comunidade, dos pássaros que co-habitam o território. É elaborado com fios entrelaçados manualmente, penas costuradas a uma malha de algodão com agulhas de espinha de peixe ou de osso, material artesanal, orgânico, único.
As políticas de memória no Brasil são historicamente frágeis e carecem de políticas públicas robustas que as sustentem. Portanto, são as políticas de reparação histórica que permitem acessar e retomar nossa ancestralidade, em prol de promover justiça social. O papel da memória política é, portanto, o de confrontar hegemonias cristalizadas em monumentos, símbolos de ideologias totalitárias de apagamento.
É a memória política esse dispositivo afetivo e ativo da consciência política, que permite reconhecer a barbárie, as violências do passado que se reafirmam no presente. A consciência política, motor da ação coletiva, permitirá evitar que tais abominações sigam ocorrendo na sociedade que, precipitadamente, declaramos civilizada.
Para Enrique Dussel, a decolonialidade é um conceito em movimento, que busca questionar e desafiar as formas de dominação e exploração impostas pelos processos coloniais que ainda persistem na atualidade. Como um projeto político, a decolonialidade parte da perspectiva das vítimas históricas (colonizadas, escravizadas, exploradas etc.), a fim de criticar a totalidade do sistema mundial (capitalista, patriarcal, eurocêntrico), propondo alternativas de libertação.
A decolonialidade reclama o reconhecimento de que a modernidade, entendida como um projeto civilizatório de origem européia, foi construída sobre a base da colonialidade, ou seja, da subjugação e da negação das outras formas de existência, que não se enquadram nos padrões ocidentais.
Tais colonialidades implicam na imposição de uma racionalidade, uma identidade, uma estética, uma prática, uma lógica eurocêntrica, que nega e subalterniza as formas de existência, conhecimento, e ação dos povos colonizados. A colonialidade do poder é um produto e um mecanismo da modernidade/ colonialidade, que se fundamenta na ideia de superioridade racial, civilizatória e histórica da Europa sobre as demais regiões do mundo (Mignolo, 2010).
Essa episteme propõe uma crítica radical à modernidade-colonialidade e uma abertura ao diálogo e à valorização das epistemologias, das estéticas e das políticas dos povos subalternizados. É, portanto, mais que um conceito, mas um levante insurgente, de resistência e emancipação rumo à mudança social.
A partir dessa perspectiva crítica, pode-se concluir que a colonialidade do poder é um fenômeno histórico e estrutural que atravessa as relações sociais, políticas, econômicas e culturais no sistema-mundo moderno/colonial. Ela não se limita ao período colonial formal, mas persiste nas formas de neocolonialismo e imperialismo que marcam a atual ordem global.
Também não se restringe ao âmbito das relações internacionais entre Estados-nação, mas se manifesta nas relações de poder entre grupos sociais dentro de cada sociedade. A colonialidade do poder é, portanto, um desafio epistemológico, ontológico, ético e político para a construção de um mundo mais justo, plural e democrático.
O monumento-busto do ditador nos provoca o questionamento: são essas homenagens e apologias que merecem estar no espaço público de nossas cidades? Por que o manto Tupinambá foi retirado de seu povo e levado a um museu europeu se era artefato sagrado e de luta de seu povo? Nesse sentido, Dussel (1993) fala da produção de “apagamentos pelo outro”, onde a História é contada de forma unilateral, cujo imaginário hegemônico e eurocêntrico, tem a intenção de consolidar a Europa como o modelo ideal de territorialidade e sociedade a ser almejado e seguido por outras culturas. Para o autor, tal imaginário trata do Mito da Modernidade. Uma mitificação, oriunda do desejo da Europa como um ente que anseia ser o centro universal ontoepistemológico.
Bem como Dussel, Achille Mbembe (2003) se debruça sobre a necropolítica e a dominação europeia sobre o outro, percebido como um não-ser. Isto evidencia uma episteme crítica, cuja memória histórica revela-se ser na verdade a perspectiva contada pelos “vencedores”, enquanto a memória política é contada pelos “vencidos”. Para Andrews (2023, contracapa) “Precisamos urgentemente destruir o mito de que o Ocidente foi fundado com base nas três grandes revoluções científica, industrial e política. Em vez disso, precisamos identificar tais eventos como genocídio, escravidão e colonialismo, e sendo eles matrizes fundadoras sobre as quais o Ocidente foi construído”.
