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Stylus (Rio de Janeiro)

Print version ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.30 Rio de Janeiro June 2015

 

TRABALHO CRÍTICO COM CONCEITOS

 

A escolha do sexo: o que dizem disso?

 

Sex choice: what do you say about this?

 

 

Marc Strauss*

Analista Membro da Escola
Collège de Clinique Psychanalytique de Paris

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A realidade humana é tecida pela linguagem. É ela que lhe confere um sentido, do qual o sujeito é prisioneiro, sem que ele saiba. Com efeito, o que faz disso a chave e lhe assegura sua coerência é essencialmente inconsciente. Segundo a estrutura, essa chave é fálica e determina o gozo ligado ao fantasma, ou então deve ser construído pelo próprio sujeito. Mas o sentido não é o todo da materialidade significante da linguagem. Um resto sempre permanece, o qual revela sua dimensão de gozo. Lacan identificou a parte não-toda fálica ao gozo feminino. Ele tem características próprias, e escolher levá-lo em conta modifica o conjunto da experiência analítica, até o seu fim.

Palavras-chave: Linguagem, Gozo, Falo, Gozo outro, Sujeito, Sintoma.


ABSTRACT

Human reality is interwoven by language. It is language which grants it with meaning, of which the subject is a prisoner, although he/she is not aware of it. Effectively, what makes this the key and assures its coherence is an essentially unconscious process. According to the structure, this key is phallic and it determines the jouissance related to the ghost; or it has to be built by the subject him/herself. But the meaning is not the total of the significant materiality of language. A residue always remains, and it reveals its dimension of jouissance. Lacan associated the non overall phallic part to the female jouissance. It brings its own characteristics, and deciding to take it into consideration modifies the whole of the analytical experience, until its end.

Keywords: Language, Jouissance, Pallus, Other jouissance, Subject, Symptom.


 

 

Em que a definição por Lacan de um gozo feminino a partir de uma lógica inédita dita não-todo [pas-tout] muda o exercício da psicanálise, em outras palavras, a interpretação que ela faz dos sintomas e os objetivos que dá a si mesma?

Sabemos que dois sexos são distintos no campo lacaniano por duas posições com relação ao gozo, ao mesmo tempo em que a função fálica os reparte em dois sexos identificáveis. Ademais, ainda de acordo com Lacan, os sujeitos teriam a escolha dessas posições. Quer isso dizer que essa escolha pode ser modificada pela análise?

Annie-Claude Sortant Delanoé, em seu argumento,1 depois de ter enunciado os termos em jogo na escolha do sexo, nos coloca um certo número de questões cuja primeira é: Quais são as incidências dessa escolha na neurose e na psicose?

Tentemos, portanto, responder a elas. A neurose não ignora o não-todo, mas o considera como um defeito de potência do falo, como uma ameaça para ele, portanto. O falo deve ser o garante do todo; ele deve constituir um consistente, e isso a partir do reconhecimento de um status de exceção de um .

Isto posto, a colocação em função do falo não é, em si mesma, sinônimo de neurose. Ela é, antes, sinônimo de discurso do mestre. É preciso um senso comum para se reconhecer uns aos outros como sexuados. Um senso comum que, por hipótese, reconhece e divide a impossibilidade de atingir a verdade da heteridade feminina, e a substitui por comportamentos convencionados. O não-todo é, assim, mais ou menos neutralizado. De toda forma, não é possível tratá-lo melhor a não ser dando-lhe lugar ao lado do falo, com a condição de que ele se mantenha ali tranquilo. Sabemos desde Freud e com Lacan que os sintomas, coletivos e individuais, são intrusões desse não-todo que se manifesta em uma cena em que ele não tem nada a ver.

Com efeito, a neurose acrescenta à impossibilidade estrutural a recusa em levar isso em conta. Como sabemos, ela vê aí uma impotência e se dedica a remediá-lo. O neurótico, qualquer que seja seu sexo anatômico, sonha, portanto. Ela sonha com o falo sem falha, ele ambiciona fazer Um sem resto. Por sua vontade de "conjuntizar" [ensembliser], ele esquece que um conjunto comporta sempre o elemento conjunto vazio — falha lógica, portanto.

