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Cógito
Print version ISSN 1519-9479
Cogito vol.10 Salvador Oct. 2009
Nem sempre o riso faz bem
Laughter is not always good
Aurélio Souza*
Espaço Moebius
RESUMO
Para tratar do humor, na psicanálise, ele deve ser considerado a partir da Psicanálise em Intenção, isto é, como algo que afeta o sujeito do inconsciente e deve ser avaliado. Embora se tenha a ilusão de que fazer humor obedece ao princípio do prazer, o que a psicanálise revela é que através de suas diferentes manifestações o sujeito faz uma convocação ao outro para se proteger de uma condição de gozo, isto é, de um sofrimento que o afeta. Portanto, diferente do que muitas vezes se pode imaginar, o humor não propicia uma "flor do prazer", não é um altruísmo, mas um artifício através do qual pode tornar tolerável o sofrimento do sujeito. Assim, o riso nem sempre faz bem, desde quando pode só encobrir um sofrimento que afeta o corpo e/ou o pensamento que se manifesta como o pior que se volta contra o sujeito.
Palavras-chave: Real; Gozo; humor; sujeito.
ABSTRACT
To talk about humor, in psychoanalysis, one must consider it from a psychoanalytical intention stand point, that is, something that affects the unconscious subject and should be evaluated. Although one may have the illusion that being humorous is related to the pleasure principle, psychoanalysis reveals that through their statements, the subject is in fact making a request, to another one, as to protect himself from the condition of enjoyment (jouissance), that is, from a suffering that affects him. Far different from what one might imagine, humor does not provide a "flower of pleasure", it is not altruism, but an artifice.
Keywords: Real; Jouissance; humor; subject.
O humor e a psicanálise, que direção tomar?
Para encaminhar uma resposta a esta questão, vou considerar que para qualquer tema a ser tratado na psicanálise, deve-se sempre levar em conta as duas pernas sobre as quais ela se sustenta: uma que corresponde à Psicanálise em Intenção, uma condição que se desenvolve como um laço social estabelecido entre o analista e o analisante, sob transferência. E a outra que corresponde à Psicanálise em Extensão; isto é, o que se diz daquilo que se pratica.
Entre estas duas pernas está o sexo. Ou melhor, o gozo que afeta o sujeito, não só do corpo que o sustenta, como também em relação àquilo que lhe acontece todas as vezes que toma a palavra.
A Psicanálise em Intenção, portanto, é constituída como um discurso orientado por uma "pequena etiqueta" que leva em conta, de um lado, aquilo que é visado pelo sentido ou pela retórica e que realiza no sujeito um tipo de gozo identificado como gozo fálico. Um gozo "fora-corpo".
Por outro lado, o que é falado através do sujeito obedece a uma outra lógica que escapa ao sentido, à retórica e mesmo ao senso comum. É uma condição que realiza outro tipo de gozo, um gozo "não-todo", um gozo "fora-linguagem", um gozo do outrosexo, ou mesmo um gozo do Outro, mesmo que este grande Outro não exista. É uma condição que o afeta através do corpo que o sustenta.
Para tomar partido em relação a este tema que nos convoca — o HUMOR — pois na Psicanálise em Extensão se deve sempre acrescentar algo de si mesmo no que se fala, vou considerar que Freud, mesmo que não tenha fundamentado a essência desta questão do humor na análise, ele não deixou de revelar sua utilidade. Algo sublime e libertador para o eu, algo que vem de uma forma ilusória engrandecê-lo.
Assim, o humor na psicanálise tem convergido muitas vezes para o cômico, o sublime e mesmo para o irônico. Ou ainda para outras manifestações que podem ser utilizadas para libertar o Eu de algumas situações difíceis que estejam afetando suas diferentes realidades. O humor auxilia muitas vezes a se superar o horror, ou mesmo o medo à morte, buscando sempre afirmar o sucesso do Princípio do Prazer.