Diante das duas metáforas escolhidas e suas funções sociais, é possível refletir sobre um litígio de significações, pois, enquanto o busto-monumento traduz algo que é referenciado e reverenciado pela História oficial, em uma dimensão da memória histórica, jurídica e institucional, o manto diz respeito a uma memória política, traduz um sentido material, simbólico e único de um grupo social (povo Tupinambá). Pois, como já mencionamos, o manto Tupinambá possui um sentido cultural sofisticado, é uma indumentária ritualística destinada aos líderes Tupinambá, empregado em rituais religiosos, festividades, guerras e funerais, atribuindo a quem usa um status de autoridade, prestígio e poder. O manto também possui uma função simbólica, pois expressa a conexão entre o humano e a natureza divina, entre o visível e o invisível, sendo uma expressão da identidade, da cultura e da história dos Tupinambá. Contudo, os Tupinambá não cessaram de produzir seus mantos, mesmo sob a violência, a expropriação e a opressão colonial (dos adversários). Os mantos são memórias, como afirma Glicéria Tupinambá. A feitura dos mantos é uma política de memória, de recuperação e valorização da cultura, da arte e da espiritualidade dos Tupinambá, que ainda resistem e lutam por seus direitos e territórios.
Aqui propomos a reflexão de que a memória histórica é narrada por intencionalidade “oficial”, que tem poder instituído pelas próprias instituições do Estado, com capacidade de decidir o que entra e o que fica de fora da história. Para Pierre Nora e Yara Aun Khoury (2012), a memória histórica se refere a essa questão do Estado, que desempenha um papel ativo na construção das “memórias nacionais”. Portanto, essa construção é intencional e oficial. O autor afirma que “a história desaloja o sagrado, e torna tudo prosaico”. E, neste caso, o busto-monumento se consolida como representação da História oficial, estando em contraposição à artesania, que representa a memória e emergência narrativa dos grupos apagados (e surrupiados) pela História Oficial.
Não obstante, não se trata de marcar um simples antagonismo entre memória histórica e memória política, mas os pontos de tensão e as relações complexas que se estabelecem nessa correlação de forças. Em muitos casos, os grupos sociais que reclamam políticas de memória acabam por operar estratégias e ocupar lugares em instituições e políticas do Estado, pois não esqueçamos que a sociedade civil é parte integrante do Estado e a ela compete o exercício do controle social da política e das instituições. Porém, o fato desses grupos atuarem “por dentro” do Estado não deve descaracterizar suas pautas, lutas e lugares.
É através destas políticas de memória que se faz possível revisitar o passado, para analisar o presente e reivindicar a verdade para além das narrativas totalitárias. No Brasil temos o exemplo da Comissão Nacional da Verdade (CNV) que, por intermédio da legislação vigente (a Lei n° 12.528/2011) a institui a fim de perscrutar e elucidar flagrantes violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado brasileiro no interregno de 1946 a 1988, a fim de consolidar o direito à memória e à verdade, pelo fim das anistias brandas. A CNV é expressão e resultado do esforço de distintos segmentos da sociedade civil e de outras Comissões da Verdade subnacionais, que segundo Cristina Buarque de Hollanda e Vinícius Pinheiro Israel (2019), representaram um novo espaço de enunciação, da narrativa alheia, a partir do relato das próprias vítimas e/ou de seus familiares.
Porém, recentemente nosso país atravessou um período de gestão caótica e totalitária que legitimava tanto a ditadura militar, quanto os preconceitos, pulsões de violência e negacionismo daqueles que elegeram Jair Messias Bolsonaro (gestão 2019-2022) como seu representante. Em 15 de dezembro de 2022, já ao fim de seu governo, o ex-presidente Jair Bolsonaro aprovou a extinção da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), órgão estatal instituído em 1995 que investigava os crimes praticados durante a ditadura militar. O órgão era ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), da ex-ministra Damares Alves. A decisão foi tomada em sessão extraordinária, convocada pelo presidente do órgão, o advogado Marco Vinicius Pereira de Carvalho, assessor da ex-ministra Damares, bolsonarista e declarado defensor do regime militar. A extinção foi aprovada por quatro votos a três, sendo que a maioria dos integrantes da comissão se alinhava ao ex-presidente, pois o Executivo pôde indicar quatro dos sete membros (Brasil de Fato, 2022). Em contrapartida, o Ministério Público Federal defende que os trabalhos da Comissão devam prosseguir, a fim de possibilitar a execução das condenações impostas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil. O governo Lula já formalizou o decreto para reinstalar a Comissão pelo Ministério dos Direitos Humanos (Agência O Globo, 2024; Oliveira, 2023).
Em tensão, a memória política está nos corações-afetos e mentes-cognições dos grupos e movimentos sociais, dos coletivos dissidentes, ou seja, é inerente aos sujeitos marginais dos grupos que ainda não falaram. A memória política é um campo de força em disputa entre diferentes grupos, compondo novos conjuntos de repetições e variações. É uma experiência política, feita de contextos materiais, simbólicos e narrativos (Hernandez, 2020). Evidencia-se que a função da Memória Política é a de colocar “sentidos em disputa” e, consequentemente, disputar lugares, territórios e forças, desestabilizando lugares hegemônicos do saber, do poder e do ser.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: TRANSVERSALIZANDO MEMÓRIA E CONSCIÊNCIA POLÍTICA
Segundo Sandoval (2001), o Modelo de Consciência Política não se trata de um modelo linear e tampouco sequencial, mas de dimensões que se articulam de forma complementar, o que evidencia a sua conexão com o gesto metodológico proposto por Hernandez (2020), no qual a Memória Política é não linear, mas transversal e espiral, sendo a linha que transita e costura as demais dimensões, em realidades afetivas revisitadas e ressignificadas.