O neurótico, assim, é "homossexual". Ele distingue as mulheres a partir daquelas que ele reconhece, isto é, aquelas que podem tomar lugar nas cenas de seu fantasma. Na histeria, o sujeito se coloca a serviço do mestre-falo, para reforçá-lo, exibindo a seus olhos o resto a desejar que escapa à sua captura; na obsessão, o sujeito também se coloca a serviço do falo, tentando dissimular meticulosamente esse resto. O sintoma neurótico é, portanto, o retorno da verdade nas falhas do saber "fantasma-fálico". Com efeito, "a" se representa, sem dúvida, no fantasma, mas não se reduz a ele.

No entanto, o falo, ponto de referência obrigatório para que se amarrem as cadeias do sentido, não vai sem uma alteridade. Lacan fez inicialmente sua redução lógica, a partir de 1945, com o Tempo lógico. Dessa forma, a falha do falo, reconhecida pela psicanálise como necessária, no final das contas, está longe de colocá-lo em perigo, mas é sua mais fiel aliada, já que é dela que ele extrai sua força criadora.

Em seguida, Lacan deu a tradução clínica dessa falha: a angústia. Mais tarde, depois de ter atravessado a cortina de angústia que o protegia, ele descobrirá o tesouro que jaz nessa falha: os efeitos reais da alíngua sobre o corpo. Eles respondem à lógica do não-todo, cada um deles sendo únicos e, portanto, sem significação, mas não sem efeito, e não sem estar presente na cena das representações fantasmáticas. Um significante, S1, tem duas faces, portanto: articulado ao lugar do Outro que é todo, ele é investido como Ideal e faz sentido graças ao referente fálico. Esse investimento encobre a outra vertente do S1, o valor de gozo único que ele sustentou e de que ele permanece o vestígio cicatricial, sempre com sua carga de afeto, pelo tempo que o corpo viver.

A questão coloca evidentemente em pauta a questão do laço entre esses efeitos de gozo da alíngua e o gozo situado por Lacan do lado da mulher.

Mas antes, algumas palavras sobre a psicose. Sabe-se que o referente fálico falta aí e que, dessa forma, a cadeia não dispõe de um sentido último que a sustente. No entanto, para que essa cadeia seja ordenada e não pulverizada é preciso que o sujeito psicótico assegure o sentido das palavras uma a uma, sem o menor equívoco, o que só o remeteria ao furo do referente. As categorias homem e mulher então podem encontrar aí da mesma forma um sentido, e o exercício da sexualidade pode ser normatizado pela concepção que o sujeito se faz dele, mas a diferença sexual não faz para ele o lugar do pacto de fala destinado a resolver o enigma do sexo. Os transexuais ilustram esse fato. Se o gozo do corpo se infiltra na construção do psicótico, ele só pode ser outro, e, portanto, perseguidor. Ao sujeito psicótico falta do todo, mas ele só partilha com a posição feminina a linha que estabelece o não-todo. Ele não dispõe dos pés no chão que faz com que todo x que se enuncie seja Φx; pelo contrário, para ele nenhum x é Φx. Ele só pode, portanto, sustentarse de si mesmo, a partir de sua própria construção solitária.

Isso nos leva à segunda questão do argumento: Quais experiências clínicas vamos colocar em discussão?

O neurótico, dedicado a seu salvamento do pai, do todo fálico, imagina que sua falha seja devida à inadequação do parceiro, e o repreende por isso. Ou então, se ele for sensível à sua divisão, à sua implicação subjetiva, ele pensa que a falta remete à escolha que ele mesmo faz de seus parceiros. Mas, de toda forma, ele aposta na relação sexual e sua eficácia para definir o sexo outro, de uma forma mais precisa do que somente outro. Assim, na neurose, o campo das experiências clínicas é essencialmente o da colocação em ato sexual com seu desafio e suas impossibilidades. Que possamos resumir por meio do sonho de identificar pelo amor o gozo não-todo ao gozo prometido pelo significante.

