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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.11 no.3 Itatiba July/Sept. 2012

 

 

Desempenho Médio de Crianças e Adolescentes no Método de Rorschach Sistema Compreensivo

 

Average Performance of Children and Adolescents in the Rorschach Comprehensive System

 

Desempeño promedio de niños y adolescentes en el Método Rorschach Sistema Comprehensivo

 

 

Ana Cristina Resende1; Tereza Cristina Rezende de Carvalho; Weber Martins

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

 

 


RESUMO

Este estudo apresenta o desempenho de 201 crianças e adolescentes não pacientes, com idades variando de 5 a 14 anos, separados em 3 grupos etários, submetidos ao Método Rorschach Sistema Compreensivo (SC). Os participantes foram selecionados aleatoriamente a partir de escolas públicas e particulares das 9 regiões de Goiânia-GO. No total foram 8 examinadores, com no mínimo 120 horas de treino de administração, codificação e interpretação do Rorschach SC, que contribuíram com a coleta de 21 a 31 protocolos cada um deles. A codificação dos protocolos foi realizada por dois juízes. A análise dos resultados compreende: a avaliação das diferenças entre os examinadores; a concordância entre juízes e levantamento dos dados sociodemográficos dos participantes; estatística descritiva das variáveis do Rorschach. A discussão dos resultados considerou as diferenças entre os três grupos etários e, ao final, foram feitas algumas considerações para futuros estudos normativos com crianças e adolescentes.

Palavras-chave: Rorschach sistema compreensivo; crianças; adolescentes; estudo normativo.


ABSTRACT

This study presents the performance of 201 children and adolescent non-patients, aged 5-14 years, divided into three age groups, submitted to the Rorschach Comprehensive System Method (SC). Participants were randomly selected from public and private schools of the nine regions of the city of Goiânia-GO. In total there were eight examiners, who had at least 120 hours of training in scoring, and interpretation of Rorschach CS, and each of them contributed to the administration of 21-31 protocols. The coding of the protocols was conducted by two judges. The analysis includes the following information: evaluation of the differences across the examiners and interpreter agreement, the collection of participants’ demographic data, descriptive statistics of the Rorschach variables. The discussion considered the differences among the three age groups, and, finally, some considerations were made for future normative studies with children and adolescents.

Keywords: Rorschach comprehensive system; children; adolescents; normative study.


RESUMEN

Este estudio presenta los resultados de 201 niños(as) y adolescentes no pacientes, con edades entre 5 a 14 años, divididos en 3 grupos etarios, sometidos el Rorschach Sistema Comprehensivo (SC). Los participantes fueron seleccionados al azar a partir de escuelas públicas y particulares de 9 regiones de Goiânia-GO. En total fueron 8 examinadores, con un mínimo de 120 horas de entrenamiento en codificación e interpretación del Rorschach SC, que contribuyeron con la aplicación de 21-31 protocolos cada uno. La codificación de los protocolos fue llevada a cabo por dos jueces. Los resultados incluyen: la evaluación de las diferencias entre los examinadores; el acuerdo entre los jueces y el levantamiento de los datos sociodemográficos de los participantes; estadística descriptiva de las variables del Rorschach. La discusión considera las diferencias entre los tres grupos de edad y, al final, algunas consideraciones fueron hechas para futuros estudios normativos con niños y adolescentes.

Palabras-clave: Rorschach sistema comprehensivo; niños; adolescentes; estudio normativo.


