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Cógito

versão impressa ISSN 1519-9479

Cogito v.1  Salvador  1996

 

 

Aspectos topológicos do grafo do desejo *

 

 

Eny Lima Iglesias **

Círculo Psicanalítico da Bahia

 

 


RESUMO

A autora trabalha o grafo do desejo em suas implicações topológicas.

Palavras-chave: Desejo, Grafo do desejo.


 

 

Freud trabalhou o espaço habitual da nossa percepção na sua tridimensionalidade enquanto Lacan o fez utilizando a topologia, onde o que predomina é a bidimensionalidade: não há dentro nem fora, avesso ou direito, superior ou inferior, e nem profundidade.

A dimensão temporal também é alterada passando-se de uma temporalidade cronológica para uma temporalidade lógica, que vai da antecipação à retroação. Esta temporalidade subjetiva não significa ausência de tempo, mas a experiência onde um instante pode parecer não terminar, enquanto horas podem passar como um instante.

É nesse espaço bidimensional que o inconsciente se estrutura, e por isso Lacan diz que o sujeito do inconsciente é chato, sem volume, constituído na sua relação com Outro nesse espaço que é anterior ao estádio do espelho.

O sujeito mítico, anterior ao estádio do espelho, ao sofrer o efeito do significante faz surgir a Coisa, Das Ding, e naquela continuidade especular abre-se um buraco, produz-se um corte e aparece a borda.

A continuidade é a principal propriedade operacional da topologia e refere-se à existência, ou não, de cortes ou suturas numa determinada superfície.

Sabe-se que duas superfícies são topologicamente equivalentes, isto é têm a mesma estrutura se todos os pontos se relacionam biunivocamente sem cortes ou suturas. Isto quer dizer que num conjunto ou superfície cada elemento ou termo só pode se relacionar com só um do outro conjunto. Duas figuras são ditas idênticas se, através de uma deformação contínua, podemos passar de uma a outra.

A continuidade é observada na figura topológica oito-interior que dá a estrutura fundamental do grafo do desejo. Para trabalhar com a noção de sujeito dividido é necessário uma solução contínua, que o oito-interior oferece e, no grafo do desejo, pode-se observar através da relação dos quatro termos com os quatro vértices: a voz faz continuidade com o gozo e a castração está em continuidade com o significante.

Veja nos esquemas*** 1 e 2.

 

Esquema 1

 

Esquema 2

 

O grafo do desejo é chamado assim porque se fundamenta na oposição necessidade - demanda -desejo: trata as relações do sujeito mítico da necessidade, o atravessamento da demanda e seu mais além, o desejo.

Lacan foi progressivamente, em dois Seminários sucessivos: "As formações do inconsciente" (1957-1958) e "O desejo e sua interpretação (1958-1959), fazendo suas elaborações e em 1960 retomou sua esquematização na "Subversão do sujeito e a dialética do desejo no inconsciente freudiano’.

A relação necessidade-demanda-desejo é mostrada no grafo como uma estrutura de banda de Moebius, que é equivalente ao oito-interior. A banda de Moebius é uma superfície unilátera, com uma face e urna borda, sendo preciso dar-se duas voltas par chegar ao mesmo lugar em decorrência da semi-torção que se opera na fita retangular de origem. Ela trata da relação do significado e do significante que não cessam de deslizar pelo percurso da fita ou banda. Pode-se tomar a demanda como a torção da banda de Moebius e em relação a ela localiza-se o seu mais aquém – a necessidade – e seu mais além – o desejo.

Pela impossibilidade de representar no mesmo plano o significante, o significado e o sujeito, Lacan lança mão do grafo, que é um artifício espacializante, na tentativa de colocar num espaço as oposições da língua, mostrando a integração recíproca das três dimensões que estruturam a subjetividade: o desejo, a linguagem e o inconsciente.

No grafo completo foram feitos cortes parciais como efeitos didáticos e assim tem-se o grafo 1, o grafo 2 e o grafo 3. (ver Esquema 3)

 

Esquema 3
Grafo completo

 

O grafo 1 foi denominado por Lacan de "célula elementar" ou célula fundamental do grafo" e serve para determinar a função do ponto de basta ou capiton. Em seu trabalho "Subversão do sujeito..." ele diz: "aí se articula o que chamei ponto de basta pelo qual o significante detém o deslizamento, de outra maneira indefinido, da significação". (ver esquema 4)

 

Esquema 4
Grafo 1
(Eidelsztein, pág. 59)

 

Neste grafo estão presentes os dois pontos de entrecruzamento A e s(A).A função de A é ser "o tesouro do significante", que está constituído por significantes que para se constituírem precisam da oposição com relação a todos os outros significantes. O outro ponto de entrecruzamento é o chamado de significante do Outro – s(A) – onde se dá a pontuação que vem do Outro e assim a significação é obtida.