Em defesa do neurótico, esse desconhecimento da estrutura do Um sempre furado de vazio é mais ou menos imposto pelo discurso que distingue os sexos. Ela é o preço a se pagar para a entrada nesse discurso do mestre, que é o do inconsciente na medida em que ele estabelece a hierarquia do falo. Mas a estrutura, que não se deixa esquecer tão facilmente, e a história mostram que se seu desvelamento é lento, ele não deixa de ser feito. Até aquilo que disso pode se dizer de melhor no estado atual dos discursos, pela voz da psicanálise, é claro. É Freud quem permitiu a esses falantes esquecidos de dizer a si mesmos, por fim, que uma outra opinião existia. Freud escutou as mulheres como nenhum homem o havia feito até então. Ele descobriu sua castração, que atinge à sua maneira todos aqueles que falam, dividindo-os entre homens e mulheres, e os condena a se encontrarem, ou ao menos se situarem uns com relação aos outros, sem saber quem eles realmente são. Eles fazem assim o possível para cooperar em "conjuntizar", desviando-se da castração com os meios próprios a cada um, mas com o mesmo horror.

Uma análise, portanto, pode ajudar um sujeito a não mais ter tanto trabalho para defender o todo fálico, um todo-um que a história e a lógica já colocaram bem em maus lençóis. Sobre esse assunto, recomendo-lhes uma exposição do Musée d'Orsay, dedicada a Sade,2(NT) que deve ser vista tendo à mão o excelente guia que são os Escritos de Jacques Lacan, precisamente as páginas 776 e 802 (LACAN, 1963/1998).

Não mais se esmerar no salvamento do todo modifica a relação do sujeito com o outro sexo, mas não se deve esquecer que a operação analítica procedeu modificando inicialmente sua relação com a língua, abrindo as possibilidades que ela lhe oferece... Se não há relação sexual, há uma relação textual, sempre inesperada. Constatar que a alíngua está enodada ao sentido apenas, mas não se reduz a ele libera potencialidades novas que o sentido mascarava.

No fundo, uma análise torna um sujeito normal, ele sabe o que é uma lei simbólica, aceita que o falo possa não ser todo; e ele não ignora aquilo que deve ao resto que lhe escapa, se ele se mantiver bastante tranquilo para lhe permitir funcionar de forma conveniente.

Na psicose, pelo contrário, podemos apenas nos ater à mais extrema prudência com relação à nossa intervenção sobre aquilo que faz sentido sexual para um sujeito, pois nesses casos corremos sempre o risco de precipitá-lo no abismo da referência faltante.

Para voltar à escolha do sexo e precisá-la, podemos dizer que é a escolha de tratar o que a significação fálica deixa como resto ao fantasma. Se chamarmos esse resto de gozo outro, e fizermos dele o índex de uma posição feminina, podemos distinguir escolhas diferentes. Ou nos acomodamos sem estorvar-se demais com isso; ou se ele atormenta demais para que o suportemos, a psicanálise pode, então, ajudá-lo a pensar em outra coisa.

Por que alguns sujeitos seriam mais atormentados pelo resto do que outros, a ponto de vomitar ou fazer disso uma obsessão, ao passo que outros conseguem se virar bem com isso? Podemos pensar que um sujeito pode ter sido desfavorecido no que concerne aos meios para se virar que lhe foram dados, que ele se viu coagido por uma opção impossível de manter. Podemos, então, imaginar ajudá-lo a fechar enfim o capítulo de seu estorvo pelo resto e abrir-lhe, assim, o campo do falo, onde ele vai encontrar sua recompensa prometida.

Até agora, parece-me claramente que conseguimos explicar que o todo é não somente a escolha forçada, mas também a escolha certa, aquela que trata o não-todo da maneira certa, que lhe faz um lugar sobre o qual todos, ou ao menos dois, se põem de acordo. Quando o ter e o ser do falo se encontram, tudo vai extremamente bem, e a aliança dos homens e das mulheres deveria ser perfeita para fazer os dois se sustentar.

Temos, contudo, um problema. Até aqui falamos de não-todo como se fosse uma ameaça para o todo, estruturalmente inevitável, mas que pode se conter e se metaforizar fazendo-lhe atravessar a barreira fálica.