Desta maneira, o que pode causar medo se modificaria, provocando riso. O fracasso pode se transformar em triunfo. Uma desgraça pode ser expressa através de um bom voto, como no exemplo citado muitas vezes por Freud. Um condenado à morte que ao se dirigir à forca, diz: "— eis aí uma semana que começa bem!"
Em diferentes abordagens sobre este tema, Freud fez ainda convergir o riso para a satisfação, tomando-o como um paradigma para justificar a existência da própria sexualidade infantil. Afirmava que o riso que se provoca numa criança pequena quando se faz cócegas nela, vem equivaler a uma expressão da própria sexualidade infantil.
Todavia, gostaria de considerar esta possibilidade do riso se constituir num instrumento para se chegar ao cômico ou a outras manifestações correlatas, como uma expressão de prazer, não é uma condição tão óbvia quanto parece.
Lacan se colocou em oposição a esse desenvolvimento de Freud. Muitas vezes quando ocorrem crises de angústia, de pânico, situações de desespero que venham afetar o sujeito, as manifestações de riso que podem acompanhar estes diferentes afetos não se convertem, de uma maneira óbvia, num caminho para o cômico. Nem mesmo são capazes de transformar estes afetos dolorosos em prazer.
Assim, diante destas diferentes condições que fazem rir, como o cômico, o chiste, a ironia, a sátira, o non sense... entre outras, não é excessivo se perguntar, o que existe de comum entre elas? O que há de invariante? De que maneira a psicanálise pode considerá-las?
O que faz rir nestas diferentes condições é a própria relação do sujeito com a linguagem. O riso, portanto, é uma expressão relacionada ao efeito que a linguagem causa ao sujeito, o sujeito do inconsciente e, por extensão, ao humano.
Colocado nestes termos iniciais, de que linguagem se trata? E o que é este sujeito da psicanálise?
Não farei um recorrido sobre estas questões. Mas em relação à primeira pergunta, vou considerar um ato que Lacan produziu no início dos anos setenta, durante o seminário O Saber do Psicanalista. Nesta ocasião, quando comentava sobre a estrutura da linguagem, procurou evocar o Dicionário de Psicanálise que havia sido produzido por Laplanche e Pontalis. Fez um lapso e se referiu ao Dicionário de Filosofia, de Lalande, André Lalande1.
Na oportunidade, utilizando-se da homofonia de Lalande, com "la langue" (a língua), ele inventou o significante "lalangue", escrito numa só palavra2. Tornou seu lapso um elemento operativo para a psicanálise e passou a considerar que a estrutura de linguagem que poderia dar conta do discurso analítico não seria aquela dos linguistas, solidária à polissemia do significante e à própria teoria da comunicação, mas a um somatório de lalíngua que se manteria carregada de polifonia e guardando uma consistência do real.
Na psicanálise, portanto, a estrutura de linguagem não corresponde àquela que serve à comunicação, mas aquela que se torna responsável pela constituição do sujeito e que pode realizar em ato a realidade do inconsciente.
Colocado este comentário sobre a linguagem, vou retomar a questão que se refere ao sujeito. De que sujeito se trata na psicanálise? Essa noção de sujeito não corresponde a uma condição comum que faça parte de qualquer outra área do conhecimento. Ela vem testemunhar um desenvolvimento do ensino de Lacan, que o concebeu como o resultado de uma contaminação de lalíngua sobre o vivente, antes mesmo de ter nascido, ou de ter sido concebido.
De que maneira lalíngua pode causar o sujeito e produzir seus efeitos? Lacan desenvolve uma hipótese sugerindo a presença de um sujeito primitivo que seria desde cedo afetado por lalíngua. Aqui, não se trata de uma questão de desenvolvimento, mas de um efeito lógico e, sobretudo, topológico, a partir de uma noção identificada como de Incorporação.