 

 

Desde a publicação do psicodiagnóstico de Hermann Rorschach (1921/1978), vários autores de diferentes países publicaram estudos normativos para ampliar e sistematizar este instrumento de avaliação da personalidade para os mais diferentes grupos etários de crianças e adolescentes (Ames, Metraux, Rodell & Walker, 1974; Ames, Metraux & Walker, 1971; Beizmann, 1961; Hansen, 2007; Hertz, 1961; Lis, Salcuni & Parolin, 2007; Loosli-Usteri, 1929; Matsumoto, Suzuki, Shirai & Nakabayashi, 2007; Meyer, Erdberg & Shaffer, 2007; Salcuni, Lis, Parolin & Mazzeschi, 2007; Serebrinsky, 1948). Dentre os mais expressivos estudos realizados com crianças e adolescentes no Brasil, ainda no século passado, destacam-se o estudo de Ginsberg (1950) na Bahia, de Barreto (1955) em Recife, de Viana Guerra (1958) no Rio de Janeiro, de Windholtz (1969) em São Paulo, de Jacquemin (1976) e Japur (1982) em Ribeirão Preto. Atualmente, os estudos mais proeminentes que visam contribuir com a construção de parâmetros normativos brasileiros para essas faixas etárias mais jovens são: os estudos de Nascimento, Brunoni, Sassaki, Bueno e Parsons (2008), em São Paulo, de Raspantini, Fernandes e Pasian (2011), em Ribeirão Preto, de Ribeiro, Semer e Yazigi (2011), em Cuiabá, e o estudo da Sociedade Rorschach de São Paulo (2006).

Como tipicamente não são conhecidos os escores de uma determinada população, busca-se alcançar o desempenho médio de uma amostra de indivíduos, com um perfil representativo da população para a qual o teste foi planejado, o que estabelece padrões relativamente estáveis de desempenho para interpretar os resultados individuais. Os desempenhos médios ou normas permitem comparar o sujeito com os seus pares ou consigo mesmo em diferentes aspectos avaliados de sua personalidade, aptidão, atitude, inteligência ou motivação. O desempenho do indivíduo pode variar de uma cultura para outra e de uma região para outra, de acordo com os fatores de seu entorno. Qualquer norma é restrita à população da qual foi derivada, e cada indivíduo deve ser avaliado em seu desempenho tendo como referência o grupo em que está inserido (Alchieri & Cruz, 2003; Anastasi & Urbina, 2000; Pasquali, 2003; Urbina, 2007).

Além desses aspectos, salienta-se que, de acordo com a resolução nº 06/2004 do Conselho Federal de Psicologia, baseada nas diretrizes da International Test Commission (2000), as normas de um teste psicológico devem ser revisadas periodicamente, pelo menos a cada quinze anos. Isso quer dizer que a realidade sociocultural, os valores pessoais e grupais, bem como a forma de pensar, sentir e agir das pessoas de uma determinada cultura é dinâmina e afeta significativamente o desempenho médio dos indivíduos após um determinado período de tempo, e que as normas de um grupo de referência (quer seja de escolaridade, de faixa etária ou referente a algum critério qualquer) de mais de uma década no passado, muito provavelmente, não são adequadas para se analisar o teste de um indivíduo no aqui e agora.

Dessa forma, entende-se que os estudos normativos que dispomos atualmente no Brasil, mesmo que representativos de suas respectivas regiões, ainda são insuficientes para abarcar todos os contextos socioculturais tão diversos como os presentes na dimensão territorial brasileira que, por si só, já limitam a generalização dos resultados. Outra questão que também dificulta a integração dos resultados, além da questão da multiplicidade cultural, é a amplitude dos trabalhos realizados com o Rorschach, que favoreceu o desenvolvimento de diferentes sistemas interpretativos, com variados critérios para definir e abordar os indicadores do método, o que vai além de uma diversificação de códigos de classificação das respostas (Pasian & Loreiro, 2010). Por exemplo, os estudos normativos de Raspantini, Fernandes e Pasian (2011) e da Sociedade Rorschach de São Paulo (2006) foram desenvolvidos respectivamente sob as diretrizes da Escola Francesa de Rorschach e do Sistema Aníbal Silveira, enquanto os estudos de Nascimento e cols. (2008) e de Ribeiro e cols. (2011) foram realizados de acordo com o Sistema Compreensivo (SC). Dentre esses dois estudos realizados de acordo com o SC, o primeiro, de Nascimento e cols. (2008), avaliou adolescentes que moravam na cidade de São Paulo, estado de São Paulo, com idade variando entre 13 e 17 anos, com características diversas quanto ao sexo e nível socioeconômico, o segundo, de Ribeiro e cols. (2011), avaliou crianças de 7 a 10 anos, de sexo masculino e feminino, de escolas públicas (N=110) e particulares (N=101), da cidade de Cuiabá, estado de Mato Grosso. Tal diversidade limita as possibilidades de comparação entre os resultados de pesquisas desenvolvidas com diferentes nomenclaturas, o que se agrava, sobretudo quando a comparação pressupõe também diversidades culturais (Pasian & Loreiro, 2010).