Lacan propõe trabalhar nesta célula as noções de diacronia e sincronia, bem como o caráter essencial da repetição partindo da relação do sujeito com o significante. O vetor SS1 representa a cadeia significante que submete as manifestações da linguagem, na busca de produção de sentido, a noção da diacronia, na exigência de uma escansão, um corte, pelo jogo da antecipação e retroação. O vetor Δ$é a asa retrógrada que representa o modo como o sujeito entra na cadeia significante. O circuito A , s(A) e vice-versa é um circuito sem saída, pode-se dizer que é insignificante, apesar de estar constituído por dois significantes, S1 e S2, por que fica-se preso na demanda que não traz saída.

O grafo 1 com seus dois pontos de entrecruzamento não dá conta da estrutura pois o sujeito não consegue sair para o mais além da demanda – o desejo. Utilizando o modelo do grupo de Klein concebeu Lacan um jogo topológico de quatro esquinas e assim organizou o grafo completo.

O grupo de Klein tem o seguinte esquema: (ver esquema 5)

 

Esquema 5

 

São relações de figuras brancas e negras nos sentidos horizontal, vertical e diagonal estabelecidas entre círculos e quadrados. Cada esquina representa um dos quatro elementos e cada tipo de linha representa as três operações possíveis. Fica implícito que as funções que estão embaixo (brancas) serão as mesmas de cima com transformações. Pode-se destacar a composição que é oferecida: pares de significantes, uma cadeia superior e outra inferior e um intervalo entre as cadeias.

Observando que o inconsciente não opera numa estrutura dual Lacan articulou no grafo completo a questão da identificação a um ideal baseando-se na problemática do eu. Essa parte do grafo é concebida como o grafo 2.(ver esquema 6)

 

Esquema 6
Grafo 2

 

Frente aos dois significantes do grafo 1 o sujeito fica marcado com a marca própria do significante: o "fading" ou desaparecimento. A saída encontrada é através do ideal que produz uma identidade paradoxal, alienante, porque é do Outro. Que recurso o sujeito precisa para conhecer-se? Lacan diz que o sujeito tem à sua disposição a imagem própria e antecipada do estádio do espelho. É a antecipação imaginária onde a unidade percebida no corpo do outro não corresponde à unidade real no próprio corpo. O ego cai ficar estruturado para sempre com esta falha temporal porque foi constituído por identificação. O sujeito está, desse modo, aprisionado a dois ideais do Outro:

1. pela detenção de um significante – I(A) – alienação simbólica. 2. pela fixação em uma imagem – i(a) – alienação imaginária. Isto ocorre porque diante dos dois significantes do grafo 1 o sujeito nega e cai na armadilha do UM, a lógica do UM é como funciona o IDEAL. A fórmula I(A), ideal do eu, demonstra que um significante do Outro foi tomado como insígnia e dessa forma o Outro foi investido de onipotência, do poder que recebe por encarnar o lugar da palavra e ser testemunho da verdade.

A fórmula i(a) é a imagem do outro, o semelhante, que o sujeito captura e se fixa, tomando esta imagem como se fosse a imagem de si mesmo.

Diz Eidelsztein: "O problema não é a identificação imaginária de si, mas a fixação a uma imagem; o sujeito fica fixado a uma imagem, i(a), como consequência da petrificação em um significante I(A), em conseqüência da função do ideal simbólico"1 . O eu ideal transcende seus limites e vai determinar o eu (moi) juntamente com o I(A). Esta dupla determinação do eu pelo A e a evidência que o eu não é autônomo, mas ele desconhece o que o outro significa na sua constituição.

O percurso do grafo é o seguinte: de S a i(a), de i(a) a m e de m a I(A). Aqui o circuito é cortado em decorrência da petrificação em UM significante do Outro. Este circuito não poderá ser fechado com a estrutura do oito-interior porque a união de S a I(A) é impossível; I(A) é um ponto de detenção que favorece o circuito da dialética identificatória, uma das vias de saída pelos ideais.

A outra via de saída é o deslocamento infinito da significação através do circuito de regresso s(A) para A e daí para i(a) seguindo para m que segue para s(A). Este é um circuito fechado pois o sujeito barrado, que surge entre os significantes, vai se deslocando e em vez de estar entre S1 e S2 , vai estar entre S2 e S3 e assim sucessivamente.