Uma operação que tem sido muitas vezes relacionada àquilo que acontece na fase oral do desenvolvimento da libido. Estes elementos linguageiros que o sujeito recebe como uma herança simbólica e que o envolvem, deveriam ser colocados para o interior do organismo. Uma operação que poderia se metaforizar num "banquete", como no mito elaborado por Freud, onde os filhos matam o pai e, em seguida, o devoram.
Diferente, no entanto, do mito freudiano, gostaria de convidá-los a considerar que esta operação de incorporação inaugura um tempo lógico em que é a própria estrutura de lalíngua que incorpora o sujeito.
Este envelope sonoro, formado por letras e significantes, vai se utilizar da superfície real do corpo que sustenta o sujeito como um leito para se inscrever. Esta inscrição produz marcas de pertinência que vão homenizar o animal humano e realizar uma coalescência da linguagem com o sexo. Produzem também marcas eróticas que vão estar relacionadas com o desejo do Outro, mesmo que este grande Outro não exista.
A intervenção de lalíngua através da operação de incorporação vai determinar uma perda na estrutura do sujeito, algo que não pode ser nomeado, nem mesmo subjetivado, mas que vai causar um tipo de esburacamento no real, uma falta que vai abrir um buraco irreversível em algum lugar da própria ex-sistência do sujeito. Esta condição linguageira o manterá sempre com uma impossibilidade de encontrar em seu im-mundo de sinais, uma resposta "adequada" de sua inserção na linguagem ou mesmo de uma verdade sobre si mesmo.
Desde o seminário sobre a Ética que Lacan já afirmava que o homem demanda... ser privado de algo do real, para criar um vacúolo que vai estar no centro da estrutura de linguagem e ligado a um tipo de simbolização primitiva3 equivalente à privação. Assim, o sujeito vai se constituir determinado por uma perda em sua estrutura e como um ser mental que irá manter uma extimidade lógica e topológica em relação à própria estrutura da linguagem aonde habita.
O que é essencial a se considerar no discurso analítico é que esse sujeito não deve ser confundido a uma pessoa, a um indivíduo, a um homem como um ser vivo, com sua anatomia, fisiologia e bioquímica. Nem mesmo corresponde ao sujeito gramatical, a um interlocutor, ou a essa instância que é Eu [moi], com o qual mantém uma condição de alteridade radical. Ele ficará sempre reduzido a uma hipótese, a um axioma, como um sujeito dividido.
Assim, do que se trata quando a psicanálise convoca a presença desse sujeito dividido? E qual sua relação com o Humor?
Uma primeira condição a se considerar é que os animais não riem. Mesmo que em certas condições possam ser "homesticados", a imitar uma fala, eles não têm humor. E mais do que isso, mesmo que se considere que alguns animais falam, sua língua é diferente da nossa. Sobretudo, pelo fato de que não guardam uma relação com a escrita. De escrever o que se fala, ou melhor, de falar o que se escreve, como no discurso analítico.
Esta "fala" nos leva a considerar a importância da escrita, ou da letra no HUMOR e, por extensão, no próprio discurso analítico, um discurso essencialmente sem palavras. Para dar um exemplo, entre muitos possíveis, vou citar um dos relacionados por Freud, citando a Josef Unger, presidente da Suprema Corte e professor de Jurisprudência em Viena, referindo-se a um companheiro de viagem: "— eu viajei com ele tetê-à-bête".
O que faz rir é essa ressonância da letra. Nessa expressão de "tetê-à-bête", a simples substituição de uma letra por outra, da letra (t) pela letra (b), realiza o apagamento e o aparecimento, em ato, do que se pode considerar como sujeito do inconsciente. Esse efeito, no social, não decorre da importância do sujeito da frase, que se expressa através de "eu viajei...", onde o "eu" é equivalente ao que os linguistas nomeiam de shifter, mas àquilo que retorna do recalcado e que produz seus efeitos.
