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Stylus (Rio de Janeiro)
Print version ISSN 1676-157X
Stylus (Rio J.) no.30 Rio de Janeiro June 2015
EDITORIAL
A Revista Stylus 30 "Amor e Sexo" propõe-se a desenvolver um assunto — a conjunção do amor e do sexo — ou, antes, dois assuntos distintos ligados por uma conjunção disjuntiva?
Há hiato ou junção entre o amor e o sexo? Há hiato entre a verdade do amor e o real do sexo.
De qualquer forma, a questão interessa ao senso comum, às queixas das vidas ordinárias, frequentemente lamentando a incompatibilidade, aos poetas e aos psicanalistas.
Freud reuniu Amor e Sexo com o conceito único de Libido, mas, ao descrever as pulsões como parciais, apontava para o "não há relação sexual", que Lacan extraiu como seu Dizer. O amor "verdadeiro", e em primeiro lugar a transferência, revela-se como a mentira veladora do real do sexo.
O Seminário XX de Lacan, "Mais ainda", Encore, escreve e explicita a junção-disjunção do amor e do sexo.
O sexo procede de e remete à solidão fundamental do parlêtre.
Será o amor um mero sonho que pretende "identificar pelo amor o gozo não todo ao gozo prometido pelo significante", ou podemos conceder-lhe um alcance ético que não seja simplesmente de equivocação, mas sim de suplência à "não relação sexual"?
"Mais ainda [Encore] é o nome próprio dessa falha de onde, no Outro, parte a demanda de amor".1 Desde o En-corps, Un-corps, Um-corpo sozinho, parte a demanda de amor visando um outro que o desejo elege pela graça dos signos enigmáticos inscritos no a-muro de seu corpo. Enigma que o fantasma se presta a reduzir à sua significação solitária.
No entanto, o amor como resposta, atesta a impossibilidade, mas produz um saber fazer que "se vira com isso", a partir dos rastros singulares deixados pela incorporação d'alíngua e sua empolgação pelo dizer de Um.
O amor, enquanto suplência, pode fazer laço, isto é, sinthoma — dirá Lacan mais para frente no Seminário XXIII — que logra enodar a relação de um sujeito a seu gozo singular de falasser com o corpo de um outro semelhante sexuado.
Stylus 30 distribui os artigos recebidos e selecionados pelos pareceristas nas rubricas habituais dos outros números, com acréscimos: a volta do Espaço Escolae uma nova seção Letras, que encerra este número com a poeta Louise Labé (século XVI). "Mais ainda" (Encore) poderia ser o título do poema que dá o tom da Revista, cantando eroticamente uma das consequências amorosas do sexo: ao gozar um do outro "à vontade", alcança-se a desmedida que satisfaz, pois "não me posso dar contentamento, se, fora de mim, não faço alguma investida". Gregório de Matos (século XVII), por sua vez, indaga, procura, supõe, para concluir sem vergonha que o amor é "uma confusão de bocas/uma batalha de veias/um reboliço de ancas/quem diz outra coisa, é besta".
• Colocamos à disposição do leitor o texto das Conferências de Luis Izcovich no Encontro Nacional 2014 da EPFCL-Brasil, em Campo Grande. A primeira, Os noacute;s do amor e dos gozos, coloca a questão de um novo enodamento do amor, do gozo e da identidade sexual em consequência de uma análise, e aponta a satisfação de fim de análise como efeito de uma certeza com relação à identidade sexual, condição de acesso a um novo amor.
A segunda, Amor: semblantes e sinthoma, parte da premissa de que a análise forja uma identidade sexual que não é da ordem do semblante, ela não é dada pelo Édipo e seus significantes; por isso, a resposta singular dada pelo sujeito ao "não há relação sexual" é sempre sintoma, a análise permitindo viver este sintoma de outra maneira, com novo enodamento.
• Ensaios nos brinda com as surpreendentes Notas sobre o fantástico e a sexuação a partir do conto As Academias de Sião, de Machado de Assis, de Fabiano Rabêlo Chagas, e o desenvolvimento preciso de Ana Laura Prates Pacheco. Com efeito, Para sempre é sempre por um triz retoma a distinção estrutural por Lacan do nó borromeano e do nó olímpico, aquele que tenta escrever a relação sexual, com a prevalência de um registro sobre o outro. Dessas tentativas decorre uma tipologia de modos de amor "impostores", o amor a Deus, o amor Cortês ou o amor masoquista. Um novo amor, não olímpico/edípico procede da surpresa "por um triz", não sem certa disposição anterior e posterior ao encontro contingente.