Para deter esta metonímia infinita ocorre a identificação a um dos significantes. O grafo 3 é que vai oferecer a possibilidade de sair dos ideais identificatórios. Este grafo tem a forma de signo de pergunta e apresenta o desejo como via inquestionável para o sujeito do inconsciente, o "Che Vuoi?", a pergunta sobre o indizível do desejo e o fantasma como suporte do desejo. ( ver esquema 7)

 

Esquema 7
Grafo 3

 

Detrás de todo desejo humano existe a marca deixada pela demanda do Outro, ficando o desejo articulado a estas marcas. Se o desejo do sujeito é o desejo do Outro o grande problema é como sair do assujeitamento do Outro, ou seja, como se desassujeitar do Outro. Lacan nos diz que é pela via do desejo, através do objeto que causa o desejo, que o sujeito chegará ao andar superior do grafo. O que falta ao sujeito é o objeto do seu desejo e este só poderá ser encontrado explorando o desejo do Outro. O problema do nosso desejo é que nunca é nosso, é do Outro e por isso não podemos dizer "eu desejo" uma vez que a estrutura é "se deseja".

A função da pergunta tem duas possibilidades: uma que busca a falta e outra que busca preencher a falta.

Lacan articula ao fantasma a questão da falta pois o fantasma é uma forma de conceber o objeto a causa do desejo, uma forma de ver o $, sujeito barrado, e a relação que mantêm entre si. O fantasma corresponde à posição do sujeito a respeito do desejo, como resposta à demanda, dando significação à sua necessidade, que não é necessidade de objetos mas necessidade da presença do Outro como objeto de amor.

No grafo o fantasma está localizado numa posição que incide sobre a significação: ao s(A) chegam duas flechas – uma que vem de A confirmando que é do Outro que o sujeito recebe a significação de sua mensagem e a outra vem de cima para baixo mostrando que o fantasma, $<>a, interfere na significação dada pelo Outro, fazendo essa significação absoluta e impedindo a metonímia. O fantasma protege o sujeito frente à castração do Outro, que implica o desejo e assim a realidade fica encoberta. Hierarquizando um ou outro dos quatro objetos que Lacan definiu como objetos a reais que são o peito, as fezes, a voz e o olhar, todos os fantasmas do sujeito se articulam com um destes objetos e é justamente esta articulação que impede chegar ao real.

A pergunta do Outro é o "Che Vuoi?", que queres? E a resposta é: "o que você - Outro - quer de mim?" Aí o sujeito se oferece a si mesmo como objeto do desejo do Outro pois não tem desejo independente da demanda do Outro. O desejo está articulado aos significantes da demanda do Outro, mas não é articulável, na medida em que o desejo indica justamente o mais além das demandas particulares do Outro.2

Este circuito além das demandas é o circuito do ser: o sujeito repercutindo entre as duas demandas – demanda de significantes e demanda de amor – tenta fixar o ser no espaço entre as duas cadeias. O sujeito do inconsciente situa-se entre o sujeito do enunciado e o sujeito da enunciação que através da lógica do oito-interior põe as duas cadeias em continuidade. Buscar este sujeito intervalar é buscar um sujeito em repetição, reproduzindo a falha do encontro por meio de sua busca na repetição, que tem também, estrutura de oito-interior.

Na cadeia superior direita do grafo Lacan colocou a pulsão – $<>D – como o representante do tesouro do significante. Sabe-se que na pulsão se trata do corpo, mas o que Lacan coloca no lugar do corpo é a demanda.

Isto se justifica pois quando a demanda desvanece fica o artifício gramatical – voz ativa, passiva e reflexiva. Será no corpo, na pulsão, que o sujeito irá se localizar quando um órgão passa a emitir uma mensagem sem que ele fale em conseqüência do desvanecimento da demanda. É a zona erógena, que tem estrutura de corte, a parte do corpo oferecida para a localização inconsciente da demanda3. Para Freud a meta da Pulsão é a satisfação enquanto Lacan questiona a satisfação pois para ele satisfação e insatisfação fazem uma série contínua e na estrutura é impossível distinguí-las, da mesma forma como é impossível distinguir uma face da outra na banda de Moebius. A meta da pulsão, para Lacan, é sair e voltar em forma de circuito e essa ida e vinda coincide com o contornar a borda da zona erógena. Esse percurso pulsional em continuidade com a zona erógena estabelece a estrutura topológica do oito-interior que é a forma como deve fechar o grafo do desejo.