O objetivo geral deste estudo consistiu em fornecer informações sobre o funcionamento médio de crianças e adolescentes goianienses, de escolas públicas e particulares, no Método de Rorschach pelo Sistema Compreensivo (SC). O estudo foi organizado e executado por uma equipe de pesquisadores composta pelos três autores do estudo, pela professora de estatística do curso de psicologia da PUC Goiás, Suely Vieira Lopes, a psicóloga Mariana Silva de Souza e outros oito colaboradores, estudantes de psicologia, devidamente treinados no SC. Esta pesquisa foi realizada especialmente devido à falta de estudos normativos com o Método de Rorschach SC com crianças e adolescentes goianienses.

 

Método

Participantes

A amostra consistiu em 201 crianças e adolescentes que nasceram na cidade de Goiânia-GO, com idades entre 5 e 14 anos, igualmente distribuídas por idade e por sexo masculino e feminino, que estudavam em escolas públicas e particulares. Os critérios de inclusão foram: não ter diagnóstico prévio de psicopatologia e estar cursando o ano acadêmico correspondente a sua faixa etária, com um desvio máximo de seis meses da sua idade (por exemplo, ter no máximo 5 anos e 6 meses para entrar no grupo de crianças de 5 anos). Os critérios de exclusão foram: ser paciente de alguma clínica psicológica ou psiquiátrica ou tê-lo sido no último ano, fazer uso de psicofármacos e ter histórico de problemas de aprendizagem ou de desenvolvimento.

No que tange aos dados sociodemográficos dos participantes, na Tabela 1 são apresentadas as informações mais pertinentes levantadas por meio da entrevista semiestruturada com os responsáveis pelos participantes (sexo, tipo de escola frequentada pelo participante, renda familiar e grau de instrução do chefe da família). Os dados foram descritos considerando três grupos etários: Grupo 1, constituído por crianças de 5 a 7 anos; Grupo 2, composto por crianças de 8 a 11 anos e o Grupo 3 por adolescentes de 12 a 14 anos. O critério para se dividir em três grupos etários foi a ausência de diferenças significativas entre praticamente todas as variáveis do método de Rorschach consideradas para este estudo. Ou seja, o desempenho médio entre as crianças e adolescentes de cada idade que constituíram os grupos pouco se diversificou. De uma forma geral, a renda familiar variava entre 4 e 7 salários mínimos e o grau de instrução do chefe do família era predominantemente de ensino médio completo.

 

 

Instrumentos

Entrevista semiestruturada: a finalidade deste instrumento foi recolher informações breves acerca do desenvolvimento psicomotor, social, emocional, linguagem e saúde do participante, bem como algumas características de identificação e sociodemográficas tais como sexo, idade, escolaridade, composição do núcleo familiar, dados socioeconômicos, entre outros.

Método de Rorschach: administrado, codificado e interpretado de acordo com o Sistema Compreensivo (Exner, 2003). Trata-se de uma técnica projetiva, embasada por indicadores psicométricos, construída para avaliar a personalidade. É composta por dez cartões, cinco contendo manchas escuras e outros cinco contendo manchas coloridas, os quais servem de estímulos pouco organizados que levam o indivíduo em avaliação a expressar conteúdos associativo-perceptivos representativos de seu modo de pensar, sentir e agir no dia a dia. A administração é individual e exige que os examinandos identifiquem o que os borrões de tinta construídos parecem em resposta à pergunta ‘O que isso poderia ser?’.