O que é essencial na psicanálise é que no discurso analítico será preciso se verificar o afeto. Só na Psicanálise em Intenção, essa ressonância da letra que afeta o sujeito do inconsciente pode revelar o que se esconde num chiste. O que existe aí de hostilidade, de competição, de ciúme, de erotismo, de rivalidade, de cinismo... na relação com o outro. Algo que só pode ser verificado na prática da análise com cada um.
Neste caso, não se trata do óbvio que acontece muitas vezes nos chistes, no cômico ou em outras manifestações de humor, onde cada um que sorriu pode interpretar a seu gosto o fato que causou seu riso. Vou insistir sobre isto, pois o efeito que se realiza sobre o sujeito, o sujeito do inconsciente, no social, é um ato que só pode ser verificado numa análise.
Talvez se possa considerar que o humor é uma atitude, é uma astúcia que o sujeito, diante de uma impossibilidade simbólica de se defender de um efeito do real, estabelece um corte, busca formular uma última resposta sobre as desgraças da vida, sobre os desígnios do destino ou de deus, das furadas de fila, utilizando-se de algo que faça rir.
Diante destas diferentes condições, o sujeito convoca um "outro", ou mesmo o riso do outro. Ou ainda alguns outros a sancionarem, com o riso, a busca de um triunfo narcíseo através do humor. Com isso, ele procura evitar algum tipo de sideração que o real possa lhe produzir.
Embora o humor esteja muitas vezes relacionado ao riso, não existe uma implicação necessária entre eles. Assim, tanto pode existir humor sem riso, como seu inverso, isto é, pode ocorrer riso sem humor. Desde quando se pode considerar que o humor é um inimigo mortal do sentimento.
Com efeito, se os sentimentos sempre enganam em relação aos efeitos do real, o humor pode ser considerado como um tipo de manifestação que procura enganar menos, embora continue enganando. Na psicanálise, portanto, será sempre necessário verificá-lo. Mas neste caso, só se pode fazê-lo através de uma Análise em Intenção.
Ainda para dar seguimento a estas considerações sobre o HUMOR, vou tomar duas condições que estão diretamente relacionadas a ele: o cômico e o chiste.
Em primeiro lugar, o cômico. Uma condição que pode ser aludida através deste trabalho realizado por um palhaço, ou alguns bacanas da televisão, ou ainda nesta cena emblemática em que alguém vai andando, tropeça e cai.
Por que estas situações fazem rir? Em primeiro lugar, são condições que atualizam a presença lógica de um objeto. De um objeto metonímico que o sujeito, mesmo sem saber, se identifica de uma forma imaginária com ele. Estas diferentes condições invocam a presença de um "outro", o semelhante, com o qual o sujeito realiza um tipo de identificação em que tem agregado um valor narcíseo importante.
Por isso mesmo, o sentimento cômico vai estar também relacionado ao ódio, ao amor, ao transitivismo, podendo evidenciar uma ligação a um determinado tipo de gozo que se pode identificar como gozo fálico.
O palhaço, ou ainda esse outro que cai, eles se deslocam, eles despencam de uma posição que, de início, poderiam guardar uma exuberância fálica. Lacan estabeleceu essa relação do cômico com a significação fálica através do que na antiga comédia, o phalus se representava encarnado numa pessoa que poderia ser deslocado e cair de sua posição. Uma condição que fazia rir.
Estes outros semelhantes, ao perderem sua exuberância fálica, liberam o eu (moi) desta posição imaginária que obrigaria, por extensão, o sujeito também a se manter em ereção fálica. Não se trata de uma rigidez que concerne ao sujeito, mas ao próprio corpo que o sustenta. Lacan ainda veio relacionar o cômico com o saber da não proporção sexual.
Quanto ao chiste, se o inconsciente é estruturado como uma linguagem que opera com uma "língua elástica", com lalíngua, ele se torna o mais emblemático tipo de laço social construído pelo sujeito, quando comparado às outras formações do inconsciente. O chiste é uma manifestação que decorre de uma operação significante por excelência.