O último andar do grafo faz com que se complete o círculo e Lacan diz que este círculo se fecha numa significação – S(A barrado) – e assim cumpre a mesma função que o s(A) da cadeia inferior. Trata-se da impossibilidade de que o Outro seja completo, que não esteja marcado pela falta e não deseje. Sendo causa de angústia para o sujeito, ele vai tentar, utilizando-se do fantasma, tamponar ao Outro como desejante, isto é, fazer com que o Outro não deseje, o transforma em um Outro sem barra4.

Subversão do Sujeito... "partiremos do que articula a sigla S(A barrado): ser em primeiro lugar um significante.

Nossa definição de significante (não há outra) é: um significante é o que representa o sujeito para outro significante. Este significante será pois o significante pelo qual todos os outros significantes representam o sujeito".5

A cadeia inconsciente fecha sua mensagem em um significante que especifica a falta de significante no Outro, que na cadeia inferior determinava que o Outro, A, era o tesouro do significante, ou seja, era completo. De um lado do grafo está o tesouro com todos os significantes e do outro lado, fechando a significação, está o S(A barrado) que é a marca da falta no valor do tesouro, falta de ao menos um significante no Outro, aquele significante que corresponde ao sujeito. Por isso Lacan diz que S(A barrado) é um traço que se traça no círculo sem poder contar-se nele.6

No enunciado da cadeia inferior a preocupação é com o conteúdo do que se diz e na enunciação da cadeia superior é com o ato do dizer. A pergunta que se impõe é onde se localiza, no dizer, o ser do sujeito uma vez que o problema aqui não é mais a existência do Outro mas a própria existência: "Sou no lugar onde se vocifera, onde a voz como objeto é o que conta, não o conteúdo que se diz."7 Esse é o lugar do gozo que é, também, o lugar do sujeito. Mas, o que é o gozo? É um produto do significante, do simbólico, pois nunca será completamente absorvido. O gozo será sempre gozo do corpo decorrente da operação do sistema simbólico, do sistema significante, quando este aprisiona o corpo. Lacan postula uma economia política do gozo com perdas ou ganhos de gozo a partir do sistema significante atuando no corpo. O gozo entra primeiro como perda de gozo, correspondendo ao que Freud chamou complexo de castração, enquanto este marcava a dificuldade que encontrou para articular a complementariedade entre os sexos, na medida em que ambos os sexos pareciam referir-se a um único símbolo, o símbolo fálico. O gozo todo seria o gozo da complementariedade sexual, se esta existisse.8

O significante mata a Coisa, mas não a mata toda, fica uma marca, a voz, que acompanha toda enunciação e que transformando-se em objeto a escapa a nadificação que acompanha o significante.

No grafo, a linha que sai de A Lacan chama de voz e no grafo fechado em forma de oito-interior pode-se notar a continuidade que fazem A e S(A barrado) e esse caminho desemboca no gozo.

S(A barrado) é a marca da interdição do gozo infinito, não é a simples proibição de um gozo infinito mas a marca que este recebe do significante. O significante da falta no Outro está ligado com o complexo de castração em Freud e o complexo de castração é a marca da interdição sobre o gozo infinito.

 

Esquema 8
Grafo completo

Esquema 9
Oito interior

 

BIBLIOGRAFIA

EIDELSZTEIN, A. – El grafo del deseo – Ediciones Manantial, Buenos Ayres. Abril, 1995         [ Links ]

LACAN, J. – Subversión del sujeto y dialéctica del deseo en el inconsciente freudiano. In: Escritos, vol. 1 Siglo Veintiuno Editores, 15ª edición – México. 1989         [ Links ]

RABINOVICH, R. – Topología de la Cosa y angustia. In: Pontuaciones freudianas de Lacan: Acerca del más allá del principio del placer. Ediciones Manantial, Buenos Ayres. 1992        [ Links ]

 

 

* Trabalho apresentado na VII Jornada do Círculo Psicanalítico da Bahia, outubro, 1995.
** Psicanalista. Círculo Psicanalítico da Bahia
*** Todos os esquemas aqui apresentados foram retirados de "El grafo del deseo" de A. Eidelsztein)

1 Eidelsztein, A. – "El grafo del deseo"
2 Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano
3 Idem
4 "Topologia de la Cosa y angustia" – R. Rabinovich
5 Subversão do sujeito...
6 Idem
7 Idem
8 Topologia de la Cosa y angustia" – R. Rabinovich

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