E se reconhecemos que uma pequena excursão para o lado do não-todo não deve ser desdenhada, nem por isso justificamos as razões que um sujeito teria de ter gosto por isso a ponto de daí fazer sua escolha.

Com efeito, considerando-se todos os aspectos, o neurótico tem total razão de desconfiar do não-todo. Escapando por definição a todo pacto que supõe um sentido compartilhado, ele é e permanece fundamentalmente uma ameaça. Vejamos bem o que o não-todo implica como consequência, que não pode se reportar, por definição, a nenhum sentido definível. Isso apenas quer dizer que esse não-todo:

• não reconhece nada nem ninguém; ele não testemunha, portanto, de nenhum reconhecimento;

• não respeita nada;

• não é leal;

• não é previsível;

• não é gentil. E até mesmo, do ponto de vista do todo, ele pode ser considerado como malvado, já que não ouve nada de nossas queixas nem de nossos prazeres.

Em suma, poderíamos assim resumir: não há paz possível com o não-todo.

Sabe-se lá que não somente os homens, mas também as próprias mulheres queixam-se sobre os divãs desse excesso preocupante!

Por que diabos, então, escolheríamos nos estorvar com um troço desses? Quem poderia ter vontade de se entregar a isso ou mesmo de residir nisso? Esse gozo, no entanto, parece ser apreciado, e até mesmo reivindicado. Desde Lacan temos até mesmo tendência a glorificá-lo, ao passo que caçoamos do falo de bom grado. Com efeito, ele parece nos propor uma terceira escolha possível: por meio da psicanálise, pôr o dedo nesse índex para apoiar-se firmemente nisso.

O que faz, então, o preço desse gozo feminino tanto para os corpos falantes quanto para nós, psicanalistas?

E a escolha dessa posição é forçada ou livremente consentida? Para tentar responder a isso, voltemo-nos, então, para os fatos e interroguemos os sujeitos que os manifestam.

Constatávamos em primeiro lugar que existe um gozo que é experimentado, mas que não está ligado ao funcionamento anatômico de um órgão. Qualquer parte do corpo pode suscitá-lo. Não é o útero que se desloca, mas a zona erógena. Algo que os antigos haviam ainda assim visto bem precisamente, já que uma zona erógena é, no final das contas, apenas uma boca uterina tão mascarada quanto o homem de Wedekind.

Por que reportar esse fenômeno de gozo errático ao não-todo? Ao menos por três razões: como dissemos, ele pode abster-se do órgão encarregado de representar o falo; ele não é explicável por nenhuma ciência; por fim, ele não pode ser adestrado por nenhuma iniciação. Haveria, então, nesses sujeitos que manifestam esse fenômeno outros traços de comportamento que revelariam também algo do não-todo? Aí está a porta aberta a todas as difamações — deixo cada um com as suas.

Se a posição que permite experimentar esse gozo é uma escolha, o que é que poderia justificá-la? Ainda mais que, se não há representação no não-todo, não há sujeito nesse não-todo? Como um corpo falante pode abandonar o sujeito, sua progênie querida, que ele se fez ser por sua representação; sobretudo ao preço em que ele a pagou, o da castração. Na coluna das vantagens, é verdade que o sujeito nessa posição não-toda não é forçado a daí se remeter a um dado órgão, cujo funcionamento, aliás, pode revelar-se bastante aleatório. O lado não-todo, liberado das cadeias do órgão, parece, então, terrivelmente mais livre que o lado que continua apegado em sustentar o órgão por sua encenação. E dizem desde Tirésias que o efeito obtido seria a medida desse desencadeamento.

Tal liberdade é, certamente, um pouco desejável, mas também é preciso lembrar que seu exercício permanecerá sempre solitário, já que, por se situar no espaço do não-todo, não há, portanto, interlocutor possível. Há aí um preço a pagar, que pode parecer bem pesado. Mas isso não basta para explicar as grandes diferenças de apetite ao não-todo que constatamos nos fatos, e que provavelmente estão destinadas a permanecerem misteriosas, dado que são relutantes a qualquer tomada em um sentido qualquer.