Procedimentos

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUC Goiás (Protocolo do CEP no 0264/06) e todos os participantes tiveram o seu termo de consentimento livre e esclarecido assinado por um de seus responsáveis. Inicialmente, realizou-se a capacitação dos oito examinadores para a coleta dos dados mediante treinamentos sistematizados. Todos os examinadores eram alunos do curso de psicologia e já haviam concluído a disciplina de 102 créditos, do oitavo período do curso, destinada exclusivamente à aprendizagem do método de Rorschach. Ao total todos receberam no mínimo 120 horas de treino em aplicação, codificação e interpretação do teste. Cada colaborador ficou responsável por coletar os dados de aproximadamente 21 a 31 participantes e de seus responsáveis.

Os participantes foram selecionados a partir das escolas situadas nas nove regiões de Goiânia (norte, sul, leste, oeste, noroeste, sudoeste, sudeste, centro e Campinas). Após o levantamento de todas as escolas em cada região, fez-se o sorteio de quatro escolas para cada região, sendo duas públicas e duas particulares. Em seguida, fez-se o contato com a direção das escolas para abertura do campo de pesquisa. Das 36 escolas contatadas, 27 delas aceitaram participar do estudo. Dessas 27 escolas, nove eram creches ou pré-escolas. Mesmo com a resposta negativa de nove escolas, todas as nove regiões da cidade ainda ficaram representadas de modo equivalente. Os responsáveis pelas escolas assinaram o termo de compromisso e dispuseram uma sala para os pesquisadores realizarem as duas atividades previstas: entrevista semiestruturada com um dos responsáveis pelo participante e a administração do método de Rorschach nos alunos, de modo individual, após um breve rapport.

Para estimar o tamanho mínimo da amostra, de 28 crianças por idade (N= 280), calculou-se a seguinte fórmula, sugerida por Barbetta (2004): n0 = 1/ e2 e n = N.n0/ N + n0. O N consiste no tamanho da população (número aproximado de crianças matriculadas nas escolas públicas e particulares levantados por meio da Secretaria da Educação de Goiás, o n constitui o tamanho da amostra, o n0 equivale a uma primeira aproximação para o tamanho da amostra e o e se trata do erro amostral tolerável (determinado pelo pesquisador, 10%). Em média, foram sorteadas 3 crianças para cada idade (7 a 14 anos), nas 18 escolas das 9 regiões de Goiânia (432 crianças), e 5 crianças por idade (5 e 6 anos), nas 9 creches ou pré-escolas também das nove regiões da cidade (45 crianças), totalizando o sorteio de 477 crianças, sendo 238 do sexo masculino e 239 do sexo feminino.

Posteriormente, efetuaram-se os seguintes passos: os pais e responsáveis foram informados e convidados a participar do estudo durante as reuniões convencionais de pais, que eram agendadas pela própria escola. Aqueles que concordaram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido durante essas reuniões foram contatados na semana seguinte para a realização da entrevista semiestruturada. A entrevista durava em torno de 60 a 90 minutos. Em seguida realizava-se a administração do método de Rorschach na criança e no adolescente em que pelo menos um dos responsáveis assinou o termo de consentimento e compareceu à entrevista. Essa atividade com o Rorschach geralmente era concluída entre 30 e 90 minutos. As crianças de 5 e 6 anos realizavam a tarefa em menos tempo, entre 30 e 45 minutos. As crianças de 7 e 8 anos concluíam a mesma atividade em torno de 60 minutos, enquanto as crianças de 9 a 14 anos gastavam entre 60 e 90 minutos.