Um exemplo disso se dá na dimensão Crenças, Valores e Expectativas Societais do Modelo de Consciência Política de Sandoval em que, a rotina cotidiana trata daquele aspecto da realidade social que mais se presta à alienação, sendo comumente expressada em suposições pouco reflexivas da inevitabilidade da rotina diária e uma banalização das desigualdades e dominação nas relações de poder na sociedade. Uma submissão política disfarçada de requisito do viver rotineiro podem ter o efeito de tornar o indivíduo um conformista, na medida em que carece da instrumentação intelectual para um raciocínio sistemático e crítico, bem como, das práticas diárias do exercício democrático de direitos e obrigações de cidadania (Sandoval, 2001).
Para o autor, a fim de que outras modalidades possam emergir é impreterível que ocorra o rompimento da rotina e, consequentemente, a introdução da reflexividade na vida do sujeito. O que, de acordo com Sandoval (2021) provoca uma mudança de consciência individual, por meio de uma interrupção da estabilidade da vida rotineira, seja no trabalho, na vida em comunidade, nas instituições.
Nesse sentido, a memória atua como elemento central a conectar o sujeito à sua experiência política. A memória estabelece uma interface com as dimensões da consciência (com a tomada de consciência), pois atua como um reservatório das experiências e percepções dos sujeitos.
Consciência e memória política estão intrinsecamente amalgamadas nas cartografias da realidade, o que remete à metáfora simbólica dos corvos de Odin, da mitologia nórdica. Cujos Eddas, poesias líricas dos povos escandinavos, contam que Odin possuía dois corvos incumbidos de “vigiar os mundos” e então retornarem de seu voo com informações e histórias acerca dos acontecimentos nos territórios.
O primeiro, Hugin, era o pensamento e a consciência do deus andarilho, enquanto Munnin era a memória. Ambos representam a percepção sobre os acontecimentos. No poema, um trecho revela a preocupação da divindade, de que nos “vôos” de sua mente, os corvos não mais retornassem: “Hugin e Munnin voam a cada dia sobre a terra vasta. Eu temo por Hugin, que ele não volte, ainda mais ansioso estou por Munnin”, de acordo com tradução de Henry Adams Bellows (1936, s/p.). Trata-se, pois, da angústia da retomada da consciência, sobreposta pelo temor de que a memória se perdesse no esquecimento e não retornasse.
Hernandez (2020) destaca que narrar uma experiência vivida é uma expressão subjetiva no presente, elemento fundamental para que exista uma memória política. Nesse sentido, a autora propõe quatro elementos fundamentais à memória política: o sujeito, o contexto de experiência, as temporalidades e a narrativa. O contexto de experiência configura-se como o lócus onde se desenrola a narrativa da experiência em si, adquire uma dimensão psicopolítica em virtude de seu caráter afetivo, já que o sujeito articula suas recordações por meio das relações estabelecidas por ele com os distintos grupos e realidades das quais participa.
São as vivências e memórias dos sujeitos que vão elaborando a consciência política (enquanto experiência coletiva), sendo a memória a matéria prima que dá corpo à consciência. A articulação entre memória política (Hernandez, 2020) e o Modelo de Consciência Política (2001, 2016) pode ser fundamentada na premissa de que a memória constitui um dos fatores que concorrem para a configuração da consciência política dos sujeitos. A memória incide sobre as dimensões da consciência política, tais como a identidade coletiva, os sentimentos de justiça e injustiça, a eficácia política e a vontade de agir coletivamente. Em contrapartida, a consciência política também pode repercutir sobre a memória, ao direcionar as modalidades de recordar, interpretar e significar os eventos políticos. Desse modo, a memória política e a consciência política são interdependentes, se retroalimentam e se transformam ao longo do tempo.
Os fatos e argumentos expostos ao longo desse artigo corroboram a importância da Memória Política na construção de uma sociedade com mais Consciência Política e, consequentemente, mais justa e equânime. Nossa proposta propôs que a memória seja considerada uma dimensão transversal e articuladora do Modelo proposto por Sandoval (2001) A memória política é um dispositivo ativo-ativista, um instrumento de subversão e luta contra aquilo e aqueles que o “espírito da época” – racista, elitista, anti-indigenista, misógino, preconceituoso e perverso – insiste em apagar.