Isto posto, como já evocamos, Lacan nos desvelou que esse não-todo tal como o descrevemos, com seus efeitos de gozo errático, existe em outro lugar distinto daquele do ato sexual, e desde sempre. Esse efeito se produz inicialmente ali onde qualquer parte de pele e de mucosa, sob o efeito da palavra que a toca, pode se fazer "si". Os efeitos da alíngua se autorizam deles-mesmos, do si-mesmo que os experimenta, portanto. Não se trata de todo com a alíngua, mas de elementos disparatados, de valor de gozo igual. Assim, o gozo feminino faz eco ao da alíngua, que permanece esquecido pela tomada do sentido, mas continua presente por meio de suas manifestações. Assim como o gozo do corpo do infans sob os efeitos da alíngua, o gozo do lado da mulher não se vincula à apropriação e ao exercício do órgão, mas a seus efeitos sentidos. Essa posição pode parecer passiva ou masoquista, mas ela assim o é ativamente. E, como sabemos, Lacan não faz dela uma obrigação para as mulheres — assim como não obriga os analistas a fazer o passe —, mas uma escolha; escolha de se satisfazer por intermédio de um pequeno homem que ela pode em seguida devolver a suas tarefas "d'homésticas", isto é, a suas trocas sociais, nas quais ela se faz voluntariamente objeto para atingir seus fins.

Os efeitos da alíngua são agradáveis ao infans ou não? É impossível saber, mas podemos postular que para todo sujeito falante eles se revelaram suficientemente bons para tê-lo levado a demandar de novo, a falar. Portanto, a sacrificar esse gozo, a fragmentá-lo para fazê-lo passar através das barras da escala do sentido.

Ele prossegue, todavia, seu ofício unitário, já que a cissiparidade significante não o recorta permanecendo desconhecido na metonímia de seus saltos. E, sobretudo, ele não passa todo ao sentido fálico, somente uma parte dele é metaforizada. O resto faz o cerne real do sintoma, que, apesar dos esforços do sujeito, resiste a toda significação, não tem nenhum alcance de sentido. O sujeito, desvencilhado da obrigação de impor-lhe sua ganga fálica, pode cessar de temê-lo e deixá-lo jogar nos interstícios do sentido.

Evidentemente, atesta-se que o sacrifício ao significante uma vez realizado não tem nenhum sentido de promessa, há motivo para ficar gravemente desapontado. É o que acontece com os sujeitos para os quais o nome do pai não carrega o sentido fálico. Por quais razões, é um outro assunto. Isto posto, esses sujeitos podem dar um jeito com o não-todo caótico que a linguagem permanece para eles, colocando aí sua ordem, com a condição de dele separar o gozo do corpo que ali deve permanecer estrangeiro. Joyce aí mostrou ser o mestre.

Excetuando-se este caso, a língua trança em torno do falo todo e não-todo, e forma a escada que conduz ao outro. Ela é o lugar onde o talento sabe fazer ressoar o lugar do não-todo no todo contextualizado que lhe faz escrínio. Assim, o não-sentido [pas-de-sens] do chiste pode fazer rir, pois ele alija do esforço de compreensão. Mas depois desse alívio, ele não dá nenhuma solução no que diz respeito àquilo que há para compreender, a saber, o sexo definido como todo e não-todo ao mesmo tempo. Melhor, portanto, que o chiste, uma nova significação, desperta o prazer no sujeito, pelo ganho de sentido que ela faz espelhar. Um ganho de sentido que homenageia o passo-de-sentido, já que ele o supõe. Fazer amor é poesia, lembrava Lacan no Seminário XX. Em outras palavras, fazer poesia é uma forma de estar assegurado de não estar sozinho, de fazer todo com o não-todo; a poesia é metáfora que reúne aqueles que a entendem sobre o fato de que o amor é um seixo rindo ao sol. Talvez não seja tão agradável, mas igualmente justo aos olhos do mito, dizer que o amor é um seixo rindo na sarjeta. É, sem dúvida, uma poesia que faz pouco-caso das más maneiras, até o pastiche, mas é poesia também.