No que diz respeito à seleção dos participantes, 418 pais ou responsáveis assinaram os termos de consentimento que autorizavam suas crianças e adolescentes a participarem do estudo. No entanto, por vários motivos diferentes, somente 78% deles (N=326) compareceram à entrevista. Após as 326 entrevistas, referentes aos 326 participantes, verificou- se que 29% dos participantes seriam descartados de acordo com os critérios de exclusão estabelecidos para este estudo. Assim, foram aproveitadas somente as avaliações de 231 alunos. Contudo, 30 protocolos foram descartados: 15 deles apresentavam menos de 14 respostas, o que torna o protocolo pouco confiável para fornecer informações úteis a respeito de quem o produziu (Exner, 2003); nos demais 15 protocolos de testes havia observações de variáveis intervenientes durante a aplicação dos testes que também implicavam em motivos para anulá-los. Ao total foram consideradas 201 avaliações devidamente autorizadas com suas respectivas entrevistas semiestruturadas.

Após a coleta de dados realizada com os responsáveis e com os alunos, todos os protocolos foram codificados pela primeira autora deste trabalho. Para verificar a confiabilidade da codificação dos testes, 25% de todos os protocolos úteis, selecionados aleatoriamente, também foram codificados por outra psicóloga, que desconhecia os objetivos deste estudo, para que o exame de concordância entre dois juízes (primeira autora e a psicóloga cega aos objetivos do estudo), por meio do coeficiente Kappa, fosse realizado. O passo seguinte consistiu em resolver as discordâncias entre os juízes por meio de uma discussão entre ambos para se decidir pela melhor codificação. Nos casos em que não foi possível um consenso entre os dois juízes, um terceiro juiz, que também desconhecia os objetivos do estudo, julgava a melhor codificação.

Realizou-se também a análise das diferenças entre os oito examinadores por meio da ANOVA one-way. As informações mais relevantes levantadas por meio das entrevistas constituíram tabelas descritivas e os dados do teste permitiram a construção de tabelas de referência por faixa etária.

 

Resultados e Discussão

No que diz respeito à Concordância entre os juizes, a Tabela 2 revela que os índices de concordância entre os avaliadores (n= 50 protocolos, respostas= 903) são satisfatórios e indicam que a correção do método de Rorschach para este estudo é considerada confiável. Os percentuais de concordância variaram de 0,89 a 0,99 e os valores Kappa foram de 0,78 a 0,98.

 

 

Quanto à diferença entre os examinadores, a Tabela 3 mostra os resultados da ANOVA para as cinco variáveis do Rorschach que avaliam se há diferença nos desempenhos e resultados produzidos pelos examinadores. Nota-se que não foram encontradas diferenças significativas entre os examinadores para qualquer uma das variáveis.

 

 

Considerando as variáveis do Rorschach SC, as Tabelas 4, 5, 6 apresentam as 142 variáveis do Rorschach e suas frequências nos três grupos etários de participantes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Na investigação das diferenças entre os grupos etários, observou-se que as variáveis FQx+ou e FQxo (todas referentes ao processamento coerente e preciso de informação), a variável WDo (percepção adequada de situações mais óbvias), a variável DQ Complexity (eficiência e complexidade no processamento das informações) e COP (disponibilidade para atitudes cooperativas e acolhedoras) revelaram-se estatisticamente diferentes (ANOVA; p<0.01), considerando todas as relações possíveis entre as faixas etárias. Essa diferença estatística aponta que há um desempenho específico típico de cada faixa etária, em que há um aumento da frequência dessas variáveis à medida que aumenta a idade. Essas variáveis, de uma forma geral, demonstram claramente que a idade aumenta a precisão, a eficiência dos processos de percepção, a convencionalidade e a capacidade de interagir em cooperação com as pessoas, como um reflexo da interpretação mais acurada do mundo e melhor juízo crítico.