• Em Trabalho crítico sobre conceitos, o sexo está na berlinda, como escolha, insistência do real, e investiga os fundamentos estruturais da nova economia sexual que as formas "trans", entre outras, atuam, e que as teorias do gênero tentam explicitar.
Colette Soler, em seu texto Nova economia sexual, enfrenta a questão: como se instaura para o falante o corpo a corpo do coito hetero-sexual, já que a descoberta de Freud "há pulsões parciais, mas não pulsão genital" resulta no "não há relação sexual"? Duas frases paradoxais de Lacan: "eles têm a escolha" e "os seres sexuados se autorizam de si mesmos" escancaram a disjunção entre a opção sexual do todo ou não-todo fálico e as práticas de corpo propriamente ditas, pois se há escolha forçada da identidade de gozo, esta não decide o parceiro do encontro em ato com o sexo. Hiato, não mais escondido pelo discurso atual, o que explicita a nova economia sexual nos tempos de hoje e a singular incidência da psicanálise nos destinos da maldição sobre o sexo.
Marc Strauss em seu texto A escolha do sexo: o que dizem disso? articula a questão teórica com a questão clínica do tratamento do não-todo na neurose e na psicose. Ele propõe verificar em que a definição por Lacan de um gozo feminino a partir de uma lógica inédita dita não-todo muda o exercício da psicanálise, isto é, a interpretação que ela faz dos sintomas, intrusões desse não-todo que se manifesta em uma cena onde ele não tem nada a ver.
Maria Luisa de la Oliva, em A insistência do real na sexualidade, propõe uma discussão entre a lição da estrutura relida por Lacan como "não há proporção sexual" e alguns postulados das teorias feministas com relação à sexualidade, verificando seus pontos de encontro e desencontro.
Transexualidade e as fórmulas da sexuação, de Elisabeth da Rocha Miranda, considera corajosa e clinicamente os novos questionamentos clínicos que o discurso capitalista, em cumplicidade com a ciência, impõe ao tratamento da questão dos transexuais.
• Direção do tratamento apresenta três textos que percorrem as consequências clínicas do amor e a hipótese de que o amor de transferência possa, no final das contas, permitir o acesso a um amor, em função de suplência e não mais de impostura.
Dominique Fingermann, em Amar adentro, percorre os diversos aforismos de Lacan a respeito do amor para cingir o que suas ficções apontam como real: além de seu sentido e de suas significações, o amor mais digno é signo de Um.
Kátia Botelho de Carvalho, com Percurso de uma análise: do sexo anônimo ao amor de um nome, resume a travessia analítica que os diversos "giros" ocorridos no processo proporcionam ao analisante, a descoberta/invenção de novo modo de enlaçamento com o outro pela via do "amor de um nome".
Vera Pollo, com seu generoso trabalho Quando o amor devasta, nos permite uma aproximação teórico-clínica do problema mencionado por Lacan da devastação nas relações amorosas, partindo da relação com a mãe e precisando o seu alcance com os exemplos da clínica e de Fedra, de Racine.
• Espaço Escola propõe desta vez duas colaborações de colegas que averiguam outro tipo de laço, o laço entre analistas, ou seja, os comprovadamente "esparsos desparelhados". Andréa Hortélio Fernandes, em A Escola de Psicanálise e sua garantia, e Luciana Guarreschi, com Passador, um leitor, colocam o analista e seus laços na berlinda.
• Por fim temos a seção Resenhas, na qual Paulo Marcos Rona, Elaine Foguel e Raul Albino Pacheco Filho, graças a seus comentários entusiastas e meticulosos, nos oferecem um acesso aos livros recém-publicados por colegas do Campo Lacaniano no Brasil: Os paradoxos da repetição, Amor, desejo e gozo e As homossexualidades na psicanálise: na história de sua despatologização.
Desejamos uma boa leitura a vocês!
Dominique Fingermann
pela Equipe de Publicação
1 LACAN, Jacques (1972-1973). O Seminário – Livro 20 – Mais ainda. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, pp. 12-13. No original: "Encore, c'est le nom propre de cette faille d'où dans l'Autre part la demande d'amour".