Neste caso, o sujeito não só convoca a presença do "outro", o semelhante, tomando-o como um objeto contra o qual faz o chiste, como também invoca a presença do "próximo", daquele que Freud considerou como uma terceira pessoa, a "dritten Person" e que Lacan equivaleu, em certo momento de seu ensino, ao grande Outro.
Assim, ao realizar um chiste, o sujeito convoca o Outro a se tornar cúmplice desta manifestação de agressividade, de cinismo, de ironia, de obscenidade..., para autenticá-lo e sancioná-lo. Ele é produzido pelo efeito de um significante que escapa do recalque e responde com uma manifestação desagradável de gozo, isto é, como "um efeito da linguagem"4 que faz rir.
O sujeito, no entanto, quando é afetado pelo corpo que ri de um chiste, o próprio sujeito não sabe do que ri. É através do riso dos outros que o corpo que o sustenta ri. É uma condição equivalente a esta outra de que, quando se chora por uma perda, o sujeito não sabe o que perdeu. O sujeito, o parlêtre, não sabe pelo que chora. Mais uma vez será necessário verificar o afeto.
Neste ato que se realiza num chiste, o sujeito desloca o valor do significante e do gozo fálico, procurando realizar outro tipo de gozo. Não se pode saber se isso leva ao bem, ao mal ou ao pior. Será preciso "avaliar o afeto" e considerar que o chiste revela uma dimensão da verdade do sujeito e de uma cota de gozo.
Só no curso de uma Análise em Intenção é que é possível ao analista se manter sensível ao sujeito que é invocado no discurso. Uma condição que pode levá-lo a se manifestar de diversas maneiras, na dependência do significante que o representa, organizando e direcionando as possibilidades e impossibilidades de gozo, nos diferentes laços sociais que se estabelecem.
Quero afirmar que, em qualquer ato significante que se realize contra o outro, o semelhante, só numa Análise em Intenção se pode revelar essa condição que vou nomear de cínica. Uma condição que diz respeito ao efeito que isso pode produzir sobre o sujeito do inconsciente.
Desta maneira, mesmo que o grande Outro, essa ficção do ensino de Lacan, seja convocado pelo sujeito para sancionar um chiste, paradoxalmente, o sujeito também procura se desembaraçar deste suposto Outro, desse Outro que não existe. Ele busca, mesmo sem saber, gozar do que disse. Que possa se satisfazer daquilo que disse, ou do que diz.
Se o chiste equivale a um sintoma, a uma formação do inconsciente, ou melhor, a uma invenção do inconsciente em ato, quando ele se realiza, pode-se considerar que o significante que representa o sujeito do inconsciente, que representa o parlêtre nesta ocasião, tem deslocado seu valor fálico, realizando outro tipo de gozo.
O chiste leva o sujeito a abrir uma via para o próprio gozo. Por isso mesmo ele tende, nestes casos, a perder a graça e a prudência. Se for realizado contra o semelhante, se é contra o terceiro, contra o próximo, não deixa de ser uma produção que se inscreve contra ele mesmo. Através do chiste, sem saber, ele se joga na desgraça.
Com humor, portanto, por esta via do cômico, ou através de um chiste, o sujeito de uma forma imaginária e simbólica procura evitar aquilo que é causa de seu sofrimento. Refiro-me a um efeito do real que se realiza através daquilo que ex-siste no significante e na letra e até mesmo através de um semblante.
Quando se ri com a queda, com o deslocamento da imagem do outro, o sujeito goza de si mesmo, ri dele mesmo, pois a imagem do outro equivale àquela que o veste. É a ilusão de um triunfo cínico sobre a rigidez que esta imagem real, como o eu ideal lhe impõe.
Pela via do humor, o sujeito tenta evitar através de um artifício essa condição que o faz sofrer repetindo em sua hystória seus desencontros com o real, com o sexo, com o desejo e com o gozo. Condições, no entanto — vou insistir — que só podem ser verificadas numa Análise em Intenção.