Algumas variáveis do Rorschach revelaram diferenças estatisticamente significativas, por meio da ANOVA, entre três e duas faixas etárias. As variáveis WDA, WDA%, DQ+, DQo, FQfo, R, D, SumSh, significativamente mais elevadas na faixa etária mais alta (12-14 anos), corroboram com as afirmações anteriores: as respostas um pouco mais sofisticadas e complexas, bem como a maior abertura para as experiências e uma melhor capacidade de observação surgem com o avanço da idade até a adolescência. As variáveis tais como FC, SumT e SumY significativamente maiores nessa faixa etária, quando comparadas com o grupo mais jovem (5-7 anos), indicam que, com a idade, há uma maior capacidade para prestar atenção aos detalhes dos estímulos, juntamente com a necessidade de explicá- -los e a capacidade de articular os traços finos e as cores juntamente com a forma do estímulo, o que caracteriza também uma maior maturidade de processamento. Evidencia também a capacidade de aproveitar ou incorporar as influências emocionais de modo mais maduro e a capacidade de internalizar angústias que pouco está presente nas outras duas faixas etárias mais jovens.

O aumento dessa complexidade também é observado pela frequência maior das variáveis Forma Dimensão, Movimentos Humanos, Conteúdos Humanos, Conteúdos de Experiências Humanas e Respostas Boas de Representações do Humano (FD↑, M↑, H↑, Hx↑, GHR↑) nos testes dos adolescentes (12-14 anos), que indicam maior habilidade de se perceber, perceber o outro e interagir com eles. Da mesma forma, outras variáveis que se destacaram por serem significativamente menores (Determinant Complexity↓, Overall Complexity↓, es↓, S↓, XA%↓, X+%↓, Xu%↓, Pair↓Ego↓, HRV↓), e outras por serem significativamente maiores (FQf-↑, PSV↑, Lambda↑, X-%↑) na faixa etária mais jovem (5-7 anos) reforçam os achados anteriores: quanto mais jovem a criança mais simples e limitado é o seu processamento de informações, menor é a sua atenção aos detalhes, sua produtividade, sua abertura para as experiências e seus recursos psicológicos de uma forma geral para se perceber e interagir com as demais pessoas.

Comparando os resultados médios do presente estudo com os dados de referência médios do estudo brasileiro de Ribeiro, Semer e Yazigi (2012) e de outros estudos relatados por Meyer e cols. (2007), considerando quatro países (Dinamarca, Itália, Portugal e Estados Unidos), no que se refere às variáveis que avaliam a capacidade de ajustamento da percepção, na Tabela 7, observa-se que há nas crianças, independente do país em vivem, uma tendência geral a aumentar a precisão e a convencionalidade da percepção com o aumento da idade (aumento progressivo das variáveis X+%, XA% e WDA% e diminuição progressiva do X-%).

Outro aspecto que se constata na Tabela 7 é o desempenho geral maior das crianças deste estudo nas variáveis que indicam uma percepção mais ajustada da realidade (X+%, XA% e WDA%). Infere-se que esse desempenho relativamente melhor seja consequência do estrito processo de seleção dos participantes, realizado por meio de uma cuidadosa entrevista semiestruturada. Por meio da análise das entrevistas, 29% dos participantes foram excluídos para garantir o critério de normalidade ou de ausência de qualquer psicopatologia. Concorda-se com Ribeiro e cols. (2011) que o uso mais relevante dos dados normativos no Rorschach seria o de ajudar os psicólogos a rastrearem diferentes níveis de dificuldades psicológicas em crianças e adolescentes. Por esse motivo, é importante garantir que a amostra normativa é composta por crianças não problemáticas.

 

 

 

Considerações Finais

Este estudo, que apresentou tabelas de desempenho médio de crianças e adolescentes, compilados em três faixas etárias (5-7, 8-11, 12-14 anos), para 141 variáveis do Rorschach SC, poderá dar apoio aos profissionais, tanto para a investigação de casos clínicos como não-clínicos. Considerando as diferenças entre as faixas etárias no Rorschach, na psicologia clínica, por exemplo, pode ser importante avaliar o desenvolvimento psicológico de crianças e adolescentes em psicoterapia, como também pode colaborar na determinação dos objetivos terapêuticos. Em avaliações forenses, um estudo como este pode ser fundamental para avaliar se a pessoa acusada tem competência ou capacidade de discernimento adequada e se pode ser considerada responsável pelo seu alegado crime em função do nível do seu funcionamento psicológico. Outro exemplo seria na psicologia da educação, na qual este tipo de estudo pode ajudar a esclarecer as necessidades e preocupações dos alunos, mostrando problemas de aprendizagem ou condutas em função da sua maturidade psicológica.