Dito isso, o psicanalista não é poeta. Ao se colocar sob o impulso da alíngua do analisante, ele pode ter a chance de ressoar com ela e de liberá-la de suas aderências a um sentido pesado demais. Vemos como ele só pode se autorizar também de si mesmo. Mas, no entanto, não sem o paciente que lhe fala, assim como o infans precisava que alguém quisesse fazer-lhe ouvir sua voz.

É essa a hipótese da psicanálise, a de que cada forma de colocar em cena o gozo como fálico se faz a partir do gozo despertado pela alíngua. E que a encenação por meio do fantasma procede da opção de "univocalizar" um nó de significações possíveis. Em outras palavras, o denodamento do sintoma não se faz ao constatar que há significação impossível. Sabemos disso por aquilo que nos ensina a teoria, mas não temos acesso a essa impossibilidade que, para cada um em particular, pela emergência de uma significação singular pré-existente, que estava congelada em sua univocidade. Uma análise que leve em conta o não-todo, vai, portanto, mais longe que o encontro do lugar vazio da castração.

Acrescentemos, para concluir, que o espelhamento reconhecido do ganho de sentido engaja uma responsabilidade quanto ao prazer que ali é obtido. É isso que lembra o psicanalista que se extrai do alvoroço coletivo ocupado em celebrar a estátua restaurada do sentido. O psicanalista, sempre um pouco estraga prazeres, fica atento, pela suspeita que ele deixa pairar sobre a autenticidade da jubilação ostentada. E quando sujeitos se recusam a jogar o jogo coletivo e tomar seu lugar na troca, ele pode escutá-los porque ele sabe em que eles têm razão: a escolha, uma escolha, qualquer que seja, só se pode fazer sozinho, sempre, inclusive e, sobretudo, a escolha do sentido. E não se é sujeito senão de sua escolha e por sua escolha. Apoiado em sua razão, esses sujeitos em ruptura de sentido comum podem tomar o lugar que os esperava, sabendo que ele é de sua escolha.

O que é, então, a escolha do sexo para o psicanalista? Submeto à apreciação de vocês essa fórmula: a escolha do sexo é a escolha do não-todo em ato, que deixa seu lugar ao Outro do sexo enfim reconhecido. Um Outro sem o qual nós não seríamos nada.

 

Referências

LACAN, J. (1953). Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise. In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.         [ Links ]

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LACAN, J. (1972-1973). O Seminário – Livro XX – Mais ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1982.

LACAN, J. (1975). La Troisième – Conférence parue dans les Lettres de l'École freudienne, 1975, no 16, pp. 177-203 (inédito em português).

LACAN, J. (1975-1976). O Seminário – Livro XXIII – O sinthoma. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

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SOLER, C. (2003). L'inconscient reinvente. Paris: PUF, 2009.         [ Links ]

Le Champ Lacanien, no 9, revue de psychanalyse, "Le mystère du corps parlant". Paris: EPFCL, mars 2011.         [ Links ]

WEDEKIND, F. (1906). L'éveil du printemps. Paris: Gallimard, 1974.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: strauss.m@wanadoo.fr

Recebido: 19/01/2015
Aprovado: 21/04/2015

 

Tradução: Cícero Oliveira
Revisão da tradução: Dominique Fingermann
* Psiquiatra, psicanalista. Ex-residente dos Hopitaux Psychiatriques de la Région Parisienne. Ex-assistente de Consultas no Hospital Sainte-Anne (Paris). Membro Fundador da EPFCL, AME, Docente no Collège de Clinique Psychanalytique de Paris.
1 SORTANT DELANOE, Annie-Claude (2014). "Le choix du sexe (Présentation des journées)" In: Journées de l'École de Psychanalyse des Forums du Champ Lacanien (Paris, 29 e 30 de novembro de 2014). Disponível em: <https://www.facebook.com/EPFCL2014/posts/296676473859097>. (Acesso em 05/03/2015).
2 (NT) Referência à exposição "Sade. Attaquer le soleil", em cartaz no Musée d'Orsay (Paris, França) de 14/10/2014 a 25/01/2015.