Pela via do humor, o sujeito procura fazer uma proteção desse impossível que se constitui no gozo do real de lalíngua. O sujeito procura se proteger, fazendo borda a esse "horror" que é causado a partir de um caroço do real, onde o pensamento procura produzir um Saber, um tipo de Saber, como dizia Lacan5.
Um Saber que revela a ex-sistência de um desejo, de um desejo inconsciente que vem mostrar que aquilo que o preside não é o bem, nem o mal, nem o pior, mas o real6. É sobre isso que de uma maneira ilusória o sujeito procura triunfar.
Para ir finalizando, gostaria de afirmar que independente das diferentes versões que se possa ter do que é a psicanálise, nesta prática de discurso existe uma hipótese que não é excessiva de se considerar: qualquer coisa que se diz, não só o sujeito vai estar implicado, é auto-referente, como nessa rede de significantes que é solidária à polifonia se terá sempre agregado um valor de gozo, algo que se produz como mais-gozar. Isso implica lalíngua, e implica a fala com a sexualidade.
Ao invocar no outro, o semelhante, e mesmo no outrosexo um prazer através do riso, o que se realiza é uma condição de gozo que não aponta para qualquer altruísmo, mas de um sofrimento, de um gozo do sujeito o qual ele procura evitar, ele procura encobrir, buscando arredondar o sentido daquilo que diz e, muitas vezes, colocando no "outro".
Quando o sujeito toma a palavra e joga com as letras ou com os significantes, o que vem dar no mesmo, ele busca agregar um valor fálico, procurando evitar outro gozo que o afeta, como gozo do corpo, ou mesmo como mais-gozar para onde converge a dor, o horror do real que sustenta a causa do desejo. Ele busca com estas expressões do humor uma forma tolerável do gozo.
Assim, o riso pode oscilar entre uma busca imaginária da "flor do prazer", em oposição a esse mal fundamental que corresponde aos desencontros do sujeito com o real. Isso que volta sempre ao mesmo lugar e que impõe ao sujeito repetir essa condição intolerável do gozo, de um sofrimento que se manifesta como o pior. Algo que ele busca, que tende a se repetir. Por isso mesmo, o riso pode não fazer bem.
É o que tenho a dizer. Obrigado.
Referências
LACAN, J. Le Savoir du Psychanalyste, aula de 04/11/11971. Publicação interna da Association freudienne internationale
LACAN, J. Seminaire VII, L'Éthique de la psychanalyse (1959/60). Seuil: Paris, [ Links ]
LACAN, J. Position de l'Inconscient, Écrits. Seuil: Paris, 1966, pp. 869/870. [ Links ]
LACAN, J. Seminaire XXIII, Le Sinthome, aula de 16/03/76. Versão da Association Lacanienne Internationale. [ Links ]
LACAN, J. Seminaire XXI, Les non-dupes errent, aula de 09/04/1974. Versão da Association Lacanienne Internationale. [ Links ]
* Psicanalista. Espaço Moebius, Salvador, Bahia.
1 Lacan, J., Le Savoir du Psychanalyste, aula de 04/11/11971. Publicação interna da Association freudienne internationale
2 Embora tenha sido traduzido para o brasileiro por "alíngua", tenho mantido um misto de transliteração e tradução, referindo-me à "lalíngua".
3 Lacan., J., Sem. VII, L’Éthique de la psychanalyse (1959/60), Seuil, Paris, p. 179.
4 Lacan, J., Position de l’Inconscient, Écrits, Seuil, Paris, 1966, pp. 869/870.
5 Lacan, J., Sem. XXIII, Le Sinthome, aula de 16/03/76. Versão da Association Lacanienne Internationale.
6 Lacan, J. Sem. XXI, Les non-dupes errent, aula de 09/04/1974. Versão da Association Lacanienne Internationale.