À medida que aumenta a faixa etária dos partipantes, nota-se que as respostas no Rorschach se tornam mais complexas e precisas e, desta forma, contribuem para a avaliação das diferenças entre as faixas etárias. Viglione (1999) já observou no Rorschach que a idade está relacionada à complexidade, assim, pode-se esperar que a evolução do desenvolvimento será evidenciada em uma ampla variedade de diferenciação e integração de variáveis nas respostas e escore no teste, como foi observado no presente estudo. De uma forma geral, com o aumento da idade, os participantes revelaram no Rorschach melhores capacidades cognitivas, de autopercepção, de se envolver em relacionamentos interpessoais, de discriminar e de regular melhor os estados emocionais.

Outra consideração a respeito deste estudo é que ele não é a representação mais adequada da população de crianças e adolescentes que se pretende avaliar com o teste. Apesar do cuidado metodológico na seleção da amostra (amostra aleatória, atenção para que os diferentes níveis socioeconômicos fossem representados por meio da distribuição geográfica e procedência escolar das crianças e adolescentes, ausência de psicopatologias graves), nota-se que alguns aspectos poderiam ter sido mais bem administrados, tais como:

a) o tamanho da amostra: o número de participantes por idade não é substancial. No entanto, considerando os recursos financeiros, a disponibilidade de colaboradores, a porcentagem de perda amostral e um cronograma viável para a conclusão do estudo, só foi possível avaliar 20 e 21 sujeitos por idade.

b) o uso de instrumentos de avaliação psicológica: embora a entrevista semiestruturada tenha se mostrado válida para levantar dados sociodemográficos e de desenvolvimento psicomotor, social, emocional, linguagem e saúde do participante, a utilização de algum instrumento de avaliação psicológica mais objetivo poderia ter sido mais funcional e aumentaria o rigor científico que este tipo de estudo exige, mas isto não diminui a relevância de todas as informações levantadas por meio da entrevista e do Método de Rorschach.

De qualquer forma, os dados obtidos por meio deste estudo podem ser considerados válidos como um parâmetro de desempenho médio de crianças e adolescentes goianienses não pacientes, guardados os riscos da excessiva generalização dessas evidências. Além disso, é importante destacar que todos os dados discutidos neste estudo corroboram os achados de estudos de vários outros autores que trabalharam para contribuir com a construção de normas para suas culturas, baseadas em diferentes faixas etárias (Ames & cols., 1974; Ames & cols., 1971; Exner, 2003; Levitt & Truumaa, 1972; Meyer & cols., 2007; Raspantini e cols., 2011, Ribeiro & cols., 2012).

 

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Recebido em fevereiro de 2012
Reformulado em julho de 2012
Aceito em agosto de 2012

 

 

Sobre os autores:

Ana Cristina Resende: Psicóloga. Doutora em Psicologia, professora de Graduação e Pós-graduação Stricto Sensu e coordenadora da Clínica Escola do Curso de Psicologia da PUC Goiás.
Tereza Cristina Rezende de Carvalho: Psicóloga. Mestre em Psicologia. Professora de Graduação e coordenadora da área de avaliação métodos e medidas do Curso de Psicologia da PUC Goiás.
Weber Martins: Graduado em Engenharia Elétrica. Mestre e PhD em Inteligência Artificial. Professor Titular PUC-Goiás e da Universidade Federal de Goiás (Engenharia de Computação).


1Endereço para correspondência:
Pontifícia Universidade Católica de Goiás Departamento de Psicologia – Área IV Av. Universitária, 1,440, Setor Universitário, 74605-010, Goiânia-GO, Brasil E-mail: anacristinaresende@hotmail.com